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setembro 29, 2009

Cultura refém por Ana Paula Sousa e Thiago Ney, Folha de S. Paulo

Cultura refém

Matéria de Ana Paula Sousa e Thiago Ney originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 19 de setembro de 2009.

Movido a patrocínio público ou privado, mercado cultural brasileiro não consegue se sustentar sozinho; bilheterias, em poucos casos, bancam shows, peças e filmes

Se, numa canetada, acabassem os incentivos fiscais destinados à cultura, os palcos brasileiros esvaziariam. Mesmo aqueles ocupados por artistas que, na discussões sobre a nova Lei Rouanet, têm sido definidos como "consagrados". As bilheterias sozinhas, salvo exceções, não pagam peças, shows e filmes feitos no país. O mercado da cultura brasileiro não é autossustentável.

"O artista famoso precisa de lei", crava Sergio Ajzemberg, que trabalha com marketing cultural. "Existe um circuito fechado de artistas que vivem de Lei Rouanet", diz Juca Muller, produtor de shows nacionais (Detonautas) e internacionais (Earth Wind & Fire). "As empresas querem associar suas marcas aos grandes nomes, não a desconhecidos." As leis, além de tornarem mais visível quem já tem nome, inflaram os custos e agigantaram o mercado cultural. Mas teria o público acompanhado esse ritmo? Os números indicam que não.

O dinheiro de imposto que as empresas destinam à cultura beneficiou certos artistas, mas não chegou à população. É esse descompasso entre produção e acesso que tem feito com que sejam contestados projetos bancados com lei e, ainda assim, caros. "Os automóveis têm redutor de IPI e as pessoas entendem o porquê. No caso da cultura, isso não é totalmente aceito", diz o advogado Fábio de Sá Cesnik. "Todo mundo diz que o teatro é caro. É? Alguém sabe quanto eu gasto para produzir uma peça?", pergunta Antonio Fagundes.

E quanto custa a turnê de um músico? A bilheteria é capaz de bancar todos os custos?

Depende. Leninha Brandão (que trabalha com Vanessa da Mata e Lenine) diz que precisou captar R$ 660 mil de uma empresa de cosméticos para que Lenine fizesse um disco e shows em diversas capitais do país com ingresso a R$ 40.

Já Marcelo Lobato (de Marcelo D2 e Pitty) afirma que a bilheteria paga as despesas. "Faço a agenda de meus artistas e vendo os shows para contratantes locais. Ou esses contratantes pagam os cachês usando bilheteria ou se viram para arrumar patrocínio."

A discussão torna-se ainda mais complexa quando a cultura confunde-se com o entretenimento -em tese, comercialmente viável. "Quem trabalha com entretenimento tende a entregar às pessoas o que elas querem, ou seja, pensa no freguês. Às vezes isso tem ligação com a cultura, às vezes não", delimita Pena Schmidt, superintendente do Auditório Ibirapuera. "Mas essa linha é tênue", diz, lembrando que, do rei que encomendava obras a um artista, passando pelo Estado e pelas gravadoras, a música sempre foi subsidiada.

Schmidt se pergunta se poderia ser diferente. E responde: "Com a estrutura de teatros que temos, não. Fala-se muito nos cinemas, mas os teatros também foram vendidos para igrejas. Por não haver incentivo para a construção de teatros, proliferou a indústria do montar e desmontar palcos. Nas casas pequenas, o que banca um show é a venda de bebidas."

No Auditório Ibirapuera, a bilheteria responde por 10% do orçamento da casa. Parte é bancado pela TIM, sem leis, e parte vem do aluguel para eventos fechados. No Teatro Alfa, a conta é semelhante. A bilheteria responde por 20% do orçamento. Metade da arrecadação vem dos patrocínios e 30% do aluguel para eventos.

Segundo Elizabeth Machado, superintendente do Alfa, um espetáculo orçado em R$ 600 mil rende, na bilheteria, cerca de R$ 100 mil. Por que a conta não fecha? "Porque eu teria de cobrar R$ 400 reais. E aí a conta não fecharia porque o teatro não lotaria." O produtor Emílio Kalil, que trará o grupo de Pina Baush para o Brasil, ainda não conseguiu patrocínio e, apesar dos ingressos esgotados, antevê o prejuízo. "A temporada custa R$ 1 milhão. São 58 pessoas, dois contêineres, dez dias de hotel, locomoção, estrutura técnica. É uma estrutura caríssima, que o público não vê, diz.

E antes das leis, como isso era pago? Em primeiro lugar, é preciso dizer que, pós-leis, cerca de 100 mil empresas prestadoras de serviço -de alimentação a luz- se oficializaram para entrar na engrenagem de notas fiscais e prestação de contas. "Se você quer filmar numa esquina, o dono da padaria te cobra. Há 30 anos não era assim", exemplifica o cineasta Hector Babenco. Mas há outras respostas.

"Muitos produtores iam chorar no colo dos governos", diz Kalil. "O governo brasileiro, historicamente, trabalhou com incentivos. Nos anos 1970, as gravadoras tinham desconto nos impostos se investissem em artistas nacionais", diz Cesnik. Há quem vá mais longe. "Tínhamos uma população acostumada a ir ao teatro, ao cinema", diz Ajzemberg. É essa uma das diferenças entre o Brasil e os países europeus. "A média da população brasileira não consome cultura."

Na música, patrocínio divide os artistas

Arnaldo Antunes recorre a apoio; Teatro Mágico vive só de bilheteria

Produtores culturais reclamam que sem o incentivo de empresas, ingressos ficariam ainda mais caros no Brasil

É possível para um artista sair em turnê pelo Brasil, cobrar preços razoáveis pelo ingresso e bancar os custos apenas com dinheiro de bilheteria, sem o apoio de patrocínios ou incentivos fiscais? No universo da música, essa questão motiva respostas diversas.

Arnaldo Antunes, por exemplo, acaba de lançar disco e sair em turnê. A série de shows terá 17 apresentações, com o ingresso mais caro valendo R$ 30. Esse valor só foi possível porque as despesas totais da turnê (R$ 1 milhão) foram custeadas por uma empresa de cosméticos.

"Sem o patrocínio, o ingresso iria para R$ 60. E teríamos que torcer para empatarmos os custos", afirma Ayrton Valadão Jr., da Agência Produtora, responsável pelos shows.

Segundo Valadão Jr., o patrocinador solicitou ao artista que fossem cobrados ingressos a preços populares e que a turnê passasse por cidades como Campinas e Ribeirão Preto.

No caso de artistas como Roberto Carlos, por exemplo, as turnês podem ser bancadas inteiramente por patrocínio direto (sem o uso de leis de incentivo). As apresentações do Rei neste ano vão passar por 18 cidades, e estão sendo custeadas por um banco. O cachê de RC pode chegar a R$ 450 mil, segundo produtores ouvidos.

O que o patrocinador recebe em troca? "Montamos camarotes, temos acesso ao camarim e usamos a imagem do artista em campanhas institucionais", diz Fernando Chacon, do Itaú, que patrocinou Roberto Carlos.

O cantor Lenine segue esse mesmo exemplo. Para gravar um disco e sair em turnê pelas principais capitais do Brasil, captou R$ 660 mil com uma empresa patrocinadora. Dessa forma, argumenta a empresária Leninha Brandão, Lenine pôde cobrar R$ 40 por ingresso.

Se no panorama nacional as opiniões são divididas, no internacional são quase unânimes: para trazer grandes artistas de fora, é necessário o amparo de patrocinadores.

Isso porque, nesta década, o Brasil tornou-se uma espécie de "paraíso dos cachês". Devido aos festivais corporativos, que inflacionaram o mercado ao competirem para trazer os mesmos artistas, aqui paga-se cachês semelhantes aos do Japão, os mais altos do mundo.

Uma exceção é o festival Maquinaria, que acontece em São Paulo em 7 e 8 de novembro, na Chácara do Jockey. Seu custo total, de cerca de R$ 4 milhões, está sendo bancado pelos organizadores -que esperam reaver o investimento com a venda de 50 mil ingressos, ao custo médio de R$ 200 cada um.

A Folha apurou que a principal atração do evento, a banda americana Faith No More, foi oferecida a outros produtores por cachês de US$ 300 mil.

Até alguns anos atrás, os artistas recebiam das gravadoras uma verba chamada "tour support", para auxiliá-los nas turnês. O Planet Hemp chegou a receber, nos anos 90, US$ 50 mil de tour support.

"Isso acabou há quatro anos", diz Alexandre Schiavo, presidente da Sony. A razão é a crise do mercado fonográfico.

Fenômeno comercial forjado no boca-a-boca e na net, o grupo musical/performático Teatro Mágico já passou por 160 cidades desde 2008. Os shows são organizados inteiramente pelo grupo (o custo total de cada apresentação é, em média, de R$ 40 mil, apurou a Folha).

Alexandre Schiavo, da Sony, diz que outro problema são as despesas com gravação de CDs, que podem chegar a R$ 400 mil -fora a verba de marketing, em alguns casos, de mais R$ 500 mil. Dinheiro pago pelas gravadoras. A Sony é casa de artistas como Zezé Di Camargo & Luciano e Roberto Carlos.

Já a o Mundo Livre S/A tem dificuldades para captar R$ 40 mil para custear o lançamento de seu próximo disco. (THIAGO NEY)

Posted by Patricia Canetti at 9:52 PM

setembro 28, 2009

Nos jardins do funk por Paula Alzugaray, Istoé

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 24 de setembro de 2009

Obras recentes de Dias & Riedweg desafi am tabus e tecem relações entre violência e prazer

Enquanto os jardins do Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, se preparam para um baile funk comemorativo da aprovação da lei que define o funk carioca como movimento cultural (a festança está prevista para acontecer em 26 de outubro), o circuito de arte paulistano recebe a videoinstalação "Funk Staden", que já levou o ritmo a 15 museus da Europa e dos Estados Unidos. De autoria de Dias & Riedweg, a obra foi comissionada pela Documenta de Kassel, na Alemanha, em 2007, e agora tem sua primeira montagem em território nacional na mostra "Paraísos Possíveis", que reúne oito trabalhos recentes da dupla formada pelo brasileiro Mauricio Dias e o suíço Walter Riedweg.

Se o funk é habitualmente associado ao crime organizado, é muito menos comum compará-lo às práticas canibais do século XVI. A associação rendeu à "Funk Staden" muita controvérsia. A obra chegou a ser condenada como "politicamente incorreta" pela crítica americana, mas, em contrapartida, está entre as mais recentes aquisições do Centro Georges Pompidou, de Paris. Trata-se de uma encenação dos episódios do livro "História Verdadeira", de Hans Staden, realizada por funkeiros do morro Dona Marta, no Rio. No relato, o navegador alemão descreve o ritual de canibalismo a que foi submetido após ser capturado por índios tupinambás no litoral brasileiro. Na videoinstalação, as cenas de devoração são "revividas" pelos dançarinos de funk durante um churrasco no morro.
LIVRO VIRTUAL A imagem da favela ilustra a reedição do livro de Hans Staden

"O imaginário visual do funk que aparece nas páginas policiais dos jornais cariocas é muito próximo das ilustrações do livro de Staden: corpos mutilados para serem devorados publicamente", diz Riedweg. "O trabalho cria desconforto porque a história de marginalização continua até hoje", afirma Dias.

A obra entra no campo espinhoso do preconceito e da discriminação. Atitudes que, teoricamente, serão "punidas" com o aval dos dois projetos de lei de proteção ao movimento funk, aprovados na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa do Rio, no início de setembro. Mas "Funk Staden" também procura fazer uma revisão da ideia de "paraíso" e de todas as utopias, fantasias e ficções que historicamente lhe são constitutivas. A ideia de paraíso permeia toda a exposição. O mais recente trabalho da dupla, "Paraíso Cansado", feito durante a Segunda Bienal de Canárias, em 2008, propõe uma viagem ao território dos desejos e das aventuras sexuais praticadas publicamente no deserto de Maspalomas, em Tenerife.

Roteiros

Conexões latinas

O cubismo e seus entornos nas coleções na Telefonica/Pinacoteca do Estado, SP/ de 29/09 a 1/11

Os livros de história da arte ensinam: Picasso e Braque são os primeiros grandes mestres do cubismo. Depois aparecem Juan Gris, André Lhote e Albert Gleizes para dar continuidade à tradição de observar o mundo sob a ótica geométrica. Até aqui, o cubismo era uma história localizada em Paris, nas primeiras décadas do século XX, fruto do diálogo e da interação entre artistas espanhóis e franceses. Em exibição em São Paulo, a mostra "O Cubismo e Seus Entornos nas Coleções da Telefônica" apresenta uma seleção de 40 obras que relativizam a concepção do cubismo como um movimento essencialmente europeu.

Com presença crescente em território latino-americano nos últimos dez anos, é notável que a empresa de telecomunicações espanhola Telefônica apresente oito artistas de países da América Latina em seu acervo cubista. Integram a mostra obras dos uruguaios Rafael Barradas e Joaquín Torres García; dos argentinos Alejandro Xul Solar, Emilio Pettoruti e Horacio Coppola; do chileno Vicente Huidobro; do peruano Martín Chambi e do brasileiro Vicente do Rego Monteiro, que tem na coleção a tela "Os Talheres", de 1925 (foto). Da grande estrela do cubismo espanhol, Juan Gris, a Telefônica apresenta 11 obras.

"O Cubismo e Seus Entornos" finaliza em São Paulo sua itinerância na América do Sul. Com esta exposição, a Fundação Telefônica marca o início de seu programa de exposições no Brasil. Com foco sobre a arte moderna, o País passa a integrar o projeto "Arte e Tecnologia" da empresa. Já em Buenos Aires e em Lima, onde a fundação já conta com sedes próprias e espaços expositivos, o enfoque é sobre a arte produzida com novas tecnologias.

Colaborou Fernanda Assef

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 2:23 PM

Pazé brinca com ícones da pintura, por Maria Hirszman, Estado de S. Paulo

Matéria de Maria Hirszman originalmente publicada no Caderno 2, do jornal O Estado de S. Paulo em 28 de setembro de 2009.

O artista exibe sua obra impactante sobre arte ocidental na Casa Triângulo

Quem entrar na Casa Triângulo para ver as novas obras de Pazé se surpreenderá com um cenário inusitado. O artista transformou 500 anos da arte ocidental num gigantesco e impactante jogo, criando um desafiante quebra-cabeças composto por grandes ícones da pintura, desde o renascimento até a modernidade, organizados segundo critérios bastante precisos e de efeito potente. Tirando o visitante de sua confortável posição de espectador para colocá-lo no centro de uma lógica de apropriação e acúmulo, o artista subverte uma série de regras, transgride todos os critérios de organização, exibição e valoração das obras de arte. Ao utilizar um processo barato, usado normalmente para decorar caminhões, e criar um bricabraque de períodos e estilos distintos, ele retira o caráter único e individual de cada tela - ou melhor, explicita sua ausência num mundo tão ávido e saturado por imagens - para compor a sua coleção, a partir de regras próprias, muito particulares.

Há uma estrutura ordenadora, a tela Arquiduque Leopoldo Guilherme em sua galeria de pinturas em Bruxelas, pintada em 1647 por David Teniers o Moço. Mas as dezenas de pinturas que ocupam essa galeria do século 17 acabaram sendo cuidadosamente retiradas e substituídas por aquelas pertencentes ao acervo criado por ele. As molduras foram mantidas, mas a ordem e as dimensões alteradas conforme sua conveniência. Dois critérios nortearam a escolha das telas da instalação de Pazé: um de caráter mais prático, outro mais visual ou poético: a) as obras teriam de ser de domínio público, ou seja, seu autor teria que ter morrido até fim dos anos 30, viabilizando assim sua inclusão sem criar infindáveis problemas relativos a direitos de imagens; e b) as telas deveriam ser retratos, individuais ou coletivos, em que pelo menos um dos retratados estivesse olhando fixamente para quem está diante dele. Assim, não somos apenas nós que olhamos para Matisse, Ticiano, Rafael, Klimt, Ismael Nery (o único modernista brasileiro), Manet... Seus personagens nos encaram, nos desafiam a lembrar quem são aqueles rostos tão familiares agora armazenados segundo critérios novos e bem-humorados. Uma terceira regrinha contribui ainda mais para reforçar os laços invisíveis entre essa galeria de personagens. Foram barrados todos os grandes dignatários. Na coleção de Pazé não há lugar para reis nem para o alto clero.

Para reforçar o caráter provocativo da instalação, ele organizou sua coleção de forma especular, prendendo o visitante numa repetição sem-fim. Como num jogo de espelhos, estão dispostos numa pequena sala quatro versões distintas dessa gigantesca galeria de pinturas. O vinil que recobre a parede da esquerda possui exatamente os mesmos quadros que aquele instalado à sua frente, mas como se fosse um reflexo do espelho, ou seja invertem-se as posições das figuras. O mesmo ocorre com as paredes frontal e traseira. "É como num jogo de espelhos", explica o artista, que situa como ponto de origem de sua obra a leitura da Coleção Particular, de Georges Perec, e se diverte em transformar a arquitetura moderna do cubo branco num gigantesco trompe l"oeil.

Mas nem só os retratos foram alvo do artista nessa exposição. Além de sua coleção, ele também se debruçou sobre imagens de pássaros extraídos de naturezas-mortas, que exibe no segundo andar da galeria. Aqueles que se surpreendem com essa overdose de figuração e de história em sua produção, em contraposição ao caráter abstrato e sedutor de seus trabalhos com canudos - responsáveis pelo seu despontamento como um dos nomes de maior destaque de sua geração -, Pazé ressalta o que há de comum entre os dois trabalhos. "Eles se aproximam no acúmulo", diz. Q

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 1:33 PM

Casório engorda orçamento de museu por Jotabê Medeiros, Estado de S. Paulo

Casório engorda orçamento de museu

Paço das Artes, que fica dentro da Universidade de São Paulo, abrigou festa no sábado, e direção afirma que prática é comum

Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no Caderno 2, do jornal O Estado de S. Paulo em 24 de setembro de 2009.

Em São Paulo, casar em um museu pode virar tendência. No último sábado, às 16 horas, a concorrida festança foi durante o casamento da filha de uma bem-sucedida galerista da cidade, nas dependências do Paço das Artes, instituição pública no terreno da Universidade de São Paulo, também espaço público.

Segundo a direção do Paço das Artes, o casamento na instituição aconteceu fora do espaço expositivo e teria inclusive gerado benfeitorias no local - no subsolo do Paço, espaço que a direção considera degradado, os noivos teriam feito o acabamento dos sanitários e reformaram salas de apoio.

O diretor administrativo-financeiro da Associação de Amigos do Paço das Artes, Selim Harari, afirma em nota oficial que a cessão dos museus geridos pela associação para cerimônias desse tipo é muito comum - em outros tipos de eventos, mas foi o primeiro casamento (o Museu da Imagem e do Som jamais teria abrigado um casamento, segundo a gestão).

"Sim, essa é uma prática usual para instituições culturais que dependem, além do repasse público, de apoios e patrocínios externos. Muitos outros espaços culturais públicos realizam eventos por locação, ou cedem suas instalações para eventos como contrapartida para patrocinadores e parceiros."

Harari explica que isso ocorre porque as Organizações Sociais têm o compromisso de arrecadar, em patrocínios e apoios, em média de 5% a 10% do valor do contrato de gestão assinado com o Governo do Estado de São Paulo. A Associação de Amigos do Paço das Artes recebeu R$ 3 milhões do governo do Estado, no dia 6 de maio (segundo publicação no Diário Oficial) para desenvolvimento de suas metas. Pelo aluguel do espaço do museu para o casamento, recebeu R$ 18 mil.

"Por exemplo, no caso de um equipamento com orçamento de R$ 3 milhões, a Secretaria de Estado da Cultura exige a arrecadação de R$ 150 mil a R$ 300 mil. Com respaldo legal, essa arrecadação pode ser obtida através da locação de espaços, desde que garantido o respeito às limitações técnicas relativas à conservação e segurança do patrimônio público e o não prejuízo das atividades-fim (programação artística e educativa) da instituição."

O Paço das Artes está aberto ao público durante os fins de semana em caráter especial, uma vez que a USP fecha nesses dias. Seu horário de funcionamento, contudo, está previsto para encerrar-se às 17h30 nos sábados e domingos. O convite para o casamento orientava os convidados a pedirem informações aos vigias da universidade sobre como chegar ao local.

A realização desses eventos com espaço alugado não é objeto de publicação no Diário Oficial do Estado de São Paulo, informa o Paço das Artes. "Quanto à publicidade de suas ações, as Organizações Sociais têm o compromisso de realizar gastos mediante a comparação entre diversos concorrentes, bem como o de apresentar publicamente suas prestações de contas, em detalhe, exigências que a Associação de Amigos do Paço das Artes cumpre com rigor", afirmou Harari.

O Tribunal de Contas do Estado (TCE) não considera que o Paço das Artes cumpriu com rigor a obrigação de prestar contas no tocante ao ano de 2007. Em 10 de junho deste ano, o TCE notificou a Secretaria de Estado da Cultura por irregularidades encontradas na prestação de contas de 2006 da instituição. "A 3ª Diretoria de Fiscalização, por meio do laudo de fls. 102/119, apontou diversas irregularidades a respeito da matéria", diz o despacho. O tribunal deu 30 dias para esclarecimentos.

Criado em 1970, o Paço das Artes é um espaço cultural multidisciplinar. Segundo o governo, seu objetivo é promover exposições e ações culturais de formação e reflexão abrangendo diferentes segmentos das artes visuais: pintura, gravura, desenho, escultura, objeto, instalação, fotografia, videoarte, videoinstalação, performance, happening, arte online, ciberarte, Software Art, multimídia, novas mídias (eletrônicas e digitais) e abrigar novas propostas curatoriais.

O fato de a noiva do casamento de sábado ser filha de uma galerista importante não é considerado relevante pelo Paço das Artes. "Não encontramos motivo de suspeição, já que foram respeitados os procedimentos e as normas de preservação do patrimônio, bem como as exigências legais", informa Harari. Segundo ele, o fato de o governo admitir legalmente que as Organizações Sociais complementem seus orçamentos com aluguel de espaço denota que "que a própria esfera pública admite a insuficiência do orçamento".

Posted by Patricia Canetti at 12:10 PM | Comentários (1)

setembro 25, 2009

Paulo Sergio Duarte responde às matérias dos jornais de São Paulo contra Inhotim

A razão dessas matérias contra a Coleção Bernardo Paz em Inhotim encontra-se em alguns pontos:

1. É possível que se a Coleção estivesse instalada em Tremembé (SP) e não em Inhotim (MG) seria tratada de modo diferente.

2. Se a coleção tivesse sido construída e cedida em comodato para um órgão público, com o ônus no orçamento público que isso acarretaria, e não tivesse sido objeto de um pesado investimento patrimonial num ambiente exemplar e com edificações igualmente exemplares para abrigar as obras seria tradada de forma diferente como o são as diversas coleções cedidas a museus em São Paulo e no Rio de Janeiro. Lembro que a cessão em comodato não é doação, transfere-se ao órgão mantenedor todos os ônus de preservação, conservação e proteção (segurança) decorrentes da existência da coleção e conserva-se o direito de propriedade e de herança sobre o patrimônio cedido.

3. Por último, e talvez o mais importante, se o Centro de Inhotim e sua coleção tivessem sido construídos com recursos oriundos dos tesouros > públicos por meio de renúncia fiscal, as chamadas leis de "incentivo à cultura" e ocupassem terrenos e prédios públicos, talvez não estivessem sendo atacados. Isenções fiscais das quais gozam todos os jornais na compra do papel usado na sua impressão (incentivo que, diga-se de passagem, sou a favor de ser mantido e por muito tempo num país de analfabetos, a começar pelo analfabetismo da elite).

Digo e repito, qualquer país do mundo teria orgulho de possuir um Centro de Arte como Inhotim. Os ingleses se orgulham, e com razão, do British Museum, no qual parte significativa do acervo foi saqueada de colônias e por ocasião de ocupações militares e transportada como butim. Os franceses, igualmente com razão, se orgulham da sua place de La Concorde que ostenta um obelisco egípcio que não foi comprado, bem como de parte significativa do Museu do Louvre que foi obtido da mesma forma que aquela de Londres.

Aqui são certos brasileiros que tomam a iniciativa de derrubar uma iniciativa exemplar no campo da arte como Inhotim. Deveríamos estar torcendo para que todas as instâncias públicas se envolvessem nesse projeto para apoiá-lo e garantir sua continuidade. Ainda por causa de Inhotim, rogo, que não me venham dar lições de como funciona o capitalismo. Sei disso desde os quatorze anos de idade. Mais tarde li e estudei "O Capital" com um grupo de amigos que conservo até hoje, militei contra a ditadura e paguei por isso, não o preço tão alto quanto os que foram torturados e/ou assassinados. Por isso não me venham convencer que o dinheiro de Bernardo Paz é mais "sujo" que o do Rockfeller que deu a partida na construção do MOMA, o do Simon Guggenheim ou o do Paul Getty.

Qualquer adolescente que se inicia no estudo da psicanálise sabe o significado que Freud dava ao dinheiro.

Por que até hoje nenhum desses jornais que atacam Inhotim fez uma reportagem sobre o Museu de Arte de Brasília? Vai aqui, de graça, uma dica de pauta. Trata-se da capital da república que vai completar cinquenta anos em 2010. Diz-se que se trata da capital de um país com mais de oito milhões de quilômetros quadrados, cento e oitenta milhões de habitantes, décima economia do mundo. Onde está o Museu de Arte de sua capital? No antigo Clube das Forças Armadas, depois transformado em "Casarão do Samba", e, em 1985, transformado em Museu de Arte. Ficava num lugar ermo à beira do lago Paranoá. Agora este sítio está habitado por um conjunto hoteleiro de arquitetura pífia, muito semelhante a esses prédios de nouveaux riches com colunatas e coluninhas, cujos prédios, entre outros nomes, foram batizados de Fort Lauderdale e Key Biscayne. Por Brasília, passaram treze presidentes desde sua fundação (para não falar dos dois interregnos de Ranieri Mazzili e da tróica de ministros militares) entre democratas e ditadores, intelectuais e um operário. Onde estará o museu de arte da capital do Brasil ao completar cinquenta anos? No mesmo lugar: no antigo Clube das Forças Armadas. Acervo existe para dar início a um museu de verdade, além daquele, razoável mas mais que modesto que se encontra no museu; basta consultar as listas de obras que se encontram em posse e propriedade de instituições como o Banco Central, a Caixa Econômica Federal, e outros órgãos públicos. Depois seria traçar uma política correta de aquisições (como Bernardo Paz). Por que não lançar um concurso público internacional de arquitetura para o futuro museu de arte de Brasília agora? Peço isso para que meus tetranetos não paguem o mesmo mico que estou pagando.

Por que não fazer uma matéria sobre o Museu de Arte de Brasília e os 50 anos da capital em vez de atacar o que dá certo? Só existem três instituições de arte que funcionam efetivamente no país como deveriam: a Pinacoteca do Estado de São Paulo, Inhotim e o Museu do Pontal, no Rio de Janeiro. Todo o resto está devendo, alguma coisa - uns muito, outros menos -, mas está.

Paulo Sergio Duarte

Posted by Patricia Canetti at 1:09 AM | Comentários (6)

setembro 23, 2009

Corpo é trampolim para Pipilotti Rist por Fernanda Ezabella, Folha de S. Paulo

Matéria de Fernanda Ezabella originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 23 de setembro de 2009.

Artista suíça vem ao país apresentar 11 videoinstalações no Paço das Artes e no Museu da Imagem do Som, em outubro,

Ela pretende viajar por Minas Gerais num ônibus alugado e fazer pesquisa sobre a relação de europeus e brasileiros com as cores

Vulvas vistas tão de perto que deixam de ser vulvas, se transformam em apenas superfícies úmidas e vermelhas, percorridas por uma câmera como se "procurasse ouro", descreve Pipilotti Rist. A descrição pode chocar algum espectador, mas não é esse o objetivo da artista suíça, que usa o corpo como base para muitos de seus vídeos. Ela está somente em busca da poesia da imagem.

"O que mais temos além do nosso corpo?", pergunta Rist, 47, em entrevista à Folha por telefone, de Zurique.

"Ginas Mobile" (2007), que registra em close quase microscópico cinco vulvas, está entre as dez videoinstalações em exibição no Museu Paço das Artes, em São Paulo, a partir de 6/10. A artista chega amanhã à cidade para sua terceira visita ao país. Ela falará com o público da mostra e depois seguirá numa viagem por Minas Gerais.

Mas Rist, uma das pioneiras da segunda geração da videoarte, tem sim muito além do corpo para criar suas engenhosas videoinstalações. Ela conta com uma equipe para ajudá-la em projetos às vezes um tanto complicados, como levar imagens para tetos de igrejas repletos de afrescos, para o chão de museus ou mesmo pelo corpo do espectador. Registros da natureza também são importante fonte de suas imagens poéticas.

"Podemos usar as luzes, os movimentos do vídeo para nos confortar. Você se senta e coloca as imagens para passear por sua pele, é como alguém te acariciando", diz Rist sobre o trabalho "Laplamp" (2006), que projeta plantas no colo do espectador. "A imagem eletrônica é tão onipresente em nossa vida e sempre a deixamos numa única direção, olhamos sempre para dentro de uma caixa. Nós devíamos libertar esses fantasmas, misturá-los mais com o nosso cotidiano."

Assim como não tem medo do corpo, Rist também não teme as cores, peça fundamental de sua vida. Ela é sempre vista com roupas de cores vibrantes e faz delas tema de pesquisa pessoal. "Por que os europeus têm mais medo das cores do que os brasileiros têm?", ela pergunta durante a entrevista. "Não concorda que as cores estão muito ligadas a emoções?"

É para responder perguntas como essas que ela fará uma viagem de duas semanas por cidades históricas mineiras, com uma parada estratégica em Brumadinho, no Centro de Arte Contemporânea de Inhotim.
Ela negocia levar à cidade a obra "Homo Sapiens Sapiens" (2005), exibida numa igreja de Veneza e filmada nos jardins do próprio centro mineiro, em 2005. Uma continuação desse trabalho estará no Museu da Imagem do Som, ao mesmo tempo em que a mostra no Paço das Artes. A atriz polonesa Ewelina Guzik volta a ser Eva em "Liberty Statue for London" (2005), também projetado no teto da instituição.

"Em "Homo Sapiens Sapiens", ela [Eva] estava no paraíso, cercada de homens, todos pelados, e na "Liberty Statue" ela volta à civilização, 40 mil anos depois. Ela está vestida, tentando se balancear entre natureza e civilização, sem se sentir culpada", explica.

John Lennon
Outra faceta da obra de Rist é um certo tom anárquico, que pode ser visto numa de suas instalações mais famosas, "Ever Is Over All" (1997) -uma mulher caminha alegremente, em câmera lenta, destruindo janelas de carros estacionados, com uma espécie de flor.

Apesar do forte apelo feminista, o trabalho de Rist começou por influência da música e da cultura pop. Vídeos cômicos como "I'm Not The Girl Who Misses Much" (1986), uma releitura bem esquisita da canção "Happiness is a Warm Gun", de John Lennon, ou "You Called Me Jacky" (1990), no qual a artista dubla outra música, estarão na instalação "The Room" (estão no YouTube também).

"A música está muito próxima à batida de nosso coração, ao interior de nosso corpo", diz Rist, que no início dos anos 80 fazia experimentos com Super-8 e projeções de slides em shows de seus amigos músicos.

A inspiração para tantas fantasias, ela conta, vem de seus sonhos, que ela anota e desenha. "Minha profissão é manter os olhos fechados e levar essas imagens a sério. Materializá-las num filme", diz, rindo.

Posted by Cecília Bedê at 4:28 PM

setembro 18, 2009

Inhotim, um projeto de interesse público, resposta do Instituto Inhotim

Resposta do Instituto Inhotim às matérias veiculadas na imprensa recentemente.

Veja as matérias:
Minas dá benefício a suspeito de sonegação por Breno Costa e Mario Cesar Carvalho, Folha de S. Paulo
Empresa recebeu R$ 230 mi de paraíso fiscal, Folha de S. Paulo
Mecenas de Inhotim nega ser réu em ação penal, Folha de S. Paulo
Empresário diz que cumpre legislação, Folha de S. Paulo

Inhotim, um projeto de interesse público

Matérias recentes publicadas em jornais de São Paulo ocupam-se do Instituto Inhotim. Em vista das muitas incorreções presentes nos textos veiculados, da evidente tentativa de denegrir a imagem do Instituto e do uso de uma linguagem jornalisticamente inusitada, alguns esclarecimentos, a bem da verdade, se fazem necessários.

Como é sabido, e comprovado pelo crescimento exponencial e socialmente diferenciado da visitação, Inhotim reúne, em um espaço singular, acervos em arte contemporânea e em botânica. A estes acervos, de reputação internacional, o Instituto Inhotim acrescenta a responsabilidade por um amplo programa educativo, destinado a professores e estudantes das escolas públicas, em Brumadinho – sede, zona rural, distritos e povoados - e em Belo Horizonte, programa este que atendeu, ao longo de 2008 e 2009, mais de
30 mil alunos. E mais: além dos programas educativos, são desenvolvidas múltiplas atividades de inclusão e fortalecimento da cidadania, no campo cultural e turístico, todas encaminhadas de maneira a robustecer sempre mais a autonomia das comunidades parceiras. Os números comprovadores de tudo isto são públicos e estão disponíveis, daí a perplexidade causada pelas citadas matérias.

Inhotim já é uma realidade indiscutível. Portanto, usar, para caracterizá-lo, o termo delírio é, recorrendo a uma expressão que a cortesia mineira obriga, uma impropriedade. Inhotim é um destino já consolidado e, junto com Ouro Preto, lidera o fluxo turístico em Minas Gerais e começa a se colocar como destino turístico nacional. Aos valores normalmente agregados aos espaços turísticos, Inhotim adiciona um expressivo valor cultural em arte e botânica.

Inhotim está crescendo, como é de esperar de todo museu qualificado e novas aquisições ampliam incessantemente os seus acervos em arte e botânica. A consulta à mídia internacional no campo das artes evidencia o lugar singular que Inhotim ocupa no conjunto dos grandes museus internacionais em arte contemporânea. A título de exemplo, vale lembrar que as inaugurações previstas para outubro próximo constituirão um expressivo acréscimo ao já importante parque de arte contemporânea.

Inhotim é uma experiência inédita no campo da cultura. Sem perder nada do seu caráter de referência internacional, atua em todo o entorno de Brumadinho, certo que está de que a distinção entre o local e o global deve ser vista de forma complementar e não como uma cisão inevitável.

Comprometido com os valores que marcam a contemporaneidade, o Instituto Inhotim vem procurando conferir um caráter sempre mais público a cada uma das atividades nele desenvolvidas.

O museu com seus acervos, idealizado e construído por Bernardo Paz, que é tratado de forma inaceitavelmente jocosa na matéria, é caso raro de mecenato num país onde a riqueza raramente assume alguma responsabilidade pública. A irradiação da experiência que deu lugar a Inhotim certamente
seria um serviço à cultura de nosso país.

Ataca-se o Instituto Inhotim, ataca-se seu idealizador, Bernardo Paz, ataca-se o governo de Minas Gerais. Em outros tempos, reclamava-se de Minas Gerais por um suposto atraso em relação a outros estados da federação. Desta vez, Minas é atacada pela sua contemporaneidade. Curioso sinal dos tempos, mas nem por isto o ataque é mais aceitável.

Instituto Inhotim

Posted by Cecília Bedê at 1:38 PM | Comentários (1)

Incentivo perde abatimento de 100% por Jotabê Medeios, O Estado de S. Paulo

Matéria Jotabê Medeiros originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de setembro de 2009.

Segundo Ministério da Cultura, texto que vai ao Congresso deve fixar participação privada em pelo menos 20% no mecenato

O texto da reforma da Lei Rouanet deve trazer uma novidade que promete gerar acalorada discussão: não haverá mais a possibilidade de dedução de 100% do valor investido num projeto com renúncia fiscal.

No início do plano de reforma, anunciado no primeiro semestre, o novo texto previa 6 faixas de dedução do imposto devido para fins de renúncia fiscal: 100%, 90%, 80%, 70%, 60% e 30%. Os debates subsequentes, no entanto, teriam criado a sensação de que era preciso exigir uma contrapartida maior da iniciativa privada.

Segundo o Ministério da Cultura, os próprios empresários pleitearam a participação de no mínimo 20% de dinheiro privado no processo de incentivo fiscal. "É um piso mínimo. Dessa forma, o mecenato será de fato uma parceria público-privada", diz o ministro interino da Cultura, Alfredo Manevy.

Manevy diz que prefere não falar no "fim dos 100%" de abatimento, para não criar um "pavor injustificado" entre os produtores culturais. Segundo o governo, o fato de que o novo sistema de incentivo fiscal terá fundos de incentivo direto (sem a necessidade de captação no mercado) será suficiente para dar segurança às artes.

Pela nova legislação, metade do dinheiro arrecadado pelo Fundo Nacional de Cultura deverá ser obrigatoriamente repassado a Estados e municípios. Mas trata-se de um dinheiro "carimbado", ou seja, não poderá ser utilizado em despesas de custeio dos Estados e municípios - terá de ser necessariamente transferido a artistas e produtores por meio de editais públicos.

A extinção dos 100% de dedução fiscal já provoca uma grita forte em alguns setores da cultura. "Vai ser um apagão cultural", brada Odilon Wagner, presidente da Associação de Produtores Teatrais Independentes (APTI). "Eles vão dar o golpe fatal e enterrar a cultura de vez", reclamou

Segundo Wagner, as grandes empresas que propuseram a contrapartida mínima de 20% já têm condições de bancar esse investimento, mas é um universo pequeno entre os financiadores da cultura. "E as pequenas? Temos entre 3 a 4 mil empresas apenas apoiando a cultura, e a maioria são pequenas. Com 100% de dedução fiscal a gente já não consegue patrocínio, então imagina com 80%", afirmou o ator, que diz que sua reivindicação é referendada por mais de 50 entidades do País.

A posição de Odilon não é majoritária. Movimentos de teatro como o Grupo 27 de Março e o Movimento Redemoinho (que une grupos teatrais de 14 Estados do País) querem a supressão pura e simples do mecanismo de renúncia fiscal. A Cooperativa Paulista de Teatro defende um sistema mais sólido de apoio federal à cultura, com a aprovação da PEC 150 (emenda constitucional que destinaria 2% do Orçamento da União para o setor. Outros produtores ouvidos pela reportagem perguntam se a decisão foi acompanhada de um estudo de impacto no emprego do setor. "As empresas dizem que topam entrar com 20%, mas manterão volume de investimentos? Essa é a questão", disse um consultor.

A reforma da Rouanet (Lei n.º 8.313, criada em 1991 e principal fonte de incentivo cultural no País) atrasou em relação à previsão inicial. Nem os próprios dirigentes de fundações e institutos ligados ao ministério conhecem seu teor completo. Segundo o MinC, esta semana haveria a última reunião na Casa Civil para formatar o projeto.

Posted by Cecília Bedê at 1:30 PM

setembro 17, 2009

Empresário diz que cumpre legislação, Folha de S. Paulo

Matéria originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 17 de setembro de 2009.

Outras matérias sobre o assunto:
Minas dá benefício a suspeito de sonegação
Empresa recebeu R$ 230 mi de paraíso fiscal
Mecenas de Inhotim nega ser réu em ação penal

Leia íntegra da nota enviada pela assessoria de Bernardo Paz:

1) Sobre a Horizontes Ltda:
A Horizontes Ltda é uma empresa mineira, sediada em Belo Horizonte. Foi constituída em 7/12/ 2000 obedecendo a todas as exigências da legislação comercial brasileira e tem por principais objetivos o desenvolvimento e implantação de projetos que preveem a administração, construção, incorporação e venda de empreendimentos imobiliários em geral, bem como a prestação de serviços com ênfase em turismo, para acomodações temporárias, hotelaria e serviços de bar e restaurante.

Para dar suporte ao desenvolvimento de seus negócios, a Horizontes Ltda tem registrado junto ao Banco Central do Brasil diversos contratos assinados com fundo de investimento estrangeiro, o que potencializa a opção de conversão em capital social da empresa.

A Horizontes Ltda também é uma das associadas mantenedoras do Instituto Inhotim (Oscip), por reconhecer e considerar a atuação da entidade como de vanguarda cultural e de significativa contribuição para o turismo na região metropolitana de Belo Horizonte, em particular para o desenvolvimento econômico da região de Brumadinho, local onde possui imóveis e terrenos.

Pautada por essa sua filosofia de ação, a Horizontes Ltda possui outros imóveis e terrenos dentro e fora da região metropolitana de Belo Horizonte, como reserva imobiliária, destinada à consecução de seu objetivo social. Por estratégia, a empresa não comenta seus projetos antes da efetiva mobilização e consecução de ações necessárias à devida divulgação e lançamento.

2) Sobre Bernardo Paz e dívidas de empresas por ele controladas:
Bernardo de Mello Paz é empresário mineiro que atua nos ramos de mineração e siderurgia (maior produtor independente de ferro-gusa do país), figurando como sócio-controlador em mais de vinte empresas, há mais de 25 anos.

Algumas dessas empresas têm dívidas contraídas com a União e com o Estado de Minas Gerais decorrentes de impostos correntes devidamente declarados e não recolhidos por contingências financeiras e/ou macroeconômicas vividas ao longo do referido período.

Por meio da adesão já formalizada ao Refis, toda a dívida com a União, no conjunto das empresas controladas por Bernardo Paz, será devidamente quitada nos termos da Lei 11.941/2009, portanto não há inadimplência.

A dívida existente para com o Estado de Minas Gerais, igualmente, vem sendo amortizada e será quitada em conformidade com os parcelamentos previstos na legislação.

Oportuno ressaltar que o segmento de gusa foi fortemente afetado pela crise internacional em outubro de 2008 com perda de faturamento anual da ordem de US$ 200 milhões, comprometendo a adimplência de alguns parcelamentos no último ano. A partir de meados de agosto de 2009, o mercado vem demonstrando uma recuperação progressiva e consistente de retomada de pedidos e preços, possibilitando igual retomada dos compromissos assumidos no passado pelas empresas de modo geral.

3) Sobre ação penal:
Com relação à citada ação penal em tramitação na 11ª Vara Criminal de Belo Horizonte, Bernardo de Mello Paz, até a presente data, não exerceu sequer direito de defesa, pois foi apenas e tão somente mencionado na condição de representante legal das empresas Itasider Usina Siderúrgica Itaminas S/A e MGS Minas Gerais Siderurgia Ltda, em processo distribuído em 11/05/ 2004.

No processo em questão, Bernardo Paz e suas empresas não figuram como réus, mas apenas como supostos beneficiários de atos de terceiros.

Posted by Cecília Bedê at 3:17 PM

Mecenas de Inhotim nega ser réu em ação penal, Folha de S. Paulo

Matéria originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 17 de setembro de 2009.

Outras matérias sobre o assunto:
Minas dá benefício a suspeito de sonegação
Empresa recebeu R$ 230 mi de paraíso fiscal
Empresário diz que cumpre legislação

A assessoria do empresário Bernardo Paz, que não quis dar entrevista à Folha, confirmou as dívidas com o Estado de Minas, mas negou que ele seja réu em ação penal. Segundo nota enviada por e-mail, a assessoria diz que Paz nem sequer "exerceu direito de defesa" na ação que responde, ao lado de outros 33 réus, por fraude fiscal e que, portanto, não é réu.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais confirmou a condição de réu de Paz.
O governo de Minas nega que esteja beneficiando Paz com a construção do centro de convenções em Inhotim.

O governo mineiro diz que, apesar de a administração executiva e operacional do futuro centro de convenções ser do Instituto Cultural Inhotim, a gestão do espaço ficará com o poder público, por meio de um conselho formado por três integrantes: dois do Estado e um de Inhotim. Eventuais prejuízos serão arcados pelo instituto, enquanto a destinação dos lucros será definida por um conselho gestor, segundo a assessoria.

Na apelação que fez ao TCU (Tribunal de Contas da União) para mudar sua posição sobre a concessão, o Estado argumenta que existe prazo para uso do dinheiro do Ministério do Turismo e que um atraso pode inviabilizar o centro de convenções. Alega que a irregularidade constatada pelo tribunal não foi considerada "grave".

O governo também nega que a doação com encargos tenha configurado uma aquisição onerosa, o que obrigaria uma aprovação legislativa prévia. De acordo com a assessoria do governador Aécio Neves, o Estado é "diretamente beneficiado" e será proprietário da área.

Sobre a dívida de Paz, a Advocacia Geral do Estado disse que ela "foi parcelada e vem sendo equacionada". A nota do governo ainda afirma que "o convênio com o Instituto Inhotim não interfere em procedimentos de natureza fiscal, jurídica ou fiscalizatória".

A diretora-executiva do Inhotim, Ana Lúcia Gazzola, disse que, se for constatada irregularidade na doação do terreno para a construção do centro de convenções pelo Estado, o termo pode ser assinado novamente. "Se houver qualquer problema, corrige-se", disse.

A assessoria de Paz não respondeu por que a Horizontes Ltda. é controlada pela Vine Hill Financial Corp nem quem controla a offshore. Questionada, também não explicou que garantias a empresa apresentou para conseguir, com capital de R$ 650 mil, empréstimos de US$ 126 milhões de fundo nas Ilhas Cayman.
Sobre as operações de empréstimo, diz só que eles foram contraídos "para dar suporte ao desenvolvimento de seus negócios", sem especificar onde os dólares foram aplicados.

Em nenhum momento a nota afirma que o dinheiro captado em Cayman é aplicado em obras de arte, apesar de seu objetivo social incluir "promoção de arte" e "manutenção e administração de museus".
Sobre a dívida com o Estado, diz que ela foi formada pelo não recolhimento de impostos "por contingências financeiras e/ou macroeconômicas" decorrentes da crise econômica. No entanto, 68% das dívidas executadas pelo Estado começaram a ser cobradas judicialmente antes de 2008.
A assessoria de Paz diz que a dívida vem sendo amortizada e será quitada.

Posted by Cecília Bedê at 3:11 PM

Empresa recebeu R$ 230 mi de paraíso fiscal, Folha de S. Paulo

Matéria originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 17 de setembro de 2009.

Outras matérias sobre tema:
Minas dá benefício a suspeito de sonegação
Mecenas de Inhotim nega ser réu em ação penal
Empresário diz que cumpre legislação

A Horizontes Ltda., administrada por Bernardo Paz, dona de fato do Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, e que tem capital social de R$ 650 mil, tomou emprestado em um ano e dez meses US$ 126,4 milhões (R$ 231 milhões). O dinheiro saiu de um fundo de investimentos das Ilhas Cayman, um paraíso fiscal no Caribe.

Dois especialistas em direito financeiro ouvidos pela Folha dizem não ser comum uma empresa com capital de R$ 650 mil receber um empréstimo de R$ 230 milhões.

Segundo registros públicos do Banco Central, todas as remessas feitas até hoje pelo Flamingo Fund ao Brasil tiveram como destino a empresa administrada pelo dono de Inhotim.

A Horizontes Ltda. é dona da estrutura do Centro de Arte Contemporânea de Inhotim e tem sede no mesmo prédio onde funciona a administração do Instituto Cultural Inhotim, entidade sem fins lucrativos responsável pela gestão do centro.

A empresa é controlada pela Vine Hill Financial Corp, uma offshore sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, também paraíso fiscal, que detém 92,7% das ações da Horizontes. Emílio Walter Rohrmann, advogado da Horizontes e do Instituto Inhotim, assinou documentos como procurador da Vine Hill no Brasil, mas diz estar "impedido de dar informações".

Posted by Cecília Bedê at 3:01 PM

Minas dá benefício a suspeito de sonegação por Breno Costa e Mario Cesar Carvalho, Folha de S. Paulo

Matéria de Breno Costa e Mario Cesar Carvalho originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 17 de setembro de 2009.

Outras matérias sobre o tema:
Empresa recebeu R$ 230 mi de paraíso fiscal
Mecenas de Inhotim nega ser réu em ação penal
Empresário diz que cumpre legislação

O governo de Minas concedeu um benefício de cerca de R$ 20 milhões ao empresário e mecenas Bernardo Paz, devedor do Estado e réu numa ação judicial em que é acusado de participar de um esquema de fraudes fiscais que resultou num prejuízo de R$ 74,7 milhões ao governo mineiro.

Paz criou em 2004 o Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, em Brumadinho (60 km de BH). É o mais importante centro cultural de arte contemporânea do país, com um acervo que inclui artistas como Hélio Oiticica (1937-1980), Cildo Meireles e Matthew Barney.

Segundo a Polícia Civil e o Ministério Público, duas siderúrgicas de Paz se beneficiaram de um esquema de sonegação de impostos. O suposto esquema envolvia empresas fantasmas, laranjas e o uso de notas falsas para pagar menos ICMS.

Ele foi indiciado pela polícia sob suspeita de formação de quadrilha e fraude fiscal. Num estágio posterior, o Ministério Público excluiu o crime de formação de quadrilha por considerar que não havia provas.
Os advogados de Paz disseram à Folha que não consideram que seu cliente seja réu, já que não lhe foi dado o direito de se defender. O empresário também é cobrado na Justiça pelo Estado de Minas por dívidas de R$ 8,2 milhões de impostos.

Negócio da China
O governo mineiro acertou com o Instituto Cultural Inhotim, que gerencia o centro e cujo conselho de administração é presidido por Bernardo Paz, a construção de um centro de convenções orçado em R$ 19,6 milhões. O prédio ficará ao lado do centro cultural.

Para isso, o instituto doou ao governo de Minas, em dezembro passado, um terreno de 25 mil m2, avaliado em R$ 20 mil. Mas a doação veio acompanhada de uma série de condicionantes -entre elas, que o governo construirá o centro e entregará a administração do espaço ao próprio Inhotim.
"É um negócio da China", afirma Maria Sylvia Zanella di Pietro, professora da Faculdade de Direito da USP e uma das maiores especialistas em direito público no Brasil.

Ela e Carlos Ari Sundfeld, professor da PUC-SP, dizem que há uma irregularidade na doação. Na interpretação dos dois, o negócio precisaria ser aprovado pela Assembleia Legislativa de Minas, como determina a Constituição do Estado, já que se trata de doação que implica gastos para o governo.
Para erguer o centro, o Estado firmou dois convênios com o Ministério do Turismo, que entra com R$ 14,6 milhões, enquanto o governo mineiro dá contrapartida de R$ 5 milhões.

O TCU (Tribunal de Contas da União), que audita recursos federais, decidiu que o centro não poderá ser administrado por uma entidade privada. O governo de Minas já entrou com recurso para que o TCU mude de posição.

Não é exatamente por falta de recursos que Paz fez o acordo com o governo Aécio. Ele é sócio de mais de 20 empresas e o maior produtor independente de ferro-gusa do país, segundo sua assessoria.
As duas siderúrgicas acusadas de fraudar o governo mineiro (Itasider e MGS) têm capital social de R$ 35,1 milhões e R$ 4,76 milhões, respectivamente. O centro cultural Inhotim vale US$ 200 milhões (R$ 365 milhões), de acordo com a assessoria de Paz.

O maior comprador

Desde que decidiu investir em arte contemporânea, nos anos 1980, Paz tornou-se o maior comprador desse mercado, posto que tomou do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira.

O braço financeiro do Instituto Cultural Inhotim é uma empresa chamada Horizontes. Ela era dona do terreno onde será erguido o centro de convenções até três meses antes da doação ao Estado. A Horizontes é controlada por uma offshore chamada Vine Hill Financial, criada nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe. Offshore é um tipo de empresa que funciona em paraíso fiscal para pagar menos impostos e para dificultar que as autoridades saibam quem são os seus proprietários.
Foi outra empresa de fora do Brasil, a Flamingo Investment Fund, aberta nas Ilhas Cayman, que fez os maiores aportes financeiros na Horizontes.

Em menos de dois anos, a Flamingo emprestou US$ 126,4 milhões (R$ 231 milhões) à Horizontes, cujo capital é de R$ 650 mil (350 vezes menos que o valor emprestado). Dois especialistas em direito financeiro ouvidos pela Folha dizem que o dinheiro emprestado deve ser do próprio Paz.

Não dá para saber se todo esse valor foi investido em arte e no centro cultural. Se o recurso foi para comprar obras de arte, é um dos maiores investimentos privados já feitos no Brasil, similar apenas aos recursos usados para comprar a coleção do Masp, em 1947. O acervo do MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo, o principal do país em arte contemporânea, é avaliado em US$ 37 milhões.

Posted by Cecília Bedê at 2:47 PM | Comentários (3)

Bienal de Lyon celebra o cotidiano por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo

Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo

10ª edição tem trabalhos de tom político e quase foi adiada, em razão de desligamento de ex-curadora.

Seis crianças são vistas refletidas em um espelho, até que uma delas pega um estilingue do bolso e o quebra. Então, todas correm com os cacos e sobem numa imensa árvore. O forte sol faz com que os reflexos desses estilhaços brilhem, transformando-se, magicamente, na árvore.

"Per Speculum", projeção do albanês Adrian Paci, é não só a obra mais falada da 10ª Bienal de Lyon, aberta ontem para o público, como a que melhor sintetiza seu tema, "O Espetáculo do Cotidiano", organizada pelo curador chinês Hou Hanru e que fica em cartaz até 3 de janeiro de 2010.

A mostra chegou a correr risco de ser adiada, quando a curadora Catherine David, até então responsável pela Bienal, desligou-se da instituição, em fevereiro passado. Hanru, curador recordista em bienais -já esteve envolvido em 20-, foi convocado e aceitou.

"Tive medo, claro. Organizar uma bienal em seis meses é um grande desafio, mas convoquei muitos artistas com os quais já trabalho há muito tempo", disse ele à Folha.

Distribuída por quatro espaços da cidade, entre eles o Museu de Arte Contemporânea e a Sucrière (um antigo depósito de açúcar), a Bienal reúne 59 artistas, agrupados em quatro temas: A Magia das Coisas, Elogio à Deriva, Um Outro Mundo É Possível e Vivendo Junto.

"O Espetáculo do Cotidiano" almeja ser conceitual. "A crítica à sociedade do espetáculo nasceu na França, mas a arte contemporânea vive um constrangimento pela perda de pertinência intelectual em vista de sua crescente mercantilização", disse o curador.

Contra esse panorama, Hanru selecionou coletivos e trabalhos com caráter político, como "A Boa Vida", do colombiano Carlos Motta, com 400 entrevistas, em 12 cidades, entre elas São Paulo. Em seis monitores, pessoas comuns discutem o papel da democracia e dos governos.

A Bienal de Lyon possui ainda um outro vetor denominado Veduta, voltado à periferia da cidade. "Serão 390 eventos e um fórum, para criar um vinculo mais forte entre arte e sociedade", diz Thierry Raspail, diretor artístico de todas as edições da Bienal e do MAC.

George Brecht (1926-2008), membro do grupo Fluxus, presente na mostra com várias obras, torna-se outra importante inspiração. "Os eventos mais importantes são as pequenas coisas que ocorrem nas ruas", costumava dizer o artista.

Posted by Cecília Bedê at 1:46 PM

setembro 16, 2009

''Bienal será lembrada por inovar'' por Camila Molina, O Estado de S. Paulo

Matéria de Camila Molina originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 16 de setembro de 2009

Setembro começou bem para a Bienal de São Paulo: no dia 1º, a instituição recebeu o ministro da Cultura, Juca Ferreira, que oficializou mais uma vez seu apoio à direção executiva da entidade, anunciando verba de R$ 4 milhões para que já se iniciem neste ano as reformas necessárias no prédio e colocando a fundação como peça-chave do Programa Brasil Arte Contemporânea, do Governo Federal. Mais ainda, Juca Ferreira apresentou o sociólogo Laymert Garcia dos Santos, professor da Unicamp, como representante do Ministério na diretoria da Bienal, presidida pelo consultor Heitor Martins. Naquele mesmo dia, a Bienal realizou um jantar que arrecadou cerca de R$ 1,1 milhão para a instituição. E já pretende fazer outros eventos desse tipo, como um jantar beneficente este ano no Rio.

A todo vapor, Martins e sua equipe vão dando os passos para reestruturar a instituição, desgastada por crise de longa data, e ainda levando adiante o projeto de realização da 29ª Bienal de São Paulo, prevista, segundo ele, para ser inaugurada dia 21 de setembro de 2010 e encerrada em 13 de dezembro de 2010, tendo entrada gratuita. Com curadoria geral de Moacir dos Anjos, será mostra de fôlego, contando com participação em torno de 150 artistas (muitos deles já definidos, segundo a diretoria) e itinerâncias da exposição por outras cidades do País em 2011. A seguir, leia entrevista que Martins, acompanhado de Miguel Chaia, membro de sua diretoria, concederam ao Estado.

Depois do apoio oficial e direto do Ministério da Cultura, há já alguma novidade no projeto da Bienal de São Paulo? Poderia explicar melhor a entrada de Laymert Garcia na diretoria executiva da fundação, como representante do governo federal e qual será seu papel?

A entrada do Laymert foi excelente. Eu não o conhecia. Ele já participou de nossa reunião no dia 7 e foi ótima a discussão, já está totalmente integrado. A sugestão do nome dele foi do próprio Ministério, mas isso é a porta de entrada: uma vez na direção, ele participa como todos os outros.

Essa é a entrada do Governo Federal na Bienal como o sr. afirmou ser seu desejo colocar o poder público, de cada esfera, na instituição. Mas esse é o único?

É o primeiro, não vamos dizer que por enquanto o único. Nossa diretoria é colegiada, todas as discussões são trazidas para a mesa e todos os diretores debatem e dão seu voto. Laymert passa a ser integrante no time e ele, por afinidade, por ter em sua formação os temas institucionais, estará relacionado ao fortalecimento da portaria Brasil Arte Contemporânea.

A Bienal já pediu que os outros poderes públicos indiquem nomes para a diretoria da instituição?

Pedimos que cada poder indicasse um nome. O governo do Estado seria muito interessante que participasse, ele precisaria formalizar uma parceria mais próxima com a Bienal para que isso acontecesse. O município tem, é o proprietário do prédio e nos fornece uma verba anual (de R$1,8 milhão).

E já há alguma ação concreta feita com as verbas, como a do Governo Federal, de R$ 4 milhões?

A parceria com o Governo Federal é algo que vem de um diálogo de muito tempo. Temos uma agenda de reuniões quinzenais com o Ministério. Desde o princípio, na minha eleição, o ministro fez seu sinal de apoio em duas notas; desenhamos os programas de Lei Rouanet com eles e já submetemos à lei nosso projeto, de R$ 2 milhões para curadoria e pré-projeto e R$ 27 milhões para a mostra principal. Começamos há dois meses os diálogos sobre a necessidade de se reformar o prédio e o anúncio dos R$ 4 milhões para isso é, de uma certa forma, um passo de uma conversa que já vinha ocorrendo, já temos um pré-plano de obras, que devemos começar ainda no fim deste ano. Vamos também começar o diálogo com o BNDES, como o ministro falou, para ver se a gente consegue os recursos para a climatização do prédio (R$ 10 milhões).

Qual será o papel da Bienal no programa Brasil Arte Contemporânea lançado pelo Ministério?

Tem um aspecto muito importante para o Brasil, que vai além da Bienal. Quando os artistas brasileiros são convidados para mostras importantes, como a Bienal de Veneza ou a Documenta de Kassel, nós não temos no País um mecanismo estruturado de apoio a eles, que acabam dependendo de suas galerias, ou de institutos de outros países, ou aportam recursos próprios. A ideia da portaria em parceria com a Bienal é criar um mecanismo de apoio para artistas brasileiros para que possam participar desses tipos de mostra. Eles entram com pedido de apoio e a gente terá um processo definido para decidir se apoia e como apoia. Idem com publicações lá fora. A maior parte das publicações sobre arte brasileira é feita aqui no Brasil e poucas publicadas no exterior. O MinC cria um marco regulatório para isso com o programa, com aporte de recursos e um comitê. A Bienal fornecerá um tipo de estrutura para isso, será um braço executivo. A Bienal poderá contribuir, fazer seu papel institucional, além de preparar a mostra.

E a questão do Pavilhão Brasil da Bienal de Veneza?

Estamos finalizando a renovação do convênio da Bienal de São Paulo com o Ministério da Cultura e com o Ministério das Relações Exteriores, é tema que nos próximos dois meses a gente resolve.

Já estão definidas as itinerâncias da 29ª Bienal para 2011?

Serão entre 9 e 12 mostras itinerantes. Possivelmente, um núcleo vai itinerar pelo interior de São Paulo e dois pelo Brasil, passando por três ou quatro cidades. Antes da itinerância, também teremos uma coordenação com as outras instituições de São Paulo. Vamos apresentar aos diretores das instituições esboço de plano de divulgação conjunta, contemplando uma campanha de marketing no exterior e uma publicação, tipo um jornal ou uma revista da Bienal, para a época do evento que contemple as outras mostras da cidade e, eventualmente, até um catálogo conjunto.

A 29ª Bienal poderá ter um perfil mais conservador depois de a instituição ter passado por um período de desgaste e crise tão intenso que se refletiu com a Bienal anterior, a apelidada Bienal do Vazio? Falou-se também na expectativa de 1 milhão de visitantes.

Acho que a 29ª Bienal será muito importante, porque consolidará um novo modelo das bienais, que vem em gestação desde a década passada: sem representações nacionais, sem núcleos históricos, uma mostra dedicada ao estudo da arte contemporânea.

Como estão as dívidas da Bienal de São Paulo?

Estamos pagando as da 28ª Bienal, que são por volta de R$ 800 mil, por meio de recursos da Lei Rouanet e doação do Banco ABC e da Oi. As da 27ª Bienal, em cerca de R$ 200 mil, vamos liquidar com recursos do jantar. Temos também dívidas com fornecedores, de R$ 200 mil.

E a dívida de R$ 500 mil ao ex-presidente Manoel Pires da Costa?

Nós ainda não entramos nesse tema.

PRÓXIMOS PASSOS

CURADORES: Ainda este mês serão anunciados os três curadores internacionais da equipe da 29.ª Bienal, coordenada por Moacir dos Anjos. O curador brasileiro Agnaldo Farias já faz parte, assim como a arquiteta Marta Bogéa, Stela Barbieri (programa educativo) e Felippe Crescenti (projeto gráfico).

JANTAR: Até o fim do ano, será realizado no Rio um jantar para a apresentação do projeto da Bienal aos cariocas e, também, arrecadar fundos.

Posted by Cecília Bedê at 2:07 PM | Comentários (1)

setembro 15, 2009

Inhotim e a grande arte do privilégio por Jotabê Medeiros, O Estado de S. Paulo

Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em 15 de setembro de 2009

Delírio de um multimilionário mineiro da área de mineração, Bernardo Melo Paz, o Instituto Cultural Inhotim é tão grande quanto privilegiado. O centro mineiro de arte contemporânea, desde que se instalou no cenário da arte contemporânea nacional, vem colecionando largos privilégios de verbas e ajudas oficiais. O mais recente: para facilitar o acesso ao local, que fica a cerca de 60 km de Belo Horizonte, o governo de Minas primeiro construiu a estrada Barreiras-Brumadinho. Agora, Inhotim queixou-se que a pontezinha que dava acesso ao gigantesco museu era estreita. Não teve problema: o governo de Minas Gerais começou a construir em tempo recorde, 180 dias, uma portentosa ponte de R$ 2,5 milhões sobre o Rio Manso, além de pavimentar o trecho. Na semana passada, caminhões e tratores trabalhavam furiosamente para finalizar o acesso, embora a velha ponte dê conta do serviço tranquilamente.

A direção do museu considera que, como o Inhotim é o museu mais visitado de Minas Gerais e referência na arte contemporânea, é um fator de desenvolvimento, "o que justificaria qualquer apoio do governo de Minas", considera a diretora executiva do Instituto Inhotim, Ana Lúcia Gazzola.

Do Governo Federal, Inhotim ganhou recentemente a possibilidade de obter renúncia fiscal da ordem de R$ 13 milhões para gastar no seu plano anual de atividades de 2010 a 2011 (vem sendo habilitado para tanto desde 2008, quando captou R$ 1.595.000,00). Somente para a agenda de 2009, teve aprovado R$ 1,1 milhão da Lei Rouanet. Tem patrocínios generosos da Petrobrás e outras estatais mineiras, e subsídios do Fundo Estadual de Cultura. Ainda assim, cobra R$ 15 pela entrada.

Inhotim é como um buraco negro espacial, vai crescendo e engolindo matéria. Mas às vezes encontra resistência. No mês passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) descobriu que Inhotim pretendia fazer a municipalidade construir um Centro de Convenções em um dos seus terrenos. Detalhe: doaria o terreno, mas em troca queria o usufruto do Centro de Convenções durante 20 anos. O TCU brecou a manobra.

"Vedado o estabelecimento de condição que confira à entidade privada a gestão do empreendimento que será construído, cuja exploração é prerrogativa do poder público", escreveu o juiz auditor, Augusto Sherman Cavalcanti, ao negar o pedido.

Apesar do percalço, Inhotim continua crescendo pelas beiradas. No dia 29, o centro de arte apresenta 9 novas aquisições de arte contemporânea, obras de gente como Matthew Barney, Doug Aitken, Chris Burden e Yayoi Kusama.

"Muitas das obras foram adquiridas há vários anos, pagas parceladamente ao longo do período e não há estimativa atual de valor venal", explica Ana Lúcia Gazzola. "São obras muitas vezes comissionadas e realizadas pelos artistas no próprio local com custo de material, instalação, além das despesas de viagem e hospedagem. Muitas obras, por suas dimensões, sequer poderiam ser postas a venda, o que dificulta estimar o valor da obra".

No pequeno município de Brumadinho (no Vale do Paraopeba, a 50 km de Belo Horizonte), não pega bem falar mal de Inhotim. Para uma economia baseada na cachaça e na extração mineral, com tímida produção cultural local, o megacentro é uma redenção em todos os sentidos. São 513 empregos diretos gerados. Só para orientar os visitantes nos pavilhões dos artistas, foram contratados 68 estudantes das faculdades locais.

"Até o fim do ano, serão contratados mais uns 30", disse um dos garotos que trabalham como monitores. "É gente das faculdades de Artes, de História, mas tem também gente de Matemática, de setores que não têm nada a ver com arte".

Dona Inês, que vende artesanato de barro na estrada Barreiras-Brumadinho, não titubeia quando é indagada sobre quanto houve de incremento na venda de suas modestas peças após a abertura do Centro de Arte Contemporânea. "Ah, cresceu 100%", jura.

O museu conta com agressiva política de residências artísticas. Mas nem sempre mete a mão no bolso para realizar seus projetos. Na semana passada, teve aprovado pelo Iphan o projeto Manifestações Culturais Quilombolas do Vale do Paraopeba, pelo qual concorria com outras 95 propostas do País. É um programa de patrimônio cultural imaterial. Mas o Iphan entra com R$ 105 mil, e a contrapartida de Inhotim é de apenas R$ 4,3 mil.

Segundo a administração do Instituto Inhotim, o museu é atualmente uma entidade privada, sem fins lucrativos e qualificada pelo governo do Estado de Minas Gerais como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Bernardo Paz, seu criador, atua hoje somente como diretor da instituição. O acervo que compõe o complexo foi formado a partir da década de 1980, e tem como foco obras criadas a partir dos anos 1960. Algumas obras do acervo, segundo a direção, foram doadas por artistas ao Inhotim, outras foram cedidas por Bernardo Paz ou empresas associadas a ele. As obras monumentais (fixadas no solo) estão sendo colocadas em comodato de longo prazo.

O museu vende a ideia de que o Parque Tropical possui áreas que seguiram conceitos sugeridos pelo paisagista Roberto Burle Marx. Em 1984, Burle Marx visitou o local e teria apresentado algumas sugestões e colaborações para os jardins. Mas o atual projeto paisagístico é bastante diferente daquela ideia original de Burle Marx. A área é imensa, quase 10% da de todo o município de Brumadinho.

Criador de museu era empresário, hoje vive enfronhado com a arte

Na quinta-feira passada, por volta das 14 h, um homem de cabelos compridos, camisa-bata branca, calça de tecido mole e chinelos brancos caminhava em direção ao restaurante de Inhotim - um bufê de 5 estrelas, metade das mesas ao ar livre, com peras recheadas de gorgonzola, saladas de endívias e doces típicos mineiros.

Cabelos grisalhos e longos, andar arrastado e seguro, o homem de uns 50 e poucos anos parecia um pouco uma mistura de Oswaldo Montenegro com Kris Kristofferson. Ele entrou e se dirigiu a uma mesa nos fundos, dedicando-se a algo que parecia uma séria reunião de negócios enquanto almoçava. Depois, com um cigarro apagado entre os dedos, caminhou em direção ao espelho d’água que fica no teto do Centro Burle Marx. Ali, começou a abrir caixas de papelão e espalhar pessoalmente, assistido por funcionários, as bolas metálicas que compõem a novíssima instalação da japonesa Yayoi Kusama, "Jardim de Narciso".

O homem era o empresário Bernardo Paz, figura controversa das artes nacionais, um mecenas que já declarou publicamente não gostar de "artista morto". Paz é irmão de Cristiano Paz, ex-sócio de Marcos Valério (o operador do chamado "mensalão") na SMP&B e DNA Propaganda.

Entretanto, forçar uma associação imediata da gestão de Inhotim com esse grupo, sem comprovação, pode servir somente a interesses políticos. Recentemente, um jornal da região reproduziu declaração do senador José Nery (PSOL-PA), afirmando que este protocolaria requerimento para incluir Inhotim na CPI da Petrobrás. Nery diz que nunca deu a declaração e nem integra a CPI.

Paz é dono da Itaminas, que já esteve entre as maiores produtoras de ferro de Minas. No ano passado, colocou à venda um dos principais ativos da empresa, uma mina de ferro com reservas de 1,3 bilhão de toneladas. Segundo o jornal "Valor Econômico", a Itaminas é do fim dos anos 50 e de controle familiar. Em Sete Lagos e Itatiaiuçu, o grupo opera três produtoras de ferro-gusa, e essa produção fez com que o grupo fosse acusado de agressão ao meio ambiente.

Paz vive literalmente enfronhado entre arte contemporânea (reside ali mesmo). E foi ali que, em 2005, casou com a artista Adriana Varejão, numa festa para 300 convidados. Adriana, é claro, tornou-se dona de um dos mais portentosos pavilhões do centro.

Posted by Cecília Bedê at 4:10 PM | Comentários (5)

Mercado de arte migra para a internet com galerias virtuais por Silas Martí, Folha Online

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Folha Online, em 11 de setembro de 2009.

Está mais elástico, e mais cheio de pixels, o cubo branco. Na esteira do crescimento do mercado de arte, que viu galerias brasileiras ganharem peso internacional, galeristas põem obras à venda na internet.

Focados em nichos diferentes de mercado, sites como o Invest.art e a Galeria Magenta estão no ar há cerca de dois meses. Juntos, vendem obras originais de mais de 20 artistas e planejam ampliar esse quadro.

Antecipando a concorrência, galerias tradicionais aumentam a presença no mercado on-line. As paulistanas Casa Triângulo e Nara Roesler, por exemplo, estudam abrir um braço de vendas dentro de mercados virtuais como o Submarino. Outras, como a Virgílio e a carioca Novembro Arte Contemporânea, já estão até no Facebook.

Outro braço do mercado também já está on-line: o site InArts cuida do licenciamento de imagens de obras para publicação em livros e catálogos.

"Recebo e-mails todo dia de gente querendo entrar para a galeria", diz Tato DiLascio, dono do Invest.art, que representa artistas como Anaisa Franco e Marcela Tiboni, com obras de R$ 230 a R$ 60 mil. "A internet é mais uma possibilidade."

No ar, mas ainda longe de "bombar", a Galeria Magenta se concentra na produção de jovens ilustradores, com preços mais modestos, de R$ 9 a R$ 6.000. "Não existia mercado específico para isso", diz Fernanda Guedes, da Magenta.

"Galeria de arte não é o lugar mais acolhedor do mundo, tem toda uma aura de sofisticação em que as pessoas muitas vezes não se sentem bem", diz Guedes. "Criar esse ambiente talvez tire esse ranço do exclusivo. Na internet, o cliente pode olhar, observar sem pressão."

Sem pressão nem precisão. Se ficou mais fácil digitar o número do cartão de crédito e esperar a obra chegar pelo correio, pode ser bem mais difícil analisar um trabalho original pela tela do computador.

"Tem um tipo de obra que o colecionador precisa tatear, vivenciar em pessoa para decidir se vai comprar ou não", opina a galerista Luciana Brito. "Seria bom talvez para algumas obras mais baratas ou múltiplos."

Eduardo Leme, da galeria Leme, também prefere o mundo real. "Não sou simpático à ideia", diz. "Tem uma negociação muito mais ampla do que só chegar e apertar o "enter"."

Também tem a ver com descer do pedestal. Arte não se mistura fácil à oferta de passagens aéreas, DVDs, livros e outros itens recorrentes nos carrinhos de compra virtuais. "A gente tem arte em outro patamar", diz Ricardo Trevisan, da Casa Triângulo. "Você não entra na internet para comprar um refrigerador e uma obra de arte. O virtual é virtual, mas a gente está trabalhando na real."

"Surpresa bacana"

Real ou virtual pouco importam para a galerista Luisa Strina, uma das primeiras a oferecer obras de seus artistas pelo site norte-americano Artnet. "Fora do Brasil, tem regras: a pessoa paga, a gente manda a obra de arte", conta. "Mas aqui as pessoas têm muito medo que a gente mande uma obra estragada, de a coisa não chegar."

Sobre a visualização on-line, Strina acredita que já é possível ter uma boa noção da qualidade do trabalho pela internet. "Tem obras das quais você não precisa ver detalhes", diz. "Cada vez mais as pessoas vão comprar trabalhos pela internet."

Ainda com certo receio, Eliana Finkelstein, da galeria Vermelho, diz que já chegou a vender obras a colecionadores que viram o trabalho pela internet, mas que já conheciam o artista em questão. De virtual, por enquanto, quer vender só os livros e múltiplos do anexo Tijuana.

No mundo só da internet, Fernanda Guedes, da Magenta, admite que "nada substitui ver a coisa ao vivo", mas adianta que é possível observar, pelo site, detalhes ampliados das ilustrações. Tato DiLascio, do Invest.art, diz que comprar on-line leva sempre a uma "surpresa bacana". "Quando chega à sua casa, vê que saiu ganhando."

Posted by Cecília Bedê at 4:00 PM

A performance dos outros por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 13 de setembro de 2009

Laura Lima usa o corpo de homens e mulheres como esculturas vivas em ações artísticas

Primeira a ter performance comprada por um museu no país, artista tem duas mostras em cartaz e faz curadoria da próxima Bienal do Mercosul

Laura Lima não encontra palavras para descrever o que faz. Mal toca no doce que pediu no café enquanto dava esta entrevista, como se esperasse alguém para comer em seu lugar. Também é uma artista de corpo ausente da própria obra. Só o corpo, porque define, de forma cerebral, até o último milímetro as tarefas que suas "pessoas-carne" terão de executar. Lima não faz performances, mas põe gente em ação.

Foi a primeira artista no país a ter uma dessas ações compradas para o acervo de um museu. Agora tem duas individuais em cartaz, uma em São Paulo e outra no Rio, e está na curadoria da próxima Bienal do Mercosul -sinal de que não para, mesmo que fique por trás das cenas.

Na obra que primeiro deu projeção a esta mineira radicada no Rio, uma menina de oito anos vestia uma camisola branca e brincava de pular corda numa piscina de gelatina vermelha. "Parecia um parto às avessas", diz Lima sobre a ação no parque Ibirapuera em 1996. "Não pensei que ela se sujaria inteira, foi algo indomável."

É o aspecto volúvel, o curso do trabalho na mão de terceiros, que define toda sua obra. Lima diz buscar a "energia vital" em tudo que faz, mas fica um passo antes da performance, já que mostra o corpo vivo como se fosse escultura. Obriga suas "pessoas-carne", como define os executores de suas tarefas, a passar horas a fio instaladas no espaço expositivo, algo como múmias que respiram.

"Não tem início, meio e fim", diz. "Esse corpo está ali, vivo, mas num sentido museográfico, como se fosse uma pintura." Ou escultura. "Puxador" era um homem nu amarrado às colunas do Museu da Pampulha por uma série de cordas, como se fosse deslocar o prédio com a tração do corpo. Noutra versão do mesmo trabalho, ele entrava no espaço amarrado às árvores e postes do lado de fora. "É a pessoa-carne que puxa as paragens para dentro da galeria", descreve. "É o que muitos pintores de paisagem já fizeram."

Mas já incomodou a nudez desse homem, tanto que um museu pediu à artista que cobrisse as carnes de sua pessoa. Ela recusou e cancelou o trabalho. "É em torno disso que se constrói a imagem", diz ela. "É o corpo ali na situação mais crua, uma pesquisa primordial que faço em torno da matéria."

Essa matéria é carne, e a crueza mostra que está viva. Lima se liga de maneira umbilical ao performer Vito Acconci por suas preocupações arquitetônicas, sua obsessão pela incerteza do instante e pelo recurso à nudez como expressão formal. Mas também confeccionou muitas roupas, seus chamados "Costumes", para embalar a carne -ação que lembra o brasileiro Flavio de Carvalho, outro pilar que sustenta sua obra.
Como ele, que foi arquiteto, artista, performer e escultor, Lima diz não se encaixar em lugar nenhum. "Estou tão focada nas minhas questões, que não existe nem uma palavra para descrever o que estou fazendo", pondera. "Talvez o glossário da arte esteja um pouco aquém."

Não espanta que ela gaste tanto tempo explicando o trabalho a cada "pessoa-carne" que aparece para executar suas ações, o momento de "moldar" o performer. Com medo de que museus acabem descartando essa ação e mostrando só os instrumentos do trabalho, como cordas e roupas numa vitrine, Lima pretende gravar depoimentos para a posteridade. "Não vou fazer uma coisa totalitária, mas os desvios serão apontados", diz. "Eu construo aparatos para o corpo, mas é proibido mostrar só o aparato."

Só que ela sabe que corre o risco de tudo virar fetiche quando não estiver mais por perto, por isso assiste às ações como o público. "Eu sou mais um que olha", resume. "Aquilo tudo é risco, a coisa inexorável daquele instante sem ensaiar."

Posted by Cecília Bedê at 3:32 PM

Quadrado negro por Ferreira Gullar, Folha de S. Paulo

Matéria de Ferreira Gullar originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 13 de setembro de 2009

Malevitch rompeu com a figura para expressar a sensibilidade da ausência do objeto

KASEMIR MALEVITCH , juntamente com Wassily Kandinsky e Marc Chagall, é um dos mais representativos nomes da vanguarda russa do começo do século 20. Mas o que o distingue daqueles dois outros pintores é o caráter radical de sua experiência artística, que o levou ao limite da expressão pictórica. Nos anos iniciais do século 20, era intenso o intercâmbio cultural entre as capitais europeias -especialmente Paris- e a Rússia ocidental, cujos principais centros de cultura eram São Petersburgo e Moscou.

Na verdade, a elite econômica e intelectual russa vinha beber na Europa ocidental as novidades artísticas, as expressões inovadoras que sacudiam a vida cultural europeia. Assim como, para a surpresa de Karl Marx, as ideias comunistas encontraram na Rússia terreno fértil para se implantarem e se desenvolverem, mais do que nos países europeus desenvolvidos, também o cubismo e o futurismo ali se implantaram e floresceram, dando origem a movimentos inovadores, em espantosa quantidade, que surpreenderiam os parisienses ou berlinenses.

A exposição "Virada Russa", que esteve no Rio e agora pode ser vista no Centro Cultural do Banco do Brasil, em São Paulo, permite ao visitante constatar isso: as obras expostas surpreendem pela vitalidade e pela audácia criativa de seus autores, que, influenciados pelas vanguardas europeias, ultrapassaram o que elas propunham, ou inovando ou levando às últimas consequências o que, em Paris, Berlim ou Milão, ainda eram simples possibilidades ou potencialidades irrealizadas.

Deve-se observar, também, que essa ebulição estética, na Rússia, coincidia com a efervescência revolucionária, no plano social, que culminaria com a Revolução de 1917. Kandinsky e Chagall tomaram rumo próprio, inovadores que eram, mas voltados mais para uma poética do sonho (Chagall) ou da espiritualidade (Kandinsky). O rumo tomado por Malevitch, Tatlin, Lissitzky e Rodchenko, entre outros, parte das possibilidades implícitas tanto no cubismo quanto no futurismo e as levam à ruptura com a linguagem da pintura e da escultura.

A obra "Quadrado Negro", de Malevitch, exposta na referida mostra, é um dos momentos extremos dessa radicalidade. Outro momento é o "Contra Relevo", de Tatlin -que também integra a exposição-, e cuja denominação e concepção inspirou uma série de obras de Hélio Oiticica. O "contra relevo" é uma invenção do artista russo, que dá consequência a uma questão posta aos escultores modernos, ou seja, a concepção de uma forma abstrata, sem a base que a sustenta e, ao mesmo tempo, separa do mundo real. Dentro dessa problemática, mais tarde, Moholy Nagy conceberia a escultura que se mantinha no ar graças ao impulso do ar comprimido.

Mas voltemos ao "Quadrado Negro". Malevitch -que inicialmente pintou quadros por ele intitulados de cubofuturistas- rompeu radicalmente com a figura ao criar o movimento suprematista, em que pretendia expressar "a sensibilidade da ausência do objeto". Assim que, no referido "Quadrado Negro", pretendia nos dar o objeto ausente. Não obstante, aquele quadrado, se não era a figura de um objeto, era ainda uma figura -uma figura geométrica. Por isso, a pretensão malevitiana de chegar a uma linguagem essencial, totalmente não figurativa, mostrou-se inviável.

Já antes, em 1918, havia levado essa tentativa a seu extremo limite, quando pintou o "Quadrado Branco sobre Fundo Branco", pois o passo adiante seria a tela em branco, o fim da pintura ou seu recomeço. Foi quando abandonou a tela e passou a construir, no espaço real, as "arquiteturas suprematistas", de que há alguns exemplares na referida mostra.

A mesma radicalidade levou Lygia Clark ao quadro todo negro e, depois, ao quadro todo branco, que significava, como o foi para Malevitch, o impasse. Também ela abandonou a tela para construir os seus "Bichos", no espaço real. Isso, sem saber do que fizera o artista russo, décadas atrás. É que ela, como Malevitch, havia enveredado pelo mesmo caminho: a utopia de uma arte autônoma, desligada da representação da realidade exterior.

Até a década de 1950, o mundo conhecia mal as vanguardas russas, que haviam sido subitamente tiradas de cena, depois de 1924, quando morreu Lênin e assumiu Stálin. A arte russa retrocedeu para o figurativismo retórico do realismo socialista. Foi o livro "L'Art Abstrait", de Michel Seuphor, publicado nos anos 50, que me revelou o que hoje nos mostra a exposição aberta agora no CCBB de São Paulo.

Posted by Cecília Bedê at 3:14 PM

Retrospectiva percorre caminho da alegria por Noemi Jaffe, Folha de S. Paulo

Matéria de Noemi Jaffe originalmente publicada em colaboração para a Ilustrada do jornal Folha S.Paulo, em 11 de setembro de 2009.

Na apropriação estética de materiais e objetos de uso cotidiano, de consumo fácil, existe um caminho que não é nem o da ironia mordaz à reprodutibilidade nem o do adesismo fácil e fetichista ao kitsch. Na retrospectiva de Leda Catunda, na Estação Pinacoteca, que reúne 70 obras que vão de 1983 a 2008, é possível encontrar esse terceiro caminho.

Diria, temerosamente, que é o caminho da alegria. Temerosamente, porque, em arte, além de ser difícil conquistar a alegria, também é passível de preconceitos aquele que diz encontrar alegria num trabalho artístico. "Mas só alegria? Sem densidade, opacidade?" Sim, a alegria é tão ou mais difícil de ser conquistada que o dramático e, sim, "só" alegria.

Esse terceiro caminho, quando se passeia entre Cebolinhas, Pernalongas, biribas, cobertores, almofadas, Adão e Eva e El Greco, é o caminho das possibilidades, dos encontros inesperados entre coisas, pessoas, paisagens e materiais. Uma espécie de infinita pergunta que diz:
"Como seria se eu misturasse o Corcovado com um guardanapo? Um teto de fusquinha com veludo vermelho?". E o resultado, assim, não é irônico nem kitsch, mas possível. Daí a alegria; da conversa surpreendente que pode surgir entre tudo.

Obras em que os espaços vazios, que são muitos, não significam o grande vazio, o impreenchível, mas, ao contrário, espaços para preencher, como numa brincadeira de ligar os pontos. São vazios lúdicos, não trágicos. E, contrastando com os espaços vazios entre os materiais, os buracos, os vãos, há, na mesma quantidade, os vasos comunicantes. Em quase todos os trabalhos encontramos vesículas, ligações, tubos, conexões: são a explicitação dessas possibilidades. Tudo se liga de alguma maneira e um grande pensador também dorme sobre um colchão barato.

Natureza
Vendo várias obras, como "Mundo Macio", "Almofadas Amarelas", "Duas Luas", dá vontade de se lançar sobre esses materiais-paisagens, e de se refestelar na "poética do macio", como a artista denominou suas obras. Como se uma almofada de loja de departamentos fosse uma campina de grama fofa e vice-versa.

Os caminhos da natureza são também formas, como a estrada entre duas montanhas, um lago japonês, três montanhas e, reversivelmente, os materiais são também paisagens. Olhando para essas obras amorosas, nos títulos, nos encontros, nas tramas, nas surpresas, é fácil lembrar-se de uma canção em que tudo isso também comparece, inclusive um certo nonsense: "Deu meia-noite, a luz faz o claro/ eu assubo nos aro/ vou brincar no vento leste/ A aranha tece puxando o fio da teia/ a ciência da abeia, da aranha e a minha/ muita gente desconhece".

Posted by Cecília Bedê at 2:41 PM

"O corpo já não é mais tão importante" por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha S.Paulo, em 11 de setembro de 2009.

Vito Acconci, referência da body art, fala sobre o fim da era das performances e de como quis "grudar na arquitetura"

Artista norte-americano que agora trabalha como arquiteto dá palestra hoje em festival de performances que vai até domingo no Rio

Quando se escondeu sob o piso de uma galeria e se masturbou oito horas por dia gritando fantasias sexuais por entre as frestas do chão, Vito Acconci tentou fundir arte e arquitetura. Sêmen foi a argamassa da construção, um dos pontos de partida da chamada body art.

"Seedbed", sua obra de 1972, veio um ano depois que Chris Burden levou um tiro no braço em outra ação artística em galeria e pouco antes de despontarem performers como Ana Mendieta e Marina Abramovic.
"Era a linguagem do tempo, todos faziam isso na época", diz Acconci, em entrevista exclusiva à Folha. Ele participa hoje, no Rio, do festival Presente Futuro Vol. 2, no Oi Futuro.

Se havia então uma "corrente do tempo" ligando o artista a Burden, Bruce Nauman e até ao rock de Neil Young, Acconci está por trás do amálgama de arte com arquitetura que se desdobra agora como vertente turbinada na arte contemporânea. Não à toa, faz tempo que não se diz artista e comanda um escritório de arquitetura.

"Minha presença nas performances estava começando a me incomodar, não queria que me vissem toda hora, num culto à personalidade", diz Acconci. "Preferi me fundir ao espaço, fazer parte da arquitetura."
Depois de se vendar e ameaçar espectadores com barras de chumbo e de ações em que tentava abrir à força os olhos bem fechados de sua namorada, quis sair de cena e tornar o público em usuário de sua obra.

"Nessa onda de me autoexaminar, descobri que a personalidade não é essa joia preciosa que tentamos lapidar, o corpo já não é mais importante", afirma. "Nunca tive um lugar na arte porque não queria espectadores, queria participantes, habitantes das minhas obras."

Acconci também morou numa espécie de obra. Viveu anos no mesmo loft em que Gordon Matta-Clark testou suas alterações arquitetônicas. Era o artista que ficou conhecido por furar, rachar e desconstruir prédios em Manhattan e pelo mundo. Esse frescor voraz vai respingar depois nos projetos arquitetônicos de Acconci.

"Ele fazia suas obras no espaço urbano removendo coisas, não acrescentando", lembra.

"Arquitetura totalitária"
Acconci então passou a esvaziar galerias e destacar a construção do espaço. Na instalação "Instant House", visitantes acionavam um mecanismo que fazia brotar do piso portas, paredes, janelas. "Queria grudar na arquitetura a todo custo."

Mas uma vez colado nela, perguntava o que fazer. Uma de suas obras era uma mesa no espaço expositivo que se prolongava para fora da janela, uma espécie de trampolim sobre a cidade lá embaixo. Sua voz gravada era um discurso sem rumo, como se antecipasse a angústia da vida coagida pela arquitetura e convidasse seu público a mergulhar no asfalto.

"A arquitetura pode ser totalitária", diz Acconci. "Hoje em dia eu tento dar mais escolhas aos habitantes das minhas obras." (SILAS MARTÍ)

Posted by Cecília Bedê at 2:18 PM

setembro 3, 2009

Moacir dos Anjos quer Bienal política por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo

Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha S.Paulo, em 03 de setembro de 2009.

O curador da 29ª Bienal de São Paulo, prevista para começar em setembro de 2010, fala de seus planos para a mostra

Um evento político e capaz de mudar o modo como se experimenta o mundo. Essa é a pretensão da 29ª Bienal de São Paulo, de acordo com seu curador-geral, o pernambucano Moacir dos Anjos, 43. A mostra está marcada para ser aberta em setembro do ano que vem.
Sem considerar o projeto ambicioso demais, Anjos afirma que ele mesmo é um exemplo da capacidade de mudança promovida pela arte: "Esse é um "statement" curatorial absolutamente sincero, porque é a minha própria história".
Durante a realização de um doutorado em Londres, entre 1990 e 1994, Anjos, então economista, visitou frequentemente exposições e mostras.
O contato com a arte alterou o rumo de sua carreira, já que o até então funcionário do Instituto de Pesquisas Sociais da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, conseguiu ser transferido para uma recém-criada diretoria de arte na instituição, no ano de 1998.
Em dez anos, Anjos realizou uma carreira meteórica nas artes plásticas, culminando, há dois meses, com a indicação de curador da 29ª Bienal, a mostra de arte mais importante do país e uma das mais reconhecidas em todo o mundo.
Anteontem, pela primeira vez, Anjos começou a ocupar o pavilhão da Bienal. Ainda sem sala e tendo de se apresentar aos porteiros para poder entrar, ele recebeu a Folha para uma entrevista, que já tinha sido iniciada pela internet (leia a íntegra na Folha Online em www.folha.com.br/092452).
A questão política da mostra, contudo, não quer ser panfletária. A reação a um dos grandes impactos que Anjos teve com a arte, numa exposição do alemão Anselm Kiefer, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1998, aponta como o curador relaciona arte e estética.
"Não há texto ou elaboração discursiva quaisquer capazes de proporcionar o que senti naquela mostra, onde a dor da guerra era abordada de modo direto sem ser meramente ilustrativa e era, talvez até por isso, transformada em uma questão que importa a todos."
Essa abertura está presente no título da mostra, "Há Sempre um Copo de Mar para um Homem Navegar", que tem Agnaldo Farias como cocurador, anunciado anteontem.
"Esse é um verso do poeta Jorge de Lima que afirma como a dimensão utópica da arte está contida nela mesma e não no que está fora ou além dela", diz o curador.

Revisão da história da arte
Mesmo após tantas críticas ao modelo agigantado da Bienal, realizadas em seminários da última edição do evento, será mantido um grande número de artistas, cerca de 150, privilegiando a produção brasileira.
"Não será mostrar por mostrar, mas queremos reavaliar a história da arte brasileira, essa visão de que tivemos uma arte política nos anos 1960 e 1970, enquanto tudo depois seria descompromissado", avalia ele.
Para tanto, Anjos pretende apresentar trabalhos históricos de artistas brasileiros. Mesmo sem nomes definidos, o curador aponta a "Experiência nº 2", a performance de Flavio de Carvalho (1899-1973), feita em 1931, como um dos exemplos do que procura apresentar.
"É um paradigma da possibilidade de se pensar a relação entre arte e política de uma maneira mais ampla e relevante."
Dos anos 1980, o curador aponta Nuno Ramos e Rosângela Rennó como artistas que seguem a mesma linha.
"Mesmo quando não tematizam a política, [o trabalho deles] nos faz olhar o que está à nossa volta de um modo diferente; e se a arte faz isso, é evidente que ela faz política."

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 5:36 PM | Comentários (1)

Exposição conta com programa de residências, Estado de S. Paulo

Matéria originalmente publicada no Caderno 2 do Estado de S.Paulo, em 03 de setembro de 2009.

O mexicano Jose Dávila e o argentino Adrián Villar Rojas já criaram suas obras

Andando pelo bairro de Higienópolis, o mexicano Jose Dávila deu de encontro com alguns edifícios projetados pelo arquiteto Vilanova Artigas que ele não conhecia. "Minha ideia era viver a cidade, encontrar coisas evitando o olhar de turista", diz o artista, um dos nove estrangeiros convidados a participar do programa de residências do Panorama da Arte Brasileira deste ano do MAM. Dávila, que vive em Guadalajara, sempre se interessou por arquitetura, gostaria de tê-la em sua formação - e por isso, além de naturalmente ir aos museus da cidade, foi atrás do Copan e das obras de Niemeyer.

Em 1997, ele esteve aqui como turista para visitar São Paulo, o Rio e as Cataratas do Iguaçu. Agora, a partir de uma vivência diferenciada, vai produzir para o Panorama uma obra inspirada na série dos Núcleos, realizados entre 1959 e 1964 por Hélio Oiticica (1937-1980). "Vou fazer um trabalho mural, que também se refere à tradição mexicana, com planos que não têm cor, apenas linhas", conta Dávila, de 35 anos, que ficou hospedado durante sete semanas em loft no Edifício Lutetia. "Creio que a proposta deste Panorama é a Antropofagia ao inverso, a partir de fluxos e intercâmbios que existem no mundo", completa.

Sua obra, que teve como base especificamente um dos Núcleos de Oiticica feito com formas planares amarelas suspensas no espaço, se refere, duplamente, à questão da "arquiteturalização do desenho", como diz. "O neoconcretismo e a arquitetura é o que chegam ao exterior como legado brasileiro", afirma Dávila, que voltará em setembro para instalar sua criação, apenas em projeto.

Também já estava de partida, de volta para Buenos Aires, na semana passada, o argentino Adrián Villar Rojas, de 28 anos. Ele vai apresentar na mostra a instalação Nunca Esquecerei o Brasil, formada por prateleiras com cerca de 70 livros nos quais ele criou intervenções artísticas.

Pela primeira vez no País e em São Paulo, Adrián achou curioso a quantidade de sebos pela cidade, algo que, segundo ele, não acontece na Argentina. Foi neles que ele comprou a grande maioria dos livros, de todos os tipos, assuntos e épocas, para realizar seu trabalho para o Panorama.

A obra de Adrián, versão de trabalho anterior, tem um caráter mais poético e intimista. O artista utiliza principalmente as páginas iniciais das publicações, a parte da dedicatória, para nelas fazer desenhos, colagens, escritos e pinturas. Suas intervenções têm a ver com suas experiências na cidade, como a descoberta do edifício São Vito e a vista de tantas pichações, da obra de Aleijadinho, mas também assuntos brasileiros como a história de Tiradentes e o livro Macunaíma, de Mário de Andrade. "O Brasil tem tradição com a arte conceitual e eu quis utilizar a figuração", justifica o artista. É curioso que uma de suas referências mais fortes seja Portinari, brasileiro que ele conhecia há tempos - sobre a reprodução de uma de suas pinturas em um livro, o argentino fez uma intervenção para transformar a imagem em um "quarto de adolescente".

Além deles, integram o programa de residências o espanhol Juan Pérez Aguirregoia; o sueco-argentino Runo Lagomarsino; a dupla formada pelo irlandês James Tennant Thornhill e pela italiana Fulvia Carnevale; o colombiano Mateo López; o venezuelano Alessandro Balteo Yazbeck; e a dinamarquesa Tove Storch.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 5:23 PM

Artista do Brasil não entra por Camila Molina, Estado de S. Paulo

Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 do Estado de S.Paulo, em 03 de setembro de 2009.

Outras matérias sobre o tema com debate no Canal:
Mostra de arte brasileira não terá artistas nacionais por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo, com 80 comentários postados
"Panorama estrangeiro" é atacado na web por Fabio Cypriano, Folha S. Paulo

Adriano Pedrosa, curador da tradicional mostra do MAM, explica por que desta vez só estrangeiros

Uma polêmica surgiu em meados deste ano com o anúncio de que o próximo Panorama da Arte Brasileira, do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), marcado para 10 de outubro, seria feito apenas com obras de artistas estrangeiros. Ou seja: o tolhimento de mais um espaço para reflexão sobre a produção contemporânea brasileira? A proposta curatorial é de Adriano Pedrosa, convidado para fazer a edição de 2009 da mostra bienal e tradicional da instituição, criada em 1969.

Segundo ele, não é bem assim. A exposição vai apresentar trabalhos de cerca de 30 artistas, todos estrangeiros, sim, mas que têm a arte brasileira como referência, em especial o modernismo dos anos 1950 e o neoconcretismo nacionais.

"Vejo que as reações (ao projeto) têm em geral um caráter mais conservador, tipicamente territorialista e xenófobo. Se você pensar numa reação de esquerda, ela poderia dizer que se trata de um projeto expansionista, pois há uma 'ocupação brasileira' de territórios artísticos tidos como 'estrangeiros'", defende o curador. Para Pedrosa, a resposta ao debate que já se criou será a própria exposição, concebida, como diz, a partir de duas vertentes: a mostra em si, que ocupará todos os espaços do MAM, e o programa de residência artística feito em parceria com a Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e iniciado em julho. Nove artistas estrangeiros ficam no País durante oito semanas.Eles não têm como obrigação criar uma obra específica para o Panorama, mas estabelecer uma relação, mesmo que rápida, com o País. A reportagem do Estado esteve na semana passada com dois desses artistas residentes, o mexicano Jose Dávila e o argentino Adrián Villar Rojas, que já terminaram sua estada por aqui (leia mais ao lado). Hospedados no Edifício Lutetia, no centro de São Paulo e pertencente à Faap (leia também abaixo), os dois estrangeiros explicaram seus trabalhos para o Panorama num modo de entender melhor a mostra, feita com orçamento em torno de R$ 900 mil.

"Esse projeto responde a diversas avaliações minhas, uma delas é a de que nosso programa de exposições em São Paulo, de um modo geral, é excessivamente voltado para a arte brasileira ou, quando é internacional, vem muitas vezes através de agências de fomento cultural ou de coleções estrangeiras", diz Adriano Pedrosa. "Nossa carência é sobretudo em relação a mostras coletivas internacionais que sejam curadas e produzidas no Brasil. Isso, porém, custa caro."

A mostra Panorama da Arte Brasileira já teve uma série de diretrizes em sua história: começou com o propósito primeiro de promover aquisições para a formação da coleção do MAM com os prêmios de suas edições; depois, eram feitas edições estritamente ligadas a linguagens e gêneros (o desenho, a pintura, a escultura, etc.); e de 1995 para hoje passou a ter um curador convidado pela instituição com autonomia para criar seu próprio projeto (o primeiro foi o de Ivo Mesquita). Em 2003, o museu chamou pela primeira vez um estrangeiro, o cubano Gerardo Mosquera para fazer a curadoria da exposição: e ele fez o Panorama da Arte Brasileira (desarrumado), que mesclou obras de artistas nacionais e internacionais. Adriano Pedrosa afirma que não está agora inventando a roda, citando até mesmo a iniciativa de Mosquera como referência.

A questão da "problemática" entre território , geografia, nacionalidade e a arte não é nova, nem mesmo na trajetória de projetos de Pedrosa, como ele afirma. "Esse Panorama é um questionamento sobre a relação entre arte e nacionalidade e, nesse sentido, sobre a categoria arte brasileira", diz o curador. Segundo ele, sua opção foi se concentrar em artistas e obras que já trabalham de alguma forma com referências a arte e cultura brasileiras, "sobretudo, com modernismo brasileiro, do meio do século, tanto arquitetura quanto artes visuais", parte de uma certa tendência de alguns criadores que "tentam buscar histórias alternativas de modernismo" e também referências sobre o neoconcretismo, impulsionado pela explosão internacional, a partir dos anos 1990, das experimentações de Lygia Clark e Hélio Oiticica. "Não podemos dizer que Portinari, Tarsila e Guignard vão fazer parte da história da arte como Lygia Clark, Hélio Oiticica ou Lygia Pape", completa Pedrosa. "Desta vez, estou buscando artistas que se engajam mais com a arte e com a cultura brasileira, não apenas aquele viajante estrangeiro que vem até aqui e registra imagens."

São artistas basicamente latinos e europeus, de uma geração nascida nas décadas de 1960 e 70, que participam da mostra (Pedrosa também é de 1965). Além dos residentes - alguns deles nunca estiveram no Brasil -, o curador conta que estarão no Panorama: o alemão Franz Ackerman, a italiana Luisa Lambri, o mexicano Damián Ortega e o inglês Cerity Wyn Evans (este com um trabalho com explosivos e uma frase de Caetano Veloso), todos eles com forte relação com o País, e o argentino Nicolas Guagnini.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 2:00 PM | Comentários (3)

setembro 1, 2009

Restauro em tela no Masp revela pênis por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 01 de setembro de 2009.

Tela do francês Nicolas Poussin havia sofrido retoques para esconder falo de Príapo, deus da fertilidade

Foi descoberto um pênis ereto no quadro de Nicolas Poussin que acaba de ser restaurado pelo Masp. Depois de remover sucessivas camadas de tinta aplicadas ao longo dos últimos 300 anos, a restauradora Regina Pinto Moreira conseguiu revelar o detalhe camuflado.
"Esconderam o falo do Príapo", diz Moreira. "É o que a gente chama de repinte de pudor; não é nada incomum."
A tela "Himeneu Travestido Assistindo a uma Dança em Honra de Príapo" mostra o deus grego do casamento vestido de mulher numa dança para Príapo, o deus da fertilidade, que costuma ser representado com o falo em perpétua ereção.
Era esperado que Poussin pintasse esse deus da mesma forma, já que seguia a maneira do italiano Vincenzo Cartari, que retratou todo o panteão grego num livro do século 16, inclusive um Príapo excitado.
Feito entre 1634 e 1638, o quadro de Poussin, um dos mestres da pintura francesa, pertenceu à família real espanhola. É provável que a intervenção "de pudor" tenha ocorrido no século 18, ainda sob a guarda da Espanha católica.
Com as guerras napoleônicas, o quadro caiu nas mãos de aristocratas ingleses e foi vendido depois ao marchand francês Georges Wildenstein, que repassou a tela a Assis Chateaubriand em 1953. Não houve retoques na tela desde então.
Num processo de seis meses, Moreira, restauradora do Louvre que veio a São Paulo trabalhar sobre a tela de Poussin, tentou restituir os aspectos originais do quadro. Havia rasgos e furos na tela e retoques que descaracterizaram a obra.
"Foram restaurações abusivas, com solventes improvisados", afirma Moreira. "Havia acidentes, lacunas, zonas desgastadas. Fiz uma limpeza e a retirada do verniz amarelado."
Nesse processo, diz não ter se surpreendido com o falo ereto de Príapo. Segundo ela, era provável que estivesse pintado e recoberto, mas poderia também ter sido raspado da tela.
Agora com o falo à mostra, a tela de Poussin será exibida no Masp com análises científicas em exposição aberta ao público no dia 9 de setembro.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 4:51 PM

Amazônia cearense por Marcos Sampaio, O Povo

Matéria de Alan Santiago originalmente publicada na seção Vida e Arte do O Povo, em 31 de agosto de 2009.

Aos 80 anos, Sérvulo Esmeraldo inaugura, em Rio Branco, no Acre, monumento em homenagem à revolução acreana e aos cearenses que migraram para a Amazônia

É impossível esquecer a importância do Ceará na formação do Acre. Tudo começa nos anos 1940, quando milhares de cearenses saíram daqui em busca de borracha. Eles foram motivados por um alistamento compulsório promovido pelo então presidente Getúlio Vargas, que, desta forma, não só conseguiu formar seu “exército da borracha”, como tirou mais de 50 mil nordestinos da seca que assolava a região. Boa parte dessa história foi recontada no último dia 6, quando foi inaugurada na Avenida Ceará, principal via de Rio Branco, capital do Acre, o monumento intitulado Jangadas, em homenagem aos 107 anos da Revolução Acreana, momento que incorporou definitivamente o território ao Brasil.

O autor da obra que mede seis metros, feita em aço SAC-50 (cuja principal característica é ser resistente à ferrugem), é o artista plástico Sérvulo Esmeraldo que, aos 16 anos, deixou o Crato para conquistar o mundo com suas cores e formas. Formado por três triângulos, como velas, Jangadas faz alusão a um dos principais ícones da cultura local. Entre as palavras gravadas na placa que fica em frente à escultura, “Quando os nordestinos empreendiam a longa jornada do sertão até a mais distante floresta da Amazônia, velas ao mar eram o último aceno da terra natal para gerações de cearenses”.

“Não sei quando comecei a me interessar por arte. Só sei que comecei”, diz Sérvulo que, já na infância, dividida entre o engenho do pai e a escola, gostava de desenhar os parentes e explicar como o desenho foi feito. Numa longa conversa que passeou por vários cômodos da sua casa, ele conta que daí até se encaminhar para a profissionalização, precisou de um pequeno empurrão do acaso. “Fui expulso do ginásio do Crato, aos 13 anos, porque dei uma entrevista na rádio falando mal dos integralistas e fiz um cartaz para o partido comunista”. Por conta deste incidente, ele veio para Fortaleza estudar no Liceu.

Trajetória
Já na capital, aos 18 anos, foi visitar o 5º Salão de Abril onde conheceu muitos artistas da Sociedade Cearense de Artes Plásticas como Ademir Martins e Antonio Bandeira. “Nessa época, eu ainda não pensava em ser artista. Meu pai queria que eu fosse diplomata no Rio de Janeiro e pensava em fazer arquitetura, porque parecia com arte”. Mesmo assim, seguia várias tardes para a lagoa da Messejana ou para a praia para pintar com seus novos amigos. Em seguida parte para São Paulo e expõe suas xilogravuras no Instituto dos Arquitetos. Lá ele conhece o adido cultural da França que o convida para estudar em Paris.

Olhando alguns dos álbuns de recortes de jornal que trazem notícias suas (ele tem mais de uma dezena), Sérvulo ainda se surpreende com o que encontra. “Isso aqui é a minha vida”, diz, emocionado. Ainda desarrumando as malas que trouxe da sua última visita ao Acre, ele diz que a obra Jangadas foi muito importante principalmente por conta de toda a importância que o Ceará tem na fundação do Acre. “O Secretário de Cultura do Acre dizendo que queria uma obra minha na nova avenida que fosse parecida com a que tem aqui, próximo ao mercado de peixes da beira mar”.

“O Sérvulo foi escolhido tanto em virtude dos atributos estéticos de sua obra quanto pelo fato de ser cearense, conterrâneo de nossos antepassados”, explica Daniel Sant’Ana, diretor-presidente da Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour-Acre. “A obra é importante, pois simboliza, com suas formas, as embarcações nas quais os migrantes eram transportados. O resultado não poderia ser melhor.”

Com 80 anos completados no último 27 de fevereiro, Sérvulo continua atento às novas gerações de artistas plásticos. Citando João Bosco Lisboa e Carlos Macedo, ambos de Juazeiro do Norte, e Francisco Zanazanan, ele diz que são muitos os nomes no Ceará que continuam produzindo trabalhos interessantes. E, entre seus próprios trabalhos, ele conta que passou a última noite trabalhando num medalhão de prata que está fazendo para uma coleção de joias que pretende lançar ainda este ano. Outro projeto, para o próximo ano, são duas exposições que passeiam pela sua história, uma na Pinacoteca de São Paulo e outra na França. Certamente, não vão faltar traços e desenhos para a história do menino do engenho que saiu do Crato para enfeitar o mundo.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 4:24 PM

Os abrigos de Diego por Alan Santiago, O Povo

Matéria de Alan Santiago originalmente publicada na seção Vida e Arte do O Povo, em 01 de setembro de 2009.

Arranha-verso, exposição que tem abertura hoje às 19 horas no Centro Cultural BNB, investiga os abrigos. Com uma técnica simples de desenho, os trabalhos são a busca do artista por um lugar possível no mundo

As criações de Diego de Santos são frutos de uma pesquisa que explora a simplicidade das esferográficas e o papel sulfite (Divulgação)
Diego de Santos vive num lugar incerto - nem em Caucaia, onde nasceu e tem casa fincada no chão, nem muito menos em Fortaleza, que é lugar do seu trabalho no Sobrado José Lourenço e dos estudos no curso de Artes Plásticas do IFCE, antigo Cefet. Antes, o artista plástico reside num pêndulo imaginário que o coloca em trânsito eterno entre as duas cidades, uma deslocalização “muito pessoal”, como ele me diz na manhã da última sexta-feira (28), e que parece ter sido o leitmotiv para a exposição Arranha-Verso, que ganha o Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) hoje, às 19 horas, e segue até o final de setembro. Os cerca de 20 trabalhos, frutos de uma pesquisa que já se estende desde 2007, se dedicam a investigar, com a tinta da caneta esferográfica e o papel sulfite, os abrigos – ou a ausência deles.

Mas, por aqui, não seria possível definir esses ditos abrigos e casas como lugares de refúgio contra a intempérie. Na verdade, as séries de desenhos, que tentam fazer uma interseção com o ato de pintar e não propriamente com a pintura, expõem esses espaços, até então sinônimos de proteção e calmaria, a uma tensão. Os abrigos de Diego são construídos de silêncio e solidão, como explica Maíra Ortins, a também artista plástica e curadora. “O homem teme essa casa feita de concreto e grades. Contudo, ainda se avista pela janela o azul, promessa de felicidade”, escreve ela. “Acima da casa, não se vê céu, vê-se tempo, corroído, em cor fosca e cinza. Papel gasto e cansado do atrito da caneta”, refere-se ela à técnica que acabou originando o título desse conjunto de obras.

É Arranha-Verso, porque, no lugar de tentar atingir o céu como o fazem os edifícios altíssimos que invadiram a orla da Capital e se espalham pelos bairros, a intenção é que a força da caneta alcance o outro lado da folha de papel, tão fina quanto as A4 geralmente usadas para impressões nos computadores. “Uso elementos muito delicados com coisas bruscas como o risco forte. Isso gera uma ameaça sobre essa delicadeza”, analisa.

As gotículas de delicadeza são as portas pequenas, às vezes minúsculas, e singelas, que ele deixa escapulir no meio dos ambientes áridos, que ferem. “É a busca por um lugar, seja ele estranho ou não, mas um lugar possível. Não se sabe muito sobre esse lugar, mas a porta é convidativa, porque traz um pouco de mistério, sugere que se vá a esses lugares para saber se são dotados de conforto ou não. É um percurso por esses vários abrigos”, sintetiza.

Ainda assim, são imagens com um gosto de indefinido, como o próprio refúgio do artista. É trabalho abstrato, mas não se exime do figurativo. Entretanto, nessas ocasiões, o que se vê são, por exemplo, homens cuja cabeça está fora do espaço do desenho como se eles estivessem “sufocados por aquilo”, na solidão da cor da tinta preta, afundados numa imensidão branca, silenciosa, como o tempo. “O artista habita a terceira margem entre o espaço e o tempo, entre a cor e o branco, silencioso e calmo, nem triste, nem exato, nada preciso, pouco a ser dito e muito a ser visto”, conclui a curadora.

Arranha Verso
Diego dos Santos

2 a 30 de setembro de 2009

Centro Cultural Banco do Nordeste - Fortaleza
Rua Floriano Peixoto 941, Centro, Fortaleza - CE
85-3464-3108
Terça a sábado, 10-20h; domigo 10-18h
Exposição até 30 de setembro

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 4:02 PM