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janeiro 28, 2010
Lei Rouanet sai da gaveta e enfrenta Congresso por Jotabê Medeiros, O Estado de S. Paulo
Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no Caderno2 do jornal O Estado de S. Paulo em 28 de janeiro de 2010.
É uma mudança radical na filosofia de incentivo à cultura no País. A nova Lei Rouanet, cujo texto foi assinado anteontem pelo presidente Lula, prevê que o Fundo Nacional de Cultura (FNC) nunca poderá ter menos do que 40% do orçamento do MinC. Até hoje, o fundo (que permite o incentivo direto, sem que o produtor precise captar dinheiro no mercado) recebe valores irrisórios e aleatórios. A maior parte dos recursos chega via renúncia fiscal - empresas adiantam o dinheiro aos produtores culturais, e depois são reembolsadas na hora de declarar o seu Imposto de Renda (IR).
Foram criados 9 fundos setoriais - Artes Visuais, Artes Cênicas, Música, Acesso e Diversidade, Patrimônio e Memória, Ações Transversais e Equalização, Audiovisual, Inovação do Audiovisual (o que compreende curtas-metragens, médias-metragens e experimentalismo) e Livro, Leitura, Literatura e Humanidades (cuja divisão, para separar literatura do mercado, será definida em lei específica).
Desses 9 fundos, sete terão entre 10% a 30% do total dos recursos - o restante irá para o audiovisual, segundo o texto. Para decidir quais projetos serão incentivados, haverá CNICs setoriais, com representação paritária do governo e da sociedade civil. O Fundo Nacional de Cultura também poderá receber dinheiro de doações, legados e subvenções, e esse dinheiro não seguirá o critério de partilha acima. Não será permitido o incentivo a obras, produtos, eventos circunscritos a coleções particulares ou circuitos privados que tenham limitações de acesso.
A União deverá enviar 30% dos recursos do FNC para fundos públicos de Estados, municípios e do Distrito Federal (com a observância de serem destinados no mínimo 10% para cada região do País, como forma de promover a descentralização do investimento). Mas, para receber o dinheiro, Estados e municípios deverão constituir órgãos colegiados e observar as regras da lei.
A renúncia fiscal continua existindo, mas também mudou. Os contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas tributadas com base no lucro real) poderão deduzir 40%, 60% e 80% do imposto de renda devido quando financiarem um projeto cultural (valor limitado a 6% do imposto devido, quando se tratar de pessoa física, ou 4% do imposto devido, quando se tratar de pessoa jurídica). Um sistema de pontuação definirá em qual faixa (40%, 60% ou 80%) o incentivador se encaixa.
O recebimento dos projetos culturais será feito mediante editais de seleção pública, e a lei estipula um prazo de 30 dias para que sejam avaliados - um desafio extra para o governo, já que atualmente os atrasos são constantes por falta de pessoal técnico qualificado. Para a análise dos projetos, o governo prevê na lei contratar especialistas ou instituições.
Os projetos culturais com potencial de retorno comercial (filmes como os da Xuxa e dos Trapalhões, por exemplo, enquadram-se nessa categoria) poderão ser financiados em um sistema de parceria, que poderá tomar até 20% da dotação anual do FNC. Para tanto, serão direcionados para os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficarts). O Banco Central do Brasil será o gestor dessa parceria, e os lucros obtidos voltarão para realimentar o FNC.
Os institutos e fundações (ligadas a bancos ou grandes empresas) estão enquadrados na faixa dos 40%, e todos têm de colocar pelo menos 20% do próprio bolso (antes, a renúncia era de 100%).
Projetos da administração pública só poderão captar até 10%, para evitar concorrência com os mercados. É o caso, por exemplo, dos museus paulistas, que agora terão de reformular seus orçamentos - a Pinacoteca do Estado pediu, para 2009, R$ 13 milhões, e obteve autorização para captar R$ 12 milhões. Entretanto, os fundos públicos dos Estados e municípios poderão redirecionar seus recursos para essas instituições.
"Na medida em que existe um fundo que tem recursos que serão repassados aos governos, não faria sentido que o setor público captasse. Com um fundo novo, forte, que cumpre um papel importante, esta restrição nos parece natural", disse Alfredo Manevy, ministro interino da Cultura, ao site do Grupo de Institutos e Fundações (Gife). Segundo estimativa do governo, inicialmente o fundo vai ter cerca de R$ 800 milhões, a renúncia será de R$ 1 bilhão e o orçamento, excluída a renúncia, de R$ 2,2 bilhões (o maior da História, conforme antecipou o Estado no dia 15).
Nova Rouanet é enfim enviada ao Congresso por Larissa Guimarães, Folha de S. Paulo
Matéria de Larissa Guimarães originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 28 de janeiro de 2010.
Projeto foi assinado pelo presidente Lula e seguiu ontem para análise na Casa
Expectativa oficial é que a proposta seja aprovada até o segundo semestre; para o governo, essência do texto é a mesma do fim de 2009
A nova Lei Rouanet foi enviada ontem ao Congresso Nacional. O projeto de lei chegou a ser entregue simbolicamente no fim do ano passado [como mostrou reportagem da Folha em 22 de janeiro deste ano], mas a proposta só foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva anteontem.
O ministro interino da Cultura, Alfredo Manevy, afirma que faltavam apenas "formalizações" para que a proposta fosse mandada ao Congresso -que só deverá começar a analisá-la na semana que vem.
"Na essência, é o mesmo projeto do fim do ano passado. Sempre existem cobranças por prazos, mas o mais importante é que o texto foi fechado com seriedade", afirmou o ministro.
A expectativa do governo é que o projeto entre em tramitação em regime de urgência urgentíssima, e seja aprovado até o segundo semestre.
Após a aprovação no Congresso e a sanção do presidente Lula, haverá ainda um prazo de transição de três meses para que as novas regras passem a valer para o mercado cultural.
A nova proposta do governo prevê que a renúncia fiscal seja apenas um dos mecanismos de financiamento de cultura. A ideia, segundo o ministro interino da Cultura, é fortalecer o FNC (Fundo Nacional da Cultura) na nova lei.
Com o fundo mais forte, o Ministério da Cultura terá mais mecanismos para repassar dinheiro direto aos produtores. Projetos culturais poderão receber dinheiro público via bolsas e prêmios. Hoje, quem quiser receber dinheiro pela Rouanet tem, praticamente, só a opção de buscar patrocínio na iniciativa privada.
Pelas estatísticas do Ministério da Cultura, a cada ano menos de 20% dos projetos conseguem captar algum recurso. "A maioria fica sem patrocínio, principalmente os iniciantes e mais inovadores", argumenta.
O FNC contará neste ano com R$ 800 milhões, que serão distribuídos entre sete fundos setoriais, que abrangem desde artes visuais a literatura.
As secretarias estaduais de Cultura receberão também 30% dos recursos do Fundo Nacional de Cultura. A proposta do governo prevê que esse dinheiro só poderá ser aplicado em projetos culturais, e não poderá ser usado para outras despesas, como pagamento de pessoal, por exemplo.
"É preciso haver uma descentralização nos recursos da Cultura, assim como vem acontecendo em outras áreas, como saúde e educação", alega.
O mecanismo da renúncia fiscal também vai mudar com a nova Rouanet. As empresas terão de dar uma contrapartida maior ao patrocinarem projetos culturais. Hoje, só existem duas faixas de renúncia -100% e 30%. O empresário pode abater todo o valor do patrocínio em imposto ou precisa desembolsar 70% do montante total. Com as mudanças, fica extinta a renúncia fiscal de 100% e os projetos poderão ser classificados em três faixas diferentes -80%, 60% e 40%.
janeiro 27, 2010
De corpo e mistério por Júlia Lopes, Jornal O Povo
Matéria de Júlia Lopes originalmente publicada no caderno Vida&Arte do jornal O Povo em 16 de janeiro de 2010.
Já faz 34 anos que Efrain Almeida se mudou para o Rio de Janeiro. Foi por lá que viveu a adolescência, o início da carreira de artista (a primeira exposição no XI Salão Carioca de Arte, em 1987), as aulas no Parque Lage, as experiências de uma vida. Por lá continua. Mas ele sempre volta: seja em suas obras ou em incursões para Boa Viagem, no interior do Ceará, cidade onde nasceu e onde ainda residem os pais. ``As referências pessoais de Efrain são transpostas para obra, reverbera na produção um diálogo fluente com sua cidade natal``, identifica Carlos Bitu Cassundé, que é cearense & mas mora em Recife e por lá dirige o Museu Murillo La Greca.
Também atento à obra de Efrain, Marcelo Campos, crítico de arte e curador, aponta essa intensa relação entre os aspectos pessoais e poéticos do artista & que pode ser, inclusive, complexa e até paradoxal. ``Efrain tem uma relação ambígua com aquela paisagem: de fastio e reverência. Ele é um homem urbano, adora música eletrônica, ficou deslumbrado com Tóquio, é fã de São Paulo… E está no Rio. Mas guarda pelo sertão uma relação ao mesmo tempo real, mítica e afetiva``. É de lá, portanto, que chegam os elementos fundamentais para a construção dessa poética. ``É lá que ele vai colher a madeira umburana que o próprio pai planta, nos terrenos da família, destinada às esculturas. Mas o sertão, para ele, também é o lugar que ele teve de vencer, de superar, de se livrar para voar mais alto``, continua Marcelo.
A produção de Efrain é marcada principalmente por pequenas esculturas. Como a série de beija-flores, da década de 90. São cerca de 30, com os pássaros em diferentes posições, dando a sensação de suspensão no ar. A sequência, para Marcelo, é fundamental para a entrada do artista no universo da arte contemporânea. ``Enquanto alguns artistas buscavam conceitualismos chatos e inférteis, ele permaneceu atento à sua história, sincero, chegando então a um resultado bem particular. A instalação é única, um dos mais belos exemplos da arte contemporânea brasileira depois dos anos 1990. São esculturas em madeira, mas, ao mesmo tempo, fazem movimento de cinema, de fotografia, como em Muybridge``.
Muito presente em suas obras é a representação do corpo ou partes dele, como os ex-votos tão comuns no sertão. ``Um trabalho que considero fundamental na sua recente produção é a escultura apresentada na exposição Contraditório do Panorama da Arte MAM-SP, em 2007. A pequena escultura é um auto-retrato em umburana de corpo inteiro do artista desnudo. Até suas tatuagens são registradas``, descreve Cassundé. ``É de um realismo que chega a incomodar, provocador, corajoso. Mas não é a nudez que choca e sim a complexidade do discurso que se abre para o espectador, o diálogo que se estabelece entre o artista e o outro, e as referências sugeridas pelo trabalho margeiam questões bastante presentes em nossas micropolíticas contemporâneas como: desejo, solidão, afeto etc.``.
São essas questões do corpo também são inquietantes para Marcelo. Ele lembra Caetano Veloso: ``Todo corpo em movimento está cheio de inferno e céu``. E continua. ``Nestas figurações ele faz declarações de vida: observações da natureza, dos quintais, das viagens para o interior do Brasil ou para o exterior. Ao mesmo tempo, o corpo é a dádiva do trabalho de Efrain, o presente que ele oferece a si mesmo, à sua história e aos espectadores. O corpo é a troca e carrega marcas, estigmas, da religiosidade que ele observa desde criança, nas procissões da sua cidade natal. É, também, o corpo do desejo, das pessoas, da erotização. É o mesmo corpo, muitas vezes, nu, mas entregue religiosamente, como uma heresia, ao sexo, ao outro, declarando-se, mas escondendo-se, cheio de mistério``. E pronto para ser observado.
A Arte da Guerra por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 27 de janeiro de 2010.
Inspirados pela guerra ao terror, artistas visuais retratam os soldados anônimos que perderam a vida no Iraque e no Afeganistão
Nos seis dias que passou numa base militar de Basra, no Iraque, Steve McQueen não teve acesso às linhas de combate. Ficou sozinho no quartel, à espera de notícias. Eram mortes que se amontoavam nas pilhas de estatísticas da presença britânica na guerra ao terror.
Estava lá a convite do governo, para produzir uma obra de arte que só ganhou formas em casa. Ele voltou a Londres disposto a dar rosto aos números anônimos que identificam os mortos em conflito. Britânico que estará na próxima Bienal de São Paulo, McQueen tenta há sete anos fazer circular no Reino Unido selos postais com as caras de homens e mulheres que perderam a vida.
"Queria que todos no país participassem desse ato", conta o artista, em entrevista à Folha. "Teriam um abalo muito maior sobre a psique se vissem a cara desses soldados todo dia, quando pegassem suas cartas."
Isso não deu certo até agora. Mas "Queen and Country", que virou uma instalação com selos reunidos num grande gabinete, engrossa um movimento de artistas que tentam sublimar o anonimato das baixas de guerra por meio de retratos, filmes e fotografias.
Num eco distante do impacto provocado pela Guerra do Vietnã entre artistas dos anos 70, que turbinaram a linguagem da performance, conflitos ressurgem como motor potente por trás de uma nova arte política.
"As pessoas continuam usando o próprio corpo como arma", diz o artista. "Agora também usam esse corpo como protesto, é uma situação que não descarta a presença física e o uso dela para fazer guerra."
Suas cartelas de selos nunca enviados transitam por museus em gavetas de madeira. Quase 22 mil pessoas assinaram um manifesto pressionando o Royal Mail, o correio britânico, a adotar os selos, mas em vão. Enquanto isso, a National Portrait Gallery, em Londres, volta a exibir esses soldados numa exposição em março.
Desenhos
Vai disputar a atenção do público com rostos dos norte-americanos que morreram no Iraque e no Afeganistão. São desenhos da americana Emily Prince, agora na Saatchi Gallery, em Londres. Desde que estourou a guerra no Iraque, em 2003, ela visita sites com retratos dos mortos e refaz à mão contornos de suas caras.
Na série, espécie de performance obsessiva, Prince já retratou mais de 5.000 anônimos que encontrou on-line em páginas como Military City. "A questão era tornar mais real essas estatísticas", conta a artista em conversa com a Folha.
"Ver a imagem de um desconhecido ainda é abstrato, mas é menos que números."
Prince tenta aniquilar essa abstração. Encara cada retrato como cartografia da memória apagada por números e relatórios. Anula o que poderia ser só efeito retórico tentando construir o mais exato arquivo de desenhos, humanos, no lugar de fotos, maquinais.
"Desenho quase em tempo real, porque me irritam as ausências", diz Prince. "É um arquivo imperfeito, sei que nem todos eles estão ali, mas costumo voltar para ver se esqueci alguém."
Enquanto McQueen examina os desdobramentos do corpo como arma, Prince destrincha a natureza desse corpo. Enxerga o Exército como grande entidade anônima, de indivíduos com personalidades distintas engolidas no rolo compressor das táticas de guerra.
"Pensava no soldado como o garoto que já pagava de machão no colegial, mas agora vejo que são normais", diz Prince. "O Exército, como corpo, é capaz de cometer atrocidades, mas espero que entendam que há indivíduos ali, que não têm culpa."
Em Fort Hood, no Texas, a maior base militar dos Estados Unidos, esses garotos, com ou sem culpa, tentam garantir a individualidade. Embaixo dos uniformes, tatuam seus próprios medos, desejos, esperanças.
Uma documentarista de Austin viu no ritual pré-embarque um possível retrato da guerra. Passou três anos visitando um estúdio de tatuagem vizinho à base, entrevistando os soldados.
"Com a agulha cavando na pele, eles revelam coisas que não diriam numa entrevista comum", diz Nancy Schiesari, diretora de "Tattooed Under Fire" (tatuado sob fogo), que pode ser visto no YouTube. "É uma forma de arte: esses tatuadores canalizam os sentimentos dos soldados em desenhos que encaixam sobre os músculos."
Depois do corpo como arma e do corpo anônimo do Exército, Schiesari estuda o corpo ameaçado, tingido para a batalha. Um soldado mandou gravar o desenho de um feto numa jarra, outro fez uma caveira, mas o mais comum é fazerem o próprio nome, em partes do corpo que esperam ficarão intactas caso sejam mutilados.
Artistas da próxima Bienal de São Paulo também destacam violência por Silas Martí, Folha de São Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de São Paulo em 27 de janeiro de 2010.
Não é a primeira vez que Steve McQueen usa a violência como ponto de partida para uma obra. Em seu filme "Hunger", premiado há dois anos em Cannes, dramatizou a greve de fome de Bobby Sands, ativista do IRA, o Exército Republicano Irlandês, que morreu em protesto contra o governo de Margaret Thatcher nos anos 80.
Sem muitas palavras e com cenas que evocam o expressionismo agudo de um Francis Bacon, causa desconforto. Põe a miséria humana, o corpo que definha, no centro da ação.
Ainda inédito no Brasil, o longa pode ser exibido na próxima Bienal de São Paulo, junto de uma obra que McQueen ainda está produzindo para esta edição da mostra paulistana, que começa em setembro.
Violência e guerra também aparecem na obra de outros artistas já confirmados na Bienal de 2010. Harum Farocki, videoartista alemão, está de olho nos traumas de guerra dos soldados norte-americanos em combate no Oriente Médio.
José Antonio Vega Macotela expõe o sofrimento atrás das grades de um presídio na Cidade do México, trocando favores do lado de fora da prisão por obras feitas pelos detentos trancados em suas celas.
Na dimensão econômica do conflito, a cineasta belga Chantal Akerman vai explorar as origens da crise imobiliária que descambou para o colapso financeiro a partir do retrato de uma comunidade norte-americana, a parte pelo todo, que tenta entender como um lado desperta a ira do outro.
Sem prazo para pagar dívidas por Thiago Corrêa, diariodepernambuco.com.br
Matéria de Thiago Corrêa originalmente publicada no diariodepernambuco.com.br em 26 de janeiro de 2010.
política cultural // Presidente da Fundarpe reflete sobre os desafios do último ano de gestão, comemora o que considera avanços na área pública de cultura contra a política de balcão e reconhece dívida com artistas
O quarto ano de gestão de Luciana Azevedo como presidente da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) começou sob a turbulenta reabertura do Cinema São Luiz e as denúncias de atraso no pagamentos de cachês de artistas que participaram de atividades promovidas pela entidade em 2009.
Nesta entrevista ao Diario de Pernambuco, Luciana responde a essas polêmicas, apresenta o modelo de gestão do Cinema São Luiz, explica as dívidas com os cachês, pede desculpas aos artistas, garante o pagamento, mas não estipula um prazo para realizá-lo. A gestora ainda analisa o futuro do Conselho Estadual de Cultura, comenta as dificuldades encontradas no poder público, a falta de estrutura para lidar com o setor cultural, critica a política de balcão, fala da resistência da área em aceitar as novas ideias e defende a política de cultura implantada em sua gestão como uma conquista democrática para o setor, que deve ser garantida com a aprovação da Lei Estadual de Cultura, em março. Além disso, Lucianarevela quais os principais desafios da Fundarpe em 2010, que pode ser o último sob seu comando, em função do processo eleitoral.
Cachês
2009 era um ano estratégico e foi um ano difícil, por conta da crise. Todo mundo começou criticando a marolinha de Lula e hoje estão aplaudindo. O governador apostou nisso e não contingenciou. Só que houve um grande problema, as prefeituras todas contingenciaram. A gente faz um instrumento para elas assinarem, mas as prefeituras quebraram. Então a gente tinha duas decisões: se retrair e perder o 2009 estratégico ou imprimir as mudanças de que precisávamos. Falhou a primeira prefeitura, falhou a segunda; então começamos um movimento interno de convencimento para ampliar o orçamento. Terminamos o orçamento em R$ 111 milhões, quando estavam previstos R$ 72 milhões. Mas para isso, tem todo um processo, tem a demora dos rituais e o processo legal. Tive reuniões e reuniões com os consultores para saber como poderia pagar a dívida, porque até nisso o poder público é complicado. Estou com o dinheiro em caixa e estou fazendo todo o ritual. A gente construiu o caminho de reconhecer a dívida, com toda documentação, reconhecer na Fazenda, da Procuradoria-Geral. Posso dizer que o que ficou para pagar é em torno de 1,5% do nosso orçamento executado no ano de 2009. Não é sendo irresponsável nem dizendo que isso não é importante para o artista, mas desafio qualquer órgão público que tenha só 1,5% de dívida, de tudo o que foi executado no ano. A grande diferença é que a gente está trabalhando num processo democrático, e aí as pessoas estão falando. Mas ai de quem falar de alguma dívida da prefeitura, de qualquer uma. Por que estão falando só da dívida da Fundarpe, que ampliou o orçamento em 500%?
Prazo de pagamento
A gente não pode dar um prazo definido, porque tem um ritual a ser cumprido. A gente tem consciência da nossa dívida, o governador garantiu os recursos, estamos fazendo o ritual dentro da legalidade. Vamos pagar. Pedimos desculpa a esses artistas. temos consciência do que estamos construindo para a cultura de Pernambuco. E este ano vamos ser mais duros na negação de pedidos que venham de trampolim.
Cinema São Luiz
Foi criada uma comissão que tem representantes ligados ao audiovisual e aos produtores. Ela vai estruturar as ações que vão ocorrer no Cinema São Luiz. Algumas ações básicas estão definidas. Durante a manhã, formação de novas plateias críticas, com os alunos das escolas públicas, com a exibição dos filmes seguido de debates. A tarde, a gente vai dedicar à produção audiovisual pernambucana. E durante a noite se cumprirá o papel de fruição cultural, para que a população tenha acesso, já que no Brasil apenas 13% da população tem acesso ao cinema. Com filmes do circuito, com o ingresso menor: R$ 4 e R$ 2.
Equipamentos
O Cinema São Luiz não é um brinquedinho na mão de uma pessoa, mas um espaço de política pública de cultura. É uma estação cultural que quebra modelos.
Precipitação
Não foi precipitado. Foi uma abertura corajosa. Você não espere em nenhum lugar a coisa estar pronta para poder colocar na rua, porque não bota.
Desperdício
Ainda tem muita coisa para corrigir. Gastamos R$ 25 mil para alugaro gerador por um ou dois dias, mas a gente avaliou que seria melhor que o desgaste desse sai não sai. Dentro do jogo de quebrar impossibilidades, você tem que fazer alguma coisa desse tipo. É preciso ter coragem.
Lula Cardoso Ayres Filho
Sou amiga de Lula, mas ele não pode ser o centralizador de um processo. Aquilo (o São Luiz) não é um instrumento dele. O cinema é um equipamento de política pública. A gente tem todo respeito por Lula e ainda vamos discutir. Ele pode compor, se ele topar ser coletivo, com os outros.
Circuito comercial
O papel da economia da cultura é avaliar as nossas metas e a eficácia delas. Nosso objetivo é formar plateias em relação à cultura pernambucana e fazer com que a população tenha acesso a ela. Um dos eixos prioritários é a questão da circulação, porque não adianta produzir e não dar acesso à produção.
Modelo de política pública
Política pública é deixar tudo aberto para que todos possam participar, para que todas as estéticas sejam potencializadas. Não pode ser concentrada emgrupelhos, tem de ir para todas regiões. Se não fere o princípio. A mão do estado entra para que todos tenham acesso, porque aquilo era uma bagunça, parecia uma empresa privada que escolhe o que vai financiar. Nós usamos dinheiro público, então todos precisam ter acesso à disputa.
Conselho Estadual de Cultura
O que a gente tem é um Conselho de Cultura que é referência histórica, que foi criado na época da ditadura, em 1967, representou uma conquista muito grande dentro de um modelo onde não existia política pública. Mas esse Conselho vai de encontro ao Sistema Nacional de Cultura. Para você participar do sistema, você tem que ter os canais de participação como manda o sistema. E esse conselho estadual não pode cumprir este papel. A gente está construindo algo de outra envergadura, com outra lógica. Se esse conselho passar a ser consultivo, ligado à Secretaria de Educação, para assuntos da área de cultura, enfim, essa é uma discussão que vai ser tratada. Na lei, o que se fala de conselho não é esse conselhoque existe.
Novo conselho
É uma representação do poder público e da socidade, uma representação institucionalizada num modelo de cogestão, partilhada. Ele vai fazer parte do Sistema Estadual de Cultura, que é estruturado num modelo de gestão participativa, com representação do tecido social e do poder público. O governador vai indicar o representante do poder público, que é o poder que lhe cabe, os outros serão eleitos nos fóruns por região, por linguagem. Desse conselho sai uma representação para o conselho nacional. Atualmente, quem representa Pernambuco é um cara que só fala com ele mesmo, ainda disputa para ver se é maior que Deus. Marcus Accioly é a cultura de Pernambuco, é contra a lógica. E é uma contradição, porque somos referência de modelo, tudo que produzimos, nós passamos para os secretários e a única coisa negativa de Pernambuco é essa referência.
Desafios do último ano
A aprovação da lei na Assembleia Legislativa, para garantir que o princípio social tenha um instrumento de luta. No momentoem que se está discutindo essas questões (dos cachês), acho que eles (os deputados) não podem se negar a discutir uma lei de política pública que vai institucionalizar algumas críticas que eles estão fazendo. Esse é o grande desafio. De ponto de vista interno, é a reestruturação da Fundarpe e o concurso público.
janeiro 22, 2010
MinC tem R$ 800 mi para distribuir por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 22 de janeiro de 2010
Enquanto aguarda mudança da Lei Rouanet, ministério prepara o lançamento de prêmios culturais para o mês de abril
Se promessa for cumprida, recursos públicos vão se equiparar ao dinheiro movimentado pela renúncia fiscal em 2009
Não é primeira vez que o Ministério da Cultura (MinC) comemora um orçamento recorde. Mas, se nenhuma peça mudar de lugar, em 2010 a pasta que entrou na era Lula sob a batuta de Gilberto Gil, em 2003, será rica como nunca foi. Dos R$ 1,3 bilhão em 2009, houve um salto para R$ 2,2 bilhões. "É o maior crescimento proporcional que tivemos", diz Alfredo Manevy, ministro interino.
A grande virada é que, desse bolo, R$ 800 milhões terão como destino o Fundo Nacional de Cultura (FNC) que, até aqui, era mera figura jurídica. "São esses R$ 800 milhões que justificam a reforma da Rouanet, já que a renúncia deixa de ser o único guichê", diz Manevy. "Terá início um novo modelo, baseado nos fundos setoriais."
Haverá programas e editais para áreas como cidadania e diversidade, livro e leitura, artes cênicas, música e artes visuais. O primeiro pacote de prêmios e bolsas tem lançamento previsto para abril. Outros dois se seguirão. A análise dos projetos ficará a cargo de uma rede de pareceristas composta por mais de 500 especialistas.
Manevy esclarece que o fundo dará preferência a quem tem mais dificuldade para bater à porta das empresas em busca de patrocínio. Mas ressalta: os critérios não incluem o verbete "consagrado". "Um artista conhecido que faça experimentação também pode ter dificuldades. Será levado em conta o interesse público."
Os editais contemplarão, por exemplo, projetos de formação e aquisição de acervo e de reforma ou construção de espaços cênicos. O FNC deve incorporar também prêmios feitos em parceria com a Petrobras, como o Klauss Vianna, de dança, e o Myriam Muniz, de teatro.
Dinheiro real?
Um dos grandes fantasmas, quando se fala em orçamento direto, atende por um nome longo: contingenciamento. Trata-se de procedimento corriqueiro no governo. Ajuste aqui, ajuste ali, e parte do dinheiro acaba não sendo liberado. "Como o próprio nome diz, é uma contingência", diz o secretário José Luiz Herência.
Contingência, segundo o "Aurélio": "incerteza sobre se uma coisa acontecerá ou não". "Mas tentaremos empregar esses recursos imediatamente", afirma Herência.
O setor cultural tem, no entanto, um quê de gato escaldado. "Todo ano se anuncia orçamento recorde. Mas, em 2009, o MinC foi a pasta que teve o segundo maior contingenciamento, só atrás do Ministério da Pesca", lembra o produtor Paulo Pélico.
"O fundo é, desde sempre, a nossa batalha. Apesar das promessas, ainda não temos segurança nem de que o dinheiro sairá nem de que nossas reivindicações serão atendidas, até porque nenhum documento veio a público", diz Ney Piacentini, um dos líderes do movimento de grupos teatrais de São Paulo.
Quem está do outro lado do palco, aquele ocupado por produções tidas como viáveis comercialmente, tem outras ponderações. "O problema dos fundos é sempre a comissão. E esse ministério adora comissões", diz o ator Juca de Oliveira. "Tenho sempre receio do guichê único", diz Pélico. "Mas o fundo resolve um problema básico, que era termos o Parque Nacional Serra da Capivara [no Piauí] e o Cirque du Soleil disputando o mesmo dinheiro."
Enquanto o fundo ganha forma, vê-se uma diminuição de recursos da renúncia fiscal. Alguns produtores atribuem a queda à insegurança dos patrocinadores ante as mudanças da Lei Rouanet.
Mas houve também a crise. "A renúncia é baseada no imposto a pagar, e havia uma perspectiva de que 2009 seria um ano economicamente difícil. Algumas empresas preferiram ficar com o dinheiro em caixa", diz Fernando Rossetti, secretário-geral do Grupo de Institutos Fundações e Empresas, que reúne os maiores patrocinadores. "Embora houvesse a expectativa da mudança da lei, acho que a retração se deve mais à crise."
O blefe da Rouanet por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 22 de janeiro de 2010
Casa Civil diz que nova lei ainda está sob análise, enquanto MinC afirma que texto está pronto e aguarda mero "protocolo"
Primeiro, veio a festa. Depois, a saia justa. Primeiro, rodeado por artistas e batidas de bumba-meu-boi, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, entregou à Câmara um maço de papéis que, no próprio site do ministério, era chamado de "projeto de lei da nova Rouanet". Depois, a Casa Civil informou que o projeto ainda está sob análise e não há prazo para que seja enviado ao Congresso.
Encenação? "Foi um ato simbólico, que não tem validade. Atos simbólicos são comuns no Congresso", responde o assessor do deputado Michel Temer (PMDB-SP), presidente da Câmara. Temer recebeu, do ministro, o documento que, a esta altura, ninguém sabe ao certo o que era. "O deputado nem tinha conhecimento de que o projeto não estava pronto", disse o assessor, pedindo para que as declarações fossem atribuídas à assessoria de imprensa. "Ele não tem como se pronunciar sem o projeto final."
O jogo de cena foi desmontado nesta semana quando, num e-mail, o assessor de comunicação da Casa Civil, Renato Hoffmann, disse que o texto ainda seria analisado e que, se algo chegou ao Congresso, não partiu dali. Para não haver dúvidas, a Folha refez a pergunta:
"O MinC diz que o projeto que está na Casa Civil já foi analisado e irá para o Congresso em fevereiro, ou seja, que ainda não deu entrada no Congresso por mera questão processual. Mas, pelo que você diz, o projeto ainda passará por análise. É isso?" Resposta: "É isso. O texto que chegou à Casa Civil será analisado." Há prazo? "Não."
Ao saber da troca de e-mails, o secretário de políticas culturais do MinC, José Luiz Herência, insistiu que o projeto já havia sido analisado. "Entregamos ao Congresso o texto finalizado. O que falta é mera processualidade."
O ministro interino, Alfredo Manevy, que na sexta-feira passada havia confirmado que o projeto, em fevereiro, entraria em tramitação com pedido de urgência urgentíssima, também negou a informação.
"Ontem alguém me disse que a Folha tinha falado na Casa Civil e eu, na hora, liguei pra lá e falei com a pessoa que está finalizando a formalização do projeto. Ele só não foi entregue por problema de recesso parlamentar e de formalidade", justificou. "Existe um projeto de lei, que está concluído. Vou ligar agora para a Casa Civil para que eles emitam uma nota dizendo que não está mais em análise. Deixa eu corrigir isso. Vou pedir para retificarem." Até o fechamento desta edição, não houve, por parte da Casa Civil, retificação ou mesmo resposta aos telefonemas.
Questionado sobre a informação errada trazida a público em dezembro, sobre o envio do projeto de lei, Manevy insistiu: "O que os jornais e revistas noticiaram é verdade. Tem uma cobrança em torno de toda essa parte procedimental que é secundária nesse processo que tem substância, veracidade. Mas, tudo bem, a palavra não foi certa, deveríamos ter dito que o protocolo formal sairia em fevereiro. Deve ter sido um erro."
janeiro 20, 2010
Bienal de SP terá Nuno Ramos, Nan Goldin e McQueen, por Jotabê Medeiros, O Estado de São Paulo
Matéria de Jotabê Medeiros, originalmente publicada no Estadão Online no dia 19 de janeiro de 2010
'Estado' antecipa nomes fundamentais da principal mostra de artes plásticas da América Latina
A natureza política da arte volta ao centro do debate na 29ª Bienal de São Paulo, em setembro. Não aquela arte panfletária, dos significados unidimensionais, mas uma arte capaz de mudar o jeito como vemos e refletimos sobre a sociedade - sendo irrelevante, portanto, se ela trata de conflitos ou não e a forma como articula seu discurso. O Estado teve acesso com exclusividade a uma lista dos artistas mais importantes já definidos para a jornada (a lista completa só deve ser anunciada oficialmente em fevereiro).
O choque de significado da exposição do curador-chefe Moacir dos Anjos é um leque amplo. Começa com a arte ativista do chinês Ai Weiwei, de 53 anos, nascido num campo de trabalhos forçados por ser filho de um "inimigo" da revolução cultural (o poeta Ai Qing). Espraia-se pelas jornadas fotográficas nos seios das comunidades gays e transexuais, filtradas pelo olhar da americana Nan Goldin, de 57 anos.
Uma estrela confirmada é o inglês Steve McQueen, de 41 anos (que representou a Inglaterra na Bienal de Veneza do ano passado), que vem com seus filmes em preto e branco influenciados pela nouvelle vague e por Andy Warhol, e nos quais ele é geralmente um protagonista.
Cildo Meireles, nome fundamental da arte contemporânea, volta à mostra. Em 2006, o artista plástico Cildo Meireles tinha ameaçado deixar a Bienal de São Paulo caso o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira continuasse no conselho da fundação Bienal. Ferreira foi afastado, mas já não havia tempo para Meireles enviar uma obra. Na época, ele estava com o plano de fazer a instalação Homeless Home (já montada na Bienal da Turquia, em 2003, e cuja origem era um desenho de 1968).
Outro nome essencial das grandes exposições nacionais é Nuno Ramos, que volta às mostras de arte após ganhar o Prêmio Portugal Telecom de Literatura com a obra Ó. Outros nomes: a palestina Emily Jacir, de 40 anos, nascida em Bagdá, que junta fotografia, vídeo e performance; o britânico Jeremy Deller, ganhador de um prêmio Turner; a alemã Isa Genzken, que também trabalha com diversos suportes; o belga Francis Alys, que vai do texto à animação; o português Artur Barrio; e o paraibano Antonio Dias e a carioca Alice Miceli. A 29ª Bienal está marcada para ocorrer entre 21 de setembro e 12 de dezembro. Além de Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, curadores-chefes, haverá curadores convidados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Confirmados
Ai Weiwei, artista chinês;
Alice Miceli, artista carioca;
Antonio Dias, artista paraibano;
Artur Barrio, artista português;
Cildo Meireles, artista carioca;
Emily Jacir, artista iraquiana;
Flavio de Carvalho, artista carioca da geração modernista;
Francis Alys, artista belga;
Isa Genzken, artista alemã;
Jeremy Deller, artista britânico;
Livio Tragtenberg, compositor e músico paulistano;
Nan Goldin, artista norte-americana;
Nuno Ramos, artista paulistano;
Steve McQueen, artista britânico.
janeiro 19, 2010
Acontece em Kassel por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 19 de janeiro de 2010
Diretora artística da próxima edição da Documenta, em 2012, conta como elabora a mais importante mostra de arte contemporânea do mundo
Desde 1972, a Documenta de Kassel é considerada a mais importante mostra de arte contemporânea. Uma das razões para tanto é que seus diretores têm cerca de quatro anos para organizá-la e, como diz a norte-americana Carolyn Christov-Bakargiev, em tom metafórico, "certos experimentos científicos não podem ser alcançados antes de três ou quatro anos".
Indicada para diretora artística da Documenta, em dezembro de 2008, por comitê que contou com o brasileiro Paulo Herkenhoff e que teve como finalista Lisette Lagnado, Christov-Bakargiev, 52, ainda está na fase inicial da pesquisa. "Eu queria ter ido ao Brasil, em 2009, ver o Panorama [no Museu de Arte Moderna], do Adriano Pedrosa, mas, como só me desliguei do museu Castello di Rivoli [em Turim], em dezembro, acabei não conseguindo. Mas certamente irei agora em 2010, pois estou criando uma rede, e o país está em minha rota", contou à Folha, por telefone.
"Eu nunca gostei de trabalhar sozinha, eu gosto de colaborações, de pingue-pongue com muita gente. Foi assim que fiz a Bienal de Sydney e a Trienal de Torino", afirma a curadora. Christov-Bakargiev esteve no Brasil quando organizou a Bienal de Sydney, na Austrália, em 2008, e daqui levou quatro artistas para a exposição: Anna Maria Maiolino, Marcellvs L., Hélio Oiticica e Renata Lucas -que já foi convidada para a Documenta, segundo curadores próximos à norte-americana.
Ainda sem um projeto final, já que a mostra se realiza apenas em 2012, Christov-Bakargiev pretende manter algumas das marcas das últimas Documentas, entre elas descentralizar a arte ocidental, como afirma na entrevista abaixo.
FOLHA - Para ser selecionada como diretora artística você precisou elaborar um projeto?
CAROLYN CHRISTOV-BAKARGIEV - Não foi exatamente um projeto. O comitê de seleção me contatou e, para ser aceita como candidata, precisei responder a três questões. A primeira foi para que serve a Documenta e qual é o seu papel; depois, qual é minha metodologia -o que foi muito interessante, pois, estranhamente, nunca pensei nisso, e foi um exercício de autorreflexão. E, finalmente, o que é necessário -uma questão também interessante, porque, afinal, o que se pode dizer que é necessário? Mesmo a vida pode não ser necessária e, então, mudei [a questão] para o que se pode fazer.
FOLHA - Então, o que se pode fazer?
CHRISTOV-BAKARGIEV - Bom, isso muda com o tempo, mas, basicamente, creio que a Documenta se transformou num estado da mente na paisagem contemporânea, tanto no mundo da arte como além dele. Creio que tenha se tornado um estado mental, pois nela se pode pensar no papel da cultura no mundo. Mas isso eu escrevi há mais de um ano e, talvez, eu mesma já tenha mudado de opinião (risos). Certo é que o mundo se transformou de maneira dramática e radical desde 1955. Hoje, como se sabe, é muito diferente, a arte se tornou popular -o que não era nem mesmo nos anos 1970, quando Harald Szeemann fez a Documenta. Assim, ela sempre esteve vinculada a esse desejo de uma consciência coletiva e, por outro lado, tem sido espaço para debater sobre o alto modernismo e os tempos pós-coloniais, uma negociação durante a globalização.
FOLHA - Mas qual é a diferença entre a Documenta e as bienais e feiras de arte?
CHRISTOV-BAKARGIEV - As bienais, que hoje chegam a 154 em todo o mundo, possuem uma certa independência territorial e independência enquanto laboratórios de experimentação para novas praticas artísticas e novos modelos de sociedade. Já as feiras de arte, assim como o mercado da arte, não são experimentais e transferem para um objeto artístico um tipo de investimento simbólico de marcas imateriais. Como vivemos numa sociedade de marcas imateriais, que é o mundo digital, de repente as obras de arte são o mais importante produto da sociedade, pois são a materialização de marcas imateriais. Além desses dois mundos, existe a Documenta, e o que a caracteriza é que ela ocorre a cada cinco anos -e esse tempo a transforma num dinossauro muito lento. Alguém me disse que deveríamos chamá-la de "ela já está atrasada", o que eu não vou fazer, mas, se pensamos no conceito de "inatualidade suprema", como tantos filósofos exploraram na importância de não se estar em dia, isso dá à Documenta um desafio, que é ter outro tempo. Certos experimentos científicos não podem ser alcançados antes de três ou quatro anos, é preciso um longo tempo para se estudar o comportamento de um animal, por exemplo.
FOLHA - E como você a vê até agora?
CHRISTOV-BAKARGIEV - É uma exposição no centro da Europa, e sou consciente de que isso gera um problema duplo. Por um lado, defendo que toda exposição seja muito baseada no local onde ocorre, pois acredito que a verdadeira experiência da arte tem a ver com o corpo e, portanto, deve ter uma relação com o espaço onde acontece.
A Documenta não pode se fechar nela mesma, pois o incrível movimento que fez com Catherine David (1997) e com Okwui Envezor (2002) foi ajudar a descentralização da arte ocidental e ver a impossibilidade de pensar através de formas que não sejam complexas ou rizomáticas.
Seria absurdo isolar Kassel, sem se descentralizar demais, senão seria uma nova forma de neocolonialismo, o que também seria absurdo. Assim, eu não lhe contei o que vou fazer, mas os problemas com os quais me confronto.
janeiro 18, 2010
O Fotográfo Como Curador por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 08 de janeiro de 2010
Rochelle Costi fotografa os porões do CCSP e expõe uma seleção de "objetos encontrados"
Convidada a desenvolver uma obra especialmente para o Centro Cultural São Paulo, referindo-se ao contexto local, a fotógrafa Rochelle Costi elegeu como ambiente de trabalho o subsolo da instituição. Sob os dois pisos que comportam as bibliotecas, as salas de exposição, os teatros, os estúdios, os jardins e as áreas de convivência do Centro Cultural, existe um universo oculto formado por ateliês, oficinas, laboratórios e arquivos. Durante semanas, Rochelle vasculhou os porões – onde são guardadas, por exemplo, as obras do acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo – e fez sua própria seleção de “obras” a serem expostas. Revirando as salas de elétrica, cenotécnica, fotolito, serralheria, gráfica, encadernação e depósito, Rochelle localizou e fotografou 25 composições espontâneas que denominou “objetos encontrados”.
“Minha ideia inicial era fazer algo com os ‘achados e perdidos’. Quando cheguei ao subsolo, procurando a zeladoria, encontrei uma outra ocupação do espaço e o universo que eu gosto de trabalhar, que é o popular”, conta a artista, que elegeu um acervo de imagens representativo desse universo e inventou uma museografia própria para exibi-lo. Na marcenaria, ela achou um tabuleiro de jogo com cores fortes; na serralheria, traquitanas e cacarecos sobrepostos que podem até ser associados a montagens dadaístas. Mas foi na gráfica que ela encontrou o objeto de potencial estético imbatível: uma caixa de madeira amarela, de “design” local, engenhosamente inventada para funcionar como apoio de pastas.
A partir desse objeto, informalmente associado pela artista a uma “caixinha oiticicana” – em referência aos objetos que espacializaram a pintura de Helio Oiticica nos anos 60 –, Rochelle concebeu as caixas que funcionam como suportes de suas fotografias. Dessa forma, os “objetos encontrados” por ela em sua descida ao subterrâneo podem ser vistos dentro de caixinhas de madeira, especialmente confeccionadas na marcenaria do CCSP. “Essas caixas propiciam ao espectador um exercício particular de visão”, define a artista, que criou, em cada uma delas, uma surpresa.
Outros caminhos para a Índia
Urban Manners 2 – Artistas contemporâneos da Índia / Sesc Pompeia, São Paulo / 21/1 a 4/4
Como o Brasil e a China, a Índia está no grupo de países em crescimento que atraem a atenção de investidores de todo o mundo. São países que compartilham não apenas interesses econômicos, mas crises de identidade, já que possuem culturas não europeias que vivenciam a globalização de forma bastante particular. E essas crises são um prato cheio para quem pensa e produz arte. A mostra “Urban Manners 2”, depois de passar por Milão (2007), apresenta pela primeira vez em São Paulo uma seleção de arte contemporânea indiana. “O crescimento econômico da Índia teve impacto na produção de arte, surgiram mais galerias e colecionadores, o que se traduz em mais oportunidades e possibilidades financeiras para os artistas”, explica Peter Nagy, crítico de arte residente em Nova Délhi que auxiliou a curadora Adelina von Fürstenberg na montagem da exposição para o Brasil. Gurus espirituais e artistas psicodélicos já faziam da Índia ponto de referência nos anos 60 e 70. Mas, diante do crescimento econômico, a Índia nacionalista, do hinduísmo e do sistema de castas, abriu espaço para um país cosmopolita e igualmente sedutor. Ao exotismo colorido das tradições soma-se uma cultura urbana condizente com sua condição de potência emergente, revelando curiosas e frutíferas contradições. No Sesc Pompeia, o choque entre tradição e modernidade aparece traduzido em vídeos, esculturas, pinturas, instalações e fotografias realizadas por 11 importantes artistas indianos da atualidade. No vídeo “I Love My India” (foto), a artista Avinash Veeraraghavan explora com montagens caóticas as imagens publicitárias espalhadas pelas cidades do país. Já em “National Product (Gandhi) and Others”, o artista Proibir Gupta mostra uma grande estátua do líder, coberta de grafites e cercada por letreiros de estabelecimentos comerciais. “Esta é provavelmente a obra mais política da exposição. Cada letreiro faz uma piada sobre o choque entre política e religião que acontece hoje na Índia. Algo que Gandhi, sem nunca ter tido a intenção, causou”, comenta Adelina, que é também fundadora da ONG “Art for the World”, criada em 1996 para promover a tolerância e instigar o diálogo entre diferentes culturas. Sempre através da arte contemporânea e do cinema.
Colaborou Fernanda Assef
janeiro 14, 2010
Novo secretário do MinC opera orçamento recorde por Jotabê Medeiros, O Estado S. Paulo
Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no Caderno 2 no jornal O Estado S. Paulo, em 14 de janeiro de 2010.
Ministério terá R$ 2,2 bilhões, valor que, pela primeira vez na História, suplanta 1% do total do País, e executivo do Banco do Nordeste chega para modernizar gestão
Funcionário há 33 anos do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), o executivo Henilton Parente de Menezes foi nomeado ontem, conforme publicação no Diário Oficial da União, como o novo secretário de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic) do Ministério da Cultura (MinC). Menezes assume em substituição a Roberto Nascimento, que se desligou alegando motivos pessoais no início do mês.
A secretaria que Menezes vai dirigir é um bunker estratégico do Ministério da Cultura. Trabalhou ativamente na reforma da Lei Rouanet e faz a gestão do mecenato do incentivo cultural. Em 2010, ano de disputa eleitoral, a Sefic vai operar com a maior verba da história recente do País - a Comissão Mista do Congresso definiu, no Orçamento da União, um valor de R$ 2,2 bilhões para o MinC. É a primeira vez que a verba para a cultura ultrapassa 1% do orçamento do País (o total nacional é de R$ 1,86 trilhão).
Desse total, cerca de R$ 300 milhões deverão abastecer o Fundo Nacional de Cultura, que permite o estímulo direto a projeto culturais - sem utilizar o mecanismo de renúncia fiscal. Henilton Menezes, que se notabilizou como gerente de Cultura do Banco do Nordeste, investindo cerca de R$ 17 milhões anuais em projetos culturais no Nordeste, diz que chega ao MinC com a ideia de fazer um "choque de gestão" na Sefic para torná-la mais eficiente.
Segundo Menezes, o convite do ministro Juca Ferreira atende à necessidade de preparar a estrutura burocrática do Fomento e do Incentivo à Cultura para 2011, quando deverá entrar em vigor a nova Lei Rouanet - e, consequentemente, os novos fundos de incentivo à cultura, que destinarão recursos diretos aos produtores e artistas. Ele analisa que, apesar de seu antecessor ter deixado uma contribuição importante, um estudo de processos internos, é preciso mudar a estrutura hierárquica muito "pesada" da secretaria e transformá-la numa "estrutura matricial". O novo secretário diz que se trata principalmente de implantar um novo jeito de ver a gestão, um novo olhar "de quem vem de um banco, com uma lógica diferente do serviço público".
Diz que quer transformar a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que avalia projetos de todo o País, em "um grupo de pensadores, e não somente deliberadores de projetos", e esse perfil já começa a ser definido nos próximos dias, quando sairá uma instrução normativa regulamentando a nova CNIC. "Quero pessoas pensando em como otimizar o trabalho dos pareceristas, e também priorizar a informatização da secretaria, para voltá-la para fora. Nós precisamos fazer com que o proponente se sinta bem atendido, facilitar o trâmite dos projetos, para que, quando eles chegarem à prestação de contas, já venham instruídos. Outra coisa é focar a prestação de contas no projeto realizado."
Também é intenção de Menezes contratar um estudo de uma fundação (cita a FGV) para examinar os custos de ações culturais em todo o País. Segundo diz, a ideia é instituir "parâmetros de análise para poder enxugar os orçamentos", porque atualmente o ministério atua sem ter como comparar o custo de itens de um projeto em São Paulo e Teresina, por exemplo. "É muito irresponsável dizer que um projeto foi supervalorizado sem que se tenha um parâmetro."
Apoia a reforma da Lei Rouanet, embora admita que ainda não teve tempo de se aprofundar no novo texto. "Concordo com o conceito, que cria um novo instrumento para que o País todo possa ter acesso a esses recursos. Hoje, há Estados que têm zero por cento de acesso", considera. Ele também diz que é essencial aproximar as instituições vinculadas do MinC, como a Funarte, o Iphan, o Ibram e a Casa de Rui Barbosa.
O Banco do Nordeste é um dos que mais investem em cultura no País, e mantém centros culturais em Fortaleza, Juazeiro do Norte e no alto sertão paraibano, em Souza, cidade com pouco mais de 60 mil habitantes. Os resultados são surpreendentes - em Juazeiro, o centro cultural tem 1,2 mil visitas por dia, e em Souza, 1,1 mil visitantes diariamente. "O Centro Cultural de Souza é uma instituição que poderia eventualmente estar instalada aí na Avenida Paulista, tem qualidade equivalente. Essa é a ideia: não nivelar por baixo, promover a cultura da maneira mais elevada."
Henilton Menezes tem 48 anos e entrou aos 15 anos para o BNB. Agora, tem pouco mais de 10 meses para fazer um trabalho crucial. "Não gosto de hierarquia, não gosto que me chamem de senhor, não gosto de sala fechada", define-se.
Situação de museus de arte no país é deplorável por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de S. Paulo
Matéria de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 14 de janeiro de 2010.
Para crítico e curador, políticas do Estado brasileiro "refletem estatuto da arte na consciência da elite, que é inexistente"
Crítico, Curador e professor de história da arte, Paulo Sergio Duarte cita o abandono do Museu de Brasília como exemplo da indigência das políticas públicas em relação ao setor e diz que o Instituto Brasileiro de Museus é só "um escritório com diretoria e alguns assessores". Ele vê os museus como "instrumentos indispensáveis para qualquer sistema educacional que se preze" e advoga interação entre essas instituições e universidades.
Pesquisador do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Candido Mendes, no Rio, Duarte, foi curador da 5ª Bienal do Mercosul (2005) e do Projeto Rumos Artes Visuais do Itaú Cultural, no ano passado. Ele cobra do governo Lula a definição de prioridades e defende que os museus federais sejam centros de excelência e formação técnica. Quanto às mudanças na Lei Rouanet, propõe tratamento especial para investimentos em aquisição de acervos e infraestrutura de museus -hoje preteridos em favor do patrocínio de exposições temporárias.
FOLHA - Qual é a situação da rede de museus do país?
PAULO SÉRGIO DUARTE - É preciso lembrar logo que só vamos falar de museu de arte, a cultura em tão elevado estado de condensação que nós não chamamos de cultura, mas de arte. No caso desses museus, a situação é deplorável. Existem ilhas razoáveis que estão longe de dar um bom panorama histórico da arte no país.
FOLHA - Qual é a responsabilidade do governo nessa situação?
DUARTE - Não é um problema só de governo, este ou passados. A política cultural do Estado reflete o estatuto da arte na consciência da elite brasileira. E esse lugar simplesmente não existe, com raríssimas exceções. Repetindo o que digo há 30 anos: percorrendo, em qualquer uma das duas maiores cidades do país, todos os seus museus, é impossível para um professor dar um curso digno da história da arte do século 20.
Tenho insistido sobre o fato de que neste ano Brasília completa 50 anos. Onde está seu museu de arte? No antigo Clube das Forças Armadas, depois cedido para o Casarão do Samba, e posteriormente transformado no museu de arte. Está lá num prédio interditado, cercado por hotéis de arquitetura pífia. Até aqui, este é o lugar do museu na capital da nação. Eu defendo que se faça um concurso internacional para este museu, como foi feito no Rio para o Museu da Imagem e do Som.
FOLHA - Isso é simbólico quanto à importância que o poder público confere à arte?
DUARTE - Isto não acontece por mero acaso no país no qual sobra dinheiro para malas em automóveis e aviões de pastores evangélicos, fraldas de dólares debaixo das calças de cabos eleitorais e até nas meias de deputados. Qual pode ser o estatuto da arte nesse lugar? Como acreditar que a arte é um conhecimento específico, muito importante para compensar os efeitos da indústria cultural, e formar um olhar crítico no cidadão se, na capital do país, é tratada de modo tão lamentável?
FOLHA - Como você vê a atuação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), criado pelo governo?
DUARTE - Por enquanto, é um escritório com uma diretoria e alguns assessores.
FOLHA - Como ele deveria se estruturar?
DUARTE - Os museus são, antes de tudo, equipamentos necessários à formação de cidadania e um instrumento indispensável de qualquer sistema educacional que se preze. Com as tarefas enormes e com o alarme de emergências tocando todo dia, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, não pode dar a devida prioridade aos museus.
Parodiando Carl von Clausewitz, na sua frase que já se tornou clichê: os museus são importantes demais para ficar nas mãos de museólogos. Os acordos e convênios com universidades e institutos de ensino e pesquisa nas diversas regiões do país poupariam da inchação o quadro de pessoal do Ibram.
Acredito que, para o primeiro mandato do presidente Lula, estava correta a política do Ministério da Cultura de prospecção do campo realizada pelas consultas a câmaras setoriais, reuniões e estímulos à participação. Mas já é tempo de ter focos precisos, prioridades de efeitos multiplicadores. Acima de tudo, as instituições federais têm de ser centros de excelência e de formação técnica.
FOLHA - Que prioridades?
DUARTE - Por exemplo, os projetos educativos dos museus devem priorizar a formação de professores e secundariamente se voltar para o cidadão comum. As visitas de turmas de alunos de escolas e colégios devem estar sempre programadas como trabalhos práticos de professores preparados pelos próprios museus em programas de convênios com as secretarias de educação. Os programas educativos para professores devem estar voltados para os docentes de todas as áreas, e não apenas para aqueles de arte e educação artística. Só desse modo fará sentido a divulgação dos números de visitação de alunos; por enquanto servem para a satisfação demagógica e a prestação de contas a departamentos de marketing de patrocinadores.
FOLHA - Em relação a museus, o que deveria mudar na Lei Rouanet?
DUARTE - Eu considero que deveria haver mais estímulo fiscal aos investimentos em infraestrutura dos museus e aquisição de acervos do que para exposições temporárias. Não se trata de acabar com o estímulo às exposições e sua documentação em catálogos. Mas a aquisição de obras e publicações que exigem longas pesquisas e não estão vinculadas a um evento temporário mereceriam receber tratamento diferenciado. O mais grave, segundo li na Folha [Ilustrada, 24/11/09], é o governo querer disciplinar ou mesmo proibir a remuneração dos profissionais contratados para dirigir museus ou instituições culturais que adquiriram um estatuto autônomo, como organizações sociais. É um estímulo ao pior amadorismo ou a uma péssima elitização das direções das instituições: só ricos, pessoas que não vivem do que fazem, poderão ocupar essa direção, ou funcionários mal remunerados.
FOLHA - Que lições devemos tirar do incêndio que destruiu parte importante da obra de Hélio Oiticica?
DUARTE - A primeira lição é que não se deve nunca dispensar uma consultoria de risco indicada por uma boa empresa de seguros para qualquer edificação que for armazenar acervos preciosos. Mais do que isso: uma das cláusulas ao uso das leis de incentivo à cultura para instituições que preservam acervos seria a realização prévia da consultoria e o financiamento, pela própria lei de incentivo, da execução de todas as medidas técnicas que sejam recomendadas.
Acho que quem primeiro deveria dar esse exemplo é o próprio Ministério da Cultura, realizar essa consultoria em cada uma das instituições sob sua responsabilidade. A verdade é que em muitos casos nem as normas estabelecidas pelos Bombeiros são cumpridas.
FOLHA - Se compararmos arte contemporânea, mercado e instituições do Brasil com arte contemporânea, mercado e instituições de países mais avançados, quais são os principais descompassos?
DUARTE - Temos atualmente uma excelente produção de arte, reconhecida, antes de tudo, por importantes instituições e coleções estrangeiras. Nossas instituições apresentam os mesmos descompassos que existem para outras áreas, a começar pelo sistema educacional: quais são os descompassos que existem entre os sistemas educacionais brasileiro, japonês, alemão, americano, francês e inglês, por exemplo?
Nossas instituições de arte estão para as instituições desses países assim como [estão] nossa educação e nossos serviços de saúde. Quanto ao mercado, me parece que amadureceu muito, nos últimos 20 anos, em São Paulo; se estrutura no Rio e em Belo Horizonte, mas depende exclusivamente de colecionadores particulares. As instituições públicas não têm recursos regulares para aquisições.
FOLHA - E as doações?
DUARTE - Dou um exemplo. A diretora do Museu Nacional de Belas Artes declarou que recebeu em poucos anos milhares de doações. O número publicado chegava a dezenas de milhares, embora isso possa ter sido um erro tipográfico. Mas, se é verdade, é evidente prova do elevado grau de indigência que conduz a política cultural de artes visuais. Integrar o acervo do Museu Nacional de Belas Artes deve ser privilégio reservado às obras de artistas que constituem um patrimônio do povo brasileiro e cuja fruição vai efetivamente formar o olhar do cidadão no campo da arte.
Visite-se a sala de arte moderna e contemporânea do museu e ver-se-á que, além das inúmeras lacunas, existe quase sempre a inversão de valores: quanto menos importante o artista mais espaço ocupa sua obra. É uma aula completa do que não deve ser feito.
janeiro 12, 2010
15 longos minutos de fama por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 12 de janeiro de 2010.
Quatro lançamentos comprovam a longevidade de Andy Warhol como fenômeno pop e contam como o artista construiu uma personalidade rentável e midiática
Andy Warhol gostava de se olhar no espelho para não ver nada. "Um crítico disse que eu era o nada em si, o que não ajudou muito", escreveu o artista. "Mas, se perguntassem qual é meu problema, eu diria: pele."
Homem que se tornou o nome mais conhecido da arte no século 20, Warhol odiava a própria cara. No mundo de celebridades que ajudou a arquitetar, criou um personagem magnético para ocultar suas falhas. Virou marca rentável até hoje.
Quatro livros lançados nos últimos meses do ano passado exploram o mito Warhol e repetem nas livrarias o alvoroço provocado pelas obras do artista pop em museus e galerias.
"Andy Warhol", de Arthur Danto, e "Pop - The Genius of Andy Warhol" (pop - o gênio de Andy Warhol), de Tony Scherman e David Dalton, são análises biográficas do artista. Enquanto o primeiro traça um paralelo entre Warhol e nomes atuais, como Jeff Koons, Damien Hirst e Takashi Murakami, o segundo mergulha nos detalhes da década de 1960, a fase mais produtiva de Warhol.
"I Sold Andy Warhol (Too Soon)" (eu vendi Andy Warhol cedo demais), de Richard Polsky, dá a dimensão de mercado da história, narrando o aumento dos preços das obras do artista em leilões e galerias.
Lançado no Brasil há dois anos, "A Filosofia de Andy Warhol", primeira tradução para o português do livro escrito pelo artista, se junta a "Popism" no segundo semestre, livro que ele fez com Pat Hackett, que redigiu seu diário a partir de conversas telefônicas.
Ele mesmo tinha preguiça de escrever. Se nas festas em Nova York Warhol era a figura midiática, de óculos escuros e cabelos arrepiados, não escondia o lado frágil quando estava entre seus assistentes. Era inseguro, inepto. Dependia até das duas empregadas guatemaltecas, que recolhiam os embrulhos de doces e chocolate em torno de sua cama todos os dias pela manhã.
"A maior coisa que ele fez foi criar esse personagem, como Buster Keaton ou Charlie Chaplin, um tipo clássico", diz David Dalton, autor de "Pop", que foi assistente do artista. "Ele criou uma imagem indelével, virou o oposto do que era."
Dalton documentou a construção e o sucesso dessa segunda pele e agora vê seu livro chegar às listas dos mais vendidos.
"Ele era como o Mickey Mouse", diz Arthur Danto. "Ninguém sabia como era a cara dos outros artistas, mas todo mundo consegue desenhar o rosto de Warhol." No auge da fama, o artista chegou a contratar um sósia para dar palestras e fazer aparições em seu lugar.
Foi por seu "charme profundo", nas palavras de Danto, que Warhol chegou à condição máxima de celebridade, despertando adoração e ódio. Anos antes de John Lennon, sofreu um atentado. Levou tiros calibre 32 no baço, estômago, fígado, esôfago e nos pulmões. Sobreviveu, sabendo que passava a ser também um mártir.
Pouco importa que Valerie Solanas, a psicótica autora dos disparos, não tivesse o artista como alvo. "A beleza ameaçada fica mais bela", escreveu Warhol após o episódio. "Se eu não fosse famoso, não teria levado tiros por ser Andy Warhol."
"Ele é como os Beatles", diz Richard Polsky. "Todo livro lançado sobre ele é um sucesso de vendas, as pessoas compram tudo com o nome Warhol."
Tanto que, quando Polsky comprou uma obra de Warhol, escreveu um livro narrando o episódio. Um colecionador finlandês ficou de olho no trabalho até que o autor decidiu leiloar a obra descrita no livro cinco anos depois. "Ele tinha lido o livro, pegou um jatinho e veio comprar o quadro em Nova York", lembra Polsky, que fez outro livro sobre a venda.
Entre as muitas teorias e poucas explicações concretas para o fenômeno Warhol, ele mesmo resume a questão numa frase: "Isso é porque as pessoas, mais do que qualquer outra coisa, querem estrelas".
Placidez e Devastação por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 08 de janeiro de 2010
Fotografia de Caio Reisewitz mostra um artista preocupado com as interferências do homem sobre a paisagem e o meio ambiente
Uma imagem impressiona e influencia Caio Reisewitz desde que começou a trabalhar como fotógrafo. Trata-se da pintura “Mata Reduzida a Carvão”, do paisagista francês Félix Taunay (1768-1824), que veio ao Rio em 1816 acompanhando seu pai, integrante da Missão Artística Francesa, e tornou-se o diretor da Academia Imperial de Belas Artes. Monumental, esse óleo sobre tela datado de 1830 documenta uma queimada na Mata Atlântica fluminense, mostrando que, no início do século XIX, a devastação – decorrente do projeto industrial de expansão de ferrovias – já era uma realidade aqui. Taunay revela nessa pintura uma consciência precoce com o meio ambiente, o que ecoa nas fotografias que Reisewitz fez de queimadas em Bertioga e em Itaquaquecetuba, em 2003 e 2006. Declaradamente inspirado pelas pinturas de paisagem que representavam o Brasil colonial, Reisewitz apresenta na exposição “Parece Verdade”, no CCBB Rio, um retrato dos extremos que caracterizam a paisagem e a cultura brasileira. Esta é a primeira exposição que reúne um conjunto expressivo da obra do fotógrafo paulistano.Selecionadas pelo curador Fernando Cocchiarale, são 50 imagens produzidas nos últimos oito anos, que, juntas, dão a ver as grandes linhas do pensamento visual do artista.
Além da influência da pintura realista e de um olhar preocupado com a preservação ambiental, outra questão que se mostra evidente é o discernimento que Reisewitz faz entre a paisagem natural e a paisagem construída: uma preocupação bastante pertinente na era do Photoshop, quando frequentemente se questiona até que ponto uma imagem é real ou montada. Esse é o caso de “Golf Club”, que apresenta um campo real com aparência artificial. A distância entre a fotografia e o objeto representado está entre os grandes temas de Reisewitz e isso se faz presente também na série recente de fotomontagens, de inspiração dadaísta, feita com recursos manuais e toscos, segundo o artista, “em reação ao Photoshop”. Entre as imagens expostas destaca-se também a série “Utopias Ameçadas”, concebida para a representação brasileira na 51ª Bienal de Veneza, em 2005. São seis fotografias de interiores de edifícios públicos brasileiros – de igrejas barrocas ao gabinete do prefeito de São Paulo, passando pelos edifícios projetados por Niemeyer – que chamam a atenção pela grandiosidade e imponência. É um trabalho sobre a arquitetura do poder, que, visto na perspectiva do conjunto, só evidencia o caráter grandioso que o artista confere às paisagens naturais. “Sim, com a fotografia quero devolver poder à natureza”, diz ele.
PLANTE ESSA ÁRVORE
Projeto Aldeinha/ http://www.bloomproject.org.br
Torne-se um colecionador de arte contemporânea e, de quebra, parceiro de um projeto de transformação socioambiental através da arte. Ao adquirir, por R$ 100, um metro quadrado virtual do Projeto Aldeinha, o comprador passa a fazer parte de uma rede social que inclui artistas, associações, empresários e até três mil habitantes de comunidades carentes da Lapa, na zona oeste de São Paulo. Converter um lugar deteriorado em espaço aprazível (ou em obra de arte) é a meta do artista plástico francês Jean Paul Ganem, que quer fazer um jardim de plantas coloridas e de arquitetura sustentável na área de 17 mil metros quadrados da favela Aldeinha, desocupada pela prefeitura no final de 2008. “Vamos criar núcleos de cooperativismo entre os moradores da favela que foram deslocados e resgatar a memória dos que passaram por ali, reproduzindo com plantas e pedras o traçado original da favela”, diz Ganem, autor de projetos de landscape art no interior da França, em aterros sanitários no Canadá e em pistas de aeroportos.
Além do jardim cromático, o projeto prevê um auditório, uma marquise, uma pista de skate, uma área conversível em espaço para shows, um espaço de inclusão digital, um espaço para grafite e um mirante para ver o pôr do sol. Mais importante ainda: prevê a capacitação profissional de marceneiros e jardineiros entre os antigos moradores da favela, para a construção de todos esses espaços. “O projeto tem um valor ambiental inestimável: ao preservar uma área permeável, que é várzea de rio, estaremos fazendo o contrário do que fizemos nas últimas décadas”, afirma Soninha Francine, subprefeita da Lapa, que está entre os seus apoiadores. A partir de 25 de janeiro, aniversário de São Paulo, 17 mil cotas do projeto serão colocadas à venda na internet. O investimento aqui não é só em arte, mas no fortalecimento de valores bastante enfraquecidos atualmente, como cidadania e biodiversidade.
janeiro 6, 2010
O mundo precisa de dengo, bate-papo Ernesto Neto e Fernanda Assef, Istoé
Matéria da coluna de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 30 de dezembro de 2009
MITODENGO – ERNESTO NETO/ Galpão Fortes Vilaça, SP/ até 12/2
Para Ernesto Neto, o mundo é duro como aço, mas requer dengo e delicadeza. E é isso que a escultura “Mitodengo”, exposta no Galpão Fortes Vilaça em São Paulo, representa. Em sua nova obra, o artista carioca surpreende por trabalhar com o aço, já que suas últimas instalações exploravam matérias delicadas, como o tecido, o isopor, o cheiro de especiarias. “Mitodengo” é uma escultura gigante, feita de peças de aço que se encaixam com surpreendente leveza, como um brinquedo infantil. Do balanço da rede de casa, ele fala sobre a necessidade de equilíbrio entre peso e doçura.
“Numa sociedade cheia de regras, a gente precisa de um certo dengo para amaciá-las”
O que é um “Mitodengo”?
É uma escultura que tem a rigidez do ferro, mas é toda macia. A gente vive numa sociedade cheia de regras, precisa de um certo dengo pra amaciar essas regras. Apesar de a palavra mito passar a ideia de uma coisa distante, histórica, a gente vive construindo pequenos mitos. E essa escultura é uma brincadeira de construção, que lembra um brinquedo infantil. É fundamental viver a vida com doçura. Mesmo no peso, na dureza.
Trabalhos anteriores tinham uma latência feminina. Você está em uma fase mais masculina?
Todos os meus trabalhos sempre tiveram uma tensão muito grande. Como uma brutalidade masculina num tecido feminino. É claro que toda a história do tecido tem uma relação com a mulher, e o aço com o homem. Mas existe um dengo, uma maciez, uma leveza nesta escultura. Existem as duas polaridades. O próprio encaixe das peças da escultura traz um sentido machofêmea. Pode até ser que exista uma masculinidade maior nesta escultura e acho ótimo que tenha. Ela é um contraponto à “Nave Denga”, que fiz há 11 anos. Denga é o apelido da mãe do Lito, meu filho. Sinto como se “Nave Denga” representasse a Lili e que “Mitodengo” me representasse, como um autorretrato.
O banco de aço, perto da escultura, está ali para estimular a contemplação?
Com certeza. Tenho pensado muito na questão do ponto de vista. Sempre que faço uma exposição, penso em como a escultura irá se comportar dentro da galeria. Então, o banquinho é um ponto de vista, um ponto de escala – a escala humana minúscula, em comparação à escala imensa da escultura a ser observada. O banquinho tem esse diálogo com a escultura: é um ponto para observação. É como um dueto, como se os dois estivessem dançando no espaço.
Pintura Eletrodigital por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 30 de dezembro de 2009
Luiz Zerbini reinventa e reafirma sua pintura sem usar tela, pincel e tinta, mas à luz das vibrações cromáticas da imagem digital
Luiz Zerbini é dono de um repertório eclético. Nos anos 80, foi uma das pontas de lança da geração que reintroduziu a pintura figurativa no cenário da arte contemporânea. Mais recentemente, desde que integra o coletivo eletrônico Chelpa Ferro, interessa-se pelo reprocessamento de sinais e informações digitais em instalações sonoras. Com isso, não soa nem um pouco estranho dizer que a mostra “Ruído” seja um cruzamento entre todas as tradições frequentadas por ele: da pintura e das sonoridades à imagem eletrônica. “Zerbini perpassa várias mídias, mas com acento nas questões da pintura, ainda que por estratégias oblíquas”, afirma a curadora Ligia Canongia. Em “Ruído”, Zerbini volta a reinventar a pintura. Artista essencialmente figurativo, elege dessa vez como figura o quadrado: aquele que modela mosaicos de ladrilho na arquitetura carioca dos anos 50; aquele pequenininho e colorido, que aparece quando a imagem de vídeo apresenta defeito; aquele que emoldura cromos fotográficos.
Ou seja, agora Zerbini some com a figura inteligível, exuberante, que tantas vezes elaborou na forma de retratos e paisagens. Cria, em seu lugar, uma informação visual dita “aleatória, sem um sentido definido”: são os ruídos de comunicação, os sinais distorcidos, os bugs de sistema, as falhas de memória. Mergulhado de cabeça no mundo contemporâneo, Zerbini lança mão da situação que intriga e atormenta a todos, aprendizes que somos das novas tecnologias digitais. Ao trabalhar com molduras de slides vazias – estranhamente, sem imagens fotográficas, mas apenas com gelatinas de cores puras –, impõe a obsolescência das técnicas como questão a ser ponderada. Na medida em que não há mais imagem dentro dos frames de slides ou das pinturas, uma revisão dos modos de olhar também se faz urgente.