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Como atiçar a brasa

 


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abril 29, 2017

Bienal de Veneza e Pompidou destacam obra de Paulo Bruscky por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Bienal de Veneza e Pompidou destacam obra de Paulo Bruscky

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 28 de abril de 2017.

No ateliê de Paulo Bruscky, pilhas imensas de papéis e objetos estranhos, de botas de borracha a ferros de passar, ameaçam soterrar o artista. Suas montanhas de tralha, entre obras acabadas e esboços de novos projetos, parecem aumentar ali dentro a tórrida sensação térmica do Recife.

É nesse laboratório claustrofóbico, ou calabouço imundo, que fervem as ideias desse homem. "Sou um dos artistas mais sujos do Brasil, com muita honra", diz Bruscky. "Não tem essa preocupação com aparência, preciosidade. O lixo aqui é de uma riqueza arretada."

Ele fala de Boa Vista, um dos bairros mais antigos da cidade. Os pedaços de madeira, móveis descartados, retalhos de tecido e todo tipo de coisa que encontra por essas ruas –com as esquinas mais estreitas do mundo, ele gosta de observar– acabam virando parte de sua obra, uma crônica visual de um cotidiano atravessado por tensões.

Essa eletricidade estranha das calçadas orienta os trabalhos que Bruscky vai mostrar na próxima Bienal de Veneza, no mês que vem, e também no Pompidou, em Paris, onde terá uma retrospectiva neste ano –duas mostras que cristalizam a narrativa em torno do artista que desafiou a ditadura na periferia do mundo e agora é celebrado pelo establishment.

Desde a década de 1960, Bruscky vem trabalhando como uma espécie de alquimista, vertendo os dramas das ruas em trabalhos mordazes, como o caixão rotulado "arte" que jogou num rio do Recife, a fita vermelha que estendeu de ponta a ponta numa passarela, atrapalhando o tráfego, as performances em que fotocopiou seu rosto gritando ou os classificados inusitados que ainda planta em jornais.

Um deles, de retórica futurista, anunciava uma máquina capaz de gravar sonhos.

Talvez daí o poeta Jomard Muniz de Britto, um dos pilares da intelligentsia pernambucana, chamar Bruscky de bruxo –um observador afiado da "beleza sórdida" ao seu redor, "transtornado pela transformação".

Essa angústia parece estar por trás do vício do artista em acumular e catalogar todas as coisas, das obras de arte que mandou e recebeu pelo correio –ele é um dos pioneiros do movimento que ficou conhecido como arte postal, tática usada para driblar a censura de regimes totalitários– a gravações dos sons que fazem as baleias ou o farfalhar das asas de borboletas –um esforço monumental contra o esquecimento.

"Tem artista que não quer saber o que veio antes, mas eu sempre pesquisei para saber tudo que vinha antes de mim", diz Bruscky. "Acho que numa outra vida eu fui arquivista."

Nesta encarnação, pelo menos, Bruscky, que se diz um "exímio datilógrafo", desenvolveu certa habilidade burocrática nas décadas que passou trabalhando como funcionário público, assinando e carimbando documentos, o que explica sua desenvoltura ao navegar pelo caos de seu ateliê, onde calcula ter guardado 170 mil objetos.

ARQUEÓLOGO

"É uma desarrumação arrumada", diz o artista Silvio Hansen, sobre o acervo que parece infinito. "O Paulo é um arqueólogo da arte."

Ou um "colecionador com intuição", como lembra Celso Marconi, crítico de arte que escreveu sobre Bruscky e filmou, em 1978, a performance em que o artista passou o dia dentro da vitrine de uma livraria com um cartaz perguntando para que servia a arte.

Esse questionamento, aliás, também estrutura a ação que Bruscky quer realizar em Veneza. Na abertura da mostra, uma gôndola vai adentrar os Giardini cheia de caixas, as mesmas usadas para embalar obras de arte. Vestindo um macacão, o artista vai então empilhar as peças criando uma composição aleatória.

Seu jogo de embalagens cegas, no caso, se articula como um ataque à circulação de obras que se tornaram troféus, ou objetos esvaziados de significado e disputados por um mercado cada vez mais voraz.

Mesmo seus trabalhos mais conceituais, antes ignorados pela indústria movida por galeristas e colecionadores, agora são alvo de especulação.

"O mercado dele teve uma projeção, deu um salto", conta Lúcia Santos, a primeira marchande a representar o artista, na Amparo 60, sua galeria no Recife. "Triplicou o valor das obras, mas ele ainda é uma pessoa simples, que almoça nos mercados e gosta de tomar a cervejinha dele."

BOÊMIO SOLITÁRIO

Bruscky, de fato, costuma ser visto –sozinho– noite adentro pelos bares da cidade. "Tem um percurso etílico de Paulo", diz Hansen. "Ele sai do ateliê, vai ao mercado da Boa Vista, ao Tepan, ao Empório Sertanejo. Ele é um boêmio fechado, solitário, que vai ao bar não em busca de amizade, mas pela liberdade."

Márcio Almeida, artista que chegou a realizar algumas obras em parceria com Bruscky, conta que o bar vira uma espécie de extensão do ateliê. "A gente combina de se encontrar, mas cada um senta na sua mesa. Quando quer me dizer alguma coisa, ele vem e fala, mas depois volta para a mesa dele. Ele tem essa personalidade forte, mas também tem o coração gigante."

O silêncio e a solidão que Bruscky parece cultivar refletem também as circunstâncias em que construiu grande parte de seu trabalho.

"Vivi muito isolado aqui, não tinha crítica de arte", lembra o artista. "Os outros me chamavam de louco, diziam que eu era um artista merda que só queria aparecer. Achavam um escândalo as coisas que eu fazia, mas chegou um ponto em que não discutia mais, senão não teria mais com quem beber."

Celso Marconi, que escreveu sobre as estripulias de Bruscky nos jornais do Recife, lembra que seus trabalhos eram, de fato, criados num gueto conceitual, distante da compreensão do público.

"Ninguém valorizava muito o que ele fazia, achavam que era maluquice ele meter a cara no Xerox", conta o crítico. "Mas eu gostava das pessoas que não gostavam da ditadura. Elas tinham um senso de revolta na cabeça. Faziam o que queriam, mas tudo era feito dentro de guetos."

Esse isolamento, no entanto, acabou rendendo uma aura de mito ao artista depois da ditadura, quando Bruscky foi se firmando como estrela do cenário artístico e influenciando novas gerações.

"É lindo entrar naquelas salas abarrotadas e ver todos aqueles objetos dele", conta o artista Jonathas de Andrade. "Ele criou uma identidade do artista do Recife. É um personagem da cidade que parece estar sempre num estado de performance."

Posted by Patricia Canetti at 3:00 PM

'Estamos quase em bancarrota', diz diretor do Parque Lage por Árion Lucas, O Globo

'Estamos quase em bancarrota', diz diretor do Parque Lage

Matéria de Árion Lucas originalmente publicada no jornal O Globo em 27 de abril de 2017.

Para contornar a crise, nova gestão planeja reestruturar modelo de captação de recurso

Sob a paisagem do Corcovado, os jardins em frente ao palacete do Parque Lage se enchem de turistas tirando fotos e de famílias fazendo piqueniques. Por semana, cerca de 12 mil pessoas passam pelo local. Uma caminhada pelo entorno, porém, revela uma infraestrutura precária, enquanto a insegurança aumenta pela falta de vigias. Pichações no muro externo, bancos quebrados e água parada se tornaram parte do cenário, cujo turismo é ainda dificultado pela falta de sinalização, uma vez que muitas placas estão quebradas ou pichadas. O palacete, por sua vez, apresenta manchas de mofo e rachaduras.

— Estamos quase em bancarrota — diz o novo diretor do parque, Fabio Szwarcwald.

A situação financeira do parque é grave e com pouca perspectiva de melhora a curto prazo, avalia Szwarcwald. Prestes a completar dois meses de gestão, ele diz lamentar o estado de abandono do terreno. Explica ainda que as melhorias na infraestrutura dependem de repasses do governo, da mesma forma que o parque precisa de leis de incentivo para se manter. Segundo Szwarcwald, os cursos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), por si só, não garantem os custos de manutenção do espaço.

Atualmente, o estado paga por limpeza, segurança, luz, água e telefone, mas abaixo do que seria necessário. Em 2014, a média de repasses era de R$ 5 milhões: hoje mal chega a R$ 500 mil.

Szwarcwald conta que, já para o próximo mês, está previsto o lançamento do programa Amigos do Parque Lage, pelo qual pessoas físicas e jurídicas poderão financiar a escola em troca de benefícios, como descontos em eventos. A ideia é aproximar o público do patrimônio.

— Acho que a escola é um bem da cidade. As pessoas precisam entender que isso aqui é um pulmão onde você respira arte e natureza — afirma o diretor.

Outro projeto traçado pela nova gestão é a criação de semanas de arte — eventos similares a congressos —, com encontros para desenvolver novas perspectivas e debater questões relativas ao meio cultural.

Há, ainda, planos para novos cursos, como o chamado Parquinho Lage, que seguirá moldes parecidos com a atual EAV, mas com aulas voltadas para crianças entre 6 e 12 anos.

Além disso, serão criados cursos de formação com duração de um ano, nos quais o aluno poderá estudar diversas disciplinas. No final, receberá um diploma. Todos os estudos serão pagos. Mas, segundo Szwarcwald, o objetivo é buscar patrocínios que viabilizem bolsas de estudo.

— Na crise, os cursos fazem a pessoa olhar com outro enfoque para a própria carreira. Estudar é uma ferramenta para mantê-la atualizada, aumentar o networking e inseri-la no mercado de trabalho — diz o diretor.

Szwarcwald acredita que a nova matriz financeira da EAV dará conta de reverter a situação do Parque Lage.

— Precisamos ter um planejamento para poder ir às empresas captar esses recursos via parcerias institucionais, financiamentos de empresas, de pessoas físicas e de órgãos internacionais. E a ideia é, sim, que parte desses recursos seja utilizada para reformas — conclui ele.

Posted by Patricia Canetti at 2:35 PM

abril 26, 2017

Here’s What Sold at SP Arte 2017, the Heart of the Much-Watched Brazilian Art Market by Henri Neuendorf, Artnet

Here’s What Sold at SP Arte 2017, the Heart of the Much-Watched Brazilian Art Market

Matéria de Henri Neuendorf originalmente publicada no Artnet em 7 de abril de 2017.

Is Brazil's art market beginning to recover?

Brazil’s art market seems to have mastered the recent economic crisis and political instability, with dealers expressing optimism at the 13th edition of SP Arte in São Paulo.

Taking place at the city’s biennial pavilion, this year’s fair was split into three broad categories, with solo presentations on the ground floor, the main galleries sector on the second floor, and, for the first time, a dedicated design section on the third floor.

The fair is an important event in the domestic calendar, and not just in São Paulo, which serves as the nation’s primary arts hub. Organizers managed to lobby government to lower the state sales tax for participants for the five-day duration of the event (plus two extra days to close deals), to bring the exorbitant 50 to 60 percent sales tax down to a more manageable rate of between 15 to 16 percent. To attract international galleries, concessions on import duties have also been made during the run of the fair.

All in all, SP Arte is a local affair. Founder and director Fernanda Feitosa estimates that 95 percent of visitors are Brazilian—and this, according to dealer Daniel Roesler of São Paulo and New York-based Nara Roesler, is what sets the fair apart. “The uniqueness is the Brazilian-ness,” he explained. “You don’t see a range of Brazilian artists like this anywhere in the world. On top of that, the international participants create a rich dialogue. At a time when fairs are becoming more international, the local flavor is important.”

The gallery reported some good early sales. The São Paulo museum Pinacoteca do Estado acquired a recent painting by Bruno Dunley and a sculpture by Artur Lescher. Meanwhile, private collectors from Brazil and abroad bought works by Dunley, Rodolpho Parigi, Abraham Palatnik, Sergio Sister, Carlito Carvalhosa and Tomie Ohtake, and works from Vik Muniz’s “Handmade” series, among others.

Nearby, fellow São Paulo and New York-based outfit Mendes Wood DM also reported a solid start, including a 14-piece set by Paulo Montero, which went to a Brazilian institution. The gallery also placed a painting by Lucas Arruda, two paintings by Solange Pessoa, a wall piece by Paloma Bosque, and several photographs by Paulo Nazareth.

Another local gallery that did very well was Fortes D’Aloia & Gabriel, which nearly sold out its entire booth by the end of the second day. This included placements of works by Nuno Ramos, Jac Leirner, Lucia Laguna, Agnieszka Kurant, Efraim Almeida, Iran Ispírito Santo, and Luiz Zerbini. Gallery representative Marie Ana Pimenta told artnet News that most sold to Brazilian collectors, and were priced between $14,000 to $120,000. “Everyone is positive,” she said. “It was a good day for most galleries.”

Elsewhere, a São Paulo mainstay, the dealer Luisa Strina, sold works by Lygia Pape, Fernanda Gomes, Renata Lucas, and Cildo Meireles.

In contrast to the locals, overseas dealers reported slightly slower sales. As Fortes D’Aloia & Gabriel’s Pimenta noted, the Brazilians had a distinct advantage. “It’s our home fair,” she explained.

It was noticeable that the foreign participants brought works that they thought would appeal to a Latin American collector base, rather than offering the styles that have proven hot in the northern markets. There was lots of geometric abstraction and ephemeral pieces, in other words. “We certainly try to find a point of reference for the local audience when we do international fairs,” Heinrich Hohenlohe of Berlin’s Neugerriemschneider conceded, and others seemed to have followed the same path. But did the strategy pay off?

One of the most prominent international exhibitors, mega-gallery David Zwirner, reported the sale of canvasses by Yayoi Kusama and Oscar Murillo, a small piece by Francis Alÿs, and works by Lisa Yuskavage and Wolfgang Tillmans.

Thaddaeus Ropac brought a large sculpture and several works on paper by Georg Baselitz. The gallery’s head of operations, Markus Kormann, said the sculpture sold to a Brazilian collector, and that two drawings had been bought too.

A few booths over, London’s White Cube brought works by Gabriel Orozco, Virginia Overton, Damian Ortega, Damien Hirst, and Antony Gormley. “We have placed a series of important works by a variety of artists in the region,” director Peter Bentley-Brandt said in an email.

Although the gallery declined to divulge details, fellow Brit dealer Stephen Friedman said, “We did well,” while Mexico City’s Kurimanzutto allowed that they were “pleased” with sales.

Based on the market snapshot of SP Arte, it seems that confidence in the Brazilian sector is slowly returning, although the trend at the fair points towards slightly greater interest in works by local artists rather than foreign imports—which may be the result of the Brazilian government’s protectionist import policy. Regardless, it seems the recovery of Brazil’s art market is off to a promising start.

Recommended Reading

Brazil’s Art Market Isn’t Even Close to Its World-Class Potential. Here’s Why, By Henri Neuendorf, Apr 5, 2017

Must-See Art Guide: Brazil, By Tatiana Berg, Apr 6, 2017

Brazil’s Galleries Go Global in the Face of ‘Kafka-esque’ Climate, By Henri Neuendorf, Apr 6, 2017

Posted by Patricia Canetti at 9:13 PM

abril 19, 2017

André Sturm: 'O prefeito é o prefeito, eu sou eu' por Julio Maria, Estado de S. Paulo

André Sturm: 'O prefeito é o prefeito, eu sou eu'

Entrevista de Julio Maria originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 18 de abril de 2017.

O secretário da Cultura de João Doria fala dos pouco mais de 100 dias de gestão, entre projetos, polêmicas, debates e xingamentos

As pedras passaram rente às vidraças da Galeria Olido logo que André Sturm, secretário nomeado pelo prefeito João Doria, assumiu a pasta e sentou-se em seu gabinete, no centro de São Paulo. O que parecia uma escolha apaziguadora, bem vista até pela gestão anterior, tornou-se o centro de episódios tensos. O anúncio do desmembramento da Virada Cultural, levando parte para Interlagos, as grafites apagadas sem aviso prévio na Avenida 23 de Maio, um edital de dança cancelado e o fim do Clube do Choro, uma luta dos músicos da Cidade, fizeram os pouco mais de 100 dias de gestão serem distantes de qualquer estabilização do setor. Em entrevista ao Estado, Sturm falou de seu entendimento de cultura, lembrou dos episódios que marcaram seus primeiros atos e disse que o prefeito é o prefeito, ele é ele.

O senhor assumiu sob boa expectativa, mas já apanhando ao anunciar mudanças na Virada. Como avalia a gestão até aqui?

Foi uma surpresa ruim. Eu não imaginava que seriam todos a favor, fazendo carinho, mas desde o começo eu falei da vontade de dialogar. Havia umas 600 pessoas no dia do diálogo com o pessoal do teatro, no Centro Cultural São Paulo. Elas vaiavam, berravam, xingavam, e eu era secretário havia um mês. Diziam que eu estava desmontando a cultura, foi espantoso.

No mesmo lugar, o CCSP, o governo Haddad fechou sua gestão apresentando um saldo e um plano. Havia uma bem estruturada arquitetura do que poderia ser feito pela Cultura. Existe algo que tenha sobrevivido das metas do governo anterior?

Arrisco dizer que todos os programas da gestão passada foram mantidos. O único ato que cancelamos foi o edital da dança. O Circuito Municipal de Cultura permanece com o mesmo nome, e a coisa mais fácil era mudar o nome. Não há nada que tenhamos desmontado.

O Clube do Choro acabou de fechar as portas.

Mas o Clube do Choro não é meta. Como ocupação do Teatro Arthur Azevedo, tinha dois anos, não tinha uma história. E veja, infelizmente entrou na categoria emendas internas que foi 100% congelada. Então, eu não tinha o que fazer. Mesmo assim, propus uma solução intermediária, que seria uma apresentação por mês para não perder a marca do choro. Agora, os R$ 500 mil eu não tenho, e não tenho de onde tirar.

Sem frequência maior, diziam, eles não chegariam à formação de público que almejavam.

Por concordar com isso, sugeri shows uma vez por mês. Não é a mesma coisa que uma vez por semana, claro, mas você garante uma permanência. E eu ia usar recurso de outra fonte. Eu tenho zero para o Clube do Choro. Não foi um ato de vontade, mas uma circunstância do congelamento.

O que é Cultura para o senhor?

Isso dá uma tese, pode ficar meio filosófico...

Sim, daqui a pouco melhora.

(Risos) Eu acho que o nosso papel é promover o acesso, no sentido amplo. Uma de nossas metas é a horizontalidade da atuação, com uma comissão que não é mais por área. Antes havia a pessoa da dança, a pessoa do teatro. Agora há um coletivo que faz a programação pensada como um todo. Não é porque o artista é de São Miguel Paulista que ele só vai se apresentar na Casa de Cultura de São Miguel Paulista. Vamos fazer mais diálogo, levar a Orquestra Sinfônica Municipal para tocar no Centro Cultural da Penha. O Balé da Cidade para outra região, vamos trazer o cara da zona norte para a zona sul. A gente atua na ideia de que as pessoas possam conhecer o diferente. Nosso desafio é esse, oferecer o diálogo.

Secretário, existe a cultura que vai até lá e a cultura que já está lá. Esse entendimento que o senhor coloca colide com a ideia já desenvolvida de que é possível fazer com que o Capão Redondo produza sua cultura, potencialize seus talentos e monetize sua produção. Há uma sensação de desmonte ideológico nesse sentido. Em vez de valorizar o que está lá, as mudanças impostas podem não gerar nem o interesse esperado pelo governo.

Eu concordo em gênero, número e grau com tudo isso. Não é que eu só quero levar a Orquestra do Teatro Municipal para a periferia, pelo contrário. Quero que o artista do Capão Redondo possa viver do que ele faz, mas não limitá-lo ao Capão Redondo. Por que eu não posso levá-lo para São Miguel, Santana ou Pirituba? E até para o Teatro Municipal? Claro, se ele for um rapper, não, mas de repente ele é um músico, um artista que posso levar ao CCSP. O que eu acho bacana é propor os encontros, levar o (bailarino) Ismael Ivo com uma dupla do Balé da Cidade para qualquer bairro para fazer uma apresentação chamando os dançarinos da região para depois interagir, acho que eles crescem, que eles vão ganhar com aquela experiência.

Mas a série de embates que surgem assim que o senhor assume, alinhado naturalmente às ideias do prefeito João Doria, parece ter como causa esse choque de entendimento cultural. Primeiro, o senhor propõe levar a Virada Cultural para o distante Autódromo de Interlagos. Depois, apaga os grafites da Avenida 23 de Maio e é proposta a criação de um grafitódromo para abrigar o trabalho dos artistas. Os pancadões, o senhor sugere, poderiam ser amenizados por bibliotecas nas mesmas regiões. São propostas que não dialogam com o meio e que parecem desconhecer como ele funciona. Não há um choque cultural entre rua e administração nessa gestão? É possível ajustar isso?

Sim, com certeza, e já houve uma correção de rumo. Acho que é normal e louvável que um gestor tenha ideias, que tente implementá-las, que ouça as críticas e que possa corrigir o rumo. Antes de acontecer o que aconteceu na 23 de Maio, eu havia proposto ao prefeito fazer um lugar em São Paulo para o grafite. Ele tinha adorado, citou o exemplo de Miami... Bom, aconteceu o que aconteceu. Aí, falamos que íamos fazer um local para o grafite. Montei uma comissão e ficamos aqui uma vez por semana discutindo até construirmos uma política pública que vai resultar em ações. Construímos no diálogo e corrigimos o rumo.
Olha, eu faço parte de uma gestão, mas o prefeito é o prefeito e eu sou eu. Ele me chamou porque considerava o meu trabalho na cultura positivo. Então, eu também sou um influenciador com minhas ideias. Eu tenho esse espaço.

O entendimento de cultura do prefeito não é mais próximo do entretenimento do que da transformação, da economia criativa?

Olha, ele me chamou, creio porque queria um gestor, uma pessoa que conhece e dialoga. Não sou um cara conhecido por fazer Lollapalooza. O que eu fiz no MIS (como diretor), embora o museu fique na Avenida Europa, foi transformá-lo de mega elitista no mais popular da cidade.

Uma crítica apontava que o senhor estava transformando o MIS em algo mais alinhado ao entretenimento do que à cultura, o mesmo assunto que estamos falando aqui. Que a experiência da arte estava sendo trocada pela da diversão.

Exposição do Castelo Rá-Tim-Bum é entretenimento ou arte? Acho que as duas coisas. Isso tem um valor incomensurável, havia pessoas lá que nunca haviam ido a um museu. Outra coisa, o Castelo Rá-Tim-Bum era blockbuster, mas ao lado dele tínhamos exposições sofisticadas e gratuitas. Um dos segredos do MIS era a combinação de programação. A crítica à popularização do MIS é de quem acredita que museu bom é museu vazio. E olha que eu não fiz lá exposição de Ivete Sangalo.

O senhor vai manter a Virada Cultural mesmo como anunciou no início do ano, parte em Interlagos e parte no centro?

Não, já mudamos mais um pouco. Descentralizamos ainda mais, encorpamos a programação do Centro, mas não teremos por lá palcos grandes. E teremos algumas atrações em Interlagos.

O senhor vai conseguir descongelar a verba da Cultura?

Quero descongelar 25% do que foi congelado, para ficar igual ao ano passado. Todo dia eu acredito. Sem acreditar, não se muda nada.

Posted by Patricia Canetti at 10:46 PM

Entrevista com Fábio Luchetti por Paula Alzugaray, seLecT

Entrevista com Fábio Luchetti

Entrevista de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista seLecT em 17 de abril de 2017.

Adelina Galeria nasce com foco na criação de um micro-sistema integrado de produção, educação e difusão da arte

Inaugurada no início de abril, em São Paulo, a Adelina Galeria é um espaço que escapa ao modelo convencional de galeria comercial. Isto porque já nasce com um projeto que contempla as três fases da cadeia da arte contemporânea: a criação, a educação e a exibição. O proprietário, Fábio Luchetti, que também exerce o cargo de CEO da Porto Seguro, conceitua seu projeto como um “espaço de acontecimentos”, que divide-se entre três imóveis localizados na rua Cardoso de Almeida, em Perdizes. Um deles contempla o espaço expositivo; o outro, ateliês para cursos livres e salas de residências artísticas; o terceiro, em construção, será um café com janelas abertas para seu vizinho, a Galeria Brasiliana, especializada em arte popular.

A política da boa vizinhança é uma marca evidente. Mas Luchetti quer mais que isso. “Hoje as empresas crescem e se tornam burocráticas. Queremos preservar os pequenos cuidados, ficar nas relações em detrimento do crescimento e da produtividade”, diz ele à seLecT.

Ao olhar para o entorno e os outros “atores culturais” do bairro, a Adelina implanta um circuito de parcerias que inclui a livraria Zaccara e a Casa da Travessa, distribuidora de vinhos que oferece cursos e formação vitivinícola. Só para começar. “Estamos escapando dos territórios onde as galerias estão instaladas. Nossa proposta é tentar criar um circuito novo”, diz.

A residência Adelina recebe atualmente a dupla Lecuona e Hernández, radicada em Tenerife, nas Ilhas Canárias (Espanha). Eles participam da mostra inaugural, Para que Eu Possa Ouvir, curadoria de Douglas Negrisolli. A mostra apresenta jovens artistas, entre os quais, destaca-se Renan Marcondes, de São Bernardo do Campo (SP). Graduado em belas artes e doutorando em artes cênicas, Marcondes explora a performatividade de objetos de uso cotidiano. Nesta entrevista a seLecT, Luchetti fala sobre seu projeto de criação de novos territórios para a arte.

seLecT – Como pretende trabalhar a ideia de expansão do conceito de galeria?

Fábio Luchetti – Eu estava vendo uma daquelas pesquisas do Latitude (projeto em parceria da ABACT e da Apex-Brasil, no sentido de favorecer a exportação da arte brasileira) que diz que 58% das exposições na cidade de São Paulo estão em galerias. Só que não existe uma relação do público com as galerias como acontece, por exemplo, com o espaço cultural. O público vai ao CCBB, Tomie Ohtake, Masp, mas eventualmente não vai a uma galeria. Por sua vez, as galerias, pelo que vi circulando nos últimos anos, são mais fechadas para quem não é efetivamente do meio, não são um ambiente acolhedor. Por isso o que a gente está tentando fazer aqui é um híbrido disso. Contratamos um educativo, uma consultoria com a Stela Barbieri. Parte do escopo do projeto da Stela é montar esse programa de residência, dentro e fora do Brasil, dentro do eixo da América Latina. No espaço expositivo, o educativo irá trabalhar em sintonia com a equipe de vendas. As pessoas podem vir consumir a obra ou o conhecimento que está por trás disso. Se fizermos um trabalho mais sincronizado, talvez a gente consiga superar esses 10% da população que se envolve com arte no Brasil. Queremos ativar esse entendimento do que é a arte contemporânea. Vejo por mim, que tinha uma relação muito mais estética no começo, e aos poucos fui entendendo o grau de profundidade que existe por trás disso tudo.

Ampliar o público da arte também é uma meta?

Sim, temos um ateliê que montamos com oficinas, a ideia é começar a fazer um trabalho forte com escolas do entorno. Temos um espaço para preparar as pessoas para esse entendimento da arte contemporânea. No fundo, é você criar uma sustentabilidade para o sistema. Se você roda as galerias nos finais de semana, vê sempre as mesmas pessoas, os mesmos curadores, os mesmos artistas, os mesmos colecionadores. É como se o sistema fosse fechado. Tem uma aura meio que de joalheria. Só entra quem conhece ou quem vai adquirir.

Em sua experiência no Centro Cultural Porto Seguro, você lida com várias linguagens. Por que escolheu trabalhar a arte contemporânea?

Eu entrei na empresa pelo teatro, o Porto Seguro está envolvido com teatro há 15, 20 anos. Depois entramos no processo de montar um complexo cultural. Tínhamos uma relação com fotografia muito forte, mas era muito mais do mesmo. Aquilo estava ficando cristalizado e queríamos abrir um pouco. Fui fazer uma visita a uma seguradora dos Estados Unidos e fiquei impressionado porque eles tinham obras em todos os lados. O CEO deles me disse que eles acreditavam que a arte dispara uma criatividade nas pessoas que ocupam o espaço diariamente. Aquilo me agradou, comecei a fazer aquisições. De uns 10 anos para cá, comecei a adquirir obras próprias, a partir de meu envolvimento… mas comecei a perceber que minha relação era estética. Aí, parei de comprar porque percebi que estava formando uma coleção sem pé nem cabeça. E aí falei: tenho que entender isso. Na medida em que fui aprofundando, passei a comprar baseado muito mais no discurso que estava implícito do que na obra em si. Quando ficava na dúvida, meu fator de decisão era entender a cabeça do artista, o processo de criação dele, as inspirações. O olhar disruptivo do artista é uma coisa que me agrada. Mas você não sabe se todas as tuas apostas vão dar certo ou não. Você tem que ir tateando, tem uma subjetividade aí que é interessante. Aí fui buscar um curso de pós graduação na Belas Artes, de Museologia, Colecionismo e Curadoria, para entender esse contexto dos diversos ângulos. Terminei, estou na fase do TCC, que apresento em junho. Meu TCC é exatamente esse conceito do território: como se discute o território, seja na arte ou na educação.

Como avalia suas atuações na Porto Seguro e na Adelina?

Lá, eu estou deixando um legado para alguém. É um modelo de negócio como este, que trabalha com artistas novos, não é uma coisa que vira em 3, 4 anos. Eu já estou com 51 anos, não posso esperar me aposentar com 63 anos para começar algo novo. Como não quero fazer nada com pressa – essas coisas tem que achar seu espaço, vamos aprender, vamos errar. Se estiver errado, a gente faz tudo de novo, como fazem as startups, que vamos pivotando até achar um espaço. Além disso, hoje em dia, nas empresas, você tem que parar mais cedo pra dar espaço pra molecada que quer crescer, né?

Posted by Patricia Canetti at 10:40 PM

Livro avalia a transformação da escultura brasileira nas últimas décadas por Nelson Gobbi, O Globo

Livro avalia a transformação da escultura brasileira nas últimas décadas

Matéria de Nelson Gobbi originalmente publicada no jornal O Globo em 17 de abril de 2017.

Obra do curador Marcelo Campos destaca a obra de 91 artistas

RIO — Desde o início de sua História, o Brasil tem na escultura uma de suas maiores expressões artísticas, seja por meio das tradições indígenas e africanas, do barroco originário da Europa ou da produção acadêmica criada após a chegada da Família Real, em 1808. É com o movimento concretista, nos anos 1950, contudo, que a produção tridimensional se internacionaliza e amplia seu diálogo com outras vanguardas mundiais.

A transformação da arte brasileira nas últimas décadas é retratada no livro “Escultura contemporânea no Brasil — Reflexões em dez percursos” (Caramurê Publicações), resultado de três anos de pesquisa do professor e curador carioca Marcelo Campos, que destaca a obra de 91 artistas em 420 páginas e mais de 300 ilustrações.

A partir de uma seleção de 200 nomes, Campos criou dez capítulos-conceitos nos quais agrupou produções de diferentes vertentes, escolas e períodos, ressaltando as conexões entre os trabalhos e suas propostas. Assim, o autor — que é diretor da Casa França-Brasil e professor do Instituto de Artes da Uerj e da Escola de Artes Visuais do Parque Lage — reuniu nomes como Cildo Meireles, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Ernesto Neto, Iole de Freitas, Waltercio Caldas, Anna Bella Geiger, Efrain Almeida, Ascânio MMM e Abraham Palatnik dentro de temas conceituais, a exemplo de “Corpo, organicidade”; “Apropriação conceitual, imagéticas populares”; “Eu-objeto, relicários, espólios”; e “Ritual, totemismo, ídolos”.

— Ao fugir de uma pesquisa realizada em ordem cronológica, tive a liberdade de escolher uma quantidade menor entre os 200 artistas selecionados inicialmente, sem a necessidade de abordá-los por uma perspectiva de datas e movimentos, e sim buscando o elemento poético de suas obras — observa Marcelo Campos. — Eu parti do que considero características comuns ou sintomas de determinadas produções. Essa divisão me permitiu juntar artistas que dificilmente estariam conectados em outras pesquisas, como o Ernesto Neto e a Márcia X., que tinham uma obra mais ligada à performance. Ou unir produções separadas geracional e geograficamente, como as de Ricardo Basbaum e de Juarez Paraíso. Foi o que me deu mais prazer nesse trabalho.

Para o autor, a relação entre obra de arte e corpo colocou o Brasil em evidência no circuito internacional, sobretudo no de caráter mais institucional, a partir de trabalhos como os de Lygia Clark e Oiticica, que continuam entre os artistas nacionais que mais despertam interesse no exterior.

— Essa vertente concretista, do corpo, da organicidade, da participação do espectador criou um novo capítulo para a arte brasileira e a internacionalizou definitivamente. Hoje vemos a produção de muitos brasileiros que seguem essa tradição, com grande repercussão no exterior, para além de qualquer discussão sobre compreensão local da arte. É claro que existem as questões do mercado, mas pensando institucionalmente percebemos uma grande força nessa produção — destaca Campos.

Presente com quatro obras no livro, incluindo “La bruja”, que ilustra a capa, Cildo Meireles é um exemplo dos artistas citados pelo autor, com obras adquiridas por grandes instituições e com constante destaque em mostras representativas. Para ele, a produção contemporânea traz a marca dos parâmetros estabelecidos pelo concretismo:

— Talvez a nossa verdadeira Semana de Arte Moderna tenha acontecido na década de 1950, a partir dali se estabelece uma singularidade da produção brasileira, e é gerado um interesse genuíno do circuito internacional sobre o que estava sendo feito aqui. A questão multissensorial, da obra imaginada não apenas para o olho, foi uma enorme contribuição brasileira para a arte nas décadas seguintes, que faz com que a gente mantenha essa presença constante em mostras, exposições e eventos mundo afora — comenta Cildo.

FORÇA POÉTICA

Igualmente destacado no livro, Ernesto Neto acredita que a organicidade da produção brasileira venha das características do povo e de suas tradições, sobretudo das indígenas e africanas.

— A Lygia Clark e o Hélio Oiticica, que começaram como pintores, perceberam essa limitação da moldura para a complexidade da vida e das questões do Brasil. A gente tem uma força corporal absurda, nossa obra traz esse volume. A sociedade ocidental é mais objetiva, baseada no olhar. Mas o Brasil é pura subjetividade, não é só olho, é nariz, boca, tato — compara Neto. — A pintura é prática, resiste mais ao tempo, e por isso acaba se tornando a grande arte para o mercado. Mas para o mundo cultural ela é mais limitada.

Para Efrain Almeida, a quem Marcelo Campos dedica o livro, a produção escultórica brasileira segue ganhando admiradores por questões que dialogam com a corporeidade, como a memória, além de sua força poética:

— Acredito muito na ideia de pertencimento, o lugar que o artista vive gera ecos em seu trabalho. Muitas vezes algumas sutilezas da nossa sociedade criam uma abordagem mais sensível. Até na arte política, que em outros lugares é mais explícita, muitas vezes quase panfletária, aqui não é tão frontal por conta de uma certa delicadeza — analisa Efrain.

Posted by Patricia Canetti at 10:25 PM

As formas que o tempo revela por Maria Hirszman, ARTE!Brasileiros

As formas que o tempo revela

Matéria de Maria Hirszman originalmente publicada na revista ARTE!Brasileiros em 13 de abril de 2017.

A persistência de agentes transformadores sobre rochas e outros materiais é tema que dá norte à exposição de Marcelo Moscheta no Museu de Arte Contemporânea de Campinas

Erosão Diferencial, exposição que Marcelo Moscheta realiza atualmente no Museu de Arte Contemporânea de Campinas (MACC), é ao mesmo tempo um afinado resumo de sua produção recente e um desafio lançado para o futuro. Além de atualizar sua trajetória na cidade que adotou como residência (sua última exposição campineira foi em 2004), a mostra atual tem também uma clara atitude política: servir de espaço de troca e criação coletiva, dando maior visibilidade ao MACC. “Este é praticamente o único espaço expositivo da cidade e está por um fio. É um grito de salvação, a gente não pode deixar esse lugar morrer”, diz Moscheta.

Para mobilizar a atenção da comunidade, Moscheta lançou um edital convocando interessados a participarem da mostra. Apareceram 30 voluntários. “Tem gente mais velha, gente mais nova, gente que não é das artes visuais, tem gente que quer trabalhar só diretamente com a mediação de público”. No sábado anterior à abertura, havia dez colaboradores ajudando a montar a exposição. O artista também transferiu seu ateliê integralmente para o espaço do museu e se propôs a criar coletivamente durante o tempo de abertura da casa. “Cheguei a uma conclusão de que muito melhor seria se eu trouxesse a cidade inteira para trabalhar aqui dentro”, constata.

Não há regras específicas para que o grupo trabalhe. Apenas um ponto de partida: uma foto da pedra do Camelo, situada no Parque estadual de Vila Velha (Ponta Grossa, Paraná). E também um conceito norteador, que está muito presente em suas reflexões e traz implicações ao mesmo tempo físicas e simbólicas: a ideia de erosão, do processo persistente de fricção, que acaba eliminando o mais frágil para que o mais resistente permaneça.

Além disso, às quintas, quando o museu fecha mais tarde, são organizadas atividades como aulas de desenho, palestras, visitas guiadas, etc. Os interessados podem encontrar mais informações no site http://www.erosaodiferencial.com.br/Exposicao-MACC. “Museu não é simplesmente um espaço de display. É um espaço de produção de pensamento”, explica Moscheta.

A exposição se inicia com Deslocando Territórios, trabalho de 2011 feito para a Bienal do Mercosul e que foi reeditada para a exposição do MACC. Aí nasce uma série de trabalhos decorrentes de ações realizadas em diferentes pontos geográficos do planeta.

Neste conjunto, destaca-se um profundo interesse pela paisagem (em seus aspectos geológicos, poéticos e simbólicos) e o uso da pedra, em sua dureza e densidade, como marco e elemento de criação plástica. Deslocando Territórios, por exemplo, associa um conjunto de rochas recolhidas por ele em uma travessia ao longo de toda a fronteira do Uruguai com o Brasil a imagens dessas pedras em grafite sobre PVC negro. São desenhos de grande beleza plástica e delicadeza extrema, que se esvaem com facilidade.

Além do uso de representações frágeis de coisas perenes, da experimentação de novas técnicas e materiais, o deslocamento passa a ser fundamental em sua trajetória. Frutos de uma tendência crescente na arte contemporânea, a de realização de residências artísticas pelo mundo afora, suas peregrinações vão do Polo Norte (Miragem, 2012) ao Deserto do Atacama.

Linha-Tempo-Espaço (2013), um dos destaques da exposição, é fruto desse mapeamento que o artista faz do deserto. Ao colocar, sobre uma longa estrutura de ferro, duas mil réplicas em cerâmica de uma ferramenta paleolítica de mais de 10 mil anos, Moscheta parece entrecruzar tempos e histórias distantes. “Eu gosto dessas camadas históricas que existem nos lugares”, diz ele, explicando que seu trabalho tem sempre esse embate entre o homem à natureza.

Processo semelhante ocorre em Arrasto, trabalho de grande fôlego no qual percorre, durante seis meses, toda a extensão do rio Tietê, da nascente à foz, criando uma obra que remete ao mesmo tempo ao processo de catalogação científica, ao desbravamento de tempos idos e à denúncia das marcas deixadas pelo homem. “O homem quer colocar a natureza numa coordenada, fixada em algum meridiano, e a natureza por sua vez resiste”, sintetiza.

De certa forma, a exposição atual encerra um ciclo e abre outro para o artista. Ao exibir a produção mais recente, que gira em torno da ideia de mensuração, abstração e delimitação do espaço e do tempo simultaneamente à proposta de coletivização do processo criativo, ele promove duas reviravoltas, desafiantes e promissoras, em sua trajetória. Em primeiro lugar inverte à tendência de produzir e exibir fora, usando Campinas como um porto seguro, de retorno. Em segundo lugar, coloca o artista, que sempre produziu solitariamente, na tranquilidade do atelier ou em longas viagens solitárias, diante do desafio de criar algo coletivamente e em público.

“Eu me sinto um pouco me colocando numa fogueira porque meu processo de trabalho é muito solitário, minhas viagens são solitárias”, diz ele, ressaltando sua animação com as novas perspectivas e a ênfase na troca. E conclui: “Não espero nada. Esse tempo vai determinar. Erosão então vai fazer isso para gente”.

Posted by Patricia Canetti at 1:18 PM

abril 17, 2017

Feiras e mercado de arte: um escândalo permanente por Sheila Leirner, Estado de S. Paulo

Feiras e mercado de arte: um escândalo permanente

Artigo de Sheila Leirner originalmente publicado no jornal Estado de S. Paulo em 14 de abril de 2017.

“Confundir ‘feira de arte’ com ‘cultura’ é o mesmo que não distinguir ‘peixaria’ de ‘museu oceanográfico’.” Ao ler as notícias e ver as imagens da 13ª edição da SP-Arte, imediatamente pensei neste meu aforismo antigo, usado há algum tempo em um livro sobre o “valor da arte”, na entrevista à “rainha (agora internacional) do mercado” que, naturalmente, não gostou nada do dito. Enquanto eu ainda pensava em colocá-lo como incipit de um ensaio crítico sobre o assunto, a questão já foi ultrapassada em maleficência. Agora, o problema vai bem mais longe do que saber se feiras de arte são ou não são cultura.

Sobre “reis” e “rainhas” do mercado da arte nem sempre há coisas muito probas e edificantes a relatar, de tal maneira que algumas já se encontram deliciosamente em minhas memórias, tanto para deixar fluir o excesso de bile negra que causa mau humor, quanto para divertir o leitor. É normal que marchands não gostem dos meus ditos. Gostarão menos ainda quando acabarem de ler este artigo.

Também é natural que artistas e profissionais, dependentes do mercado da arte, possam não apreciar a alusão à “peixaria”. No entanto, se para eles “o mercado é necessário”, “cumpre o seu papel”, “é honesto ou desonesto” – nada disso é a minha questão. O que me interessa é a arte, o artista, o público e o efeito que o mercado da arte pode ter sobre eles, em termos de manipulação que reduz as obras a simples produtos, imprimindo-lhes um valor artificial, diverso de sua qualidade estética real. Eis, na minha opinião, uma das partes principais do escândalo permanente do mercado da arte em nossa época.

Poucos sabem, por exemplo, que em certas escolas de arte há uma corrida aos projetos mais rentáveis, para os quais a razão estética e o senso artístico tornaram-se desnecessários. Colecionadores e galeristas percorrem estas escolas, não raro oferecendo aos estudantes somas desmesuradas. O exagero é a regra. Encoraja-se o tipo de criação que vai agradar e alimentar a atração pelas “provocações da arte contemporânea”. Como cada exposição em galeria deve ser financeiramente autossuficiente, os jovens precisam “produzir” trabalhos “vendáveis”, seguindo a tendência do momento. Assim, privilegiam as falsas transgressões afim de ser percebidos e poder rapidamente entrar na arena.

Sou do tempo em que o conjunto de negócios da arte era regulado por um jogo sutil de conhecedores, de um lado galeristas de alto nível, de outro, verdadeiros experts. Com a mundialização, a partir dos anos 1990, talvez, a coisa mudou gradualmente, e de tal forma, que hoje aquele sistema transformou-se num mecanismo de alta especulação financeira entre algumas galerias, casas de leilão e um pequeno público de “novos ricos” em todo o mundo, Brasil inclusive. “Novos ricos” dos quais alguns nem mesmo sabem o que compram ou – como confessou Bidzina Ivanishvili, o oligarca georgiano que gasta centenas de milhões de dólares em sua coleção – “não são grandes fãs de artes plásticas”. Em 2005 havia 70 feiras de arte no mundo. Hoje são 190. Em Nova York, no início dos anos 1970, contava-se pouco menos de 80 galerias. Hoje, o seu número oscila entre 900 e 1000.

Como escreveu Jean Clair – pseudônimo de Gérard Régnier, curador e historiador, hoje membro da Academia francesa – “do culto à cultura, da cultura ao cultural, do cultural ao culto do dinheiro, é natural que tenhamos caído ao nível das latrinas”. “Que sentido tem isto?” pergunta ele, “porque o ‘socius’* precisa deste poder ‘artístico’, quando a sua categoria não é mais assumida nem na qualidade do religioso nem na ordem do político? Seria a desordem escatológica, que se espalha e cola, que pode assegurar a coesão que lhe falta?”

Estou de acordo com Régnier. O ouro, a especulação, as feiras de arte, os depósitos discretos do tipo Schaulager na Basileia, os antigos museus transformados em vistosos showrooms, ou as galerias transformadas em museus, os leilões, enfim, com vendas colossais, obscenas… Subprimes, titularização, esquema em pirâmide de Ponzi… Em pouco mais de duas décadas se tomou consciência de que os objetos sem valor eram suscetíveis não somente de serem postos à venda, mas tornarem-se igualmente objetos de troca, próprios à circulação e à especulação financeira mais extravagante. Os procedimentos que permitem promover e vender uma obra dita de “arte contemporânea”, podem ser comparados aos que, no mercado de valores mobiliários e outros, possibilitam vender qualquer coisa e muitas vezes, até mesmo, nada.

Tomemos como exemplo, Damien Hirst (1965) que estará agora em duas megaexposições na 53a Bienal de Veneza, com 200 trabalhos inéditos no Palazzo Grassi e na Punta della Dogana de Pinault, o colecionador milionário. Não surpreende. Dinheiro faz dinheiro.

Ora, suponhamos que “objetos de curiosidade” possuam um autor do tipo Damien Hirst e que estes objetos precisem ser “lançados” da mesma forma como os de Hirst o foram. Que processo permitirá ao artista, entrar no mercado? Como, a partir de um valor não apurado artisticamente (caso de Hirst), lhes dar um preço e vendê-los por milhões de dólares individualmente ou, se possível, por lote?

Questão de crédito: quem acreditará nisto a ponto de investir? Fundos de cobertura (Hedge Fund) e titularizações deram o exemplo do que a manipulação financeira é capaz de conseguir a partir do nada. Primeiro, afoga-se o crédito duvidoso (o “artista tipo Hirst”) em um lote de créditos um pouco mais seguros. Por exemplo, expõe-se uma obra “curiosa” deste autor ao lado de Sol LeWitt, Beuys ou Frank Stella – que têm trabalhos já conhecidos e com “classificação de crédito” (“notação financeira de risco”) AAA ou BBB – no mercado de valores, mais seguros do que os chamados “títulos tóxicos”.

Logo, faz-se com que entrem no circuito das raras e famosas galerias particulares, perfeitamente advertidas, e que podem compartilhar os riscos. Os acionários, que formam o núcleo de “iniciados”, financiam o projeto e também estão lá para “esclarecer” os especuladores dos leilões, feiras de arte, ou os simples amadores, aqueles que tomam o risco. Os “iniciados” são como as “agências de notação financeira” (ou “agências de notação de risco”) ou seja, a sua função é guiar os investidores, porém, na verdade, manipulando os juros e favorecendo a especulação. É o que se chama de insider trading.

Promete-se, por exemplo, um rendimento com juros muito elevados, 20% a 40% na revenda, desde que esta se faça em curto prazo, seis meses no máximo – ao contrário do que ocorria no mercado da arte antigamente, que era fundado no longo prazo. Se não houver comprador, a galeria pode até mesmo se comprometer a recomprar a obra do “artista tipo Hirst” pelo preço inicial, aumentada de pequenos juros. Encontra-se, enfim, uma instituição pública – um grande museu de preferência – que faça uma exposição dele. Os custos da mostra, transporte, seguros, catálogo, despesas de comunicação e relações públicas (coquetel, jantar de inauguração, etc.) serão discretamente cobertos pela galeria ou pelo consórcio que o promovem.

Mas, principalmente, pedra angular da operação, o sistema institucional – por meio deste engenhoso estratagema – parecerá garantir a conservação e o valor das propostas vindas do mercado privado, ou seja, duas ou três galerias, um leiloeiro e alguns especuladores.

Evidentemente, não é o valor da obra que é levado em conta, e sim o último preço com que foi vendida. Claro, como no esquema de Ponzi, o perdedor será aquele que não conseguir vender rapidamente a obra: o último perde tudo.

Reduzir as obras a simples produtos, imprimindo-lhes um valor artificial, diverso de sua qualidade estética real já seria um delito em si. No entanto, se pedíssemos enquetes judiciárias junto a certas instituições, feiras de arte, museus e outras, cruzando fichas de compras, históricos, agentes e galeristas dos artistas comprados, membros das comissões técnicas e conselhos de compra, se se conseguisse desembaraçar esse imbróglio financeiro mafioso internacional, a verdadeira função e vocação destas instituições talvez pudesse ser salva um dia.

Por razões que não interessam aqui, visitei feiras em Colônia, na Basileia e em Paris, a FIAC. Vi com os meus próprios olhos, a cada vez, quando, não simples conservadores – diretores mesmo, no mais alto cargo – flertavam e traficavam com galeristas, aceitando comissões para apresentar certas obras (nem sempre boas e/ou representativas) aos “conselhos” ou “comissões de aquisição” de seus museus. Ninguém é ingênuo ou purista quando acredita que ética e estética são uma coisa só. Porque desejar moralização para a vida política e fechar os olhos quando se trata da vida artística?

Até a próxima, que agora é hoje e como diz Raymonde Moulin, pessoa maravilhosa que tive o prazer de conhecer nos anos 1990, especialista das relações entre arte e economia, fundadora do centro de sociologia da arte no CNRS, em Paris: “O mercado da arte é uma coisa à parte. O que é delito em outros lugares, aqui é valorizado.” “Por exemplo”, afirma ela, “quanto mais se é iniciado, mais se é reconhecido e ouvido. Em outros lugares, ‘ser iniciado’ é um delito! E eu me permito acrescentar que, na Bolsa, com insider trading, você vai direto à prisão!”

[*] “Socius”, segundo a psicologia social, é o componente social do comportamento e da vida mental dos seres vivos.

Posted by Patricia Canetti at 3:01 AM

abril 12, 2017

No mundo da arte, questão racial esbarra na apropriação cultural, por Silas Martí, Folha de S. Paulo

No mundo da arte, questão racial esbarra na apropriação cultural

Análise de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 30 de março de 2017.

Quando a Bienal do Whitney abriu as portas há duas semanas, em Nova York, um grupo de ativistas bloqueou a visão de um dos quadros. Era uma pintura da artista branca Dana Schutz representando, em chave expressionista, o rosto inchado e mutilado do negro Emmett Till como visto em seu caixão.

Till tinha 14 anos quando foi linchado, seu corpo jogado no rio Mississippi, no sul ainda segregado dos Estados Unidos, em agosto de 1955. Suspeitavam que ele tivesse flertado com uma garota branca. Um júri também todo branco absolveu seus algozes, mas a história que veio depois, em especial seus ecos nas artes, tem mais matizes.

No Whitney, militantes que exigiam a retirada e destruição do quadro de Schutz usavam camisetas com a frase "espetáculo da morte negra". Enquanto isso a negritude, desfigurada ou erotizada, vem se tornando um espetáculo controverso no cenário artístico da última década.

Brasil e Estados Unidos, igualados ao menos no passado escravocrata, parecem tentar exorcizar pela arte um passado imperdoável de brutalidade e injustiça contra os povos negros, um histórico, no caso, que se arrasta em muitos aspectos até o presente.

Na falsa democracia racial que vigora por essas bandas, artistas antes vistos como brancos, pardos ou mestiços vêm se declarando só negros, contrariando a narrativa de uma miscigenação que tudo neutraliza –reflexo talvez da pressão de um mercado que descobriu uma moda perversa e passou a reduzir seus artistas a cotas de cor.

Obras que antes contornavam a pele agora parecem se ancorar nela.

Surfando essa onda, o Masp destaca em sua grande galeria de pinturas o retrato de um negro açoitado feito por Cézanne no auge da luta abolicionista. O museu, aliás, planeja um ciclo de exposições sobre o legado da escravidão, começando com uma retrospectiva do grafiteiro americano Jean-Michel Basquiat, e acaba de comprar para seu acervo duas telas que tocam na questão racial.

Esses quadros, do carioca Heitor dos Prazeres e do uruguaio Pedro Figari, retratam personagens negros; o primeiro mostra um dândi dos trópicos batizado "O Artista", e o segundo flagra uma roda de candombe, versão do candomblé que fincou raízes em muitos territórios de antiga colonização espanhola.

No Brasil, mesmo no círculo restrito dos vernissages, fenômenos recentes ilustram essa tendência. Paulo Nazareth, que se diz branco, negro e índio, é incensado pela crítica como o maior nome negro das artes do país.

Entre colecionadores, ele virou uma coqueluche incontornável com seus autorretratos fingindo ser um andarilho a desbravar as Américas.

Jonathas de Andrade, dos mais brilhantes artistas de sua geração, dá outro nó na questão, erotizando o corpo mestiço ao mesmo tempo em que denuncia sua exploração numa economia racista.

Na próxima Bienal de Veneza, a primeira após uma edição que teve recorde de artistas africanos, o negro Ayrson Heráclito estará na mostra principal com um trabalho que alude aos horrores do tráfico de escravos para o Brasil.

O mundo branquíssimo dos cubos brancos parece se esforçar para remediar uma injustiça. Negros, sujeitos e objetos dessas obras, estão na crista da onda do circuito, mas sua suposta inclusão esbarra em questões de apropriação cultural e fetichização.

O que essa exploração institucional da negritude talvez revele seja menos uma reparação tardia e mais o triste fato de que, hoje, nas artes visuais, a carne mais barata do mercado é a carne negra.

Posted by Patricia Canetti at 8:09 PM

La exposición apátrida por Paul B. Preciado, El País

La exposición apátrida

Artigo de Paul B. Preciado originalmente publicado no jornal El País em 8 de abril de 2017.

Documenta 14 abre en Atenas un espacio para repensar cómo reconstruir la esfera pública en una democracia en crisis que ha visto multiplicarse las formas de exclusión

La primavera no es una buena estación para la austeridad, cantaba la artista griega Lena Platonos en los ochenta. A pesar de las decisiones de la troika y del derrumbe de las instituciones democráticas, del resurgimiento de la estética fascista y de la transformación progresiva de los campos de refugiados en campos de concentración, la primavera vuelve a Atenas en 2017 y sigue no siendo una buena estación para la austeridad. El sol no se resigna al recorte del gasto público. Los pájaros no saben nada de la subida de la tasa de interés, del cierre de bibliotecas y de museos públicos, de los cientos de obras guardadas en sótanos que no serán mostradas a ningún público, de la incapacidad de la sanidad pública de proporcionar cuidados mínimos a los enfermos crónicos y seropositivos, del abandono de personas con fragilidades psicológicas o motoras, de la falta de asistencia médica y escolar a los migrantes… De todo eso, ni el sol de abril ni los pájaros del monte Lycabettos quieren saber nada. En estas condiciones, ¿qué puede significar hacer en Atenas una exposición como Documenta que hasta ahora siempre se había hecho en Kassel, Alemania? Obstinarse en seguir creyendo que la primavera no es estación para la austeridad y que el sol brilla para todos. O quizá plegarse a la nueva condición del cambio climático y aceptar que, como decía François Lyotard, incluso el sol está envejeciendo.

La primera Documenta organizada en Kassel en 1955 por Arnold Bode tenía como objetivo volver a dar acceso a la obra de los artistas de vanguardia que habían sido excluidos por el régimen nazi después de la exposición Arte degenerado en Múnich en 1937. Bode pretendía reconfigurar la cultura pública europea en un contexto devastado por la guerra. Esta decimocuarta Documenta surgió de un mismo sentimiento de urgencia. No estamos en una situación de posguerra, sino de guerra económica y política. Una guerra de las clases dirigentes contra la población mundial, una guerra del capitalismo global contra la vida, una guerra de las naciones y las ideologías contra los cuerpos y las inmensas minorías. La crisis de las hipotecas basura que se inicia en 2007 sirvió para justificar la mayor reestructuración política y moral del capitalismo global desde los años 1930. Grecia, junto con los países que junto a ella serán luego conocidos como PIGS (“cerdos” —Portugal, Italia, España), se convierte en un significante políticamente denso, que sintetiza todas las formas de exclusión que produce la nueva hegemonía financiera: restricción de los derechos democráticos, criminalización de la pobreza, rechazo de la migración, patologización de toda forma de disidencia.

Por ello la investigación que ha dado lugar a la exposición se ha hecho sobre todo desde Atenas: aquí vivimos parte del equipo curatorial y el director; por aquí han pasado durante meses los cientos de artistas, escritores y pensadores que hacen Documenta 14. “No puedes poseer nuestro espíritu sin compartir nuestra realidad política”, afirma en una de sus obras el artista aborigen australiano Gordon Hookey. Por eso también la exposición se inau­gura en Atenas y solo ocho semanas después, el 10 de junio, en Kassel. En el proceso de investigación en Atenas fue crucial vivir el fracaso democrático que supuso el referéndum del oxi (no) el 5 de julio de 2015. Cuando el Gobierno griego se negó a aceptar la decisión ciudadana, el Parlamento apareció como una institución en ruinas, vacía, incapaz de representar. Al mismo tiempo, la plaza Syntagma y las calles de Atenas se llenaban durante días de voces y de cuerpos. El Parlamento estaba en la calle. De ahí surgió el programa público de Documenta 14: El Parlamento de los cuerpos. Desde septiembre de 2016 abrimos un espacio de debate en Parko Eleftherias donde artistas, activistas, críticos, escritores… se reúnen para repensar la reconstrucción de la esfera pública en un contexto en el que la democracia (y no la economía de mercado) ha entrado en crisis. Una de las dificultades (y bellezas) de hacer posible esta exposición en Atenas ha sido la decisión de su director artístico, Adam Szymczyk, de colaborar únicamente con instituciones públicas. En condiciones de guerra, el interlocutor institucional de la exposición no puede ser ni el establishment, ni las galerías, ni el mercado del arte. Al contrario, la exposición se entiende aquí como un servicio público, como un antídoto contra la austeridad económica, política y moral.

Cuando se trata de una exposición internacional como Documenta, todo el mundo pregunta por la lista de artistas y sus nacionalidades, el número proporcional de griegos y de alemanes, de hombres y de mujeres. Pero ¿quién tiene hoy derecho a un nombre? ¿Quién puede afirmar que es ciudadano de una nación? Son los estatutos del documento y sus procesos de legitimación los que están en cuestión. Mientras el sol envejece y el mapa geopolítico se quiebra, entramos en un tiempo en el que el nombre y la ciudadanía han dejado de ser condiciones banales para volverse privilegios, en el que sexo y género han dejado de ser designaciones obvias para transformarse en estigmas o en manifiestos. Algunos de los artistas y curadores de esta exposición perdieron un día un nombre o adquirieron otro para modificar sus condiciones de supervivencia. Otros han cambiado varias veces su estatuto de ciudadanía o siguen a la espera de que una petición de asilo les sea acordada. ¿Cómo los nombraremos entonces? ¿Los contaremos como sirios, como afganos, como ugandeses, como canadienses, como alemanes o como simples números en una lista de ­espera? ¿Cuentan cómo griegos o como alemanes los cientos de artistas helenos emigrados buscando ­mejores condiciones de vida en ­Berlín? ¿Cuentan los saamis como finlandeses o noruegos; los gitanos como franceses, rumanos o españoles; los catalanes o vascos como españoles? ¿Cuentan los exiliados de la guerra de Biafra como canadienses o como nigerianos? ¿Cómo se cuentan los artistas exiliados nacidos en tierras que deberían llamarse Palestina, y cuya obra vuelve ­incesantemente al lugar perdido? Lo mismo ocurre cuando se trata de las estadísticas de igualdad de sexos. ¿Cuentan como hombres o mujeres los artistas trans o intersexuales? In-documentados.

Documenta 14 tiene lugar sobre un suelo epistemológico y político que se resquebraja. El sacrificio económico y político al que se ha sometido a Grecia desde 2008 es simplemente el principio de un proceso más amplio de destitución de la democracia que se extiende en Europa. Desde que empezamos a preparar esta Documenta en 2014 hemos asistido a esta destrucción progresiva que impregna ahora todas las instituciones culturales: el rechazo a los refugiados, el conflicto militar en Ucrania, el repliegue identitario de los países europeos; el giro ultraconservador de Hungría, Polonia, Turquía, Filipinas, Brasil…; la llegada al poder de Trump, el Brexit… El planeta entama un proceso de “contrarreforma” que busca instituir de nuevo la supremacía blanca-masculina y deshacer las conquistas democráticas que los movimientos obreros, anticoloniales, indigenistas, feministas y de liberación sexual han luchado por conseguir durante los últimos dos siglos. Una nueva modalidad de neoliberal-nacionalismo traza nuevas fronteras y construye nuevos muros. En estas condiciones, la exposición, con sus formas diversas de construir un espacio público de visibilidad y enunciación, tiene que convertirse en una plataforma de activismo cultural. Un proceso nómada de cooperación colectiva, sin identidad y sin nacionalidad. Kassel travestido en Atenas. Atenas mutando en Kassel. Las condiciones de la vida sin techo y del destierro, de los desplazamientos sucesivos, de las migraciones, de la traducción y la poliglosia nos obligan a ir más allá del relato etnocéntrico de la historia occidental moderna, abriendo nuevas formas de acción democrática. Documenta está en transición. Inspirada por las metodologías de la pedagogía experimental, descoloniales, feministas y queer que ponen en cuestiones las condiciones en las que diferentes sujetos políticos se hacen visibles, esta exposición se afirma como apátrida en el doble sentido: cuestionando el vínculo con la “patria”, pero también con la genealogía colonial y patriarcal que ha construido el museo de Occidente y que ahora pretende destruir Europa.

Paul B. Preciado, activista transfeminista, es filósofo y comisario de ‘Programas públicos’ de Documenta 14.

Posted by Patricia Canetti at 7:59 PM

Documenta tem início com manifesto pela diversidade de vozes por Fabio Cypriano, ARTE!Brasileiros

Documenta tem início com manifesto pela diversidade de vozes

Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na revista ARTE!Brasileiros em 10 de abril de 2017.

Em sessão para a imprensa, mostra reuniu cerca de 160 artistas e o time curatorial no palco da sala de concertos do teatro grego Megaron, com a apresentação de uma versão da peça musical “Epicycle”, do compositor grego Jani Christou (1926 – 1970)

“Deseducar” é uma das questões centrais em torno da documenta 14, aberta ao público no último sábado ( 8/4). Recheada de atos que questionam convenções do mundo contemporâneo, a mostra foi inaugurada, na sessão para a imprensa, com um ato representativo desse princípio: a primeira imagem da coletiva foi a reunião de todos os cerca de 160 artistas da mostra com o time curatorial no palco da imensa sala de concertos do teatro grego Megaron, com a apresentação de uma versão da peça Epicycle, do compositor grego Jani Christou (1926 – 1970).

A performance, que durou poucos minutos, era constituída como uma espécie de coral de sons guturais, que começou de forma tímida até chegar a um volume intenso de cacofonias. Foi uma espécie de catarse que aponta que, mesmo em um encontro protocolar com a imprensa, a experiência da arte é o que importa. Com isso, o discurso curatorial foi deixado em segundo plano, um fato raro, e que ainda afirmou a necessidade de se ouvir muitas vozes. Foi um manifesto.

Tendo em vista a importância do coro no teatro grego, dá para constatar que Aprendendo com Atenas, o título provisório da mostra, não se tratou de mera retórica. Na coletiva, Adam Szymczyk, diretor geral da documenta 14, afirmou que “aprender com Atenas é constatar que é preciso abandonar preconceitos, que a grande lição é que não há lições”.

Por conta disso, “deseducação”, o termo de fato empregado ao projeto “educativo” da mostra, se transforma em uma importante estrutura. Para apontar sua abrangência, a curadora grega Marina Fokidis, criadora da revista South as State of Mind, uma das plataformas incorporadas pela documenta, relembrou a frase atribuída ao filosofo Sócrates, “só sei que nada sei”: “com isso, ele aponta a importância do questionamento, onde criar perguntas é mais importante que dar respostas.”

Com cerca de 160 artistas, a mostra se distribui por mais de 40 espaços públicos da cidade: do imenso novo Museu de Nacional de Arte Contemporânea (EMST), que abriga 70 artistas, a um pequeno cinema ao ar livre onde é exibido o novo filme de Douglas Gordon, I Had Nowhere to Go (“eu não tinha aonde ir”), uma poética leitura da biografia do cineasta lituano Jonas Mekas.

Apesar da grandiosidade dos números, não se trata de uma mostra espetacular. Em sua maioria são artistas pouco conhecidos, muitos deles em condição de migrantes, com trabalhos muito precários, como as colagens de Elizabeth Wild, um bom exemplo do tom da exposição. Nascida em Viena, em 1922, ela emigrou para a Argentina, em 1938, mudando-se para a Suíça, em 1962, e finalmente para a Guatemala, em 1996, onde vive até hoje. Lá, todo dia, ela realiza pequenas colagens a partir de revistas, uma espécie de diário de exílio, vivendo em meio à floresta Panajachel, junto com a filha Vivian Suter, outra artista na documenta, afastadas do mundo “civilizado”.

Esse pequeno gesto de resistência reverbera em muitos outros trabalhos da mostra, especialmente performances ou criações sonoras, novos ou já existentes, caso de Epicycle, criado na Grécia durante o regime militar.

Considerada uma das mais importantes mostras de arte contemporânea, a documenta ocorre, pela primeira vez, em dois lugares com o mesmo peso: Atenas e Kassel, sua sede original, na Alemanha, que terá sua parte expositiva inaugurada em dois meses.

A cobertura completa da documenta 14, que desta vez não apresenta nenhum artista do Brasil, estará na próxima edição de ARTE!Brasileiros.

Posted by Patricia Canetti at 7:53 PM

Novo curador, Gabriel Pérez-Barreiro quer virar Bienal do avesso por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Novo curador, Gabriel Pérez-Barreiro quer virar Bienal do avesso

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 7 de abril de 2017.

Ele é paz e amor. Gabriel Pérez-Barreiro, o espanhol radicado em Nova York escalado para comandar a próxima Bienal de São Paulo, quer desestruturar –em nome do afeto– toda a mostra paulistana, desfazendo o velho modelo de uma grande exposição coletiva de arte contemporânea.

Isso tudo, ele diz, seria uma tentativa de resgatar num público talvez cansado, entediado ou desinteressado um arrebatamento perdido, o tal afeto pela arte que já não aflora em visitas frenéticas a exposições que se tornaram circos, espetáculos vazios reféns da moda do momento.

Nada disso soa como novidade. Todo curador anunciado como diretor artístico desta que é a segunda mais tradicional exposição de arte do planeta chega com vontade –às vezes bastante justa– de chacoalhar suas bases.

Em meia hora de conversa, Pérez-Barreiro, que está em São Paulo numa primeira viagem de pesquisas, diz que sua Bienal –a 33ª edição da mostra, marcada para setembro do ano que vem– não terá um tema, vai descartar um projeto arquitetônico autoral e pode nem mesmo se enquadrar nos moldes de uma única exposição, podendo só articular várias individuais de um punhado de artistas.

Tudo soaria demolidor, não fosse sua fala pausada, com um leve sotaque, e a aparência dócil de um nerd das artes.

PESQUISA

"Estou querendo questionar todo esse sistema operacional", diz Pérez-Barreiro. "Não acredito na estrutura de um curador decidindo um tema e procurando artistas para depois ilustrar esse tema. Essa coisa de uma grande exposição coletiva me lembra um supermercado ou um zoológico."

Mas toda essa radicalidade talvez seja só Mário Pedrosa falando. Pérez-Barreiro termina agora uma extensa pesquisa sobre o maior nome da crítica de arte no país para uma mostra que começa neste mês no Reina Sofía, em Madri.

Um dos pilares do pensamento crítico sobre as vanguardas que floresceram no Brasil, Pedrosa foi um escritor e intelectual de interesses múltiplos, tendo defendido não só a abstração geométrica mais radical de neoconcretistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark, mas também tendo estudado a fundo a arte de internos de hospitais psiquiátricos e artistas ditos naïf, ou populares, como Djanira.

MODELO ANTIQUADO

O brasileiro, da mesma forma que o curador espanhol que agora remexe em seu legado, também chegou a dirigir a Bienal de São Paulo. Daí talvez o desejo de Pérez-Barreiro de não deixar pedra sobre pedra do antiquado modelo dessas exposições.

Também tem a ver com um respiro ou certa distância das mostras museológicas que está acostumado a organizar.

Mesmo que tenha comandado, há dez anos, uma edição bastante radical –e elogiada– da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, Pérez-Barreiro está mais próximo do sistema tradicional das artes, dirigindo a coleção Patricia Phelps de Cisneros, em Nova York, um verdadeiro tesouro de arte latino-americana.

"Fazer uma Bienal hoje só se justifica pela flexibilidade que ela apresenta para que seja repensada", afirma. "Não é só quebrar esse modelo para parecer mais legal."

No fundo, Pérez-Barreiro se contrapõe aos malabarismos intelectuais dos chamados curadores-autores, nomes que hoje dominam o mundo das artes e que são em grande parte autodidatas, surgidos num momento antes que houvesse escolas de curadoria e manuais de como causar em galerias, bienais, trienais, feiras e salões.

"Estou interessado no afeto, que é algo que atravessa toda manifestação artística", afirma. "É não pensar a arte como uma batalha de um tipo de expressão contra outra, de pintura contra escultura, por exemplo, mesmo que esse modelo seja importante quando estamos perdendo o costume de olhar para as coisas de fora dos nossos círculos."

BRIGAS

Nesse ponto, Pérez-Barreiro parece estar comprando desde já duas brigas –uma com a direção da Fundação Bienal, que terá sua paciência posta à prova por um curador disposto a virar seu modelo operacional do avesso, e outra com a arquitetura do pavilhão de Oscar Niemeyer.

Isso porque seus três gigantescos andares, numa escala que o curador considera desumana, tendem a se impor como arenas que devem ser preenchidas, atulhadas de obras do térreo ao terceiro piso, criando aquele aspecto de supermercado que ele abomina.

"Quero que quem entre na Bienal não seja agredido pelo volume de informação", diz o curador. "É preservar o olhar numa escala humana, criar uma coreografia da atenção."

Posted by Patricia Canetti at 7:48 PM

Nova administração do MASC tem desafio de propor programa curatorial para o Museu, FCC

Nova administração do MASC tem desafio de propor programa curatorial para o Museu

Notícia originalmente publicada na Fundação Catarinense de Cultura em 6 de abril de 2017.

O Museu de Arte de Santa Catarina (MASC) acaba de ganhar uma nova administração, formada pelos curadores Josué Mattos e Édina de Marco, ambos com ampla experiência na área cultural em instituições do Brasil e do exterior. Como primeira ação da dupla, o Museu terá a elaboração de um programa curatorial próprio, com interdependência entre todos os departamentos e foco na profissionalização do setor, pensando na estrutura da instituição, sobre quais bases ele se mantém e se comporta, e na relação com o público.

Dentro deste programa, a ideia é que o setor educativo seja uma espécie de núcleo duro do Museu. "O pensamento central dentro das atividades do MASC é entender que nós temos uma preocupação muito forte com a profissionalização do setor. Então esta será uma atividade fundamental. Não se trata de educativo que irá apenas recepcionar escolares, mas que irá pensar a profissionalização do setor. Muitas das atividades desse núcleo de arte-educação vão extrapolar o domínio da arte para pensar a profissionalização", explica Josué.

Ainda como parte integrante deste projeto curatorial, o Museu deverá ter um programa público que chamará a comunidade ao Museu, com atividades como conferências, cursos e debates, trazendo exemplos e experiências de outras instituições do Brasil e do mundo com boas práticas na área. "Existe, já, um Museu com uma história. A gente não vai esquecer essa história, mas vai trazer a nossa experiência a partir de agora. A experiência internacional que o Josué tem, e eu trago muito essa experiência local de lidar com a questão institucional. Pensar o museu vivo, em processo. O museu que só existe, não porque o acervo existe, porque ele está guardado, mas porque ele se mostra. E mostrar o acervo, mostrar a produção, a produção cultural", projeta Edina.

A partir do processo de profissionalização proposto pelo projeto curatorial que será elaborado pela equipe, o Museu terá bases mais sólidas para dar início a um novo edital de exposições temporárias, com a participação de artistas emergentes. A ideia é que, quando o projeto for aprovado, os participantes já tenham profissionais capacitados pelas iniciativas do próprio Museu para execução de trabalhos, por exemplo, de marcenaria, iluminação, produção, entre outros. "O edital é extremamente importante, contanto que haja programa público de profissionalização do setor que vá gerar empregos, que vá gerar expansão do setor de arte e cultura no Estado todo", pontua Josué.

Valor histórico

Aos 68 anos, o MASC é o segundo museu de arte mais antigo do Brasil. Seu acervo, com quase 2 mil obras, é o maior do Estado e um dos mais importantes do país. A formação dessa valiosa coleção remonta a um período histórico de efervescência no país, durante o pós-guerra e com o início do desenvolvimento industrial. Esta combinação possibilitou a criação de algumas das primeiras coleções de arte do país, com figuras como Chateaubriand e Pietro Bo Bardi adquirindo a preços acessíveis obras de grandes artistas europeus. Dessa época, por exemplo, o MASC conta com obras de Iberê Camargo, Djanira Motta e Silva, Alfredo Volpi e Roberto Burle Marx.

"A gente precisa resgatar a importância desse espaço para a história da arte brasileira", pontua Josué. Para o curador/administrador, o Museu deve deixar de ser apenas mais um espaço a ser visitado dentro do Centro Integrado de Cultura (CIC), onde está localizado, e tomar seu lugar como uma instituição com importância e um quadro singular não só na Região Sul, mas em todo o país.

Currículo

Josué Mattos é historiador da arte e curador. Graduou-se em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X Nanterre, onde obteve o título de Master 1 e 2 em História da Arte Contemporânea. Em 2009, concluiu o mestrado em Práticas Curatoriais, na Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne. A convite do Sesc-SP, concebeu e assumiu a curadoria geral da primeira edição de Frestas – Trienal de Artes / O que seria do mundo sem as coisas que não existem? e Nossa proposição é o diálogo, em Sorocaba (2014-2015).

Entre os projetos realizados, destaca-se o programa de ações e performances É crédito ou débito? (Sesc SP, 2010-2013), que circulou para 90 cidades do Estado de São Paulo. Entre as exposições realizadas, estão: Porque somos elas e eles (Blau Projects, 2016), 45ª Coletiva de Artistas de Joinville (MAJ, 2016), Albano Afonso: Amor Fati (Museu de Arte de Ribeirão Preto, 2014), XIIº e XIIIº Salão Nacional de Artes de Itajaí (Fundação Cultural de Itajaí, 2010-2013), Eu fui o que tu és e tu serás o que eu sou (Paço das Artes, 2012), Pazé: Uma realidade pode esconder outras (Sesc São Carlos, 2012), Tânia Mouraud: La Fabrique (Sesc Bom Retiro, 2012), Como o tempo passa quando a gente se diverte (Casa Triângulo 2011), Boîte Invaliden (Invaliden Gallery/Fidalga, 2012), Por aqui, formas tornaram-se atitudes (Sesc Vila Mariana, 2010), À la limite (Galerie Michel Journiac / Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, 2009), Brígida Baltar e Sandra Cinto – Terres et Cieux (Mairie VIIIème, 2009) e Festival Inter-cambio (Espace Beaujon e Station Europe/3, RATP Paris, 2007-2009-2010). Desde 2010 realiza ateliês de acompanhamento de projetos de arte, debates e júris de salão de artes, em cidades como Fortaleza (Porto Iracema das Artes), Piracicaba (Pinacoteca Municipal), Salvador (Secult e MAM-BA), Brasília (Caixa Cultural e CCBB), Recife (IAC-UFPE), Ribeirão Preto (MARP e Sesc), São Paulo (ProAC e Sesc), Joinville (MAJ) e Florianópolis (FCC).

É editor da Revista Binômios, projeto contemplado pelo Prêmio Redes Nacional Funarte Artes Visuais e trabalhou no desenvolvimento do Centro Cultural Veras, em Florianópolis (SC).

Édina de Marco é graduada em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Mestre em Educação e Cultura pela mesma instituição, e concluiu em fevereiro de 2016 o doutoramento em Bellas Artes na Universidade do País Basco, na Espanha. Foi professora colaboradora no curso de Artes Visuais da UDESC, e exerceu a Coordenação Cultural do Museu Histórico de Santa Catarina onde, entre outras ações, concebeu e coordenou o projeto educativo Escolas no Museu, exposições temporárias e curadorias.

Entre 2010 e 2017 trabalhou na gerência de Políticas de Cultura da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte de Santa Catarina. Tem realizado, também, trabalhos como artista, pesquisadora e produtora independente.

Além da qualificação tem profunda identificação e envolvimento com as artes visuais e o campo museal. Participou da criação do Sistema Estadual de Museus (SEM/SC), e é membro titular de seu Comitê Gestor, representando a SOL.

Posted by Patricia Canetti at 7:43 PM

Mulheres conquistam espaço no mercado de arte por Maria Hirszman, Estado de S. Paulo

Mulheres conquistam espaço no mercado de arte

Matéria de Maria Hirszman originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 5 de abril de 2017.

Coleções ainda têm cerca de 20% a 30% de obras femininas, mas situação fica mais favorável para artistas com 11 galerias exclusivas na SP-Arte

A questão de gênero chegou à SP-Arte. A crescente participação de mulheres artistas, bem como a presença de trabalhos que discutem as desigualdades entre homens e mulheres, levou os organizadores a reconhecer que o movimento em defesa da correção de distorções históricas, que já vem pressionando o circuito norte-americano e europeu há algum tempo, finalmente está chegando ao Brasil. “Não foi proposital, mas é possível notar que está todo mundo mais atento”, afirma Fernanda Feitosa, diretora do evento. Segundo ela, trata-se de um fenômeno mundial: “Os curadores estão sempre revendo, desenvolvendo leituras diferentes ao longo da história, buscando outros enfoques e vieses, realizando resgates importantes”.

Feitosa destaca que 11 das 159 galerias da feira têm participação exclusivamente feminina, estando situadas sobretudo nos segmentos curatoriais da feira como o Solo, o Repertório e o Núcleo de Performance. E anuncia que uma das dez visitas guiadas oferecidas ao público realizará um circuito dedicado às mulheres na arte do século 20. Segundo a pesquisadora Bruna Fetter, autora de Narrativas Conflitantes & Convergentes: As Feiras nos Ecossistemas Contemporâneos da Arte, esse resultado é “um fenômeno interessante, que advém de um grande esforço coletivo das mulheres, reivindicando mais espaço e visibilidade nas instituições”.

Dentre os espaços da SP-Arte que privilegiam a participação feminina se destaca a galeria Cheim & Read, que optou por trazer, em sua primeira participação, um trio feminino de peso: Louise Bourgeois, Lynda Benglis e Joan Mitchell. “Acredito que estamos numa época de revisionismo, reconsiderando artistas mulheres de grande importância histórica. Parece que o Brasil é um lugar ideal para expormos agora, especialmente porque tem uma história tão rica cultural de importantes artistas – Tarsila do Amoral, Lygia Clark, Beatriz Milhazes, Tomie Ohtake e Lygia Pape para citar apenas algumas”, afirma o galerista Adam Sheffer.

Dentre os destaques internacionais é possível citar os trabalhos da croata Sanja Iveković e da austríaca Renate Bertlmann, como exemplos de mulheres que lidam com a questão da desigualdade de gênero em seus trabalhos. Há também várias brasileiras, de diferentes gerações, como Judith Lauand, Carolina Martinez e Lydia Okumura.

Mulher, latina, de origem asiática e com um trabalho de forte teor conceitual, Lydia é um exemplo clássico das dificuldades vivenciadas pelas artistas para conseguir penetrar num universo majoritariamente masculino. “É impressionante como elas conseguiram circular em ambientes tão restritos”, constata a marchande que a representa, Jaqueline Martins, da galeria homônima considerada uma das brasileiras com maior presença feminina em seu pool de artistas. Jaqueline se diz atenta à questão, mas reconhece que as mulheres ainda estão em desvantagem. “Temos 18 artistas e 8 são mulheres”, diz ela, mas concorda que mesmo em setores mais conservadores como as feiras de arte já é possível sentir uma mudança de mentalidade. E que os compradores estão mais atentos. “Fazem esforço para manter um orçamento mais cuidadoso, para equilibrar melhor as aquisições.”

Por outro lado, reconhece que ainda há muito que caminhar. Bruna Fetter concorda: “Mesmo tendo essa situação específica no Brasil, onde mulheres têm maior participação no mercado da arte e em coleções institucionais do que em outros países, isso não quer dizer que as mulheres estão em pé de igualdade. Não tenho registro de instituição nacional que tenha em seus acervos mais do que 30% de obras de artistas mulheres em suas coleções. Geralmente, esse número fica na casa dos 20%. Ainda é pouco, muito pouco”.

Posted by Patricia Canetti at 7:37 PM

Bienal do Whitney tem engajamento político sem tom panfletário por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de S. Paulo

Bienal do Whitney tem engajamento político sem tom panfletário

Matéria de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 20 de março de 2017.

Os cubos de vidro laminado dispostos num terraço que se projeta do edifício para a cidade podem não ser a melhor síntese da diversidade das obras escolhidas para a nova Bienal do Museu Whitney. Mas a elegância minimalista do trabalho de Larry Bell atesta as preocupações formais da mostra.

A Bienal, que começou no sábado (17) e vai até 11/6, não tem medo da vida, da política e da violência, mas não esquece o principal —a elaboração artística.

Numa época em que o ambiente cultural se deixa levar pela simplificação panfletária e pelos sermões politicamente corretos, os jovens curadores Christopher Y. Lew, 36, e Mia Locks, 34, dão uma salutar e bem-vinda demonstração de que a urgência das questões sociais não precisa ser inimiga de padrões estéticos sofisticados.

A Bienal deste ano é a primeira que tem lugar no novo prédio do Whitney, projeto do arquiteto italiano Renzo Piano, inaugurado em 2015.

É bem mais enxuta e precisa do que a anterior, que ultrapassava uma centena de artistas. Num esforço bem-sucedido de edição, a curadoria escolheu 63 participantes (alguns são coletivos) e distribuiu os trabalhos por dois andares do edifício, aproveitando os espaços ao ar livre criados por Piano.

VITRAL

A ideia de tomar partido da arquitetura da nova sede se estendeu também aos janelões de vidro —um deles suporta um vitral criado pelo mexicano Raúl de Nieves, que pode ser visto do lado de fora, iluminado após o anoitecer.

Desde sua primeira versão, em 1932, sob os cuidados da fundadora Gertrude Vanderbilt Whitney, a série de exposições anuais e bienais do museu volta-se para o ambiente americano, com o objetivo de traçar um panorama da arte do país, por meio da obra de artistas jovens e veteranos (como é, agora, o caso de Larry Bell).

A montagem da exposição, ordenada, fina e limpa, pode causar uma impressão de domesticação institucional, o que não surpreende, tratando-se, afinal, de uma sólida instituição -e não de um espaço experimental no Brooklyn.

Mas as obras se encarregam de falar por si e mostrar as garras da produção contemporânea emergente.

Em matéria de linguagens, há um pouco de tudo, de realidade virtual a pinturas, passando por fotografia, escultura, instalações e filmes.

É chocante, em realidade virtual, o trabalho "Violência Real", de Jordan Wolfson. Depois de vestir os óculos e os fones de ouvido, você entra num mundo que se apresenta com uma visão de baixo para cima de uma avenida com arranha-céus.

A imagem desce até chegar à calçada, onde você está parado diante do artista e de um homem. O Wolfson virtual te olha nos olhos, pega um taco de beisebol e começa a bater com violência na cabeça do sujeito, para depois pisoteá-la até virar uma pasta sanguinolenta.

Não consegui ficar dentro daquilo os 90 segundos originalmente programados; tirei os óculos e me afastei com o estômago embrulhado —não sem antes ouvir um aflitivo "tenha um bom dia" de um dos monitores que orientam os visitantes.

PINTURA FIGURATIVA

Na pintura, embora a abstração marque presença, a maior parte é figurativa e contempla temas do cotidiano americano, com suas opressões, absurdos e banalidades. É o que se vê, por exemplo, nas telas de Aliza Nisenbaum, Celeste Dupuy-Spencer e também de Henry Taylor.

Taylor apresenta uma visão do assassinato de Philando Castile, no qual o homem negro foi baleado por um policial no banco de seu automóvel, em julho do ano passado, no Estado de Minnesotta, ao lado da namorada e da filha de 4 anos.

São dignas de nota, ainda, as telas de Jo Baer, menos literais e mais intrigantes.

A crítica de uma maneira geral aplaudiu a mostra com entusiasmo.

No jornal "The New York Times", Roberta Smith elogiou a linha de "engajamento social sustentado pela ambição formal" e considerou que a Bienal "reflete o surgimento de artistas comprometidos com o tema político, mas que não querem limitar sua arte ou dar lições aos espectadores".

Posted by Patricia Canetti at 7:27 PM

abril 10, 2017

‘Modelo das bienais está desgastado’, diz novo curador da Bienal de Arte de São Paulo por Alessandro Giannini, O Globo

‘Modelo das bienais está desgastado’, diz novo curador da Bienal de Arte de São Paulo

Matéria de Alessandro Giannini originalmente publicada no jornal O Globo em 7 de abril de 2017.

Espanhol Gabriel Pérez-Barreiro esteve à frente da Bienal do Mercosul e foi conselheiro da Fundação Iberê Camargo

Anunciado em janeiro como curador da 33ª Bienal de Arte de São Paulo, marcada para setembro de 2018, o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, de 46 anos, sinalizou que pretende mudar o modelo temático que prevalece há cerca de 20 anos na mostra de arte contemporânea. Em entrevista ao GLOBO, Pérez-Barreiro disse que dois eixos serão contemplados em sua proposta: a forma como o curador se torna um protagonista do evento e a maneira como a instituição vai dialogar com o visitante médio. Enquanto começa um plano de trabalho, ele acompanha de longe a montagem de uma exposição que assina ao lado de Michelle Sommer no Museu Reina Sofía, em Madri, dedicada ao crítico Mário Pedrosa.

Todo novo curador que chega à Bienal tem o desafio de fazer diferente. O que você está pensando para a próxima edição?

A Bienal é uma instituição com 66 anos e uma história de continuidade, mas também baseada em mudanças internas. É um modelo interessante, diferente do de museus e de outras instituições. Ela está em um momento importante de sua trajetória, o que simplifica e dificulta ao mesmo tempo. Muitas coisas deram certo na última edição, mas tem questões que eu gostaria de focar. Uma delas é a Bienal necessariamente ter um tema. Esse modelo tem uma série de problemas, e um deles é limitar o potencial das obras de arte, que existem muito em função de um discurso prévio. A pergunta que me faço é: será que não é possível fazer o contrário? E se a obra de arte propuser uma estrutura, e não o assunto propuser uma leitura da obra? Outra questão é que a Bienal é um evento de massa, cuja última edição recebeu a visita de 900 mil pessoas. Qual é a relação que pode articular com esse grande público? O que se pode propor para muitas pessoas que têm um primeiro contato com a arte? Até que ponto a estrutura curatorial contribui para se aproximar do visitante não especializado? Parece óbvio, mas não é. Essas são as linhas que estão nesse momento de começo de trabalho.

Esse modelo de curadoria temática é consagrado internacionalmente, em eventos como a Bienal de Veneza e a Documenta de Kassel, por exemplo. Há outros?

Acho que esse modelo está se cansando. Está na hora de questionar o automatismo. Não há nenhuma lei escrita dizendo que precisa ser assim. Houve múltiplas maneiras de organizar a própria Bienal: binacional, concurso, premiação. O modelo atual tem 20 anos, e tudo tem um ciclo. No momento de sua criação foi uma grande novidade, uma resposta ao modelo da premiação, oriundo da Bienal de Veneza — que vem do século XIX. Foi fundamental uma reforma para falar de outras coisas, para articular um discurso mais unificado. Hoje, é o establishment. Até os temas ficaram meio parecidos: questões sociais, o estado do mundo, o desejo de convivência. Foi interessantíssimo, mas não sei se o público quer a cada dois anos ser tratado do mesmo jeito. Acho que é um bom momento para mudar. A instituição é sólida, nasceu para ser experimental. Vamos ver se há outros modelos.

Existem outras experiências de curadoria sem o uso do tema em outras mostras de arte fora do Brasil que possam servir como parâmetro?

A Bienal é um bicho muito diferente. Os museus e todas as instituições de arte contemporânea estão constantemente experimentando modelos diversos. Tem todo um ciclo novo (de bienais) que vai ser interessante observar. Por exemplo, a próxima Bienal de Veneza, que tem um tema muito geral, “Viva arte viva”. Estou curioso para ver como vai ser articulada. Mas tenho escutado uma coisa interessante. Sinto um desejo de questionar a massificação. Por que não uma Bienal com metade do tamanho? De fato, as mostras têm se reduzido, aqui mesmo. E não é uma questão orçamentária. Há um desejo de focar mais, de ficar mais tempo com os artistas, escapar desse modelo do supermercado e zoológico, que tem um pouco de tudo. É um desejo de limitar a escala e dar um pouco mais de profundidade aos artistas. Fizemos uma experiência na Bienal do Mercosul, na qual a gente escapou um pouco da temática. Era uma tentativa de ver que outras formas existem para apresentarmos outro tipo de experiência.

Qual a melhor maneira de criar um diálogo com esse público que não é especializado?

Estou preparando uma exposição sobre Mário Pedrosa no Museu Reina Sofía, em Madri. Chama-se “Mário Pedrosa — Da natureza afetiva da forma”. Uma pena, queria usar como título da Bienal, mas gastou essa ficha (risos). Acho que a minha aspiração máxima é criar um espaço no qual o visitante se sinta em condições de ter uma relação afetiva com a obra de arte. Isso tem que ser construído com a experiência física. Essa coreografia de conteúdo, essa maneira de falar institucionalmente para o público é muito importante. Essa é a prioridade, acima de qualquer coisa. Não é uma questão que pode ser jogada no educativo. Curadoria tem parte importante.

Posted by Patricia Canetti at 3:36 AM

Maior feira de arte do Hemisfério Sul, SP-Arte chega à 13.ª edição em São Paulo por Antonio Gonçalves Filho, Estado de S. Paulo

Maior feira de arte do Hemisfério Sul, SP-Arte chega à 13.ª edição em São Paulo

Matéria de Antonio Gonçalves Filho originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 5 de abril de 2017.

Realizada no Ibirapuera, evento conta com 159 galerias e deve atrair 30 mil pessoas

Em 2005, quando começou, a SP-Arte reuniu 41 galerias, expôs 600 obras e atraiu um público de 6 mil pessoas. Hoje, ao abrir suas portas, no Pavilhão da Bienal, a 13.ª edição da SP-Arte vai juntar 159 galerias (44 delas estrangeiras), quatro vezes o número da feira inaugural, levando ao Ibirapuera 4.300 obras dos maiores nomes da arte moderna e contemporânea internacionais, de Albers a Damien Hirst, passando por Joseph Beuys, além de brasileiros veteranos (Judith Lauand, Waltercio Caldas) e da nova geração (Carla Chaim, Nino Cais).

Já considerada a maior feira de arte do Hemisfério Sul, a SP-Arte espera um público superior a 30 mil pessoas. Ela cresceu tanto que, em 2017, “se consolidou como um festival internacional de arte”, destaca sua idealizadora e diretora, Fernanda Feitosa, citando as novidades incorporadas à feira, entre elas o setor Repertório, com curadoria do crítico Jacopo Crivelli Visconti, que concentra artistas nascidos nos anos 1940 considerados vetores da arte contemporânea (Richard Long, Rubem Valentim).

Outro segmento relativamente novo é o Solo, criado há três anos e dedicado a mostras individuais de artistas escolhidos pela curadora Luiza Teixeira de Freitas, entre eles o paulistano Rafael Rg, o peruano Pier Stockholm e a croata Sanja Ivekovic. Também novo, em seu segundo ano dentro da feira, o setor de Design cresceu, teve repercussão internacional (reportagem no New York Times) e agora abriga 25 galerias com mobiliário de arquitetos (Niemeyer), designers (Etel Carmona) e artistas (Lasar Segall).

As galerias japonesas (Koyanagi, Ota) fazem sua entrada na SP-Arte, antecipando a abertura da Japan House em São Paulo, trazendo nomes como Sugimoto e Yayoi Kusama. Em parceria com o Videobrasil será aberta uma exposição de videoarte no Galpão VB. Uma série de palestras (Talks) traz à feira especialistas como o jornalista Dan Fox (da revista Frieze) e o casal de colecionadores americanos Marc e Livia Strauss. “O mercado brasileiro está em expansão, o que justifica o crescimento da participação de galerias, curadores colecionadores estrangeiros”, conclui Fernanda Feitosa.

Posted by Patricia Canetti at 2:32 AM

Lei Rouanet banca criação de obras, que já existiam, para mostra em SP por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Lei Rouanet banca criação de obras, que já existiam, para mostra em SP

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de são Paulo em 4 de abril de 2017.

As etiquetas em preto e branco das pinturas e esculturas de nove artistas chamam mais a atenção do que as cores das telas mais vibrantes em exposição agora no Museu de Arte Contemporânea da USP, em São Paulo.

Nelas, está escrito que algumas obras pertencem à coleção do Banco Toyota, grupo financeiro ligado à montadora e patrocinador exclusivo da mostra "Os Desígnios da Arte Contemporânea no Brasil".

Estão na mostra, orçada em R$ 500 mil e paga com recursos captados via Lei Rouanet, nomes como Alan Fontes, Ana Prata, Fernando Lindote, James Kudo, Paulo Almeida, Rodrigo Bivar e Tatiana Blass.

No projeto autorizado pelo Ministério da Cultura, os produtores da mostra disseram que obras seriam produzidas para a mostra e que o processo de criação delas renderia um livro. Mas cinco artistas ouvidos pela Folha afirmaram que seus trabalhos já existiam.

A proposta previa R$ 20 mil a cada artista–R$ 180 mil no total– pela produção da tela. O valor estava ligado à "cessão de direitos" e "material para a construção da obra".

"Fui convidada a participar da exposição e dei obras que eu já tinha", disse Ana Prata. "Não produzi para a mostra."

Rodrigo Bivar também afirmou que os patrocinadores "não financiaram a produção de nada". "Eles fizeram essa exposição e compraram o trabalho como qualquer um compra um trabalho."

"Todas as obras são anteriores", afirmou Tatiana Blass, outra artista da mostra. "Cada artista deu uma obra para o acervo do banco. Eles escolheram obras que abrangessem todo o meu trabalho."

CONTRATO

Artistas também disseram à Folha que o contrato firmado entre eles e a proponente da mostra, Cris Corrêa Consultoria em Projetos Culturais, determinava que um trabalho seria doado à "patrocinadora", no caso, o banco Toyota.

Segundo informações do Ministério da Cultura, a empresa bancou R$ 500 mil dos R$ 517 mil orçados por meio do artigo 18 da Lei Rouanet. Ou seja, toda a verba pode ser deduzida do Imposto de Renda.

Sem tradição em projetos de incentivo às artes visuais, a empresa tinha patrocinado –também via a mesma lei de incentivo– outro livro de arte, um volume sobre a vida e obra de José Antônio Marton, projeto no qual investiu cerca de R$ 256 mil há dois anos.

Marton, no caso, é agora o curador da mostra no MAC, onde também está uma peça de sua própria coleção, "Zona Morta", uma instalação da artista Tatiana Blass.

O livro "Facetas - A Arte e o Design na Obra de José Marton" foi editado pela C4, da empresária Cris Corrêa, responsável pelo projeto da exposição "Os Desígnios da Arte Contemporânea no Brasil".

DESTINO DAS OBRAS

Procurado pela Folha, o banco Toyota afirmou em nota que não tem coleção de obras de arte e que "não celebrou nenhum contrato com os artistas participantes".

Já a produtora Cris Corrêa diz que "o detentor [dessas obras] passou a ser o proponente, nesse caso a editora [dela]" e que "o destino das obras após o término do projeto não está especificado no projeto". "A editora tem a intenção de fazer uma doação."

Ainda segundo ela, as etiquetas da exposição que atribuem a posse das obras ao banco Toyota são "errôneas".

De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, sob condição de anonimato, há indícios de que a verba pública destinada à realização de uma exposição num museu público foi usada para a construção de um acervo privado.

Eles dizem também que as obras de um projeto incentivado, sem destinação determinada na proposta, devem ser doadas a instituições da área.

Procurado pela reportagem, o curador José Antônio Marton afirmou que artistas participaram de um projeto de residência e que acompanhou a elaboração de cada trabalho.

"Se não fizeram, não levaram a sério o trabalho." Cinco deles, contudo, negam terem sido pagos nesse modelo.

Marton disse não ver conflito de interesses em expor num museu público uma obra de sua coleção particular –obras tendem a valorizar com a inclusão em mostras institucionais como a do MAC. "Não tenho interesse nenhum em me beneficiar disso."

O presidente do MAC, Carlos Roberto Ferreira Brandão, afirmou não saber detalhes do financiamento da mostra.

Posted by Patricia Canetti at 2:25 AM

abril 6, 2017

Sem excepcionalidade, mostra no MAC reúne clichês sobre paisagens por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo

Sem excepcionalidade, mostra no MAC reúne clichês sobre paisagens

Crítica de Fabio Cypriano originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 4 de abril de 2017.

Promiscuidade. É difícil outra palavra para descrever a mostra "Os Desígnios da Arte Contemporânea no Brasil", em cartaz no Museu de Arte Contemporânea da USP.

Como exposição, ela segue um padrão básico, corrente e aceitável, de apresentar um grupo de artistas de gerações distintas, que em geral trabalham com pintura e estão reunidos a partir de um tema.

No caso dessa mostra, eles foram instados a retratar paisagens brasileiras, o que faz surgir na exposição referências aos clichês do Rio de Janeiro, como o Corcovado ou Copacabana, ou às cataratas do Iguaçu, entre outros.

Estão na mostra artistas que já participaram da Bienal de São Paulo, como Tatiana Blass, para quem a pintura não surge como principal meio, ou Fernando Lindote, que começou como cartunista e migrou para a pintura, ou então nomes em ascensão, como Rodrigo Bivar, reconhecido pela pintura. No total, são nove artistas.

Se fosse apenas isso, seria uma mostra sem excepcionalidades, apesar do título pretensioso. Contudo, é na legenda das obras que se percebe uma questão ética que de fato merece ser explorada, já que o MAC não só é um museu universitário, mas de caráter público.

Segundo o Ministério da Cultura, a mostra tem R$ 500 mil de apoio de um único patrocinador, o banco Toyota. Ora, as etiquetas informam que o próprio banco é o proprietário de obras de quase todos os artistas; as demais pertencem aos próprios artistas, às suas galerias ou ao curador da mostra, José Antônio Marton.

Por que então a exposição custa tanto, já que o MAC-USP não cobra para expor?

Mas esse não é o principal problema, e sim, o visível conflito de interesses que parte já do curador, de inserir um trabalho seu em uma mostra.

Exposição em instituições como o MAC agregam valor à obra e o curador basicamente está usando o museu para valorizar seu acervo.

Pior, contudo, é que a mostra, que terá também catálogo, segundo o site do governo, tem parte da suposta coleção do patrocinador em exposição. Ou seja, é dinheiro público em um museu público servindo a fins privados.

É de estranhar que o museu desloque uma curadora para acompanhar essa mostra criada fora da instituição, no caso Ana Magalhães, e toda essa rede de interesses não tenha sido constatada. Para um museu universitário, que deve ter a pesquisa em seu cerne, é uma falha grave.

OS DESÍGNIOS DA ARTE CONTEMPORÂNEA NO BRASIL
QUANDO ter., das 10h às 21h; qua. a dom., das 10h às 18h
ONDE MAC-USP (av. Pedro Álvares Cabral, 1.301, tel. 2648-0254)
QUANTO: Grátis

Posted by Patricia Canetti at 1:48 AM

Decisão da SP-Arte por extinguir o setor dedicado às revistas de arte se contrapõe a tendência mundial e à tese de diretor da Sotheby’s por Paula Alzugaray, Select

Decisão da SP-Arte por extinguir o setor dedicado às revistas de arte se contrapõe a tendência mundial e à tese de diretor da Sotheby’s

Artigo de Paula Alzugaray originalmente publicado na revista Select em 31 de março de 2017.

Na palestra de abertura do simpósio Galerias em Debate – Mudanças e Oportunidades, organizado pelo Projeto Latitude, em 27 e 28/3, São Paulo, Jonathan T. D. Neil, diretor global de desenvolvimento comercial da Sotheby’s Institute of Art, construiu uma defesa contundente – e surpreendente – da centralidade da internet e da imprensa no sistema da arte.

Neil discorreu sobre as diferenças entre as experiências 3D e 2D – aquelas que, para se realizarem pressupõem a presença física do sujeito, e aquelas que podem ser vivenciadas a partir de material impresso ou telas. O palestrante foi enfático ao afirmar que a experiência estética contemporânea independe do contato presencial. “O ponto é: eu não preciso estar lá. Eu só preciso ver isso na tela para entender o que se passa ali”, disse ele, diante da imagem de obra de Gabriel Orozco, realizada na galeria Kurimanzutto, no México.

O título da palestra – O papel das galerias no atual e futuro sistema das artes – anunciava a defesa das galerias como a engrenagem econômica e intelectual do ambiente da arte. Mas o que se revelou, de fato, foi a valorização da experiência bidimensional da arte – o mundo dos discursos e das telas –, defendido como modelo para o futuro sistema artístico mundial.

“Pense no modelo das agências. Pense nos modelos de realidade virtual que estão aparecendo. Nós não chamamos eles de ‘galerias’”, afirmou. “Temos cada vez mais artistas pensando exclusivamente para esse ambiente. Artistas são os inovadores originais. O espaço digital terá que acompanhar o que os artistas fazem”, completou.

O destaque que Neil deu ao discurso da arte – isto é, a escrita, a reflexão e o debate sobre a obra de arte – impactam diretamente sobre o papel da publicação de arte (digital ou impressa) hoje.

A opinião é nitidamente compartilhada por feiras de arte como Frieze e ARCO, na medida em que ampliam seus espaços dedicados às publicações. Há poucos anos a Frieze London e a Frieze New York criaram o Reading Room, que promove eventos de 30 minutos – entre diálogos, colóquios e mesas-redondas –, dando ao visitante a oportunidade de interagir com críticos, formadores de opinião e outros profissionais do campo da arte.

Na contramão desse movimento, a SP-Arte, que anunciou este ano a intensificação de ações fora do escopo direto comercial – especialmente a curadoria –, deliberadamente relegou a importância da experiência 2D, extinguindo o setor editorial de revistas.

Posted by Patricia Canetti at 1:39 AM

abril 1, 2017

Americanos 'vestem' obra icônica da brasileira Lygia Pape pelas ruas de NY por Ricardo Senra, BBC Brasil

Americanos 'vestem' obra icônica da brasileira Lygia Pape pelas ruas de NY

Matéria de Ricardo Senra originalmente publicada no jornal BBC Brasil em 29 de março de 2017.

Smartphones, selfies e um cenário mais cinza que o de uma favela no Rio de Janeiro em 1968 separam a primeira edição de Divisor, performance criada pela artista multimídia Lygia Pape, e sua mais nova versão, registrada no último sábado em Nova York.

Lygia Pape - A Multitude of Forms, The Met Breuer, New York, EUA - 21/03/2017 a 23/07/2017

Imersos em um lençol imitando uma tela branca de 30 por 30 metros, dezenas de rostos de todas as idades sorriem, brincam e circulam juntos, numa experiência coletiva que implode o muro que tradicionalmente separa artista, obra e espectador.

A reedição da performance é parte da exposição Lygia Pape: A multitude of Forms ("Uma multidão de formas", em tradução literal), primeira grande retrospectiva da artista nos EUA, no museu Met Breuer, "braço" do Metropolitan de Nova York dedicado a arte contemporânea.

"No começo, ninguém sabia direito o que era, porque uma coisa é ver foto e filmagem, e outra é experimentar ao vivo", disse à BBC Brasil Paula Pape, filha da artista, que foi a Nova York acompanhar a performance.

"Mas quando começaram a andar e entraram na 5ª avenida, as pessoas realmente começaram a entender como funciona aquilo, aquele conjunto onde é preciso negociar entre si para fazer curvas e entrar em acordos e em sintonia para seguir a mesma direção harmonicamente."

Escultura social

Colega de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Ferreira Gullar, Lygia Pape, é uma das representantes de um importante momento de ruptura nas artes brasileiras.

No início dos anos 1960, artistas que não se sentiam mais representados pelos quadros e esculturas da arte tradicional decidiram misturar os espaços antes dedicados a artista e observador.

Assim nasciam, por exemplo, os parangolés de Oiticica - uma espécie de capa que só mostrava seu desenho e forma quando vestida por alguém em movimento, dançando.

No mesmo contexto surgiu o Divisor, também classificado por Lygia como "escultura social" e agora reeditado nos Estados Unidos.

A performance foi realizada por Pape pela primeira vez em uma favela do Rio de Janeiro. Em entrevista à filha Cristina, em 2002, a artista descreveu o acontecimento:

"Divisor, quando eu fiz, foi muito interessante. No final da minha rua, que é sem saída, há um rio, uma pequena ladeira e havia uma favelinha. Eu fiz o primeiro e não sabia muito bem como ia mostrar para as pessoas, então eu o abri na ladeira, espalhei pelo chão, que não tinha objetos interferentes. Ficou muito bonito com a projeção da mata sobre ele. Aos poucos as crianças da favela começaram a pular em cima do pano, escorregar sobre ele, acharam uma brincadeira fantástica até que um levantou uma ponta do pano e descobriu uma fenda, enfiou a cabeça nela e imediatamente a criançada toda fez isso. E começaram a descer a ladeira, todos enfiados, com as cabecinhas dentro do divisor."

Pape morreu em 2004, depois de apresentar a obra na China, na Espanha e em diferentes cidades brasileiras.

Nos Estados Unidos, a última performance Divisor foi realizada no início dos anos 2000 - "mas era um divisor muito pequenininho", lembra Paula Pape.

Reedição?

A obra atravessou oito quadras no coração de Nova York, entre o Met Breuer e o Metropolitan Museum of Art.

"O sentimento foi muito forte. Eram 60 pessoas ou mais, entre estudantes, professores, gente ligada a arte e gente que não tinha nada a ver com arte, todos unidos", diz Paula Pape, sobre a experiência do último sábado.

"Todos são um só no Divisor. As pessoas se esquecem quem são e se levam pelo coletivo."

Pelo caminho, alguns curiosos se aproximavam para tentar encaixar suas cabeças em fendas sobressalentes, enquanto outras filmavam e fotografavam a performance sem muita certeza sobre o que acontecia.

"Talvez façamos de novo até o fim da exposição", diz Paula Pape com suspense. "O museu ficou muito satisfeito."

A exposição do Met Bouer reúne fotos, vídeos, esculturas, fotos e instalações da artista, nascida em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro.

Lygia Pape: A multitude of Forms segue em cartaz em Nova York até 23 de junho.

Posted by Patricia Canetti at 5:58 PM

A verdadeira escolha livre de Lygia Pape por J.P. Cuenca, The Intercept_Brasil

A verdadeira escolha livre de Lygia Pape

Artigo de J.P. Cuenca originalmente publicado no The Intercept_Brasil em 28 de março de 2017.

Lygia Pape - A Multitude of Forms, The Met Breuer, New York, EUA - 21/03/2017 a 23/07/2017

SE PARA UM turista desavisado visitar a primeira retrospectiva de Lygia Pape nos EUA é uma baita odisséia estética, para um brasileiro trata-se de experiência arrebatadora. Especialmente em tempos de retrocesso democrático.

Lygia desenvolveu grande parte de sua obra durante a ditadura militar e é um raro caso de artista que foi preso e torturado pelo regime – ela passou três semanas no DOI-CODI em 1973. Com liberdade e inteligência, continuou criticando as instituições – do Estado, do mercado e da arte – ainda que muitas vezes de forma “indireta, revolucionária porque inventora”.

Deixou uma obra monumental. Das experiências neoconcretas à descoberta de uma linguagem própria, extrapolando o objeto, a artista uniu política, humor e poesia como nunca antes – ou depois. Essa obra mutante entre gravura, instalação, fotografia, performance e vídeo (“Multidão de Formas” é o nome da exposição no Met Breuer) cria uma interface complexa que nos ajuda a ‘desver’ para depois reaprender a ‘ver’ o Brasil, forjando um espelho muito raro. Cada vez mais raro, não apenas na arte brasileira.

Costumo pensar que o maior motivo para o Brasil ter a impressionante produção artística que tem é porque nascemos num país infernal. Se a arte surge como resposta às contradições da sociedade, aqui elas evidentemente não faltam. E aí, ironicamente, minha absoluta ausência de orgulho pela nacionalidade – uma contingência e um acaso, normalmente constrangedor – transforma-se em desavergonhado pacheequismo. Eu me ufano, apenas, pela arte brasileira. Não é pouco.

É curioso que o ponto central da resenha publicada no New York Times seja justamente esse: “O que você faz quando o Estado quebra e o sonho de um futuro melhor morre? Como a sua arte muda quando pioram as circunstâncias sociais? (…) Novos tempos chamam por uma nova arte de intervenção pública, ação comunitária e investigação antropológica, sem medo de assumir riscos”.

A fusão entre arte e vida proposta pela artista é evidente exemplo, não só para artistas brasileiros, mas para os gringos daqui em tempos trumpianos, sugere a crítica do Times. Não apenas por isso, eu acrescentaria.

O reconhecimento das ruas por onde andamos é central na produção de Lygia, principalmente a partir dos anos 70, quando incorpora cada vez mais a cidade aos seus trabalhos. O timing da exposição é perfeito também por esse motivo: a “retomada” ou “ressignificação” do espaço urbano é tema de qualquer mesa de artistas brancos culpados em Nova Iorque, cidade vítima de um brutal processo de gentrificação que expulsa pobres e minorias de seus bairros para transformá-los em versões desidratadas de Berlim – uma Berlim que não existe mais, diga-se – para o consumo de filhinhos de papai do mundo inteiro.

Mas há algo nessa exposição que nos ultrapassa por completo, junto com qualquer contexto. As experiências de Pape ganham dimensões cosmogônicas na grande sala escura onde estão suas ‘Ttéias‘, esculturas rarefeitas de fios dourados e luz, onde nossos sentidos atropelam qualquer tentativa de racionalização. Como no “Manifesto curto” (1964) de Stanley Brouwn, aqui já não há mais ‘arte’ e nem uma sala dentro de um museu, mas sim apenas “cor, luz, espaço, tempo, som e movimento”.

Se lembrarmos que no corredor oposto a sala está o monumental “Livro do Tempo”, dá para acreditar que a síntese formal que Lygia propõe a coloca em qualquer lista de artistas fundamentais do século XX – penso grosseiramente que Mondrian e Beuys, por exemplo, parecem ingênuos aqui.

Há uma resposta célebre de Lenin a críticos mencheviques em 1922 em que ele diz: “A escolha verdadeiramente livre é aquela na qual eu não escolho apenas entre opções dentro de um conjunto prévio de coordenadas, mas aquela onde decido mudar o próprio conjunto de coordenadas”. Ao ver-se diante dessas obras, dá para acreditar que Lygia Pape fez ‘a verdadeira escolha livre’. É raro poder dizer o mesmo de outro artista.

Posted by Patricia Canetti at 5:46 PM