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Como atiçar a brasa

 


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outubro 28, 2016

Em Bogotá, feira ArtBO tenta se firmar com obras políticas e minimalistas por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Em Bogotá, feira ArtBO tenta se firmar com obras políticas e minimalistas

Matéria de Silas Martí, enviado especial a Bogotá, originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 27 de outubro de 2016.

Quase gritando para se fazer escutar num galpão alvejado pela chuva, María Paz Gaviria, a diretora da ArtBO, dizia que a feira que acontece agora na capital colombiana é a mais "refrescante" do circuito artístico latino-americano.

De fato, as temperaturas em Bogotá, cidade que roça uma cordilheira a alguns milhares de metros acima do nível do mar, são baixas e as tempestades são muitas. Meteorologia à parte, a ArtBO também conseguiu cravar um espaço na agenda apertada das feiras de arte com um programa mais enxuto, com galerias influentes e obras que fogem do espetáculo barato para vender a qualquer custo.

Nesta edição, que não coincidiu com a Fiac, em Paris, o evento colombiano tem presença recorde de galerias brasileiras, que vinham preferindo a feira francesa até então. Casas poderosas como Luisa Strina e Fortes Vilaça vieram a Bogotá, além de Raquel Arnaud e Vermelho.

Embora haja mais galerias paulistanas e uma carioca, o total de participantes da feira caiu em relação ao ano passado —de 84 foi para 74. Gaviria diz que essa foi uma decisão estratégica, que não tem a ver com qualquer sinal de crise econômica.

"Fizemos uma seleção cuidadosa para que tivéssemos um resultado mais potente no mercado", diz a diretora. "Esta é uma feira com um modelo único, que não enfatiza só as vendas, por isso podemos tomar a decisão de não aumentar o número de galerias e ter mais espaço para mostras institucionais."

Esse modelo único, no caso, depende do fato de a ArtBO não se ancorar na venda de estandes para se bancar, já que é organizada pela Câmara de Comércio de Bogotá, uma parceria público-privada que trabalha para lançar a capital colombiana também como destino cultural.

Mesmo sem uma estratégia para lucrar, a feira detonou uma onda de abertura de novas galerias e turbinou a cena de colecionadores na metrópole colombiana. Uma das galerias mais jovens da cidade, aliás, a Instituto de Visión surgiu há dois anos e já se tornou uma plataforma de peso, emplacando três de seus artistas —Alicia Barney, Carlos Motta e Carolina Caycedo— na atual Bienal de São Paulo.

Todos eles têm obras de alta voltagem política, algo que parece inevitável num país que está há 60 anos em guerra civil com narcotraficantes. Mas o estilo de arte política criado na Colômbia, como fica claro na feira, é menos panfletário e mais sutil.

Na visão de Johannes Vogt, galerista de Nova York, colecionadores colombianos têm um "gosto refinado" e preferem trabalhos na linha da abstração geométrica e do minimalismo. Isso explica o trânsito forte de brasileiros dessa mesma pegada no mercado colombiano —a diretora da ArtBO diz que a Colômbia é um dos principais destinos de exportação de arte nacional.

"Eles têm menos interesse pela estética, têm esse viés político e nada é muito contemplativo", diz Jaqueline Martins, galerista paulistana que participa da ArtBO há cinco anos. "Eles também vêm segurando o tamanho da feira para não se tornar uma 'big fair' num micromercado."

Ou seja, há um limite para o tanto de arte político-minimalista que as casas conseguem emplacar nas coleções locais. E a seleção mais criteriosa ajuda a navegar pela feira, com galerias bem espalhadas num enorme galpão, sem estandes abarrotados de tralha.

Na Fortes Vilaça, por exemplo, estão poucos trabalhos de Cristiano Lenhardt, outro artista da Bienal de São Paulo. Nas primeiras horas da feira, a casa paulistana também vendeu trabalhos de Rodrigo Cass, enquanto a Luisa Strina encontrou compradores para obras de Cildo Meireles e Eduardo Fraipont.

Famosa por sua seleção de trabalhos mais minimalistas e monocromáticos, a galeria Gregor Podnar, de Berlim, também mostrava obras pensadas de acordo com o perfil mais sóbrio da ArtBO, entre elas peças de Marcius Galan e Pablo Accinelli.

Entre os melhores trabalhos da feira, Laura Belém montou uma instalação com refugos de peças de pedra sabão de artesãos do interior de Minas Gerais na Athena Contemporânea. Sua série de esculturas quebradas e esbranquiçadas reflete o clima geral do evento, com poucas cores, zero estridência e muita geometria.

Na francesa Mor Charpentier, outra série de pequenas esculturas de Carlos Motta lembrava, de longe, estátuas de divindades gregas em miniatura, mas na verdade retratavam deuses e deusas hermafroditas —a transexualidade como metáfora de um mundo mergulhado em tempestades.

Posted by Patricia Canetti at 12:23 AM

Nuno Ramos organiza ato contra a anulação do julgamento do Carandiru por Mariana Tessitore, ARTE!Brasileiros

Nuno Ramos organiza ato contra a anulação do julgamento do Carandiru

Matéria de Mariana Tessitore originalmente publicada na revista ARTE!Brasileiros em 27 de outubro de 2016.

A ação, que contará com a participação dos artistas José Celso, Paulo Miklos, Laerte e Bárbara Paz, terá duração de 24 horas e será transmitida pela internet

Em protesto à anulação do julgamento do Carandiru, em setembro, o artista plástico Nuno Ramos organiza uma intervenção para relembrar os nomes das 111 pessoas que foram assassinadas durante o massacre ocorrido na tarde de 2 de outubro de 1992, no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru.

A ação acontecerá em um edifício na alameda Barão de Limeira, no centro de São Paulo, no qual 24 artistas se reunirão por 24 horas para lerem os nomes das vítimas. Em entrevista à ARTE!Brasileiros, Ramos explicou que cada artista lerá os 111 nomes durante uma hora. A performance acontecerá entre às 16h do dia 1/11, horário no qual ocorreu a invasão, e às 16h de 2/11, dia de finados, data que se cultua a memória dos mortos.

O diretor de teatro José Celso Martinez Correa vai abrir os trabalhos e, segundo a página do Facebook do evento, a ação também contará com a participação de Luiz Alberto Mendes Junior (escritor), Marcelo Tas (jornalista), Paulo Miklos (músico), Laerte (cartunista), Bárbara Paz (atriz), Isabela Del Monde (advogada), Ferréz (escritor), Carlos Augusto Calil (cineasta), Jean-Claude Bernardet (cineasta), Marina Person(cineasta), Rita Cadillac (dançarina), Luambo Pitchou (coordenador do Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem-teto), Eliane Dias (advogada) e Caio Rosenthal (médico).

Nuno Ramos explica que a ação “será bem lenta, como uma vigília mesmo. Durante uma hora, cada pessoa lerá os nomes das vítimas várias vezes. Pode ser rápido, devagar, pode gritar. Cada um faz como quiser, a única coisa que eu pedi é que os nomes sejam repetidos”. O artista ainda ressalta que será “um evento público via internet”. O intuito não é que as pessoas compareçam ao ato em si, mas que assistam às cenas e compartilhem pela internet. “Ninguém vai visitar, é um evento fechado em um prédio pequeno, para ser transmitido. Será num apartamento no topo de um edifício, porque eu queria que tivesse São Paulo ao fundo, como uma espécie de testemunha silenciosa sabe?”, conta o artista, que já abordou a temática em 1992 na obra 111, na qual cada uma das vítimas do Massacre do Carandiru é representada por paralelepípedos cobertos por asfalto e breu. Atualmente, o trabalho está guardado. Segundo o Nuno, sempre pedem que ele exiba o trabalho novamente, porém “é uma obra enorme que não dá para ser montada de uma hora para outra”.

Questionando sobre a importância da ação, Nuno afirma: “Não quero discutir os meandros jurídicos. O que sei é que isso está acontecendo já faz muito tempo. São 24 anos sem que ninguém tenha passado 24 horas preso. Acho que a invasão do Carandiru representa muito do que nós somos. A dificuldade de gerir o nosso horror, de colocar a nossa violência entre linhas mais nítidas. São 111 pessoas que merecem ser lembradas”.

Posted by Patricia Canetti at 12:15 AM

outubro 26, 2016

Laura Lima: ‘O trabalho é provocativo, mas não escandaloso como sugerem’ por Nani Rubin, O Globo

Laura Lima: ‘O trabalho é provocativo, mas não escandaloso como sugerem’

Entrevista de Nani Rubin originalmente publicada no jornal O Globo em 10 de julho de 2016.

Artista diz que ficar quebrando tabus ‘seria um exercício muito superficial’

RIO — A primeira individual da artista carioca Laura Lima numa instituição americana, The inverse, causou polêmica nos principais sites de artes visuais do mundo depois que uma das seis performers contou ter feito uma penetração vaginal com uma corda de nylon da instalação na noite de abertura, supostamente induzida pela artista. Leia abaixo a entrevista com Laura, que nega a acusação e fala sobre a controvérsia em torno da obra.

Uma das participantes da instalação “The inverse” acusou-a de tê-la induzido a fazer uma penetração vaginal com as cordas de nylon da obra. É verdade?

Cada participante tem a liberdade de decidir a maneira como vai aderir à obra e isso foi explicitamente dito durante as múltiplas preparações nos encontros do projeto. Nenhuma participante foi forçada ou pressionada a nada.

Como foi feita a seleção das participantes? E como você as orientou a atuar?

Primeiro, uma chamada distribuída em lugares de arte e universidades. Ao encontrar com as pretendentes, sempre em reuniões de grupo, é feita uma explicação minuciosa da construção da obra, seus contexto e conceito, e a maneira como pode ser realizada. Espaço para discussão e preparação é sempre fundamental. Só é possível construir a obra a partir da prerrogativa do livre arbítrio e da vontade.

Essa mesma participante disse que você pôs uma camisinha na extremidade de uma corda e lhe deu um lubrificante. Isso aconteceu?

Não. Nunca tive essa conversa com a participante.

Essa performer a procurou para tirar dúvidas?

Fiquei à disposição dos participantes para que entrassem em contato comigo quando quisessem. Nós primeiramente ouvimos sobre esse assunto através da repórter de um jornal. O museu se ofereceu prontamente a encontrar-se com a participante, e não teve resposta.

A polêmica foi assunto dos principais sites de artes visuais. Como você se sente com isso?

É constrangedor e infeliz ver como o trabalho foi distorcido dessa maneira, particularmente porque propõe visões de natureza distintas a estas, sobre a ideia de corpo e a participação de pessoas.

Na sua opinião, a polêmica faz parte da arte contemporânea, pelo que ela tem de intrigante e original?

O trabalho é provocativo, mas não é escandaloso como sugerem. Para mim, a integridade da obra vai sobreviver a essa reação. Uma obra de arte e a reação que causa podem criar diálogos, sublinhando os preconceitos que existem sobre o corpo, a nudez e até a arte contemporânea. Eu não tinha intenção de causar uma reação desse porte, e a qualidade do que está sendo discutido não toca em questões que realmente existem no meu trabalho.

Nudez e interação com objetos há muito deixaram de ser novidade na arte. Há ainda tabus a serem transpostos?

Acho que não pode haver tabus na arte. No entanto, não construo minha obra para ficar quebrando tabus, porque seria um exercício muito superficial. Tabus surgem e são quebrados por processos sociais, a arte pode ajudar nesse processo. No entanto, a noção de sexualidade tem muitas nuances, e é uma construção mais complexa, portanto, assumir que a nudez equivale somente a sexualidade é deixar de perceber que o humano faz muitas coisas nu que não são sexo.

A performance tem tido uma espécie de renascimento, com espaço em feiras de arte e disciplinas de formação em escolas. A que você atribuiria isso?

Não denomino meus trabalhos de performance. É preciso lembrar que as discussões sobre a materialidade sempre se reatualizam nas artes visuais. A participação de pessoas numa obra nem sempre precisa acessar o vocabulário disponível. Esse é o ponto nevrálgico que proponho no meu trabalho e que gera tanta curiosidade.

Posted by Patricia Canetti at 4:14 PM

outubro 12, 2016

Brígida Baltar expõe obras inspiradas em transplante de medula por Nani Rubin, O Globo

Brígida Baltar expõe obras inspiradas em transplante de medula

Matéria de Nani Rubin originalmente publicada no jornal O Globo em 27 de setembro de 2016.

Em 'Irmãos', artista carioca faz uma espécie de diário de cura por meio de bordados e esculturas

RIO — Brígida Baltar se olhou no espelho e não pôde evitar o espanto. Pelinhos que nunca existiram antes despontavam de sua orelha. Dias depois, o que parecia uma sombra escura sobre os lábios revelou-se, num exame mais detalhado, “um bigodão”. Ainda sob o efeito do choque de ver sua aparência transformada, ela pegou uma caixa de lenços masculinos que um amigo acabara de lhe presentear e pôs-se a bordar autorretratos, nos quais os pelos ganhavam dimensões extraordinárias, ficcionais. Era o início de um trabalho profundo e delicado, que chega nesta terça-feira ao público com a inauguração, na Galeria Nara Roesler, da exposição “Irmãos”.

A primeira individual da artista em quatro anos faz já no título referência ao transplante de medula a que se submeteu em março de 2015, tendo como doador seu irmão, o acrobata Claudio Baltar. Os pelos foram uma reação aos imunossupressores. Durante o processo que antecedeu e se seguiu ao procedimento, ela sofreria outros incômodos, como aftas, hematomas, petéquias (pequeninas manchas vermelhas provocadas pela baixa de plaquetas). Tudo, pelas suas mãos, viraria arte.

— Tenho pensado em como essa mostra reflete o fato biográfico, mas ao mesmo tempo as obras não falam explicitamente disso. Elas levam para outro lugar, de ficção, de percepção visual. Quem não souber o que aconteceu pode não perceber nada sobre o transplante. Essas pessoas verão abstrações — diz a artista, que despontou na cena carioca nos anos 1990 com a série “Umidades”, em que coletava elementos impalpáveis, como neblina e maresia, gerando fotos e filmes oníricos.

Brígida não fala a palavra leucemia. Prefere enfatizar o processo de cura da doença, diagnosticada em novembro de 2012. Os dois anos e meio até o transplante foram duros, mas com momentos de leveza. Natais e réveillons seguidos foram passados no hospital — mas é rindo que se lembra de como o marido contrabandeou peru, vinho e outras delícias. Esteve pelo menos uma vez entre a vida e a morte, e é o afeto de médicos, enfermeiros, família e amigos que recorda imediatamente. Chegou a trabalhar nos intervalos entre as internações, mas conta ter feito “muito pouco”:

— Só uma coisa vinha à cabeça: saber se ia ficar viva ou não. Tive medo, tristeza, chorava. Embora a gente saiba sobre a morte, e aceite, porque ninguém escapa, quando se está diante dela é diferente, muda tudo. Tem um instinto de sobrevivência. Você não quer viver aquilo — diz ela, que completa 57 anos em novembro.

Somente depois do sucesso do transplante Brígida voltou a criar. Ela ressalta que 2012 havia sido “um ano pleno”: em fevereiro, abriu uma mostra em São Paulo, e, em agosto, três meses antes do diagnóstico, a individual “O amor é um pássaro rebelde”, no Parque Lage. O intervalo de quatro anos seria, diz, um período razoável, mesmo em condições normais, para um novo ciclo de trabalhos.

Estes se desenvolveram rapidamente após a série inicial “Autorretrato com pelos”, que ela considera “um pouco literal”.

— Estava careca, por conta da quimioterapia, e com pelos nascendo, então parece um autorretrato masculino — diz. — Depois fui amadurecendo e os trabalhos ficaram mais sutis.

MITOLOGIA E MEDICINA LADO A LADO

A sutileza nasceu do conceito de quimerismo, que a medicina pegou emprestado da mitologia grega (a Quimera é um monstro híbrido, comumente retratado com duas cabeças e cauda de serpente). O termo é usado para descrever os exames pré-transplante, em que se verifica a compatibilidade entre doador e receptor, e após o procedimento, para checar a porcentagem de células do doador no corpo do receptor:

— Os médicos dizem que uma pessoa transplantada está na verdade com outro ser dentro de si. No meu caso deu super certo. Eu estou com 100% do meu irmão dentro de mim. Mas você desenvolve estranhezas no corpo, como os pelos. A gengiva retraiu, criei aftas crônicas... Coisas pequenas diante do fato de estar viva.

Instigada pelo quimerismo, Brígida bordou sobre linho a série “A quimera das plantas”, em que uniu espécies; em seguida, expandiu a série para vegetais. São trabalhos que chamam atenção pelo colorido e pela fantasia. Ainda com o pensamento na quimera, passou para as esculturas em bronze. São quatro, entre elas a que une dois corações de bananeira. Também fez uma quinta escultura, que chamou de “A mão que arde”, em óleo sobre bronze (a parte inferior é pintada de vermelha). O nome alude à ardência sentida por ela em partes do corpo, e a cor, ao tom que cobriu as mãos numa etapa do tratamento.

Nenhuma escolha foi aleatória. Os materiais se impuseram naturalmente e estão ligados ao tempo — à passagem dele; ou à sua perenidade.

— Foram quase três anos de espera para o transplante. Essa foi uma das razões que me fizeram optar pelo bordado, que tem um tempo lento. Minha avó foi costureira, minha mãe foi costureira, e acho que chegou o meu momento. Já o bronze foi em cima da ideia da eternidade do metal — exemplifica ela, fazendo uma ponte imediata para o afeto dos irmãos.

A exposição terá bordados das séries “As petéquias” e “Os hematomas”, e uma afta em porcelana. Nada é agressivo, tudo transparece tranquilidade:

— O transplante, apesar de todo o sofrimento, é muito belo. É um ato de doação. As células do meu irmão estão dentro de mim, então tem toda uma beleza nessa história.

Posted by Patricia Canetti at 3:14 PM

O Brasil no globo da morte por João Paulo Cuenca, The Intercept_Brasil

O Brasil no globo da morte

Artigo de João Paulo Cuenca originalmente publicado no The Intercept_Brasil em 6 de outubro de 2016.

NO GALPÃO DE UMA FÁBRICA desativada, encontramos um ambiente monumental formado por quatro estantes de metal com dez prateleiras, com altura equivalente a de uma casa de dois andares. À moda dos gabinetes de curiosidades dos séculos XVI e XVII, protomuseus que traziam à Europa objetos encontrados pelo mundo, aqui a coleção é fruto de uma viagem ao Brasil.

Cada lado do quadrado tem uma cor preponderante: cerveja (vida cotidiana, eletrodomésticos, jogos, atabaques, globos de espelhos, cadeiras de praia), nanquim (objetos associados à noite, à morte e ao luto: troféus, relógios, uma toga – com uma placa em LED indicando em letras vermelhas: “ADVOGADO”– e a Constituição de 1988 ao lado de dois livros queimados com as cinzas depositadas em vasilhas: “Édipo Rei” e “Prometeu Acorrentado”), cerâmica (objetos do mundo agrário, ligados à culinária e às coisas simples, como filtros de água, chapéus de couro, enxadas, vasos sanitários e fardos de palha) e porcelana (luxo e kitsch representados por itens como um iphone, uma garrafa de Château Pavie Saint Emillion 1964 (de R$ 2 mil), um vibrador peniano, aparelhos de chá e um MacBook).

Não fosse aquilo “O globo da morte de tudo”, instalação dos artistas Nuno Ramos e Eduardo Climachauska no SESC Pompéia, em São Paulo, os mil e quinhentos objetos poderiam fazer parte de um museu de etnologia ou de história natural — ou até mesmo de um brechó. Se a coleção fosse qualquer uma dessas coisas, bem provável que estivéssemos todos mortos. O que já estamos, a longo prazo — e, como espécie, quase lá.

A obra não tardará a nos oferecer algum assombro mórbido, pois no centro do cubo imperfeito há dois globos da morte com quatro metros de diâmetro, daqueles onde motociclistas desafiam a gravidade em picadeiros circenses. Eles estão apoiados um no outro, formando uma espécie de oito deitado, e conectados às frágeis prateleiras por uma série de varas de metal.

Na noite do primeiro mês de aniversário da exposição, uma multidão reúne-se para acompanhar o clímax prometido: logo uma dupla de motoqueiros paramentados começará a acelerar dentro dos globos, rompendo o delicado equilíbrio do que está nas estantes. A estrutura será como um monstro sacudindo os ombros e os braços, livrando-se do que tem sobre si. Em breve, veremos o Brasil desequilibrar e se espatifar no chão — esperamos pela catarse de ver materializado diante de nós o terremoto que intuímos diariamente.

Mas antes disso, me atenho à estante “nanquim”, onde o líquido escuro está em vasos, garrafas, bolsas plásticas para transfusão de sangue. Só consigo ver tudo como petróleo.

No canto de uma de suas prateleiras há um exemplar da revista Exame: “Como ganhar dinheiro se o Brasil der certo – três motivos para acreditar nisso” – manchete recente, de 31/08/2016, cujo otimismo deveria ser surpreendente, mas não é. Ao lado dela, um VHS do filme Metropolis, de Fritz Lang, um cantil metálico e uma reprodução em cera de um pedaço de carne vermelha.

O petróleo, a carne, os viadutos de Metropolis e o Brasil “dando certo” — isso tudo me faz pensar na frase de Lula, tantas vezes repetida, sobre seu orgulho ao saber “que todo brasileiro pode ter um carro na garagem e comer carne todo dia”. Apesar de simbolizar um ciclo de progressos inegáveis e históricos, essa simples sentença resume um modelo de desenvolvimento que ainda nos trará graves consequências climáticas e sociais. E não que o governo golpista preocupe-se neste sentido. Muito pelo contrário.


Eduardo OrtegaPouco acima, num canto da mesma coluna, há uma réplica do capacete verde e amarelo de Ayrton Senna. Se há algo que une as administrações federais do PT, quando o governo foi o maior financiador das montadoras no país via BNDES e isenção fiscal, e o prefeito recém-eleito de São Paulo, João Doria Jr., é o amor ao automóvel.
A principal bandeira da campanha de Doria, cujo slogan foi “Acelera”, foi o aumento da velocidade máxima nas marginais, revogando uma política de controle de velocidade que diminuiu em 37,5% o número de acidentes, salvando 257 vidas em um ano, segundo dados da CET-SP. Ao encerrar seu discurso de vitória, o novo prefeito pediu para que as “pessoas de bem” dessem as mãos, como num culto religioso, e disse “acelera São Paulo!”, ao som do Tema da Vitória de Senna.

O motivo para o capacete do piloto estar na sessão nanquim (“objetos associados com à noite, à morte e ao luto”) da instalação de Nuno Ramos e Eduardo Climachauska é conhecido de todos: Senna morreu num acidente automobilístico em 1994.

Numa altura dessas, eu já era mais um entre as centenas de brasileiros torcendo para que tudo fosse abaixo de uma vez. Esperávamos uma catarse explosiva, do tipo Zabrinskie Point. Para, das cinzas, detritos e cacos de vidro, talvez poder esculpir algo novo — e sem tanto petróleo. Os motociclistas entram sob aplausos, representando a classe que perde mais de um dos seus a cada dia no trânsito de São Paulo. Eles acenam, colocam seus capacetes coloridos e rapidamente desaparecem nos globos da morte.

As motos aceleram, começam a orbitar ruidosamente contra a superfície de metal, a estrutura estremece. Sentimos cheiro de gasolina queimada. Nas prateleiras, vemos líquidos balançarem dentro de vasos, garrafas, taças – e pirâmides de taças. Mas o tempo tarda a passar até que o primeiro objeto, uma humilde chaleira, caia no chão. Da expectativa ao anticlímax, descobrimos que uma das motos quebrou. O outro motoqueiro ainda tentará outras vezes, mas é pouco o que termina derrubado: um forninho, um violoncelo, uma panela, um vaso. Desta vez, não chegaremos ao anunciado e esperado horizonte de destruição.

O inesperado glitch na performance, que já tinha sido feita com sucesso em 2012, na Galeria Anita Schwartz, no Rio, talvez confira a ela um novo sentido. Em 2012, antes do terremoto político que nos trouxe aqui, quando aos distraídos tudo tomava o rumo certo, podia parecer lúdico emular a destruição dos meios de produção e consumo que nos fazem ser quem somos. Em outubro de 2016, o resultado frustrado pode servir para nos lembrar que certas estruturas arcaicas não são tão fáceis assim de derrubar. Que o diga a auto reflexão necessária à esquerda brasileira hoje em dia.

(“O globo da morte de tudo” fica exposto no Sesc Pompeia até o dia 6/11. Ao final, o Nuno Ramos me disse que talvez as motos participem do encerramento. A ver se conseguem derrubar o que precisamos.)

Posted by Patricia Canetti at 3:01 PM

outubro 11, 2016

Exposição traz panorama da obra da artista gaúcha Maria Lucia Cattani, Zero Hora

Exposição traz panorama da obra da artista gaúcha Maria Lucia Cattani

Matéria originalmente publicada no jornal Zero Hora em 29 de setembro de 2016.

"Gestos e repetições", que será aberta em Porto Alegre, conta com obras em diferentes suportes produzidas dos anos 1980 a 2014

A artista Maria Lucia Cattani – que morreu em fevereiro de 2015, aos 56 anos, em decorrência de um câncer – gostava sempre de expor sua produção mais recente. Obcecada pelo ofício, criou até os últimos momentos obras vibrantes como seu temperamento pessoal.

Maria Lucia Cattani foi um dos destaques da geração 80
O legado humano e artístico de Maria Lucia Cattani

A exposição Gestos e repetições, que será aberta nesta quinta-feira (29/9), às 19h, na Pinacoteca Barão de Santo Ângelo do Instituto de Artes da UFRGS (Rua Senhor dos Passos, 248), em Porto Alegre, dará ao público a oportunidade de ver trabalhos que não eram expostos há 20 ou até mesmo 30 anos.

Será uma panorâmica da produção de Cattani dos anos 1980 até 2014. Para isso, os curadores Maristela Salvatori e Paulo Silveira mergulharam no acervo da artista e pinçaram gravuras (uma especialidade dela), vídeos de artista, livros de artista e alguns desenhos, pinturas e objetos.

– Maria Lucia teve uma formação muito ligada à gravura, técnica que trabalha com uma matriz reproduzida "n" vezes. Ela sempre teve essa paixão pela reprodução, mesmo em trabalhos que são edições únicas. Criou padrões que se repetem nas obras com pequenas variações, como uma pequena matriz de borracha reproduzida 1,5 mil vezes, o que se tornou um recurso poético em seu trabalho. A repetição era um processo – diz Maristela.

A curadora destaca a perseverança de Cattani, que também foi professora do Instituto de Artes da UFRGS, em produzir mesmo em condições de saúde adversas, como as que experimentou, o que teria conferido "um significado maior a essa etapa final de vida":

– O trabalho dela é extremamente vibrante. Maria Lucia tinha uma energia, como pessoa, que transparecia. Se eu descrevo o fato de que ela usava formas que se repetiam, pode parecer uma coisa um pouco tediosa. Mas isso ganhava uma vibração e se transformava em outra coisa. São trabalhos de extrema poesia e leveza.


Um dos destaques da geração 80, a artista e professora Maria Lucia Cattani morre em Porto Alegre

Obituário por Francisco Dalcol originalmente publicado no jornal Zero Hora em 6 de fevereiro de 2015.

Ela lutava há mais de um ano contra um câncer. Velório está sendo realizado na Capela B do Cemiterio São Miguel e Almas. Enterro será sábado em Garibaldi

Maria Lucia Cattani, um dos nomes mais importantes da chamada geração 80 da arte gaúcha, morreu na madrugada desta sexta-feira, em Porto Alegre, aos 56 anos. Ela lutava há mais de um ano contra um câncer. A artista e professora está sendo velada na Capela B do Cemitério São Miguel e Almas (Oscar Pereira, 400). O enterro será realizado sábado, em Garibaldi, sua cidade natal, entre as 8h e 11h.

Nascida em 1958, artista visual e professora do Instituto de Artes da UFRGS na área de gravura com doutorado em Artes pela Universidade de Reading, na Inglaterra, Maria Lucia era casada com o artista inglês Nick Rands. Ela se iniciou artisticamente em pintura, mas logo ficou conhecida por seu trabalho gráfico e por livros de artista, vídeos e produções em outras linguagens.

– Difícil falar sobre o trabalho que faço. Procuro fazer trabalhos visualmente agradáveis – disse a ZH em 2009.

Depois de participar de mostras individuais e coletivas no Brasil e na Europa, a artista apresentou na 5ª Bienal do Mercosul, em 2005, um de seus trabalhos mais marcantes. Maria Lucia passou quase dois meses, trabalhando de oito a nove horas por dia, dedicada uma tarefa intensiva e minuciosa: carimbou inúmeros quadrados coloridos em uma grande parede para depois cavoucar o reboco recoberto por tintas. O resultado, uma grande painel cujos efeitos óticos eram percebidos com a aproximação e o afastamento diante da obra, foi apresentado no Armazém A5 do Cais do Porto.

– É tudo matemático, mas bem simples. Me interessa a manualidade, preciso estar em contato com o trabalho, usar as mãos – disse a ZH na época.

Essa experiência marcaria sua produção seguinte. Maria Lucia voltou a se dedicar à pintura, mas mantendo no processo sua conhecida precisão nos métodos como artista gráfica. Daí uma possível indicação para os que veem em suas obras plásticas semelhanças com a gravura.

Em 2013, a artista apresentou na Galeria Gestual a exposição Algumas Pinturas, que dava uma amostra da sua produção mais recente com 11 obras que demonstravam seu gradual reencontro com a pintura nos últimos anos. As telas tinham marcas e texturas de tinta organizadas em linhas e estruturas abstratas, por vezes sugerindo escritos de um idioma específico.

– Brinco que é o "cattanês", uma escrita que tem a ver com meu gesto, que tem muito a ver com meu ritmo. Trabalho com essa questão da marca, de marcar com certo modo sistemático, obsessivo. Tem esse gesto. A questão gráfica me acompanha, e o estêncil me dá a possibilidade da repetição. É um trabalho intimista. Tem que chegar perto – disse Maria Lucia, em entrevista a ZH na ocasião.

A exposição coletiva MAC 21 - Um Museu do Novo Século, atualmente em cartaz na Casa de Cultura Mario Quintana, apresenta um pouco da produção da artista. "Ela propôs que o trabalho fosse o seu Um Ponto ao Sul, uma caixa com 24 imagens gravadas, trabalho caracterizado pelo seu formato de livro de artista. Complementando o conjunto, a artista propôs outro trabalho seriado, consistindo em 24 varetas impressas e suspensas em um painel, caracterizados pelo mesmo rigor e refinamento artesanal", escreve o curador Paulo Gomes, no texto do projeto de aquisições de obras do Museu de Arte Contemporânea do Estado (MACRS) pelo Prêmio Marcantonio Vilaça, da Funarte.

O acervo do MACRS conta com cinco obras de Maria Lucia, entre gravuras, vídeo e livro de artista. Já o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) tem em sua coleção três gravuras da artista.


O legado humano e artístico de Maria Lúcia Cattani

Artigo de Eduardo Veras* originalmente publicado no jornal Zero Hora em 14 de fevereiro de 2015.

Artista e professora da UFRGS morreu no último dia 6 de fevereiro, em decorrência de um câncer

De Florianópolis, em postagem no Facebook, uma ex-aluna comenta a sorte de ter estudado com Maria Lúcia Cattani, a Dudu:

“Hoje, mais do que nunca, queria estar naquela enorme sala do 5º andar, esperando-a chegar – uma das pessoas mais extraordinárias com as quais já aprendi, uma das pessoas mais apaixonantes com as quais tive a honra e a felicidade de conviver”.

Um ex-monitor, que acompanhou Maria Lúcia nas aulas de gravura do Instituto de Artes (IA) da UFRGS, também faz referência a esse espírito apaixonante – vivo – que a professora fazia circular pela sala; ela encarnava, segundo ele, a própria ideia de “energia contagiante”.

Outro ex-aluno oferece um exemplo da generosidade da artista: em um encontro com Maria Lúcia, há pouco mais de um ano, ele demonstrou interesse por uma série de pinturas que ela vinha expondo. Meio sem aviso, no meio da conversa, Maria Lúcia deu as costas e saiu. Reapareceu dali a pouco. Tinha ido até o carro buscar um catálogo para presentear ao jovem.

Do Rio, um artista de projeção nacional que nem usa o Facebook pede emprestado o login de sua mulher. Quer reportar os primeiros encontros com Maria Lúcia, ainda nos anos 1980, e sublinha a afetuosidade que sempre enxergou na amiga:

“A informação do falecimento de Maria Lúcia Cattani, quase inacreditável, nos deixou chocados e entristecidos. Sua imagem sempre alegre, delicada e de intensa vivacidade contrasta com a notícia de sua morte precoce”.

Maria Lúcia Cattani faleceu na semana passada, em Porto Alegre, aos 56 anos, em decorrência de um câncer. Ela tinha descoberto a doença havia pouco mais de um ano, logo depois de ter se aposentado como professora do IA.

Em um grupo de e-mails, semana passada, um colega procurou sintetizar a tristeza que passou a acompanhar aquela turma de professores:

“Sinto que algo essencial está faltando ao nosso redor, que o ambiente foi mexido, alterado. E cada um de nós sabe que não está sozinho nesse sentimento de extrema consternação”.

Depoimentos como esse, e haveria muitos outros, ajudam a fixar uma percepção comum sobre a artista e professora nascida em Garibaldi. Era doce e gentil, atenta e atenciosa. Maria Lúcia tinha sempre uma nota animada na voz, o espírito alegre e cordial. Não que tivesse o riso fácil, era antes um sorriso sereno, apaziguador e apaziguado. Procurava encorajar os alunos: o olhar agudo conseguia encontrar o que dava para salvar em uma gravura que ia ficando ruim, mas sabia rir junto quando já não dava para salvar mais nada.

Também fui seu aluno. Lembro que ela parecia muito sincera em seus incentivos. Ficava de fato animada com a curiosidade dos alunos e ainda mais animada quando eles procuravam experimentar, se arriscando. Quando, muito tempo depois, participei de uma exposição na Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, redescobri o quanto Maria Lúcia sabia ser parceira nos questionamentos de pesquisa. A exposição reunia artistas, que apresentavam seus documentos de trabalho, e teóricos, que apresentavam trabalhos de artistas sobre os quais pesquisavam e a documentação, tanto dos trabalhos quanto das pesquisas. Decidi mostrar o que acontecia quando eu cumpria as instruções elaboradas por uma dupla de artistas sem que eles nem soubessem que eu me dedicara a cumpri-las. Segundo os comandos, eu devia “atacar” um determinado livro: riscar, rasgar, colar e esfregar no chão algumas de suas páginas. Documentei essa ação com uma série de fotografias e apresentei o próprio exemplar do livro “atacado”. A documentação ficou muito boa, graças à ajuda de um amigo fotógrafo (profissional) e de um professor artista (hábil na montagem). Houve quem torcesse o nariz: estava tão bom que parecia um “trabalho”, uma “obra”. Maria Lúcia foi a única pessoa que pareceu realmente interessada em discutir o que havia acontecido. Veio me procurar e perguntou: era para ser um trabalho? Mas poderia ser? Ou não? Quem era o autor? Onde eu achava que “estava” o trabalho? Era um problema a documentação ter ficado bonita? Eu não tinha respostas muito firmes; na verdade, as minhas perguntas eram as mesmas que as dela, mas ela vibrava com cada pergunta, e também não tinha respostas concretas. O que ela tinha era vontade de saber – e um grande entusiasmo.

Comentário de outra professora naquele mesmo grupo de e-mails:

“Os que conviveram com a Dudu e com suas convicções diante da vida a da arte sabem das lições que aprendemos e que temos a missão de levar adiante!”.

Como artista, Maria Lúcia fez pintura, livros de artista e vídeos, mas se destacou sobretudo na produção de gravuras e em seus desdobramentos. Tinha um trabalho ao mesmo tempo forte e delicado, sensível e rigoroso, e que se erguia justamente a partir de uma estimulante série de paradoxos.

Com pleno domínio da técnica de gravura, Maria Lúcia empenhou-se em subverter as particularidades essenciais dessa categoria (gravura, grosso modo, é a arte em que se fixa uma imagem sobre uma matriz, como madeira ou metal, para depois transferir esse desenho para outro suporte, quase sempre papel). A gravura de Maria Lúcia justamente colocava em xeque questões como a possibilidade de impressão e reimpressão, a relação entre matriz e cópia, o original e o único, o gesto, o corte, a incisão.

Em seus trabalhos mais conhecidos, ela carimbava milimétrica e obsessivamente um mesmo quadradinho, com as mesmas pequenas linhas, tudo igual mas tudo diferente, com sutis mudanças de cor e de tom, de pressão e impressão. Ela cortava para tornar mais leve. A precisão matemática se convertia em beleza. Mais do que uma partitura, menos do que um alfabeto, oferecia uma melodia quase minimalista, o acúmulo e a repetição fazendo aflorar a grandeza dos pequenos gestos. Feito um sorriso sereno.

* Professor Adjunto do Instituto de Artes da UFRGS

Posted by Patricia Canetti at 12:21 PM