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dezembro 22, 2008

Ódio a pichadores me deixou tanto tempo presa, afirma jovem, por Laura Capriglione, Folha de São Paulo

Caroline Pivetta da Mota, 24, ficou 54 dias detida por pichar a parede do "andar vazio" da Bienal de São Paulo

Matéria de Laura Capriglione, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 20 de dezembro de 2008

Única presa na ação, garota diz que raiva da sociedade é causada pelas "malditas pessoas que picham um muro branco"

Caroline Pivetta da Mota, 24, ganhou ontem a liberdade, depois de 54 dias de prisão. Ela chegou a chorar ao se despedir da condenada por assalto a mão armada com quem dividiu uma cela na Penitenciária Feminina de Santana (zona norte de São Paulo).

Saiu com uma micose que lhe provoca coceiras pelo corpo todo, "culpa da sujeira daquele lugar", e com a convicção de que sua prisão prolongada foi decorrência do ódio que a sociedade dedica aos pichadores, causado pelas "malditas pessoas que picham um muro branco". Como é que é?

Caroline, 20 tatuagens espalhadas pelo corpo, incluindo uma caveira entre os seios, piercing no nariz e na língua, baixinha, 1,55 metro, cabelos vermelhos, sobrancelhas recém-depiladas e risonha de felicidade ontem, foi um dos 40 jovens que, no dia 26 de outubro, picharam o andar vazio do prédio projetado por Oscar Niemeyer no parque Ibirapuera, onde acontecia a 28ª Bienal Internacional de São Paulo. Ela foi a única presa.

Caroline diz que foi agarrada pelos seguranças, jogada ao chão, xingada. Novata no mundo da pichação, a garota chegou a ser apresentada como liderança do grupo. Ela nega: "Eu só fiquei sabendo da ação na quinta-feira, três dias antes".

O advogado Augusto de Arruda Botelho Neto, que assumiu o caso da jovem, diz que ela foi vítima de um "equívoco".

"Nem o Fernandinho Beira-Mar, se fosse pego pichando um muro, receberia a pena que ela já recebeu. O Ministério Público denunciou a Caroline pelo crime de destruição de um bem protegido por lei, quando deveria tê-la denunciado pelo crime ambiental de pichação. Já seria um erro. Há mais. Também não se aplica a "destruição". O muro pichado por ela foi pintado e continua lá. Não houve destruição nenhuma."

Para Carol Sustos, como é conhecida entre seus camaradas de spray, a pichação na Bienal tinha o objetivo de "chamar a atenção para esta arte marginal". Ela provoca: "Por que é que se aceita que uma pessoa exibindo-se nua [refere-se ao artista Maurício Ianês] seja uma forma de arte e uma parede com algumas letras e siglas não possa ser?"

Aristocrata

Carol Sustos é uma legítima representante da aristocracia dos pichadores, os que atacam prédios (quanto mais altos, melhor), admirados por seus pares pela coragem e ousadia. Como tal, nutre uma espécie de desprezo pelos pichadores do chão. "Eu detestaria que alguém fosse lá pichar a parede da minha casa. Se eu quisesse um muro sem qualquer cuidado, eu teria deixado sem qualquer cuidado. Mas não, eu pintei de branco. É lógico que vou ficar com raiva se alguém descaracterizá-lo", surpreende.

Para a garota, rara representante feminina na categoria dos pichadores, o encanto da pichação de prédios (ela admite o ataque a 37) vai muito além do registro com spray naquela caligrafia peculiar.

"Eu gostava da dissimulação. De passar pela portaria, o porteiro me perguntar onde eu iria, eu despistá-lo e entrar, subir até o ponto mais alto, abrir a porta ou a janela e, lá em cima, olhar o céu, sentir o vento, ver a cidade de longe, em paz e em silêncio. É lindo. Deixava a minha vida muito mais contente", diz a pichadora.

Ela terá de deixar essa beleza de lado. Sabe que, se pichar, volta para a cadeia, o que não quer. Vegetariana por compaixão dos animais, Carol sofreu com a dieta da cadeia. "Tu sabes, a comida lá era triste", diz. "Aliás, aquele lugar inteiro era muito triste, 3.000 mulheres que não têm direito nem a um ginecologista; baratas, mofos e ratos por todos os lados."

Carol chegou a participar de uma "rebelião pacífica" com suas colegas de cana. Naquele dia, nenhuma presa trabalhou, ou comeu. Ficou todo mundo fora das celas até as 23h. O protesto foi pela melhoria, entre outras coisas, da alimentação.

Ontem à tarde a jovem ainda não sabia onde dormiria. Durante a prisão, ela perdeu o apê em que morava, por falta de pagamento do aluguel.

Sem um real no bolso, Carol quer retomar o trabalho como artesã e morar no centro da cidade. Por enquanto, jura, ficará longe das latinhas de spray.

Para ex-ministro da Justiça, punição foi "draconiana"


Matéria de James Cimino, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 20 de dezembro de 2008

Os 54 dias em que a gaúcha Caroline Pivetta da Mota ficou presa são considerados, na opinião de especialistas ouvidos pela Folha, uma penalidade excessiva e equivocada.

"Ainda que ela fosse a primeira pichadora de São Paulo, não há justificativa para tamanho rigor. A impressão que dá é que ela foi pega como bode expiatório, e isso extrapola os limites da lei", diz o ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique José Gregori, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Cidade de SP.

Para ele, "a Justiça foi de uma severidade draconiana".

Opinião semelhante tem o advogado David Rechulski, especialista em crimes ambientais: "É claro que ela cometeu um ato criminoso, mas essa conduta caracteriza um crime de menor potencial ofensivo".

Segundo ele, a denúncia contra ela está tipificada erroneamente. "De acordo com a denúncia feita pela Promotoria, o crime cometido por ela fere o artigo 62 da lei 9.605, que versa sobre destruição de bem protegido por lei. No entanto, há um artigo específico sobre pichação, o 65, na mesma lei e cuja punição é bem mais branda."

Rechulski diz que "é um absurdo" a jovem permanecer tanto tempo presa. "Seria mais apropriado que ela fosse condenada a pintar as pichações da Bienal, já que a finalidade da pena é não apenas ser punitiva mas também educativa."

Além disso, diz o advogado, "ela não é uma criminosa violenta que deva ser segregada da sociedade e exposta à influência de criminosos de alta periculosidade em um presídio".

A reportagem entrou em contato com o Ministério Público Estadual, mas a promotora responsável pelo caso da jovem não foi localizada até o fechamento desta edição.

Posted by Gabriela Miranda at 4:36 PM

dezembro 18, 2008

Como nascem os filmes, por Paula Alzugaray, Revista Isto É

Como nascem os filmes

Diretor Michel Gondry evoca cinema low tech e estética da gambiarra em novo filme e exposição interativa, por Paula Alzugaray

Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2040, no dia 3 de dezembro de 2008

Na era da informação, em que um vídeo caseiro pode ganhar o mundo e milhares de page views em poucas horas - ou encalhar de vez no anonimato da rede -, o diretor francês Michel Gondry propõe uma volta ao filme analógico, ou melhor, ao tempo em que se fazia cinema como uma experiência coletiva.

"É claro que a internet conecta as pessoas", disse Gondry em coletiva de imprensa, em São Paulo. "Mas a comunicação é realmente diferente quando se está fisicamente em contato. É importante ter que sair de casa e encontrar as pessoas para fazer um filme.” Essa é a proposta do projeto Rebobine, por favor, que chegou a São Paulo em forma de longa-metragem e de exposição.

O filme, uma deliciosa comédia protagonizada por Mos Def e Jack Black, conta a história de dois amigos que desmagnetizam por acidente todo o acervo de fitas VHS de uma locadora. Para que o patrão não descubra a trapalhada, a dupla decide refazer os blockbusters da locadora, começando por Caça-fantasmas e Robocop. As produções caseiras conquistam o bairro e aos poucos os amigos mobilizam toda a comunidade em produções piratas, mambembes e absolutamente geniais. O filme comove porque desmistifica a tecnologia e a indústria do cinema, propondo a criação coletiva como saída para o tédio e a mesmice.

Em cartaz no MIS, Rebobine, por favor - a exposição na realidade não é uma exposição, mas uma experiência interativa, que proporciona ao público a chance de fazer um filme em três horas. Em grupos organizados a partir de inscrição prévia pela internet (www.rebobineporfavorexposicao.com.br), os participantes realizam um roteiro e têm à disposição 13 cenários customizáveis - entre eles, um quarto, uma floresta, uma cabine de trem e um fusca -, para rodar seu próprio filme. Os vídeos ficam expostos nas prateleiras da locadora Rebobine, por Favor, a mesma que aparece no longa-metragem. Nos workshops, erros são bem-vindos. Nas "regras para filmagem", Gondry é explícito: "Não se esqueça: a perfeição é uma adversária e poderá gerar desânimo no grupo.”

Premiado em 2005 com o Oscar pelo roteiro original de Brilho eterno de uma mente sem lembranças, Gondry começou a carreira dirigindo os vídeos da banda de rock francesa Oui Oui, na qual ele próprio tocava bateria. O diretor reconhece Rebobine, por favor como um filme autobiográfico, pois construiu sua carreira sempre em parcerias e processos colaborativos.

Roteiros

Artistas de países latino-americanos se instalam no circuito de arte paulistano. Após várias coletivas ao longo do segundo semestre, o ano encerra com três individuais que refletem a diversidade e o potencial da região. O público poderá ter um primeiro contato com a obra do artista conceitual Roberto Jacoby, que nunca expôs no Brasil. Pioneiro da performance e do uso crítico de meios de comunicação de massa na Argentina, Jacoby apresenta uma reedição de 30 cartazes (à dir.) e fotografias da série La castidad, na Baró Cruz, e um vídeo na Estação Pinacoteca. "Tenho um olhar atento, porque a arte latino-americana tem muito para dar - mais que a arte européia - e o colecionador brasileiro está perdendo o preconceito", diz a galerista catalã Maria Baró, que vive há 11 anos no Brasil e este ano apresentou uma seleção de arte contemporânea mexicana e uma individual do jovem cubano Wilfredo Prieto. O Peru está representado em São Paulo na mostra Milagros (acima), de Sandra Gamarra, peruana radicada na Espanha, e a Colômbia aparece na obra da Yolima Reyes. A iniciante Yolima foi descoberta pelo curador brasileiro Ricardo Resende, que viveu em Cali durante dois meses, durante uma residência artística.

"Tenho certeza, pelo que vi, que a Colômbia vai virar moda. A produção é muito interessante e a revitalização a que o país está sendo submetido, ainda que de maneira ditatorial, deverá ajudar", diz o curador.

Colaborou Fernanda Assef

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Posted by Gabriela Miranda at 10:59 AM

Caso Caroline: algumas questões não consideradas, por Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, Folha de Sao Paulo

Caso Caroline: algumas questões não consideradas

Artigo de Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 18 de dezembro de 2008

Com o intuito de abrir perspectivas no debate, sensacionalista e passional, criado pela imprensa em relação à 28ª Bienal de São Paulo e à prisão de Caroline Pivetta da Motta, 24 anos, nós, curadores do evento, gostaríamos de trazer algumas considerações e perguntas que nos parecem pertinentes à questão.

Primeiramente, não podemos esquecer que, ao contrário da operação noturna e silenciosa peculiar aos pichadores, o acontecimento na Bienal está longe de poder ser chamado de estético e pacífico: 40 jovens invadem o pavilhão da Bienal como um arrastão, derrubando tudo, agredindo pessoas fisicamente, com o objetivo de, segundo a convocatória pela internet de seu líder Rafael Augustaitz, pichar o segundo e o terceiro andar, destruindo todas as obras.

Foi mais um gesto peculiar deste grupo destrutivo, que, desde as invasões do Centro Universitário Belas Artes e da galeria Choque Cultural, usa a pichação como meio para apagar e danificar o trabalho dos outros artistas.

Será que o meio artístico não se dá conta do autoritarismo de tal gesto, do que ele implica de censura ao outro? Não é preocupante perceber que a tática de um ex-estudante de artes é fazer do apagamento de outros artistas um fenômeno midiático? Sim, pois a imprensa e os canais de internet foram avisados três horas antes do ataque à Bienal e estavam postados esperando pelo espetáculo!

Não foi, portanto, um preenchimento do vazio ou uma resposta "em vivo contato", o que da parte da curadoria nunca supôs o uso de violência.

Não se tratou tampouco de colar stickers, fazer barcos de papel, ou tocar música no segundo andar do pavilhão --como de fato ocorreu no decorrer da mostra-- mas de vandalismo agressivo e autoritário.

Por outro lado, como curadores e cidadãos republicanos, estamos de acordo de que a punição para Caroline é pesada e inadequada. Lamentamos por ela e pela sua instrumentalização por certa mídia.

Mentor de invasões

Perguntamo-nos onde estaria o mentor intelectual de tal ataque, ex-aluno do Centro Universitário Belas Artes, que expõe nome e sobrenome como autor das três invasões, e que saiu do pavilhão da Bienal prometendo continuar pichando outros museus de São Paulo?

No infeliz caso de Caroline, devemos, entretanto, reconhecer que sua condição atual é resultado de mais uma filigrana jurídica, advinda de uma interpretação estrita da lei.

Mas não é essa mesma uma característica da Justiça no Brasil, a desigualdade na sua aplicação?

Não são filigranas jurídicas que mantêm criminosos condenados vivendo em liberdade sem haver cumprido suas penas? Então, ao discutirmos instituição no Brasil, parece que o problema não é apenas das instituições culturais ou da Bienal de São Paulo.

Percebe-se um esvaziamento também da justiça, da educação, da saúde. Ou ainda das políticas públicas para a habitação, o que faz com que Caroline fique detida por falta de comprovante de endereço. Contraditoriamente, o Estado não lhe assegurou uma moradia até agora, conforme se depreende da lei que a mantém na cadeia!

Se Caroline possuísse um comprovante de residência, ainda haveria a questão de quem a acusa do crime que ela responderia em liberdade. O parque Ibirapuera é uma área de preservação ambiental e o Pavilhão da Bienal é um prédio tombado e monumento histórico estadual. Foi contra eles que o grupo investiu e do qual ela se tornou o bode expiatório perante a lei.

Tombamento

Desde 2003, é muito difícil para qualquer curadoria lidar com as novas leis de tombamento do edifício, pois elas têm impedido a realização de diversos projetos de artistas e obrigado todas as partes a um processo de amplas e longas negociações. Há uma lei e transgredi-la implica risco. Talvez também fosse oportuna uma discussão sobre essa legislação, que acabará por fazer do pavilhão um espaço inadequado ao caráter experimental e de laboratório que supõe uma mostra que quer dar conta das práticas artísticas contemporâneas, pois ela é muito pouco flexível para novos usos do prédio.

Se o interesse da 28ª Bienal fosse ser um espetáculo midiático e criar um discurso populista apaziguador e demagógico --o que, acreditamos, seria pouco efetivo e em nada transformador da situação em que vivemos--, certamente poderíamos ter nos utilizado do ocorrido no dia 26 de outubro para deslocar todo o debate proposto pelo projeto original da 28ª Bienal, agora realizado, para discutir a relação entre grafite, pichação e arte; arte contemporânea, educação e inclusão; cultura urbana e a questão centro-periferia em São Paulo, entre outros tópicos.

Poderíamos ter convidado os invasores a virem participar do debate, a pichar as paredes da bienal, entre outras ações populistas e instrumentalizadoras. Nossa opção foi e continua sendo a de não fazer uso do ocorrido, e muito menos da injusta prisão de Caroline, para promoção pessoal ou como plataforma política, oportunista e demagógica.

Parece-nos ainda interessante observar que enquanto o meio artístico, instigado por uma falsa polêmica, procura culpar o "vazio", a Fundação Bienal ou a curadoria da 28ª Bienal de São Paulo pela prisão de Caroline, os próprios integrantes de seu grupo foram direto ao assunto.

Picharam, no último dia 5 de dezembro, a casa de um ex-prefeito, acusado de inúmeros delitos e que responde aos processos em liberdade, a seguinte frase: "Cadeia é só para pobre... Liberdade Carol. Susto's".

Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen foram os curadores da 28ª Bienal de São Paulo

Posted by Gabriela Miranda at 10:09 AM | Comentários (2)

Caso Caroline Pivetta da Mota na 28a Bienal de São Paulo

Caso Caroline Pivetta da Mota na 28a Bienal de São Paulo

Por Andre Mesquita, Artur Matuck, Cristiane Arenas, Euler Sandeville, Flavia Vivacqua, Gavin Adams, George Sander, Henrique Parra.

CASO: No dia 26 de outubro, um grupo de cerca de 40 pichadores invadiu o prédio da 28ª. Bienal de São Paulo. Sua ação trouxe, pelo caráter transgressor, ansiedade e apreensão, levando a uma reação da segurança privada e ao acionamento da polícia. Em decorrência, duas pessoas foram detidas, sendo que uma delas permanece presa até hoje. Caroline Pivetta da Mota, presa há mais de 50 dias em uma penitenciaria feminina sem julgamento, sob a acusação de infração à Lei de Crimes Ambientais (Lei n°9.605).


A abertura da 28a. Bienal poderia ser um evento marcado pelo interesse e pela celebração, no entanto, já vinha precedida de certa tensão. Uma intensa polêmica se estabelecera sobre o projeto curatorial contratado ao Sr. Ivo Mesquita e Sra. Ana Paula Cohen. Amplamente divulgado pela imprensa como uma forma de responder às dificuldades institucionais e alegação de falta de verbas, mesmo no meio cultural o projeto curatorial suscitava duras críticas. Não só críticas, mas objeções quanto à sua clareza e os limites do papel do curador e da instituição.

As polêmicas ganharam os jornais, a mídia televisiva e logo a internet. Às vésperas da abertura da Bienal uma perplexidade se fazia sentir, e questionamentos eram colocados por estudiosos e intelectuais, começavam a haver também inúmeras manifestações de descontentamento em círculos cada vez mais abrangentes. Iniciativas independentes eram anunciadas pela internet para ocupação e manifestação no espaço deixado vazio no segundo andar. Aliás, vazio que passou a ser visto como a identidade da Bienal, substituindo sua designação oficial "Em Vivo Contato" por "Bienal do Vazio", uma referência à ausência. O artifício de uma revisão moderada do sentido da Bienal proposto pelos curadores diante da crise financeira, e destinada a ser realizada entre um círculo pequeno de experts, passou a expor fragilidades bem mais profundas da Fundação e dos rumos que vem tomando a própria Bienal.

A polêmica ultrapassou os limites conceituais sugeridos pela curadoria e foi apropriada pela opinião pública. Não se pode creditar à Bienal esse movimento, mas a uma consciência crescente de grupos de criadores que vão se estabelecendo à margem do sistema oficial das artes com propostas cheias de dinamismo. O vazio provocou possibilidades que a Bienal não soube aproveitar, nem podia perceber, porque se fundavam em tensões totalmente estranhas à compreensão possível no âmbito institucional, referindo-se às latências do ambiente em que este se insere, sem dar-se conta.

Essas possibilidades não aproveitadas teriam dotado o vazio de vivências múltiplas da diversidade de expressões que existem nos dias de hoje. Nesse contexto de isolamento e ensimesmamento, nesse tornar público sua incapacidade de ocupação e projeto, o vazio do edifício tornou-se um convite a quem tinha o que dizer. Não se admira que o interesse leigo em torno das possibilidades criativas de ocupação de um espaço privilegiado, e que é oferecido somente sob controle, fruído apenas mediado por explicações, passasse a evidenciar uma realidade incômoda.

A afirmação radical do branco e do vazio, ao expor o edifício em sua plástica e reduzir sua ocupação à visualidade, negou seu próprio sentido arquitetônico e o do Parque do Ibirapuera. O conceito espacial representado pelo projeto moderno brasileiro, que gerou esses edifícios, vinculava-se em algumas vertentes a uma busca política que hoje podemos até discordar, mas que era de transformação, a partir de um sentido público do espaço. O patrimônio representado por essa arquitetura não é dado apenas pela sua forma, mas também pelo ideário que a gerou.

Nesse contexto, seria de se esperar que o vazio produzisse um espaço público de manifestação. O que seria convergente também com todo o processo experimental da arte desde o século 19, e que a partir daí perpassa a arte moderna e contemporânea. Seria, portanto, também de se esperar que não fosse estranho à matéria de que trata a Bienal, isto é, manifestações artísticas contemporâneas, e à tradição ainda recente de rompimento das fronteiras entre arte e vida, e de participação na constituição mesma da obra artística. Manter esse espaço vazio à força estabeleceu, portanto, uma contradição com o sentido público desse espaço, e com o sentido público da expressão cultural atual, invocado de modo tão superficial pela Bienal: "Em Vivo Contato".

Nesse contexto, anunciava-se um impasse evidente. Ao qual a curadoria da Bienal respondia, antes mesmo de qualquer acontecimento, com uma ameaça policial. Segundo declarou Ivo Mesquita às vésperas da inauguração: "Estamos esperando esse tipo de ação e tomamos providências para evitá-la. Isso é um absurdo" e: "Nós sabemos que eles estão convocando gente da periferia da cidade para fazer isso, e essas pessoas não sabem o que elas vão encontrar" (Folha de São Paulo, 24/10/2008). O que gerou mais recentemente a declaração na Folha de São Paulo, de Lisette Lagnado, curadora da 27ª Bienal: "Acho lamentável que não tenha havido um diálogo" (Folha de São Paulo, 13/12/2008).

O lógico seria que se buscasse o diálogo, ainda mais dada a importância que funções educativas vêm adquirindo nas instituições museológicas e culturais. Nem a manifestação dos pichadores, nem a criminalização a priori de sua ação, que poderia ter sido tratada como expressão, aconteceram assim desvinculadas de um contexto em que a Bienal afasta-se de seu papel cultural. Mesmo a alegada falta de verba não impediria que um grande número de artistas pudesse ser convidado a ocupar o espaço. Nos próprios boletins da Bienal podemos ver uma série de manifestações espontâneas que ocorreram nesse espaço (vide editorial do Jornal da Bienal, 07/11/2008), sem causar qualquer prejuízo em sua ambiência, e ainda assim sucessivamente reprimidas pela segurança.

Por outro lado, a cidade de São Paulo, como outras inúmeras cidades, vive um momento de intensa efervescência cultural à margem das instituições e das verbas oficiais. Em cada bairro emergem artistas e grupos de jovens abraçando formas de expressão peculiares, focados em processos coletivos de trabalho. Grande parte dessa produção começa a receber atenção, despertando interesse por seus processos e não raro pela sua proposição estética. Muitas formas marginais de expressão vão sendo assim trazidas para o centro do sistema cultural, reconhecidas aos poucos como formas elaboradas e lídimas, tais como o hip hop, o grafite, entre outras.

A pichação ainda revela-se um problema à parte e difícil, que gera polêmicas e divergências de opiniões. Não se pode classificá-la simplesmente como arte, nem ignorar prejuízos financeiros que possa trazer. No entanto, é importante reconhecer que é um fenômeno de inegáveis proporções e que está a expressar uma realidade social e cultural complexa. Mesmo opiniões mais conservadoras entendem que não se pode resolver a questão apenas com ações punitivas, como declara a Diretora da FAU Mackenzie Nádia Someck: "reduzir as pichações em São Paulo exige diálogo e não tinta" (referindo-se à lei) e, o Secretário Municipal das Subprefeituras, Andrea Matarazzo, declara: "Nada disso adianta se não houver um misto de punição e educação" (Jornal da Tarde, 07/07/2007).

Há outros entendimentos possíveis. Vertentes da antropologia e da sociologia, reconhecendo as contradições sociais que geram o fenômeno, o entendem como linguagem, formação de identidade, expressão cultural e muitas vezes politica, constituindo sob esse ponto de vista uma poética visual urbana. Para Jorge Coli: "Pichação e grafite são transgressores. Brotam de uma cultura socialmente bem marcada. São arte, coisa que muitos já perceberam" (Folha de São Paulo, 14/12/2008).

O designer francês François Chastanet, autor do livro “Pixação – São Paulo Signature”, argumenta que "os pixos são um alfabeto desenhado pela invasão urbana”, e constata que “Os pixadores de São Paulo foram capazes de formar sua própria identidade pela tipografia, este fato é único no mundo da comunicação visual de subculturas” (Folha de São Paulo, 13/12/2008).

A Fundação Bienal e seus curadores, diante da questão sócio-cultural de tão difícil compreensão nesse momento, e que reconhecidamente depende de um diálogo para ser enfrentado, escreveu o seu capítulo mais dramático: o encarceramento na Penitenciária Feminina de Santana/ São Paulo (Carandiru) de Carolina Pivetta da Mota, única presa em pichação no andar vazio dentre um grupo de cerca de 40 pichadores.

Os motivos da jovem de 23 anos eram até bem consistentes e convergentes com as possibilidades abertas pela Bienal. Declarava a curadora Ana Paula Cohen às vésperas da abertura: "O vazio foi mal entendido desde o início. Com ele queremos discutir o princípio da arquitetura moderna no Pavilhão e, como ele está aberto, propostas podem surgir" (Folha de São Paulo 24/10/2008). Para Caroline era exatamente o que estava fazendo, por um percurso imprevisível para a curadoria: "Estava me manifestando contra os desfavorecidos, os que não têm acesso àquela coisa toda" e "Eu me identifico com o vazio" declarou Caroline (Folha de São Paulo, 15/12/2008).

O vazio de Caroline conduz a uma busca de identidade, em oposição ao vazio da Bienal que era uma impossibilidade de realizar. O que levou Fernando de Barros e Silva a escrever: "Entre o vazio existencial da jovem 'Sustos' e o vazio conceitual da Bienal, há menos identificação do que antagonismo: a fúria da primeira é o impulso desesperado de vida que traz a luz o espírito burocrático e mortificante da segunda" (Folha de São Paulo, 15/12/2008).

A nota de esclarecimento emitida pela Fundação Bienal nos informou que não é de sua responsabilidade o destino da jovem e que agiu em defesa do patrimônio público, o que é sua obrigação. Eximiu-se assim da responsabilidade de um posicionamento ético diante do destino da jovem presa por mais de 50 dias em uma penitenciária. O destino de Caroline, de forma inesperada, agora se entrelaça com o da Fundação e marca para sempre com um drama humano o percurso de uma instituição importante na esfera cultural.

As poucas declarações do curador da Bienal na imprensa soam estranhas. Numa rara oportunidade em que o assunto foi tratado apenas tangencialmente, Ivo Mesquita reconhece que apesar de entender que "a pena é pesada", descarta a possibilidade de tomar qualquer tipo de ação: "Eu não sei o que a curadoria tem a ver com isso" e: "A curadoria não pode fazer nada, nem deve fazer nada. A curadoria é um serviço terceirizado, que a Bienal contrata apenas para fazer um projeto" (Folha de São Paulo, 13/12/2008). Nota-se que no ato de Caroline, não houve depredação de nenhuma obra da Bienal, a ação também não comprometeu a integridade arquitetônica do edifício, e foi realizada onde se apresentava como um espaço aberto ao vivo contato.

Muitos desejam uma arte que brote da vida e para a vida, para a liberdade, para a emancipação e o crescimento humano. Isso não inclui danos ou violência de qualquer tipo, e bem sabemos que a arte, para a qual se pensou inicialmente a Bienal, é em sua origem questionadora. Pensamos possível uma arte que não seja apenas para ornar paredes, livros e conversas. Qual o papel da Fundação Bienal hoje, ainda herdeira - como fazem crer em seus catálogos - de uma tradição crítica e artística que bebeu nessas fontes, quando não eram ainda vistas como arte, mas como insubordinação e até incapacidade?

Nossa intenção não é discutir neste momento a validade artística, ou não, da ação de Caroline. Mas parece necessário pensar se tão longa permanência numa penitenciária é troca humana justa para o delito que a jovem teria cometido, pensando apenas participar e tornar pública a existência de outras realidades. Se não há rigor desigual e desmedido, e nada construtivo. Se em resposta a uma situação potencial de risco institucional, não se estabeleceu de fato uma situação que coloca em risco desnecessariamente o destino de uma pessoa. Se a uma situação de possível ameaça, não se estabeleceu uma situação arbitrária porque injusta e efetiva de violência ainda maior. As ações em cadeia nessa Bienal e seu contexto resultaram na reação também agressiva do grupo de pichadores. O que fazemos para interromper esse processo?

Preferiu-se interpretar o ato de pichação não como expressão consoante com um espaço que poderia ser de livre manifestação, mas como dano. Ao ser assim classificado, gerou-se a atual situação. Trata-se sim, e inequivocamente, de decisões. O "dano" causado pelo grupo poderia ter sido corrigido, inclusive com a participação deles. E corrigido facilmente, como de fato foi, com uma simples pintura de parede, demonstrando não ser ato permanente. A pintura, ao que sabemos, resume-se a uma atividade que deve ser rotineira, antecedendo e sucedendo exposições, expressando o zelo da Fundação pelo espaço arquitetônico que a abriga. O que de fato está em jogo é uma questão ética sobre a liberdade de uma pessoa e os valores que praticamos ao representar as instituições das quais participamos.

Teria cabido uma ação restaurativa, não só do edifício, mas da liberdade. Trata-se de estabelecer o esclarecimento e a restauração de um patrimônio maior, que é o significado possível da arte e, acima disso, do sentido humanitário da nossa vivência comum. Também, do sentido humano que deve vitalizar a arte e as instituições, porque se estas adquirirem identidade e ânimo autônomos e deixarem de ser ferramentas e instrumentos de nossa criação, os processos de decisão facilmente se tornarão cativos de um anonimato que de fato não existe, e nossos monumentos, de patrimônio público, passarão a uma carcaça daquilo que sonhamos possível construir ao instituí-los.

A detenção de Caroline por quase dois meses fere seus direitos humanos de responder em liberdade pelos atos cometidos, tornando-se uma ação de medida desproporcional. Nessas condições, a sua permanência na prisão é reveladora de um conjunto complexo de fatores sociais, em especial, a vulnerabilidade dos seus direitos provocadas por uma situação de desigualdade de gênero e de condição socioeconômica.

Em meio à necessária decepção e indignação com a situação que se estabeleceu, buscamos retomar a valorização da liberdade, da expressão e da vida humana, sem a qual as discussões sobre arte e cultura, e nossas belas criações, como os salões elegantes e alvos que as abrigam, são apenas o verniz da barbárie que construímos com nossa indiferença.

São Paulo, 16 de dezembro de 2008.

Andre Mesquita, Artur Matuck, Cristiane Arenas, Euler Sandeville, Flavia Vivacqua, Gavin Adams, George Sander, Henrique Parra.

Posted by Patricia Canetti at 8:04 AM | Comentários (11)

Presa há mais de 50 dias - Justiça nega segundo habeas corpus à artesã que pichou Bienal, por Márcia Abos, O Globo

Presa há mais de 50 dias

Justiça nega segundo habeas corpus à artesã que pichou Bienal

Matéria de Márcia Abos publicada originalmente no do jornal O Globo, em 17 de dezembro de 2008, às 16h09.

SÃO PAULO - O desembargador Fernando Matallo, da 14ª Camara Criminal do Tribunal de Justiça, negou pela segunda vez habeas corpus à Caroline Pivetta da Mota, mantendo-a portanto na Penitenciária de Santana enquanto responde a processo por formação de quadrilha e crime ambiental, onde divide cela com uma jovem condenada por assalto à mão armada. A artesã está presa há mais de 50 dias por ter pichado o andar vazio da 28ª Bienal Internacional de Artes de São Paulo.

Saiba mais sobre o caso

Este segundo pedido de habeas corpus em caráter liminar partiu da ex-advogada de Caroline, Cristiane Souza de Carvalho. Justificando a recusa, o desembargador alegou não ver ilegalidade na prisão da jovem. No despacho, Fernando Matallo escreveu:

"A medida liminar só é cabível quando o constrangimento ilegal é manifesto e detectado de imediato através do exame sumário da inicial e dos papéis que a instruem, o que não ocorre no presente caso. O atendimento do alvitrado pela defesa (relaxamento da prisão cautelar) está a exigir exame minudente de circunstâncias objetivas da causa, sem embargo do eventual preenchimento de requisitos subjetivos, procedimento inadequado à esfera de cognição sumária deste Relator. Por conseguinte, indefiro a liminar, reservando-se à Douta Turma Julgadora a solução da questão em toda a sua extensão."

" Não há crime nenhum na pichação feita. Como, por exemplo, não há crime no artista que ficou nu vários dias na Bienal "

O primeiro habeas corpus feito pelo advogado criminalista Alberto Cancissu Trindade foi negado pelo mesmo desembargador na sexta-feira, 12 de dezembro, mesmo dia em que Caroline completou 24 anos. Alberto não é advogado de Caroline. Ele decidiu ajudá-la espontaneamente, pois já defendeu outros pichadores que responderam ao processo em liberdade.

Depois de tentar a ajuda da defensoria pública e destituir sua primeira advogada particular, Caroline tem agora um novo advogado, também particular. Trata-se de Augusto de Arruda Botelho.

A juíza Márcia Tessitore, que se pronunciaria ainda nesta quarta-feira sobre um pedido de liberdade provisória feito pela defensoria pública, encaminhou o caso ao Ministério Público. A decisão pode sair nesta quinta-feira, informou o advogado.

O advogado avalia agora se vai à Brasília na manhã desta quinta-feira para recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) pela liberdade de Caroline, antes mesmo de sair a decisão do MP sobre o pedido de liberdade provisória. A expectativa do advogado é que Caroline passe o Natal e o Ano Novo com sua família.

A defesa vai pedir absoluta absolvição de Caroline dos dois crimes pelos quais é acusada: formação de quadrilha e crime ambiental, explica Botelho.

- A formação de quadrilha não existe. Tecnicamente é fácil comprovar isto. Em relação ao crime ambiental, Caroline não nega em momento algum que pichou um espaço público. Mas houve um convite da própria curadoria da Bienal para que manifestações artísticas ocupassem o que eles chamaram de "andar vazio" - disse Botelho.

Segundo o advogado, não cabe a ninguém julgar se pichação é feio ou bonito ou se é uma manifestação artística.

- Caroline e outros inúmeros jovens entendem que (pichação) é uma manifestação artística e ocuparam este andar vazio da Bienal atendendo a um pedido tácito da curadoria da Bienal. Não há crime nenhum na pichação feita. Como, por exemplo, não há crime nenhum no artista (Maurício Ianês) que ficou nu vários dias na Bienal. Também é uma expressão artística e não cabe a ninguém julgar a beleza desta manifestação - acrescentou Botelho.

Apesar da inteferência do ministro da Cultura, Juca Ferreira, o Tribunal de Justiça continua contrário à soltura da jovem.

Veja a íntegra da nota divulgada pelo ministro da Cultura

Ao saber que Caroline Pivetta da Mota estava presa por ter pichado o andar vazio da Bienal, Juca Ferreira entrou em contato com o governador de São Paulo, José Serra, e com o presidente da Fundação Bienal, Manoel Francisco Pires da Costa. O ministro pediu a ambos que interviessem para obter a liberdade da artesã.

Artistas organizam manifestação pela liberade de Caroline

Artistas vão se reunir nesta sexta-feira, dia 19 de dezembro, às 17h, no Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) em São Paulo para pedir a liberdade de Caroline. Eles também organizaram um abaixo assinado em apoio há jovem.

Confira abaixo o texto de convocação que circula na internet:

Manifestação - Libertem a pichadora Caroline Pivetta da Mota - Vamos nos reunir e nos manifestar pela Liberdade de Caroline e pela Liberdade de Criação e Expressão. Convocação a todos: artistas, criadores, autores, dramaturgos, diretores, atores, curadores, críticos, historiadores, professores, estudantes, jornalistas, advogados, juizes, políticos, ministros, secretários, senadores, deputados, vereadores e cidadãos.

19 de dezembro, sexta-feira, 17h - Museu Brasileiro da Escultura - MuBE - Avenida Europa 218, Jardim Europa, São Paulo - SP - 11-2594-2601 ou mube@mube.art.br - www.mube.art.br

Para assinar o abaixo-assinado - www.abaixoassinado.org/

Posted by Patricia Canetti at 7:47 AM | Comentários (1)

O vazio e a fúria por Fernando de Barros e Silva, Folha S. Paulo

O vazio e a fúria

Artigo de Fernando de Barros e Silva publicado originalmente na Opinião, da Folha de S. Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2008.

SÃO PAULO - Caroline Sustos (sobrenome de guerra) está presa há mais de 50 dias. Ela integra o grupo que pichou um dos andares do pavilhão do Ibirapuera na abertura da Bienal de São Paulo. Aquela que ficou conhecida como Bienal do Vazio virou, enfim, um caso de polícia.

A prisão desta jovem me parece um exagero absurdo e cruel. Sim, há a lei. Mas imagine o leitor se os "artistas" da especulação imobiliária fossem em cana a cada predação do bem público que patrocinam, não raro em conluio com o poder público, para construir esta cidade tragicamente horrorosa e desumana.
Isso não redime outros vandalismos, claro que não. As artes da pichação podem fazer sentido como ritual de grupo, catarse, terapia, mas o resultado é regressivo social e esteticamente. Não há nenhum valor artístico associado à transgressão gravada nas paredes sujas. Trata-se, antes, da irrupção em língua cifrada de um mal-estar pouco digerido na cultura brasileira.

"Nas paredes surgem pichações monótonas, cuja única mensagem é o autismo: elas exorcizam o eu que não mais existe. (...) Nas ações espontâneas expressa-se a raiva das coisas em bom estado, o ódio por tudo o que funciona e que forma um amálgama indissolúvel com o ódio por si mesmo", escreveu Hans Magnus Enzensberger no ensaio "Visões da Guerra Civil", de 1993.

Como se viesse confirmar o diagnóstico do alemão, a garota, com a voz infantilizada, disse o seguinte: "Eu me identifico com o vazio. Sentia falta de alguma coisa na minha vida, fazia coisas e nada cobria aquilo. Sentia um buraco. Comecei a pichar, foi tapando aos poucos..."

Entre o vazio existencial da jovem Sustos e o vazio conceitual da Bienal há menos identificação do que antagonismo: a fúria da primeira é um impulso desesperado de vida que traz à luz o espírito burocrático e mortificante da segunda.

O templo da arte contemporânea (a Bienal) faz aqui o papel (ou papelão) de museu do que há de pior na tradição nacional. Ou esse qüiproquó artístico-policial não é um sinal das nossas iniqüidades de sempre?

Posted by Patricia Canetti at 7:35 AM | Comentários (1)

dezembro 15, 2008

Faz sentido o curador da 28ª Bienal Ivo Mesquita tirar o corpo fora desta maneira?, por Patricia Canetti

Faz sentido o curador da 28ª Bienal Ivo Mesquita tirar o corpo fora desta maneira em relação ao episódio da pichadora presa?

PATRICIA CANETTI

Já são muitos os protestos contra a prisão de Caroline Pivetta da Mota, a pichadora do Vazio da Bienal. Trocas de mensagens, listas de discussão a mil, comentários no abaixo-assinado, artigos em blogs, matérias em jornais, todos, ou a grande maioria, se indignam com o fato desta transgressão estar sendo penalizada criminalmente. Seja pela absurda lógica do nosso Judiciário, que parece só conseguir se mostrar forte e tenaz em situações dúbias como esta, ou seja pelo ridículo de ver uma bienal de arte prestando queixa contra atos político-culturais.

Ivo Mesquita, o curador desta edição da Bienal (e vou me referir apenas a ele porque a co-curadora Ana Paula Cohen sumiu) diz não ter nada a ver com a situação, porque a moça foi detida por atacar um patrimônio tombado e ele é apenas um funcionário terceirizado da Fundação Bienal. Será mesmo verdade?

O que foi atacado não foi apenas o prédio da Bienal. Este não sofreu com os pichadores qualquer dano permanente ou nada que um centro de exposições não sofra regularmente com troca de eventos, ou seja, repintura. O outro objeto atacado foi a mostra Bienal e é nela que incide a responsabilidade do curador, inclusive em relação à ação dos seguranças, ao chamamento da polícia e boletim de ocorrência realizado na delegacia e às prisões efetuadas. Pois caberia ao curador da mostra acolher ou rechaçar a intervenção, aceitá-la como uma resposta do público ou decretá-la um delito. Ele optou pelo delito e é isso que me intriga...

O que fez o curador não aceitar a intervenção dos pichadores?

Podemos assumir que uma exposição enquanto obra deva estar sob o controle de seus criadores. Normalmente, estas devem terminar como iniciaram, sem sofrer alterações que venham interferir no conceito e na forma pré-determinados pelos seus criadores. Certo? Anacrônico, no mínimo, eu diria (nós, artistas, sabemos que na prática não é bem assim), e a ação dos pichadores demonstrou isso.

Ao chamar a polícia e mandar prender (e esta atitude foi anunciada pela curadoria na entrevista coletiva quando perguntada se os curadores estavam cientes dos planos dos pichadores), repintar o andar vazio e impor a revista aos visitantes, os curadores acharam que tinham retomado o controle de sua obra. Formalmente, talvez. Mas e quanto ao sentido? Uma vez maculado pela ação dos pichadores, com reportagens na imprensa e vídeos na internet, já gravados em nossa memória e sendo reavivados pelo aparato de segurança na entrada da Bienal, ainda era possível vivenciar o vazio repintado de branco contendo somente a proposta inicial dos curadores?

Sem perceber a contaminação já em processo, o roteiro original foi retomado: debates, exibições, shows e performances aconteceram sem maiores transtornos aparentes. Mas o sentido primordial da "Em vivo contato", título da 28ª Bienal de Arte de São Paulo, já havia sido transformado pela ação dos pichadores e também pela reação repressora da instituição. Então, o que vivemos nesta bienal, que pretendia debater sobre os formatos de bienais e a importância da existência de centenas delas em vigor atualmente, foi uma cisão esquizofrênica. De um lado, os curadores obsessivamente apegados à sua "obra" (e ao seu formato) e, do outro, a pichadora Caroline presa lembrando a todos nós que a intervenção dos pichadores tinha estado ali fazendo a sua parte, questionando o formato daquela própria bienal.

Neste exato momento recebo o texto de Paulo Herkenhoff publicado hoje na Folha de S. Paulo e nele ele responde uma dúvida que eu tinha sobre Antonio Manuel ter sido ou não preso quando ficou peladão no MAM do Rio em 1972. Ele escapou correndo da polícia e com a ajuda dos seguranças da instituição. Já em 2008, os seguranças da Bienal estavam lá para prender, pois esta era a diretriz da instituição e dos curadores.

Ivo Mesquita parece dormir com a consciência tranqüila, porque outras intervenções (bem-comportadas) aconteceram e a ação dos pichadores, esta com "tática terrorista", foi devidamente reprimida. E, com isso, ele avisou na sexta-feira no debate do Maria Antônia, que estava saindo de férias, deixando a moça Caroline ainda presa e nós, o seu público de especialistas, atônitos.

Patricia Canetti
Criadora e coordenadora do Canal Contemporâneo

PS - Recomendo além da adesão ao abaixo-assinado, é claro, a leitura dos comentários no LIBERTEM A PICHADORA CAROLINE PIVETA DA MOTA. Abaixo, reproduzo três deles.

MAURÍCIO DIAS, artista
Há outras responsabilidades da Bienal, sim!!! A Bienal não é apenas um prédio, é o resultado da interação de todas as suas edições e seus respectivos públicos. A grafiteira em questão é também parte de seu público. Não ter responsabilidade?! Por exemplo a Bienal poderia, deveria aliás, interceder publicamente, através de um manifesto à circular entre artistas e intelectuais, na web e na imprensa, em favor da grafiteira, afinal muito mais grave do que o crime de uma jovem pichadora no andar supostamente "vazio" são os crimes de colarinho branco, de corrupção administrativa da já velha direção da própria Bienal, estes crimes sim que perpetuam o verdadeiro "vazio" (o moral da classe artística deste país). A penalização exacerbada desta jovem face a história recente desta instituição é indecente! Não dá pra ficar calado.

RACHEL ROSALEN, artista
É uma vergonha esta política punitiva e autoritária, é uma vergonha que a Fundação Bienal não tenha tomado nenhuma atitude e não tenha assumido sua própria proposta, ou seja, que o mais interessante foi o que exatamente aconteceu: uma ocupação do vazio que, na sua latência, chamou atenção da comunidade que se propôs a ocupa-lo. Ao invés de uma abertura de diálogo e discussão sobre o que este ato significou, a Bienal optou pela omissão e, 40 anos depois, dentro do que deveria ser um espaço de vanguarda da arte, fez referência ao AI5 ao avalizar a supressão do direito de livre expressão. Para justificar tal prisão, o governo decidiu pelo apagamento dos grafites da cidade. Quando esta parecia uma discussão dos anos 60, em boa hora, I/Legítimo, com curadoria de Priscila Arantes e Fernando Oliva, "convida os visitantes a repensarem os mecanismos de legitimação e exclusão nos circuitos artísticos mainstream e underground" e discute a absorção de manifestações de rua pelo sistema da arte.

RODOLFO CAESAR, artista
Era uma armadilha! Mas caiu o rato errado. Se um artista reconhecido tivesse garatujado naquelas paredes, seria a consagração (dele e) da bienal. Mas quis o acaso que caisse uma reles grafiteira fora do sistema... Isso demonstra não o 'fim da arte' ou a falência da bienal, mas o limite do sistema da arte.

Posted by Patricia Canetti at 11:04 AM | Comentários (8)

Bienal age de modo cínico e intolerante ao lavar as mãos, por Paulo Herkenhoff, Folha de São Paulo

Acusar a grafiteira Carolina da Mota, presa há 52 dias, de "danificar patrimônio tombado" é estratégia hedionda

Matéria de Paulo Herkenhoff, originalmente publicada na Folha de São Paulo, 15 de dezembro de 2008

Paulo Herkenhoff
Especial para a folha

Minha opinião ou a de qualquer outra pessoa sobre o grafite não tem a menor importância no caso da Carolina Pivetta da Mota na Bienal de São Paulo. Não se trata de condenar ou aplaudir a ação de grafitagem. Eu vi, em 1972, os seguranças do MAM carioca ajudarem Antonio Manuel a fugir da polícia que o perseguia porque havia se apresentado nu no Salão Nacional de Arte Moderna. O MAM do Rio não mandou prender Raimundo Colares quando quebrou vidros do prédio em manifestação durante a ditadura militar.

A Bienal quer que o Brasil sinta saudades da ditadura? A mesma Bienal que entrega a grafiteira à polícia foi a que proscreveu Cildo Meireles em 2006 por ter protestado contra a reeleição de Edemar Cid Ferreira para seu conselho.

O paradoxo é que Edemar não providenciou a prisão da garota que beijou com batom uma tela de Andy Warhol na Bienal de 1996, fato muito mais grave do que grafitar paredes nuas.

A Bienal, seu presidente, conselheiros e curadores que continuarem a se omitir precisam aprender algo com Edemar: na Bienal, a repressão não é um fim em si. Confesso que, quando soube da grafitagem, pensei que fosse um gesto autorizado numa Bienal que ia criar uma praça de convivência e estimulava a participação da cultura pop jovem. Era estratégia de marketing ou efetiva proposta de política cultural?

No entanto, tudo é obscurantista na posição da Bienal desde o dia da grafitagem. Posso até entender as reações de primeira hora mais agressivas por agentes culturais e políticos da Bienal, mas temos de admitir ser uma estratégia hedionda acusar a grafiteira de "danificar" o patrimônio tombado, já que as feiras, as festas de casamento e a própria Bienal furam e escrevem nas paredes, pintam e bordam com o prédio sem autorização do Iphan.

Se a grafiteira fosse um nome do mercado de arte não teria sido presa ou já estaria solta. O ato de Carolina Pivetta da Mota é rigorosamente igual a tudo o que ocorre no prédio da Bienal. Depois é só repintar, como aconteceu. Tudo se refaz porque o prédio da Bienal está à disposição da expressão. Sua estrutura original de feira industrial tinha que ser necessariamente versátil para atender a todo tipo de tranco físico. Por isso o acabamento sem adornos e luxo do Pavilhão do Ibirapuera. É só cimento, tijolo e cal.

Debate na pasmaceira

Carolina também não interveio na obra de ninguém. Ela não é uma Tony Shafrazi, que grafitou a "Guernica" de Picasso. Se tivesse praticado um ato anti-social realmente grave, Carolina já poderia ter sido condenada a alguma prática comunitária na própria Bienal. Neste caso, não se estaria "domesticando" uma consciência crítica, mas dando-lhe a oportunidade de entender melhor o processo de uma Bienal. O que Carolina está contribuindo socialmente agora é a introduzir um debate na pasmaceira institucional.

Se tivesse causado um dano real à superfície das paredes, teria sido ínfimo. Dirigi um museu do Iphan onde uma ex-diretora causou danos em esculturas ao instalá-las ao ar livre, onde tomavam chuva ácida. O Iphan e o Ministério Público não pediram sua prisão quando se verificaram danos irreparáveis à pátina na escultura "A Faceira de Bernardelli".

No caso do grafite na Bienal, não ficaram seqüelas. Fui curador da 24ª Bienal de São Paulo, e minha monografia final no mestrado em direito pela Universidade de Nova York foi na área de direito constitucional. Nessa dupla condição, afirmo que o que vejo aqui é uma posição odienta da Bienal transferindo a responsabilidade por essa situação kafkiana para os órgãos do Estado como responsáveis por este processo.

Carolina não danificou nenhuma obra de arte. Por acaso, Oscar Niemeyer veio a público protestar contra a grafitagem como um "ataque" danoso ao pavilhão do qual é autor, como sempre fez quando degradam um projeto de sua autoria?

A Fundação Bienal primeiro agiu de modo intolerante e agora de modo cínico ao lavar as mãos.

Parece que estar em "vivo contato", proposta desta Bienal, está sendo entendido como exercício de ira ou crueldade que, afinal, estão entre as pulsões de morte da espécie humana. Ou é só vingança?

Afinal, alguém tem que pagar...

Mesmo que seja uma mulher, baixinha, gordinha que não conseguiu escapar da ineficiente vigilância da instituição como os outros 30 galalaus. Sua prisão serviu para salvar a honra dos vigilantes e o contrato da empresa com a Bienal... Parabéns a Carolina por não ter pensado na delação premiada para se safar da encrenca, mesmo depois de 52 dias sem um habeas corpus. Carolina Pivetta da Mota passou o dia de comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos numa cadeia em São Paulo. Isso não denigre a Bienal, nem São Paulo, nem o Brasil. Isso denigre a humanidade.

Se o vazio fosse de fato o espaço aberto para discutir a instituição, essa extraordinária grafitagem teria sido incorporada ao projeto ético e político da 28ª Bienal. A grafitagem já é um dos fatores mais marcantes desta edição.

Com mais repressão, deixará de ser um problema de excessivo rigor penitenciário para se tornar uma questão para estudos éticos curatoriais e debates estéticos. Se a

Fundação Bienal de São Paulo não se cuidar, a conclusão a que se poderá chegar é a de que o principal problema da Bienal é a 28ª Bienal e a estrutura política que a sustentou.

Peço desculpas a Carolina por não ter protestado, em minha recente palestra na Bienal, em sua defesa e contra esse estado brutal de condução da vida institucional. Eu pensava que já estivesse solta. Quem salva o Brasil e a Bienal não é cadeia, é Mário Pedrosa ao dizer que a arte é o exercício experimental da liberdade. E dirigir a Fundação Bienal de São Paulo ou fazer curadoria não pode perder isto de vista.

Paulo Herkenhoff é curador e crítico de arte. Dirigiu o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e foi curador do MoMA em Nova York e da 24ª Bienal de São Paulo, em 1998

Posted by Gabriela Miranda at 10:33 AM | Comentários (8)

dezembro 14, 2008

Matérias de sábado da Ilustrada sobre a prisão da pichadora da Bienal Caroline Pivetta da Mota

Presa no vazio

Matérias de Lucas Neves e Silar Martí originalmente publicadas na Folha de S. Paulo, Ilustrada, no sábado, 13 de dezembro de 2008

Artistas de diversas áreas criticam a prisão da jovem Caroline Pivetta da Mota, que pichou o pavilhão da Bienal de São Paulo

Embora tenha fechado as portas há uma semana, continua sem desfecho a 28ª Bienal de São Paulo. Caroline Pivetta da Mota, 24, presa em flagrante quando participou da invasão dos pichadores ao pavilhão do Ibirapuera, no dia de abertura da mostra, completava ontem 49 dias encarcerada.

Uma decisão da Justiça [após o fechamento desta edição] poderia soltar a pichadora, conhecida como Caroline Sustos, mas, mesmo que ela venha a responder em liberdade, o episódio já desencadeou uma onda de debates e ações de protesto que abalou o meio artístico.

O diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa chegou a classificar o caso como "coisa de AI-5". A maioria dos artistas, críticos e curadores ouvidos pela Folha também critica a Fundação Bienal e os curadores Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen pelo que classifica de silêncio, omissão e a perda de uma oportunidade para um debate mais amplo sobre o caso.

Dirigentes de instituições culturais e representantes do poder público também se manifestaram sobre o fato. O ministro da Cultura, Juca Ferreira, vê exagero na prisão. O governador José Serra diz que não pode intervir.

Está marcada para amanhã em São Paulo uma reunião de artistas para discutir a natureza da ação dos pichadores. Também circula na internet um abaixo-assinado a favor da liberdade de Mota. Até o início da tarde de ontem, reunia 233 nomes. Entre eles, os dos artistas Laura Lima, Renata Lucas, Angelo Venosa, Carlito Carvalhosa e Thiago Rocha Pitta; e os dos curadores Luiz Camillo Osorio, Cauê Alves, Marcelo Rezende e Lisette Lagnado.

Mota, que fez aniversário ontem dentro de uma cela, participou de "ataques" coordenados à galeria Choque Cultural, em Pinheiros, e ao Centro Universitário Belas Artes. Enquadrada no artigo 62 da Lei do Meio Ambiente, por destruição de patrimônio cultural, pode pegar até três anos de prisão.

"Prisão pode macular liberdade de expressão"

Ministro da Cultura diz ser "exagerada" a detenção da jovem que pichou a Bienal

Artistas vêem andar vazio como convite velado a pichadores; fala de curadora sobre "gente da periferia" seria outra provocação

A prisão prolongada de Caroline Pivetta da Mota, 24, que pichou o andar vazio da Bienal, foi vista pelo diretor teatral José Celso Martinez como eco do regime militar e punição excessiva. "Os agentes culturais são, de repente, os agentes policiais, como eram os militares em 1968, no AI-5", diz o fundador do Oficina.

"Isso é exagerado e pode macular o momento de liberdade de expressão que estamos vivendo", avalia o ministro da Cultura, Juca Ferreira, que ligou para o governador José Serra e o presidente da Fundação Bienal, Manoel Francisco Pires da Costa, pedindo uma intervenção a favor de Mota.

"Esses dias na prisão são ruins para a cultura, a Bienal e o Brasil; ela não destruiu um patrimônio público, ela pichou uma sala vazia numa Bienal em que o público foi convidado a interagir", acrescenta Ferreira.

Artistas, críticos e curadores ouvidos pela Folha também enxergam o andar vazio desta Bienal como um convite velado ao ataque dos pichadores.

"A curadoria, quando apresenta um andar vazio, faz uma provocação", diz o ator Ivam Cabral. "Eles têm de arcar com as conseqüências."

"Isso tudo foi o que a curadoria provocou, tem de suportar, tem de saber lidar", concorda o curador Agnaldo Farias. "Se eu fosse a curadora, teria de responder pelo andar vazio, ainda mais quando havia a visão de que isso tirava dos artistas um espaço que lhes é de direito", completa a diretora do Museu da Imagem e do Som e do Paço das Artes, Daniela Bousso.

Outra suposta provocação, esta mais direta, foi a fala da curadora Ana Paula Cohen na entrevista coletiva que antecedeu a mostra, sobre a ameaça de um possível ataque de pichadores. "Estão convocando gente da periferia da cidade para fazer isso, e essas pessoas não sabem no que estão se metendo."

"O discurso da curadoria era um pouco estranho. Dizer "gente da periferia" é um grande engano", afirma o curador Cauê Alves, um dos signatários do manifesto que circula na internet a favor da soltura de Mota.

Silêncio

"A penalização exacerbada desta jovem é indecente", opina o videoartista Maurício Dias, em e-mail que divulgou. "Muito mais grave do que o crime de uma jovem pichadora são os de colarinho branco, de corrupção da já velha direção da própria Fundação Bienal."

Na opinião de outros artistas e curadores, a omissão da Bienal sacrificou a oportunidade de transformar o episódio em debate. "Acho lamentável que não tenha havido um diálogo", afirma Lisette Lagnado, curadora da 27ª Bienal. "Será que essa discussão não interessaria mais do que a série de debates que eles fizeram durante a Bienal, que não passava de uma conversa entre amigos?", questiona Daniela Bousso.

Outros artistas e galeristas reconhecem, no entanto, que houve um ato de vandalismo, passível de punição. "Desconsidero que isso seja expressão artística", afirma a artista Adriana Varejão. "Esses pichadores exageram no argumento."

"Quem depreda patrimônio tem de ser punido, mas tem o lado injusto de que ela certamente virou um bode expiatório", afirma a galerista Márcia Fortes.

"É uma tática terrorista", diz Ivo Mesquita

O curador da 28ª Bienal Ivo Mesquita rebate as acusações de silêncio e omissão, dizendo que já se manifestou sobre o ocorrido, mas reafirma que não cabe à curadoria realizar qualquer intervenção a favor da pichadora.

"A curadoria não pode fazer nada, nem deve fazer nada", diz Mesquita. "A curadoria é um serviço terceirizado, que a Bienal contrata apenas para fazer um projeto."
Mesquita classifica a ação dos pichadores como "arrastão". "Uma coisa é grafiteiro, pichação; outra coisa é uma tática terrorista de arrastão, 40 a 50 pessoas, com um histórico nada bom, que invadem lugares como a Belas Artes e a Choque Cultural e destroem obras de arte."

Sobre uma possível intervenção a favor do relaxamento da prisão de Caroline Pivetta da Mota, Mesquita concorda com boa parte dos artistas e curadores ao dizer que "a pena é pesada", mas descarta a possibilidade de tomar qualquer tipo de ação. "Eu não sei o que a curadoria tem a ver com isso."

Procurada pela reportagem, que ligou diversas vezes para seu telefone celular e deixou recados a dois de seus assistentes, que afirmaram que ela estava ciente dos pedidos de entrevista, Ana Paula Cohen não se manifestou.

O presidente da Fundação Bienal de São Paulo, Manoel Francisco Pires da Costa, que concordou em dar entrevista por e-mail, ignorou boa parte das questões enviadas pela reportagem, limitando-se a uma resposta de um parágrafo, em que voltou a lamentar "profundamente" o ocorrido, "bem como a situação por que passa a jovem".
"No entanto, nosso corpo jurídico está à disposição da advogada da jovem para contato", diz Pires da Costa. "Entendo que, se de fato trata-se de ré primária, o caso poderia ter tratamento diferenciado", afirma.

Pires da Costa também ressaltou, no entanto, que "não há como intervir diretamente". "A jovem cometeu crime contra o patrimônio público tombado e em flagrante delito."

FRASES

"Isso é exagerado e pode macular o momento de liberdade de expressão. Ela não destruiu o patrimônio; pichou uma sala vazia numa Bienal em que o público foi convidado a interagir"
JUCA FERREIRA, ministro da Cultura

"Os agentes culturais são, de repente, os agentes policiais, como eram os militares em 1968, no AI-5. Por que fazem a Bienal do Vazio, então? Vazio, para qualquer artista, é uma coisa que deve ser preenchida"
JOSÉ CELSO MARTINEZ, diretor

"Acho um escândalo a prisão. A Bienal é, em princípio, uma trincheira da resistência da liberdade de expressão. A reação da instituição foi histérica"
AGNALDO FARIAS, curador

"A curadoria não pode fazer nada, nem deve fazer nada. A manifestação foi um arrastão. Uma coisa é grafiteiro, cultura urbana. Outra coisa é uma tática terrorista de arrastão"
IVO MESQUITA, curador da 28ª Bienal de São Paulo

"A Bienal perdeu uma oportunidade importante para discutir essa questão. Se eu fosse a curadora, teria de responder pelo andar vazio, ainda mais com a visão de que isso tira dos artistas um espaço que lhes é de direito"
DANIELA BOUSSO, diretora do MIS e do Paço das Artes

"Não acho que isso seja uma manifestação artística. Acho que é vandalismo. Os pichadores exageram na desculpa, no argumento por trás dessa expressão"
ADRIANA VAREJÃO, artista plástica

Posted by Patricia Canetti at 1:53 PM | Comentários (4)

O direito de intervir por Pedro Alexandre Sanches e Ramiro Zwetsch, Carta Capital

O direito de intervir

Matéria de Pedro Alexandre Sanches e Ramiro Zwetsch originalmente publicada na Carta Capital em 12 de dezembro de 2008.

Apelidada algo jocosamente de “Bienal do Vazio” e encerrada no sábado 6 de dezembro, a 28ª Bienal de Artes de São Paulo se mantém alvo de debate, mas menos pelo que era intrínseco a ela e mais por algo que veio de fora e a instituição se esforçou por extirpar. Logo no primeiro dia de exposição aberta ao público, cerca de 40 pichadores “roubaram” para eles grande parte da atenção cobiçada por um evento já de antemão esvaziado. Naquele 26 de outubro, invadiram o pavilhão do Parque do Ibirapuera para imprimir suas marcas nas paredes imaculadas da criação de Oscar Niemeyer, munidos de spray e alguma agressividade.

A mostra, que neste ano ostentou o lema Em Vivo Contato, entrou em vivo contato com os manifestantes. Mas para reprimi-los e prendê-los.

Os desdobramentos não param. A artesã Caroline Pivetta da Mota, de 23 anos, foi presa naquele dia e até 10 de dezembro permanecia na Penitenciária Feminina Sant’Ana, no Carandiru. O taxista Rafael Vieira, também presente no chamado protesto, foi levar documentos para a colega e terminou preso por oito dias.

Caroline, em especial, é evidente bode expiatório de um confronto social de contornos violentos que aterroriza instituições, autoridades, curadores e parte volumosa da sociedade. A ação dos pichadores e a repressão também violenta a Caroline abrem diversos territórios de embate simbólico, entre arte “nobre” e arte de rua, entre o que é considerado arte e o que não é, entre arte, entre repressão e liberdade, entre elite e favela. O confronto é ilustrado até na dimensão ortográfica. Os pichadores se auto-representam como “pixadores”. A norma estabelecida, “culta”, trata os pixadores de “pichadores”. Abre-se um leque de contradições do qual ninguém escapa, e entre o picho e o pixo está o xis de uma complexa questão.

A cicatriz da cisão social aparece no discurso do curador da 28ª Bienal, Ivo Mesquita. “É claro que ninguém esperava que eles pedissem para pichar. Mas aquilo foi um arrastão, e arrastão não é a melhor prática”, diz, em alusão indireta à origem social da maioria dos integrantes de grupos como PiXação – Arte Ataque Protesto, Sustos, Maligno e Túmulos.

O curador critica a atitude “exibicionista”, “narcisista” e “vaidosa” de um suposto líder do grupo, Rafael Augustaitiz, que na opinião de Mesquita é “doido para aparecer na mídia”. Mas em seguida inverte a direção: “O exemplo está aí, vem de cima para baixo. Todas as classes sociais são mal-educadas. Temos uma elite preconceituosa, uma sociedade classista”.

Augustaitiz, codinome Pixobomb, vem da periferia paulistana e estudava artes visuais no Centro Universitário Belas Artes, como bolsista. Seu primeiro ato célebre, em julho deste ano, foi defender a pichação como trabalho de conclusão de curso. Levou a turma para pichar a faculdade de classe média alta. Foi reprovado, acabou expulso da faculdade e ficou sem diploma. Arredio, o ativista pop responde com citação ao filósofo Friedrich Nietzsche a uma tentativa de aproximação por e-mail. “Como falta tempo pra pensar e ter sossego no pensar, não se estuda mais as opiniões divergentes. Contenta-se em odiá-las”, reproduz.

O grupo é heterogêneo e formado por diversos subgrupos. Outro integrante conta que as manifestações são convocadas por e-mail ou em filipetas distribuídas nos vários points de pichadores pela cidade. O ato mais violento aconteceu em setembro, numa galeria privada, ironicamente chamada Choque Cultural. No que apelidam de “atropelamento”, picharam por cima de grafites de outros artistas. E agravaram contradições entre os grafiteiros, artistas de rua em processo de assimilação pela sociedade, e a corrente mais crua e agressiva, adepta do “picho”.

“Todo mundo está assustado”, afirma Mesquita, em referência ao ataque à Bienal. “Não só a Fundação, mas também os museus da cidade tiveram de reforçar a segurança, e isso tem custo.”

Tanto a pichação como o grafite são enquadrados na legislação como crimes ambientais. O artigo 65 da Lei 9.605/98 determina detenção de três meses a um ano para quem “conspurcar edificação ou monumento urbano”. Mas, por trás de implicações policiais e ambientais, há outras, de natureza política. O pichador Tatei, que trabalha como segurança e integra o grupo Túmulos, cita pichações contra Gilberto Kassab e José Serra, na casa do primeiro e junto à “cratera” aberta numa obra do Metrô. Há poucos dias, o Túmulos pichou no muro da casa de Celso Pitta as frases “a cadeia é só para pobre” e “liberdade, Carol”. “A gente não está de bobeira. Agora todo mundo está metendo o pau, mas ninguém quer saber como a gente vive”, diz Tatei.

Mas, para cá desses casos mais agudos, a pichação está fixada na pele da cidade de São Paulo como tatuagem irremovível. Nem o implacável projeto Cidade Limpa consegue combatê-la. Arrancados outdoors e placas, a tinta reluz ainda mais cintilante, no centro ou na periferia, e compõe a paisagem urbana, mesmo incompreensível aos olhos da maioria. Quem a rejeita se acostuma a conviver com ela sem sequer notá-la.

Num sábado, a reportagem encontra-se com um grafiteiro e quatro pichadores participantes das manifestações. Todos são unânimes quanto ao prazer em fazer algo ilegal. “A graça é a ilegalidade, dar vários bonés na polícia”, argumenta o pichador Sustos. “Se fosse legalizado, eu não ia querer mais pixar. Ia perder a graça”, completa o rapper R Hip-Hop.

Outro ativista, o vendedor Alemão, da gangue Larápios, sintetiza intenções por trás das ações: “Deixo uma parte de mim na cidade. Sangro, suo, me desgasto nos rolês. Tenho tanto pixo por aí que me sinto como se eu tivesse um bem material. Tenho uma obra, aquilo me completa”.

Do outro lado da muralha social, há quem seja crítico tanto à arte estabelecida quanto aos invasores. O pintor Rodrigo Andrade, que participou da Bienal de 1985, repudia o que chama de “curadorismo” e declara simpatia pela pichação, mas bombardeia os homens-bomba de spray: “A invasão esvazia a força da pichação, é tiro no pé. É vandalismo travestido de idéia artística. É tudo autopromoção”.

“O que importa é a idéia que fica. Acho que é a primeira vez que surgiu um diálogo mais aberto sobre a pixação”, contrapõe o fotógrafo Adriano Choque, que acompanha essa movimentação há três anos e clicou as três imagens reproduzidas nesta reportagem.

O designer francês François Chastanet, autor do livro Pixação – São Paulo Signature, amplia o foco. “Pixação é vandalismo, e por isso é tão interessante. O fato desses escritos serem ilegais é essencial. Os pixos são um alfabeto desenhado pela invasão urbana”, argumenta Chastanet. “Os pixadores de São Paulo foram capazes de formar sua própria identidade pela tipografia, este fato é único no mundo da comunicação visual de subculturas.”

Questionado sobre o ponto delicado do direito de todos ao acesso ao mundo das artes que ele representa, Mesquita concentra-se nas contradições do lado oposto: “Mas por que eles querem ter acesso a este mundo que eu represento? Por que querem ser institucionalizados? Você deixa de ser transgressivo quando entra na instituição”.

Mas essa contradição parece recíproca. A tentativa de entrada forçada por parte dos pichadores contrasta com o confinamento progressivo da chamada arte oficial. Ao expulsar os segmentos transgressores mais violentos e estranhos a seu dia-a-dia, a Bienal arrisca-se a expulsar a própria transgressão de suas entranhas.

Fora do ambiente de invasão, uma das ações consentidas com maior repercussão na Bienal foi a performance Sem Título – A bondade de estranhos, de Maurício Ianês. Completamente nu a princípio, ele “morou” no prédio da Bienal entre 4 e 16 de novembro, intervalo em que dependeu exclusivamente dos visitantes para obter alimentos e roupas.

Se a nudez, por exemplo, incomodou a sociedade em outros tempos, hoje curador e artista são unânimes em afirmar que não se trata de um trabalho de transgressão. “É mais no sentido de ele ficar morando aqui dentro”, diz Mesquita.

Para Ianês, o conflito trazido pelos pichadores diz respeito à lei, e não à Bienal ou à arte. Mas ele também contempla a contradição, quanto aos limites entre o que as regras vigentes permitem ou não: “Tive a oportunidade de ver outros artistas, músicos e performers que usaram meu trabalho para apresentar o seu, coisa totalmente condizente com a idéia da performance. E não foram barrados”.

O curador cita alguns desses exemplos, como o homem que tocava acordeão e pedia dinheiro aos visitantes dentro do prédio ou o manifestante que espalhava pequenos sinais pelo prédio, e nunca foi identificado.

É fato que tais exemplos não contemplam depredação nem violência explícita. Mas algumas perguntas incômodas rondam a arena de confronto. Quanto da distinção de tratamentos diz respeito ao grau de agressividade de quem se sente excluído de um clube seleto? Quanto diz respeito ao grau de domesticação atingido pela arte de pavilhão? Ou, em termos mais diretos, quanto de tal conflito se explica pela classe social de cada visitante disposto a penetrar (com ingresso gratuito) no santuário de Niemeyer?

Posted by Patricia Canetti at 1:28 PM | Comentários (1)

Texto do ministro da Cultura, Juca Ferreira, sobre prisão de jovem por pichação, cultura.gov.br

Nota do Ministério originalmente publicada no sítio do MinC em 11 de dezembro de 2008

O Ministério da Cultura vem a público a fim de que se busque uma saída na esfera cultural para o impasse decorrente do ato e da prisão da jovem Caroline Piveta da Mota, de 23 anos de idade. Ela integrava o grupo que pintou com tinta spray o edifício da Bienal de São Paulo, no local onde os curadores da 28 mostra estabeleceram um espaço vazio de interação com o público. Cremos ser legítima a preocupação, manifestada por muitos artistas e agentes culturais do país, com os desdobramentos que podem criminalizar uma atitude que tem características culturais, muito embora não concordemos com a agressão simbólica proposta e nem tampouco com os textos divulgados como de autoria do grupo.

Temos buscado o diálogo constante com grupos jovens dos centros urbanos e das periferias das grandes cidades por acreditar que esta é a forma mais eficaz e duradoura de combater os impulsos violentos que são gerados em meio a desagregação reinante em tais ambientes de fragilidade sociocultural nos quais vivem estes indivíduos. Contudo, cremos que a agressividade simbólica ainda aparece como “alternativa”, de forma ilusória, a estes jovens submetidos a um cotidiano de violência, e passa a ser a “compensação cultural” por vezes a seu alcance para fugir do crime ou da marginalidade de fato. Devemos recordar que, desde muito, essas populações tem suas formas de expressão e de linguagem enquadradas como atos de violência e desrespeito social, como foram as rodas de capoeira no passado, os bailes funks nos dias correntes. O que não podemos esquecer é que a cultura toma caminhos que fogem do padrão estabelecido para expressar conteúdos latentes nas formações sociais emergentes. Não desconhecemos que estas situações podem, vez ou outra, superar o âmbito criativo, mas devemos ainda lembrar que isso ocorre também pela falta de comunicação social e pela pouca acessibilidade destes cidadãos aos bens diversificados de nossa cultura e de nossa arte. Temos certeza que tais conflitos precisam ser trabalhados pelas políticas públicas e pelas instituições de modo a evitar uma maior desagregação do tecido de nossa sociedade.

Acreditamos que os mais de 40 dias de prisão guardam desproporção com o ato da jovem, porque tal medida pode gerar uma intensificação dos conflitos que buscamos combater, uma vez que se tornaram um problema real. O ato dos jovens, por mais que discordemos dele, não deve ser criminalizado como se ocorresse uma pichação e depredação do patrimônio cultural ali protegido por lei. Ele aconteceu num espaço específico em que era permitido a todo visitante exercer seu livre e vivo contato com o lugar simbólico da Bienal, uma mostra de arte na qual, segundo a imprensa, muitos outros grupos e indivíduos manifestaram-se da mesma forma, protestando contra ou aderindo ao conceito curatorial, com ações diferentes. O grupo de jovens reivindica o estatuto artístico e cultural ao seu ato. Quem deve julgar e avaliar tal mérito são as instituições culturais, os críticos e historiadores da arte, através dos recursos da reflexão e do debate público. Cremos que o papel do estado é garantir esse espaço público de discussão e apreciação dos valores contemporâneos, evitando que o poder público decida em favor de nenhuma parte e em prejuízo ao todo que forma a cultura. Peço encarecidamente que as instituições culturais e os poderes públicos do país cuidem para que possa ser mantido o ambiente democrático de diálogo e o direito de todos à diversidade de suas manifestações culturais.

Juca Ferreira
Ministro da Cultura

Posted by Patricia Canetti at 1:13 PM | Comentários (3)

dezembro 12, 2008

Abaixo-Assinado: Libertem A Pichadora Caroline Pivetta Da Mota

Destinatário: Fundação Da Bienal De São Paulo E Ministério Público Do Estado De São Paulo

No dia da abertura da 28ª Bienal de Artes de São Paulo, 40 pichadores entraram no Pavilhão e "atacaram" com seu design gráfico todo particular o segundo andar o prédio, o local que estava o chamado "vazio" proposto pela curadoria que consistia de paredes e pilastras brancas. Na ocasião, a pichadora Caroline Piveta Mota foi a única detida sob a alegação de depredar o patrimônio público. Acusada de se associar a "milicianos" para "destruir as dependências do prédio", a jovem continua presa.

O que nós, agentes culturais, estranhamos é que existe um paradoxo nesse caso, pois se trata de patrimônio público, mas também de uma mostra de arte contemporânea, local propício para esse tipo de manifestação desde o começo do século 20.

Como escreveu o professor e artista Artur Matuck: "As paredes foram pichadas e repintadas e a mostra não foi prejudicada. Independente da discussao estética, se a pichaçao é ou não arte, se se justifica ou não, a atuação deste grupo ao invadir o prédio da Bienal com um grupo de pichadores, foi também um ato expressivo, foi inequivocamente uma manifestaçao cultural. [...] Uma discussão ampla e bem informada sobre o fenômeno cultural da pichaçao é relevante desde que na medida em que não é validado enquanto expressao artistica pode ser considerado como vandalismo e justificar repressão".

Repressão essa que faz Caroline estar presa até hoje e ainda pegar uma pena de 3 anos.
Por isso pedimos: LIBERTEM A PICHADORA CAROLINE PIVETTA DA MOTA!

To: Fundação Da Bienal De São Paulo And The Public Prosecutor’s Office Of The State Of São Paulo

On the day of the opening of the 28th São Paulo Biennial, 40 pichadores (taggers) entered the Pavilion and ‘attacked’ the second floor of the building with their particular graphic designs. The second floor hosted the so-called ‘void’ proposed by the curators and it consisted of while walls and pillars. At the occasion, the tagger Carolina Pivetta Mota was the only person to be arrested under the allegation of vandalizing a public heritage site. Accused of associating with ‘militia men’ in order to ‘destroy the building’, the young girl is still imprisoned.

We believe there is a paradox in this case, for although the pavilion is indeed a cultural heritage site, it also hosted a contemporary art exhibition, which has been a suitable setting for this type of manifestation since the early 20th century.

As professor and artist Artur Matuck wrote: ‘The walls were tagged and subsequently repainted and the show was not negatively affected. Leaving aside any aesthetic debate – whether tagging is art or not, if it is justified or not – the action of the group of taggers that invaded the Biennial building was also an expressive act, it was undoubtedly a cultural manifestation. […] An ample and well informed discussion about tagging as a cultural phenomenon is relevant insofar as it is not validated as an artistic expression and can be considered as vandalism, justifying repression’.

It is because of this type of repression that Caroline is still in prison and runs the risk of being condemned to 3 years in jail.

This is why we ask: FREE THE PICHADORA CAROLINE PIVETTA DA MOTA!

Para Assinar Clique aqui

Posted by Gabriela Miranda at 11:12 AM | Comentários (7)

dezembro 11, 2008

Novas rotas para artistas viajantes, por Paula Alzugaray, Revista Isto É

Novas rotas para artistas viajantes

Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2039, no dia 26 de novembro de 2008

Artistas viajantes

Cresce o trânsito de artistas brasileiros e estrangeiros em programas de residências

O artista viajante foi o antecessor do documentarista. Por séculos, transitou a Terra Brasilis, registrando em desenhos e pinturas as pessoas, os animais, as plantas. A prática arrefeceu no final do século 19 com o advento do cinema e das novas mídias, mas hoje ganha novo fôlego com as residências artísticas. Como nas Missões Artísticas do passado, os programas de residências querem ampliar horizontes. Em um mundo atravessado por meios de comunicação, deslocamentos e migrações, o artista residente é convidado a desenvolver projetos a partir de vivências em novos territórios e a refletir sobre a cultura globalizada que nos envolve.

Durante dois meses, o videoartista argentino Federico Lamas, de 29 anos, fez um trabalho a partir da janela de seu apartamento na Praça Patriarca, em São Paulo. Contemplado pelo programa Videobrasil de residências, Lamas ficou hospedado no Edifício Lutetia, que desde 2006 já recebeu 58 artistas internacionais dentro do projeto da Residência Artística FAAP. “Não tenho sede de turismo e São Paulo não tem uma torre Eiffel para se conhecer. A torre Eiffel aqui são as pessoas”, diz ele. Em um exercício diário de voyerismo sobre os personagens da cidade, o artista mapeou os predicadores da Praça Patriarca e produziu um vídeo ficcional a partir de imagens documentais, intitulado Vete al Diablo.

Em São Paulo, Lamas conviveu com o espanhol Javier Peñafiel, de 44 anos, convidado da 28ª Bienal de São Paulo, que também habitou o Lutetia durante dois meses, a convite da Fundação Bienal, instituição parceira das residências da FAAP. “Escolhi trabalhar com a agenda, porque é uma coisa muito paulistana”, diz Peñafiel. Sua Agenda do fim dos tempos drásticos propõe uma nova divisão do tempo semanal e foi realizada sob medida para combater o estresse da vida paulistana. O trabalho consiste em um vídeo, um livro e uma “conferencia dramatizada”, em que a atriz Marisa Orth foi chamada para preencher as páginas em branco da agenda.

“As residências estão diretamente relacionadas ao processo de globalização, significam ampliação de acesso à informação, disseminação, mas também podem ser resposta e este mesmo processo, uma espécie de resistência a este modelo, pois permitem trocas mais diretas entre os artistas”, diz Marcos Moraes, coordenador da Residência Artística FAAP. Fortalecer ações de intercâmbio é a meta desses programas que proliferam no Brasil. O interesse nesse tipo de prática é tão grande que São Paulo sediou essa semana o I Encontro Iberoamericano de Residências Artísticas Independentes, do qual participaram 13 programas brasileiros, onze de outros países da America Latina e três da Espanha. Entre os brasileiros, participaram o recém-lançado programa do Laboratória de Novas Mídias do MIS, e o SPA das Artes, de Recife.

Evento referencial da produção artística pernambucana, que todo ano preenche Recife com atividades e exposições, o SPA das Artes esse ano criou uma Bolsa de Incentivo à Residência Artística, contemplando seis artistas de diferentes cidades do Brasil com R$ 2,5 mil. Entre eles, estava a paulistana Maíra Vaz Valente, que ocupou faixas de pedestres com guarda-chuvas vermelhos e cadeiras de metal na intervenção-performance Movimentos para atravessar a multidão. A experiência, efêmera, durou poucas horas. Mas os resultados são levados pelo artista viajante de volta para casa. “O trabalho nunca se encerra em uma só leitura”, diz Maíra que continua elaborando novas intervenções para “questionar a inércia da multidão urbana”.

Colaborou Fernanda Assef

Roteiros

Poéticas do deslocamento

DESLOCAÇÕES, 4 PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS PORTUGUESAS/ Instituto Camões, Brasília/ até 12/12

A União Européia recebe, em média, 400 mil pedidos de asilo por ano, mas é cada vez mais comum a criação de leis para dificultar a entrada de estrangeiros. Portugal é o país-membro que mais recebe imigrantes de países que não pertencem à UE.
Acredita-se que existam mais de 70 mil imigrantes morando no país. Migração tornou-se um foco constante da atualidade e a arte contemporânea não está alheia a esse debate. O tema é abordado na mostra Deslocações, em que quatro fotógrafos portugueses interpretam aos sentidos diversos das experiências migratórias hoje. Na vídeo-instalação 38 Minutos de Antropologia, José Carlos Teixeira colhe depoimentos, em tom confessional, de imigrantes que não se deixam revelar e aparecem em imagens fragmentadas. Mais do que observar, a exposição convida a um permanente deslocamento, para experimentar o sentir-se estrangeiro.

Posted by Paula Alzugaray at 10:53 AM | Comentários (1)

Exposição evidencia influência de Weissmann, por Mario Gioia, Folha de São Paulo

Exposição evidencia influência de Weissmann

Matéria de Mario Gioia, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 11 de dezembro de 2008

Mostra no Tomie Ohtake destaca esculturas realizadas na década de 50

Nome decisivo da escultura brasileira, artista morreu em 2005; individual tem 14 peças, incluindo três trabalhos mais recentes

Ele foi professor de Amilcar de Castro, assinou o "Manifesto Neoconcreto", fez parte do grupo Frente e sua escultura é uma grande influência para artistas como Waltercio Caldas e José Resende. Mesmo assim, suas exposições não são tão freqüentes e, só agora, três anos depois de sua morte, é que ele ganha uma mostra representativa de sua obra.

Franz Weissmann (1911-2005), um dos nomes decisivos da escultura brasileira, tem 14 peças em exibição no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, na mostra "Franz Weissmann - Experimentação e Lirismo", que é aberta hoje a convidados, às 20h.

Com curadoria do crítico carioca Marcus Lontra, ex-diretor do MAM-RJ (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro), a seleção não é uma retrospectiva, mas um recorte de trabalhos importantes do artista, em especial os da década de 50, quando Weissmann estava na linha de frente da arte construtiva no Brasil.

"Foi naquele período que Weissmann efetivamente começou a elaborar alguns conceitos centrais de sua obra, como o uso do vazio. Escolhi três outras esculturas, de 2003, para mostrar o quanto aqueles trabalhos dos anos 50 dialogam com força com peças que foram feitas mais de 50 anos depois", afirma o curador.

Essas três esculturas selecionadas por Lontra estão no centro de uma das salas expositivas do instituto, são de aço inox e estão lado a lado de trabalhos famosos de Weissmann, como as Colunas Neoconcretas, os Cubos e os Fios.

"É engraçado ver como algumas de suas esculturas mais recentes parecem pedir um tamanho maior.

Weissmann quer mais é que o público passe debaixo delas, participe espacialmente da escultura. Por isso, gostava tanto de sua obra pública em seus últimos anos", conta o curador.

Alguns dos trabalhos mais célebres de Weissmann podem ser vistos em espaços públicos, como na praça da Sé, no Memorial da América Latina e no jardim do Museu de Arte Brasileira, na Faap, em São Paulo, e também no Parque da Catacumba, no Rio de Janeiro.

Com um recorte significativo da produção do artista nos anos 50, Lontra desenhou uma exposição menos colorida e mais geométrica. "Mas isso não quer dizer que ele era partidário de um racionalismo estanque. Vejo sua obra como filiada a um modernismo contaminado, ele usa a precisão das formas e trabalha o vazio com planejamento, mas se deixa influenciar por outros elementos não-previstos", avalia o curador.

Assim, uma das Torres feitas pelo artista em 1957 e presente em "Experimentação e Lirismo" parece derivar de uma Coluna, de 1952, e perder um pouco da sua rigidez. "Um construtivista não deixaria essa Torre tão aberta, com esse ar livre. Suas obras anteriores se fechavam nelas mesmas, mas a Torre aponta que Weissmann era sensível a algo menos planejado e controlado", diz Lontra.

Professor
Austríaco radicado desde 1921 no Brasil, Weissmann morou no norte do Paraná, em São Paulo, em Belo Horizonte e no Rio, cidade onde passou a maior parte da sua vida. Em 1948, começa a dar aulas de desenho e escultura na Escola do Parque, em BH, para alunos que se tornariam grandes nomes da arte brasileira, como Amilcar de Castro (1920-2002), Mary Vieira (1927-2001) e Farnese de Andrade (1926-1996). Na escola, onde fica até 1956, convive com Guignard (1896-1962), que o chamara para o cargo.

Nos anos 50, começa a ter ligações com a arte construtiva, influenciado pela "Unidade Tripartida", escultura do suíço Max Bill exibida na primeira edição da Bienal de São Paulo, em 1951. Na segunda edição do evento, em 1953, já apresenta "Cubo Vazado" -presente na exposição do Tomie- e, dois anos depois, faz parte do grupo Frente, ao lado de nomes como Ivan Serpa (1923-1973) e Lygia Clark (1920-1988), que organizará importantes mostras de arte concreta no Brasil, como as ocorridas no MAM paulistano e no do Rio em 1956 e 1957.

"O interessante é que ele vai buscar novos caminhos.

Faz estruturas "amassadas" nos anos 60, vai testando mais cores nos anos 70. E nunca deixa de experimentar", afirma o curador.

Posted by João Domingues at 10:16 AM

Ministro da Cultura pede a Serra libertação de pichadora da Bienal, por Diógenes Muniz, Folha on line

Ministro da Cultura pede a Serra libertação de pichadora da Bienal

Matéria de Diógenes Muniz, originalmente publicada no Folha on line, no dia 11 de dezembro de 2008

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, pediu ao governador José Serra (PSDB) que ajude a libertar Caroline Pivetta da Mota, 23, presa há mais de 40 dias por pichar as paredes da Bienal, no parque Ibirapuera. Ferreira ligou anteontem para Serra e para o presidente da Fundação Bienal, Manoel Francisco Pires da Costa, pedindo intervenção imediata.

Caroline foi uma das 40 visitantes que, no dia 26 de outubro, atacou com spray o prédio da Bienal em protesto contra o que ficou conhecido como o "andar vazio".

Dependendo do julgamento, pode ficar presa até a próxima Bienal, em 2010. O artigo 62 da Lei de Crimes Ambientais (destruição de patrimônio cultural) prevê pena de um a três anos.

"Caso a menina não seja libertada, teremos que deflagrar uma segunda fase [de ações]. O ministério pode dar assistência jurídica a ela, no sentido de garantir sua defesa", afirmou Ferreira à Folha Online.

Segundo ele, "é um escândalo uma pessoa ficar presa esse tempo todo porque fez uma intervenção gráfica". A advogada da jovem, Cristiane Sousa Carvalho, diz que a Caroline só continua presa por não ter conseguido comprovar residência fixa, tampouco ocupação legal.

As respostas do governador e da Bienal foram "positivas" e "atenciosas", de acordo com o ministro. "O Serra alegou que as coisas não funcionam assim, de mandar soltar e a pessoa já sair, mas me disse que vai ver o que pode fazer", afirmou.

O ministro disse discordar da "agressividade" das manifestações de pichadores. "Enfeiam a cidade, mas são manifestações de grupos que querem fugir do anonimato sinalizando sua existência, sua territorialidade. Confesso que não tenho muita simpatia, mas não acho que seja caso de polícia."

Em comunicado oficial divulgado ontem, a Fundação Bienal negou novamente ter "qualquer ingerência sobre a liberdade da jovem".

"Não cabe à fundação "retirar queixa" ou pedir "relaxamento da prisão", já que a jovem foi presa no ato do delito (flagrante) e a decisão pela sua permanência na prisão, ou mesmo a intensidade da pena aplicada ao caso, é da Justiça."

"A única responsabilidade da fundação, neste caso, foi acionar a polícia e registrar boletim de ocorrência", afirma a nota. O governo não se manifestou até a conclusão desta edição.

O segundo pedido de liberdade provisória de Caroline será julgado hoje.

Em entrevista à Folha Online na última semana, de dentro do presídio, a jovem disse que picha "para o povo olhar e não gostar". "A gente não queria estragar as obras, mesmo porque não tinha obra. A obra nós que íamos fazer."

Posted by João Domingues at 9:46 AM | Comentários (4)

dezembro 10, 2008

Abaixo-Assinado: SOS Museu Imperial em defesa de Maria de Lourdes Horta

Destinatário: Ministro da Cultura - Juca Ferreira

Carta aberta ao Exmo. Senhor Ministro da Cultura,

O MUSEU QUE SE VÊ, E O QUE ESTÁ POR TRÁS DO QUE NÃO SE VÊ...

As imagens podem ser muito mais convincentes do que as palavras. Quem vai ao Museu Imperial (MI), em Petrópolis, vê, com seus próprios olhos, uma instituição pública exemplar, que recebe uma média anual de 300 mil visitantes, e escolhida, em quinto lugar, à frente do Maracanã e da Praia de Ipanema, como uma das "Sete Maravilhas" do Estado do Rio de Janeiro.

A museóloga Maria de Lourdes Parreiras Horta, servidora pública federal concursada, há 43 anos no serviço público e há 17 à frente do MI, implantou um modelo de gestão, em parceria com a sociedade civil, que trouxe benefícios visíveis ao museu e ao patrimônio público, com novos serviços oferecidos à população, como a educação patrimonial aos grupos escolares, o espetáculo de "Som e Luz", restaurante, loja de produtos culturais, serviço de "audioguides", sala de cinema e o projeto “O museu que não se vê”. Essas atividades incrementaram a visitação ao museu e à cidade de Petrópolis, incentivando o turismo e a atividade hoteleira no município, fazendo do MI atualmente uma das âncoras mestras do turismo no Estado do Rio.

A excelência da instituição se traduz em números: o MI responde hoje por mais de 50% da arrecadação de todo o IPHAN (incluindo os demais museus federais), recolhendo aos cofres públicos, anualmente, cerca de R$1.500.000,00, oriundos de sua bilheteria.

Desde 1991, o MI conta com uma Sociedade de Amigos (SAMI), criada por iniciativa de Maria de Lourdes, para apoiar o desenvolvimento de sua missão institucional. A Diretoria da SAMI é composta de personalidades públicas de renome internacional, alguns entre os mais importantes empresários do país, que emprestam de forma graciosa o seu tempo e reputação em prol do MI, da cidade de Petrópolis e da cultura do país. As atividades desenvolvidas em parceria com a SAMI, reconhecida em 2005 como uma OSCIP, e que não recebe nem um centavo de verba pública, geram receita extraordinária de cerca de mais de R$1.000.000,00 por ano, integralmente aplicados no MI, e com rigorosa prestação anual de contas ao Ministério da Justiça.

Esses recursos complementares gerados pela SAMI em benefício exclusivo do MI permitem, por exemplo, a aquisição de peças para o acervo, restauro de peças raras, aquisição de materiais e equipamentos e contratação de serviços técnicos (uma média de 100 profissionais ao ano, como restauradores, pesquisadores, pedagogos, técnicos, pintores, entre outros). Esse modelo inovador de parceria do privado em prol do público deu uma nova imagem ao órgão, ajudando a fazer do MI uma referência nacional e internacional. Em 1999, graças à sua excelente imagem e competência técnica, o MI recebeu a maior doação de um acervo particular ao acervo público na história do país, a Casa Geyer e sua coleção "brasiliana". No mesmo ano, o Suplemento de Artes do New York Times publicou matéria indicando o Museu como um dos "5 Tesouros Escondidos" no mundo.

O esmero no atendimento e os serviços oferecidos resultam em um número cada vez maior de visitantes, e conseqüentemente em uma arrecadação cada vez maior, em um círculo virtuoso que só traz benefícios aos visitantes do MI e à cidade de Petrópolis, que atribui ao sucesso do MI mais da metade do seu fluxo de turistas.

Infelizmente, essa história de sucesso foi interrompida. A partir de denúncias anônimas e insinuações, foi instaurado um processo administrativo disciplinar para averiguar supostas “irregularidades” na gestão do MI em sua parceria com a SAMI, sugerindo “indícios” de improbidade administrativa. Sem que tenha havido especificação das suspeitas que sobre ela recaem, Maria de Lourdes foi arbitrariamente afastada da direção do MI, e passou a ser alvo de denúncias anônimas e reportagens injuriosas que ofendem sua longa história de dedicação ao serviço público e a todos aqueles com quem ela construiu uma carreira de sucesso e um museu que não deixa nada a dever aos grandes museus internacionais. Todas as iniciativas empreendidas em parceria com a SAMI foram suspensas, trazendo imediato dano à vida e à economia da região, e a perda do emprego de vários funcionários, da noite para o dia.

É inaceitável que uma carreira consistente seja interrompida com base em acusações desprovidas de fundamento, muitas vezes de autoria desconhecida, e com um claro intuito político de remover Maria de Lourdes do seu cargo. Sem conseguir acusá-la de incompetente ou ineficiente, recorrem a instrumentos covardes de intimidação característicos de sistemas autoritários. Não é apenas Maria de Lourdes que está sofrendo o prejuízo de tais manobras, mas também todos os que levam a cultura a sério neste país.

Maria de Lourdes, precursora da educação patrimonial no Brasil, é referência na área de museus em todo o país, reconhecida internacionalmente e exemplo sólido de gestão profissional do patrimônio público. Merece todas as honras, todo o nosso respeito e toda a nossa admiração. Entretanto, vê-se covardemente acuada por manobras torpes dos que pretendem denegrir a sua história de abnegada dedicação ao serviço público. Não podemos assistir calados a tamanha injustiça.

QUE O MINISTÉRIO DA CULTURA VENHA A PÚBLICO, O QUANTO ANTES, PARA CORRIGIR ESTES DISPARATES!

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Posted by Gabriela Miranda at 9:47 AM | Comentários (1)

dezembro 8, 2008

MAM revê 60 anos com mostra grandiosa, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo

MAM revê 60 anos com mostra grandiosa

Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 8 de dezembro de 2008

"MAM 60", que comemora os 60 anos do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), na Oca, é uma exposição imperdível. Com curadoria de Annateresa Fabris e Luiz Camillo Osório, membros do conselho consultivo do museu, está longe de ser uma comemoração burocrática da efeméride da instituição.

Organizada em três pisos, "MAM 60" tem início com um relato sobre a constituição do museu, em uma mescla de documentos e obras. Nesse segmento, algo que poderia ser enfadonho revela-se precioso documento histórico: um retrato da Guerra Fria, quando o Museu de Arte Moderna de Nova York esforçava-se em criar vínculos com o Brasil.

Nesse primeiro andar, são destaques as obras de alguns artistas relevantes para a constituição da arte moderna, como George Grosz, Kurt Schwitters e Alexander Calder. Tais trabalhos, hoje pertencentes ao MAC da USP, são representativos da primeira crise do museu, em 1963, quando seu criador, Ciccillo Matarazzo, transferiu a coleção do MAM para a USP, além de sua coleção pessoal e a de Yolanda Guedes Penteado.

Essa crise representou o fim da coleção moderna do museu, reorganizado por vários intelectuais, entre eles o crítico Mario Pedrosa. A mostra acerta ao não valorizar esses poucos e fracos trabalhos modernos do acervo, mas justamente a fase que começa a partir de então.

De forma delicada, o acervo contemporâneo é apresentado a partir de eixos nominados por artistas com forte presença na coleção, nos outros dois andares. A exceção é o primeiro núcleo, Nova Figuração, destacando produção nacional que torna o pop uma tendência de contestação ao regime militar, ao contrário do pop americano.

A partir daí, a mostra desenvolve-se em núcleos como Lívio Abramo, que apresenta uma rica constituição de gravadores como Antonio Henrique Amaral, Roberto Magalhães e Oswaldo Goeldi. Outro grupo traz fotógrafos experimentais, como Thomaz Farkas e Geraldo de Barros. Mais do que núcleos temáticos, os agrupamentos criam diálogos instigantes como, por exemplo, apresentando, lado a lado, fotografias conceituais de Carla Zacagnini e outras mais voltadas à performance, de Lenora de Barros.

No último andar, dois percursos são criados, um tendo por princípio o multimídia Flávio de Carvalho, e outro pelo pintor Alfredo Volpi. Em cada um, novos diálogos são sugeridos, e um dos mais significativos é a "Série Trágica. Minha Mãe Morrendo" (1947), de Carvalho, próxima aos vidros estilhaçados de Iran do Espírito Santo. O acervo do MAM tem lacunas, mas a mostra revela que é possível apresentá-lo de forma grandiosa, ao propor novas formas de observá-lo.

Posted by João Domingues at 10:13 AM

Teatro em alta definição, por Paula Alzugaray, Revista Isto É

Teatro em alta definição

Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2038, no dia 19 de novembro de 2008

Robert Wilson dirige celebridades e atores independentes em vídeo-retratos operísticos. Voom Portraits – Robert Wilson/ SESC Pinheiros, SP/ até 1/2/09

Ícone da vanguarda norte-americana, Robert Wilson se notabilizou pela reconstrução da linguagem operística. Madame Butterfly, Parsifal, A Flauta Mágica, nenhum clássico resistiu ao seu tratamento multimídia. Em 1976, ele reiniciou definitivamente o gênero da ópera com a criação de Einstein on the Beach, em colaboração com o músico Phillip Glass. Mas Bob Wilson é um desses artistas inclassificáveis, que não se adequam a categorias artísticas pré-concebidas. Atribuem-se a ele as atividades de diretor, coreógrafo, performer, designer de luz e vídeo-artista. Na exposição que trouxe-o ao Brasil, ele exerce com maestria cada uma dessas funções. Wilson não está em São Paulo para a apresentação não de uma peça teatral, mas de uma série de mini-operetas, exibidas dentro de televisores de plasma, ou projetados na parede, em dimensões monumentais.

Os “vídeo-retratos” aqui expostos têm quase sempre o formato clássico dos retratos da pintura pós-renascentista. São verticais e representam o retratado em sua totalidade, petrificados em uma pose estática e com o olhar direcionado para o pintor – ou o fotógrafo. De fato, poderíamos estar diante de pinturas hiper-realistas, se os personagens não executassem micro-coreografias diante da câmera de alta definição de Robert Wilson, desempenhando gestos mínimos como vestir uma máscara de lobo, mascar chicletes, ou marcar o compasso da trilha sonora com o pé esquerdo. Os retratos foram realizados durante uma residência artística de Wilson na emissora de televisão de alta definição Voom e poderiam, segundo o diretor, “ser vistos na tevê, em galerias, museus, estações de metrô, hotéis, aeroportos, ou mesmo no quadrante de um relógio de pulso”. Posam para os retratos pop stars como Winona Ryder, Brad Pitt, Isabella Rosselini e a princesa Caroline de Mônaco. Mas também há atores cult, como Steve Buscemi, que posa como carniceiro, e anônimos, como o mecânico Norman Paul Flemming. Nas trilhas sonoras, colaboram Lou Reed e Tom Waits.


Bate papo

Almir Mavignier
Pintor em branco e preto

O pintor carioca Almir Mavignier, 83 anos, fez carreira na Europa e se naturalizou alemão em 1981, mas é parte da história da arte brasileira. Quando deixou os colegas Abraham Palatnik e Ivan Serpa para ir estudar na Alemanha, há 57 anos, a Bienal de São Paulo estava em sua primeira edição e o abstracionismo ganhava espaço por aqui. “Estrangeiro na Alemanha e estranho no Brasil”, esse cidadão do mundo expõe em São Paulo até 13/12, na DAN galeria.

O que você está expondo em São Paulo?
Muitos dos quadros dessa exposição têm mais de 27 anos. A idéia de pintar em preto-e-branco surgiu quando conheci uma galeria em Düsseldorf inteiramente branca. Essa experiência despertou questionamentos. O que é a cor? O que é a forma? Nasceu o conceito de libertação da cor de sua forma, através de efeitos com luz.

Sente-se mais alemão ou brasileiro?
Em 1969, fui selecionado para representar a Alemanha na Bienal de São Paulo. Meus colegas alemães ficaram pálidos com a notícia. Eu era um brasileiro expondo no meu pais, mas era um estrangeiro naquele departamento. Infelizmente, não recebi nenhum prêmio. A Bienal foi criada para valorizar os artistas brasileiros, permitindo a concorrência com os grandes nomes internacionais. Um brasileiro representando a Alemanha, com 30 quadros, era algo muito forte. Foi uma situação muito estranha, mas foi uma exposição belíssima. Eu me sinto um corpo estranho aqui.

Fernanda Assef


Roteiros
Cuidado: contém videoarte
Container art /Parque Villa Lobos, SP/ até 28/11

A presença de 24 containeres industriais espalhados sobre o gramado de um parque é, no mínimo, desconcertante. Conhecer seu conteúdo será, no entanto, bem mais intrigante. Dentro de cada container encontra-se uma seleção do melhor do atual vídeo experimental brasileiro. Nesse museu modular a céu aberto, montado no Parque Villa Lobos até o próximo sábado, o público assiste a trabalhos de 50 artistas e encontra desde produções com equipamentos sofisticados e tecnologia de ponta, até vídeos produzidos com meios domésticos e portáteis, como celulares, webcams e câmeras de bolso. “O vídeo é um meio super utilizado como suporte e o container, que é um espaço ambíguo e modular, permite ampliar as possibilidades de diálogos. É como brincar de lego”, diz o artista multimídia Lucas Bambozzi, que assina a curadoria da mostra com o videoartista Cao Guimarães.

Posted by Paula Alzugaray at 9:37 AM

dezembro 5, 2008

Brasil atrasa escolhas da 53ª Bienal de Veneza, por Silas Martí, Folha de São Paulo

Brasil atrasa escolhas da 53ª Bienal de Veneza

Matéria de Silas Martí, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 5 de dezembro de 2008

Faltando meses para a mostra, país ainda não definiu sua representação nacional

Escolha do curador e artistas deveria ocorrer com um ano de antecedência; outros países com o próprio pavilhão já anunciaram curadorias

O Brasil está atrasado na escolha de um curador e dos artistas que devem ocupar o pavilhão do país na próxima Bienal de Veneza, que começa em junho do ano que vem.

Enquanto boa parte dos países que têm um pavilhão próprio no evento já anunciaram suas curadorias, nada se sabe até agora sobre a representação brasileira, o que leva a um receio do mundo das artes de que se repita a Bienal do Vazio do outro lado do Atlântico.

"A gente sempre tem um atraso fisiológico", lembra Jacopo Crivelli Visconti, curador da Fundação Bienal de São Paulo, instituição responsável pela representação nacional em Veneza desde 1994.

Representações nacionais importantes já anunciaram seus artistas: Shaun Gladwell representa a Austrália; Mark Lewis, o Canadá; Claude Lévêque, a França; Miquel Barceló, a Espanha; Liam Gillick, a Alemanha; Bruce Nauman, os Estados Unidos; Steve McQueen, a Inglaterra -todos têm o próprio pavilhão nos Giardini ao lado do espaço brasileiro, que, aliás, está pedindo reformas urgentes para conter uma infiltração na laje e readequar a rede elétrica insuficiente.

Última hora
"O correto é definir tudo um ano antes, mas eles avisam a gente com três meses de antecedência", revela uma pessoa ligada à produção do pavilhão brasileiro em Veneza. E não foi diferente nas quatro últimas edições da mostra na Itália: artistas foram convidados em cima da hora, tendo pouco tempo para elaborar seus projetos.

Segundo galeristas dos artistas representados em outras edições, não há verbas para o transporte aéreo e sempre houve o risco de que as obras, que viajam de navio, não chegassem a tempo a Veneza.

"Eles estão atrasados", diz o curador da atual Bienal de São Paulo, Ivo Mesquita. "É de novo aquela coisa de, na última hora, sair correndo."

A situação se arrasta desde 2004, quando foi quebrada a tradição de que o curador da Bienal de São Paulo, quando escolhido, faça primeiro o pavilhão nacional em Veneza antes de assumir a curadoria da mostra no Brasil. No caso, Alfons Hug havia concluído a 26ª Bienal de São Paulo, mas, como não havia sido escolhido o próximo curador, acabou tocando mais uma representação brasileira em Veneza, a de 2005.

O mesmo se repetiu em 2006, quando Lisette Lagnado concluiu a 27ª Bienal e Ivo Mesquita ainda não havia sido eleito curador da Bienal atual. Numa medida que evitou que Lagnado fosse a curadora do pavilhão brasileiro em Veneza, a Bienal de São Paulo criou o cargo de curador da fundação, hoje ocupado por Jacopo Crivelli Visconti, que se encarregou da última representação nacional em Veneza.

Visconti garante, no entanto, que não será ele o próximo curador, apesar de não saber quem fará o trabalho. Ele descarta também a possibilidade de Ivo Mesquita assumir a representação nacional, embora ele já tenha feito uma delas.

"O ideal é que o próximo curador da Bienal daqui seja o curador de Veneza, é como a gente gostaria que fosse", diz Visconti. "Estamos atrasados em relação a alguns países e adiantados em relação a outros", lembra ele. Nos bastidores, há pressão do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Cultura para que seja indicado logo o curador do pavilhão.

Até agora, no entanto, a expectativa da fundação é que a definição só venha em fevereiro de 2009, quando faltarão quatro meses para a mostra.

Posted by João Domingues at 10:51 AM

dezembro 1, 2008

Vanguarda de raiz, por Ernane Guimarães Neto, Folha de São Paulo

Vanguarda de raiz

Matéria de Ernane Guimarães Neto, originalmente publicada no Caderno Mais da Folha de São Paulo, no dia 30 de novembro de 2008

Ativista ambiental, Frans Krajcberg diz que deseja "gritar" com seu trabalho, que utiliza troncos de árvores calcinados; influenciada pelo budismo, a cantora e coreógrafa Meredith Monk compara sua obra a uma "canção de ninar"

Às vezes os artistas pensam que descobriram uma forma, mas a natureza é muito mais bela e viva
(Frans Krajcberg)

Minha atitude política como artista é fazer obras que não possam ser commodities
(Meredith Monk)

A cantora e coreógrafa Meredith Monk e o artista plástico Frans Krajcberg durante encontro na Oca, onde o brasileiro expõe esculturas e fotografias

Isto parece um casamento!", graceja a multiartista Meredith Monk, ao ser puxada pelo braço, mais uma vez, por Frans Krajcberg. Enlaçados, fizeram sua caminhada pelo bosque artificial montado na Oca, que abriga "Frans Krajcberg - Natura", parte das comemorações dos 60 anos do Museu de Arte Moderna de São Paulo, no parque Ibirapuera.

Aparentemente, para a criadora de "Impermanência", casamento não é uma idealização envolvendo almas gêmeas, mas confronto entre seres muito distintos. E foi esse encontro improvável, entre a mística Monk e o ecologista Krajcberg, que a Folha testemunhou com exclusividade no último dia 20, na própria Oca.

Também a convite do jornal, participou do encontro ainda Teixeira Coelho, crítico e curador do Museu de Arte de São Paulo.

O "casal" evoca as cenas do espetáculo de Monk, apresentado nos dias 14 e 15 em São Paulo, em que membros do seu Vocal Ensemble proferem, em meio a uma coreografia, idiossincrasias como "Ela chama o tofu de "travesseiros'" ou "Ele sempre toca a parede antes de sair de casa".

Kracjberg -que se notabilizou pelas esculturas feitas de troncos retirados de áreas de queimada- bate na mesa para clamar "precisamos salvar a Amazônia".

Já Monk, em voz clara e suave, faz questão de dissociar seu trabalho de qualquer ativismo, definindo-o como "amplo".

Mas ambos coincidem em alguns pontos: tanto Krajcberg, 87, quanto a cantora-coreógrafa, que fez 66 anos naquele dia, rejeitam traduzir suas obras em conceitos.

Um e outro são pioneiros no que fazem -e, em ambos os casos, há décadas. E, se há uma aliança entre eles, ela está na apologia da natureza.

O polonês naturalizado brasileiro -"nunca fui polonês", interrompe Krajcberg, radicado no Brasil desde o final dos anos 1940- denuncia a destruição das florestas com fotografias explícitas; a norte-americana busca em suas canções desarticuladas, nas coreografias ritualísticas o atemporal, o equilíbrio -darma, a lei natural do budismo.

Quem identificou esse nó ligando ramos tão diferentes da arte foram os responsáveis pela vinda de Monk ao Brasil, da Dharma/Arte. Essa produtora tem o nome do livro que planeja lançar em 2009, escrito pelo mestre budista Chögyam Trungpa, morto em 1987, com introdução à edição brasileira escrita por Monk.

A instituição, representada por seu coordenador, Carlos Inada, pela cantora Madalena Bernardes e pela atriz Leticia Spiller, engrossava o séquito de Meredith Monk durante o encontro e interveio no bate-papo organizado pela Folha na Oca. Leia a seguir os principais trechos do encontro.

FOLHA - A sra. escreve, na introdução a "Dharma/Arte", de Trungpa: "Lembro-me também de uma questão com a qual me identifiquei fortemente, morando em Nova York.
Um homem disse: "Vivo em Nova York, e é muito barulhento. Como devo fazer minha prática de meditação?". Trungpa respondeu: "Apenas pense que os táxis são macacos". E acrescentou: "A paisagem de Nova York é feita dos rostos das pessoas".
Quando olho de verdade para o rosto das pessoas, esses rostos são nossas montanhas, nossas árvores e nosso céu em Nova York". Que natureza podemos ver em São Paulo?

MEREDITH MONK - Vejo rostos humanos.

FRANS KRAJCBERG - Natureza não existe em São Paulo. Afora algum pequeno parque abandonado, não há respeito pelas culturas, não há regras. Não há algo como [o parque de] Bagatelle, em Paris... interesse por ecologia, pela saúde do planeta.

São Paulo está dormindo.

A exposição que fiz em Bagatelle... nunca vi tanta gente sair chorando. A instalação foi muito forte. Essa fumaça, o barulho do fogo vêm de Paris, mas lá dava para sentir [o ambiente de queimada na
instalação].

E, no filme do Waltinho Salles ["Krajcberg - O Poeta dos Vestígios"], eu estava no meio do fogo quando ele me filmou.

"Estou de novo na guerra." Precisamos acordar. O mundo está na UTI, tudo pode acontecer.

FOLHA - Como atingir as pessoas

MONK - A arte atinge mais profundamente que as palavras.

"Impermanência" fala dos processos de vida e morte.

É preciso saber que podemos morrer a qualquer momento, e saber que precisamos mudar o jeito de viver. A poesia do que se vê em sua arte, e talvez do que se ouve e sente na minha, é mais profunda do que palavras.

Temos a emoção, que pode fazer as pessoas mudarem. Elas são tocadas.

FOLHA - A mudança é um tema central nos dias de hoje?

MONK - Sim.

KRAJCBERG - Querendo se esconder, a gente não vê a realidade. A temperatura do planeta não pode aumentar mais. A natureza é vingativa e está muito machucada.

TEIXEIRA COELHO - Há cientistas que dizem que o desastre já aconteceu, não há mais nada a fazer.

KRAJCBERG - Há chance, se a gente conseguir esfriar um pouco [a Terra].

LETICIA SPILLER - É possível, a natureza tem um poder tão grande de regeneração... Vi isso no Acre: terra infértil, morta, ser transformada em vida. Se os artistas se engajarem, a gente consegue.

KRAJCBERG - Ninguém fala nisto: não são só as árvores, tem um povo que vive lá, sendo destruído. Em Porto Velho [RO], chorei ao ver tantos índios na rua, jogados fora de suas terras.
Por que vender soja transgênica para engordar porcos da China, enquanto tantos morrem de fome?

MONK - E destruir árvores na Amazônia é destruir Nova York e todo o resto. É tudo interconectado. Outra coisa que a arte pode fazer é manifestar nossas interconexões, nossa interdependência no mundo.

Fisicamente, isso quer dizer que as árvores que caem na Amazônia afetam Nova York, Chicago, a Austrália... tudo.

Seu trabalho é sobre uma situação específica, mas o processo dessa situação se torna um protótipo de outros processos de destruição. Sinto-me próxima disso porque não é somente sobre destruição, mas sobre como a vida retorna. Em suas fotos, da destruição sai uma flor, a vida encontra seu caminho. São os ciclos.

KRAJCBERG - Você vê milhares de pássaros fugindo de queimadas, riquezas enormes queimadas. Como somos tão passivos?

MONK - Você acha que, quando as pessoas vêem suas obras, elas saem mudadas?

KRAJCBERG - Não sei. Perguntam: você é artista? Que significa sua arte? Uma sra. hindu perguntou-me em Davos [Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial de 2004]: "Por que você faz essa arte"?

TEIXEIRA COELHO - E qual foi sua resposta?

KRAJCBERG - "Minha senhora, fui oficial do Exército russo e, quando entrei na Polônia, liberei um campo de concentração com húngaros. Vi três montanhas de lixo: homens jogados como lixo."
"Quando estava no rio Juruena [MT], vi uma nuvem de urubus. "Lá deve ter alguma coisa", pensei. Fui de barco até lá; quando entrei na floresta, fechei os olhos e fiz a foto. Não dava para olhar: seis índios pendurados, centenas de urubus em volta."

Que arte devo fazer? Defender a vida. A vida não é só homem. Gostaria que meu trabalho gritasse cada vez mais alto.

FOLHA - A sra. vê outros gritos como o de Krajcberg ou os artistas embarcam no tema só porque...

MONK - ... é moda? Seu trabalho é muito autêntico. É difícil pensar em que podemos fazer como artistas nesse mundo. Ao mesmo tempo, é preciso ser muito verdadeiro em relação a sua expressão, e sobre que tipo de verdade pode ser extraída daquela expressão.

Eu, por exemplo, não sei se posso fazer um tipo específico de trabalho político. Meu trabalho sempre foi de coisas atemporais, de modo que minha expressão não é tanto um grito, mas uma canção de ninar, assim como o tempo é circular.

E, sim, sempre há elementos que respondem ao mundo. Seu trabalho é mais direto, o meu é mais "redondo".

FOLHA - Parece que seu trabalho anterior era mais duro, tinha mais...

MONK - Vigor.

FOLHA - Vigor, uma tensão que agora se tornou equilíbrio. Está em busca de equilíbrio?

MONK - Trata-se de uma pesquisa do equilíbrio. Sinto que, conforme fico mais velha, desejo que cada obra em que trabalho seja também um processo contemplativo. É arte, mas é também um processo de contemplação -de perguntas que não têm resposta.

FOLHA - Monk fala em contemplação. O sr. se embrenha pelo mato e contempla? Busca uma imagem?

KRAJCBERG - Não há um dia em que não faça fotos. Mas, quanto mais me aproximo da floresta, da natureza, mais descubro coisas que os artistas não vêem.

Às vezes os artistas pensam que descobriram uma forma, mas a natureza é muito mais bela e viva.
Há coisas impressionantes, como os manguezais. Quando fui ver os manguezais, havia um grande movimento de tachismo [corrente das artes plásticas, popular nos anos 1950, que privilegiava os movimentos espontâneos na pintura, com manchas].

O único tachista que tivemos [no Brasil] foi Antonio Bandeira [1922-67]

Quando vi os manguezais, disse: "Não é possível. No tachismo já é complicado de ver o movimento; mas as formas dos manguezais, nunca vi igual".

Como captar isso? Aí está.

TEIXEIRA COELHO - Mas vejo que suas fotografias têm uma determinada força, pertencem a um tipo de trabalho, e suas árvores são outro tipo de trabalho. Essas obras se aproximam do que ela fala, do atemporal, são uma construção poética; suas fotografias são uma abordagem direta do mundo. De certa forma, suas fotos denunciam muito mais a situação do que essas obras, que trazem um segundo momento, a recuperação da natureza.

KRAJCBERG - Não tem importância. Tenho milhares de fotos. Não sou fotógrafo, nunca vendi uma foto. Capto para descobrir, a cada vez, a riqueza que a natureza tem. Do homem aprendi muito: homem bárbaro que destruiu outros homens.

Mas a natureza -quanto mais fico perto dela, mais descubro.

Minha escultura é feita com objetos que eu trouxe do fogo.

TEIXEIRA COELHO - E que você transforma radicalmente. Suas fotos não provocam nas pessoas muito mais reações do que as esculturas?

KRAJCBERG - Não tenho só essas fotos. Perto do meu trabalho, tem de haver essas fotos: de onde vem o material, como destroem a natureza. [A escultura] é feita com o material que ficou -que você vê na foto. Gostaria de fazer um trabalho muito mais violento.

TEIXEIRA COELHO - Os trabalhos se juntam nesse momento: Kracjberg escapa do mundo real para fazer uma construção poética. É o mesmo tipo de trabalho, mas com meios inteiramente diferentes. Muita gente que estuda a arte chegou à conclusão de que a única coisa que a arte mostra são as relações entre os homens, não o mundo. Por mais que olhemos sua escultura ou vejamos sua dança e seu canto, não vamos ver o mundo. E então não vamos acordar em relação à Amazônia. Em outras palavras: a arte, em vez de revelar o mundo que está aqui, o esconde ainda mais. Talvez por isso você sinta a necessidade de colocar sua foto junto. Sua foto cava um buraco nessa camada de arte que você coloca por cima. E abre espaço para o mundo, pois só a arte não vai mostrar o mundo.

MONK - Só a arte vai mostrar o mundo, não? Mas você diz que, só com esculturas, não teremos informação sobre o mundo.

TEIXEIRA COELHO- Nada saberemos do mundo. Só veremos um trabalho belo, a idéia do belo.

MONK - Que também é uma idéia forte. Não sei se conseguiríamos uma ação política real a partir da visão de uma escultura. Sinto que, em nossa cultura, especialmente hoje -com velocidade e informação demais-, podemos, com nossas apresentações, quebrar certos hábitos de percepção, literalmente parar padrões habituais desse nosso sono.

É assim que se podem acordar as pessoas.

Se podemos torná-las cientes de seus próprios hábitos de percepção -não necessariamente estamos falando de algo tão específico quanto a Amazônia, e os artistas são especialistas em percepção-, eliminamos o blablablá, de modo a fazer pensar no agora.

É isso que podemos fazer como artistas. Não sei se conseguimos chegar a pôr as pessoas em ação.

MADALENA BERNARDES - E o blablablá a respeito de arte atrapalha a percepção das pessoas. Impede que as pessoas entrem desarmadas para a obra.
É pior no Brasil, onde os artistas não são respeitados.

MONK - Sabe o quê? É pior ainda nos EUA. Lá, tudo é commodity, incluindo arte. Uma pessoa meditando, uma imagem zen, e a pergunta: que carro devo comprar? É assim a propaganda. Tudo é uma questão de comprar.

E minha atitude política como artista norte-americana é recusar-me a fazer isso. Tomar uma posição anticommodity, fazer obras que não possam ser commodities. O Brasil vive um tipo de confusão, os EUA vivem outro; mas é, basicamente, confusão. No budismo, um dos "venenos" é a confusão.

KRAJCBERG - Você percebeu que [meu trabalho] não tem imagem do homem. Depois da guerra, meu grande desejo era fugir do homem. Que arte eu poderia fazer? Defender a vida.

E lutar contra esse barbarismo praticado. Como ser passivo, esquecer?

Até o fim de minha vida ela [essa arte] vai estar presente.
Se eu pudesse trazer as três montanhas de lixo [de homens mortos, em campo de concentração na Segunda Guerra], é isso que gostaria de fazer.

MONK - O que ele faz, suas experiências de vida -essa é a autenticidade de sua existência. É como se ele tivesse de trilhar esse caminho, como se não houvesse outra possibilidade.

Sua arte tem de seguir sua verdade. Cada artista tem de procurar sua verdade, o que dar ao mundo, e seguir esse caminho.

FOLHA - E para onde a sra. vai?

MONK - Sigo minha experiência. Espero ter sabedoria, que minha visão se abra, aspiro a fazer algo que seja benéfico.

Posted by João Domingues at 9:39 AM