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Como atiçar a brasa

 


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março 22, 2017

Novas regras da Rouanet ampliam fiscalização e transparência e descentralizam acesso à Cultura, MinC

Novas regras da Rouanet ampliam fiscalização e transparência e descentralizam acesso à Cultura

Notícia originalmente publicada no sítio do Ministério da Cultura em 21 de março de 2017.

O Ministério da Cultura anunciou nesta terça-feira (21/3) um pacote de mudanças que vai corrigir as principais distorções da Lei Rouanet. Os mecanismos estabelecidos pela nova Instrução Normativa (IN 1/2017), que substitui a publicada em 2013 (IN 1/2013), visam garantir os fundamentos da Lei: fomentar a cultural nacional de forma descentralizada, democratizando o acesso aos recursos do incentivo fiscal e aos produtos culturais oriundos dos projetos apoiados via Lei Rouanet. As novas normas evitam a concentração por proponente (pessoa física ou jurídica que apresenta o projeto), por região do país, por projeto e por beneficiário (público que consome cultura).

Foram também criadas ferramentas tecnológicas para aumentar o controle, a fiscalização e a transparência dos projetos, que passarão a ter prestação de contas em tempo real. Além disso, as novas regras otimizam os fluxos de análise de projetos, o que deve reduzir o tempo médio entre a admissão de um projeto e sua execução e desonerar os gastos do Estado com a análise de projetos sem perspectiva real de viabilidade de execução.

Ao apresentar a nova IN, o ministro da Cultura, Roberto Freire, defendeu as alterações como resposta às críticas feitas à Lei de forma a garantir sua manutenção como principal mecanismo de incentivo à produção cultural do Brasil. "Algumas críticas eram pertinentes, como a concentração de recursos, priorizando determinadas regiões. Os resultados do desmantelo que o País sofreu num processo de desgaste que afetou o Ministério da Cultura e a Rouanet também exigiam de nós uma posição mais ofensiva, de definição de caminhos".

"Tivemos como principal preocupação a transparência dos processos. No Brasil de hoje, o acompanhamento da prestação de contas em tempo real é um avanço muito importante que será trazido à Lei Rouanet com a vinculação da conta única do Banco do Brasil e a publicação da movimentação dos recursos públicos no Portal da Transparência. Isso proporcionará que o passivo pendente de análise existente em cerca de 18 mil projetos seja desbastado", destacou o ministro.

Freire ainda explicou que as questões passíveis de regulamentação puderam ser realizadas via Instrução Normativa, sem a necessidade de uma reforma legislativa neste primeiro momento. "Com a IN não vamos engessar. Se efetivamente não tivermos respostas, poderemos fazer novas alterações, sempre levando em consideração as contribuições de produtores culturais e demais grupos diretamente envolvidos. Por ser IN, poderemos produzir quaisquer alterações sem atropelo naquilo que será apresentado como resultado para a cultura brasileira".

Seguem, abaixo, as principais soluções que a nova Instrução Normativa traz para sanar os gargalos atuais:

CONTROLE, FISCALIZAÇÃO E TRANSPARÊNCIA DOS PROJETOS CULTURAIS

Cenário atual: Ministério da Cultura acumula um passivo de 18 mil projetos culturais apoiados via Rouanet com prestação de contas pendentes de análise. A falta de uma ferramenta tecnológica para inserção eletrônica de notas fiscais contribuiu para o acúmulo de processos, pois as notas eram enviadas fisicamente (em papel) ao MinC.

Nova regra:
A prestação de contas será feita em tempo real a partir de um novo modelo de transação eletrônica, por meio de conta vinculada do Banco do Brasil, que possibilitará a comprovação virtual dos gastos. Estes serão informados ao MinC pelo Banco do Brasil em 24 horas após a movimentação da conta. O pagamento com recursos fruto de incentivo fiscal do governo ainda estará disponível no Portal da Transparência para o controle social. A medida vai evitar a utilização indevida dos recursos e permitir a identificação rápida de possíveis ilícitos cometidos. A movimentação dos recursos captados estará disponível no Portal da Transparência e será acessível a toda a sociedade.

O sistema eletrônico do MinC de apresentação de propostas culturais será interligado à Receita Federal, e terá trilhas de verificação de riscos, o que tornará possível a identificação imediata de proponentes com pendências com a União. As trilhas identificarão ainda a relação entre proponentes e fornecedores, alertando sobre conflitos de interesse na condução dos projetos.

DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO AOS RECURSOS DO INCENTIVO FISCAL E DA PRODUÇÃO CULTURAL

Cenário atual: Nos últimos anos, empresas de grande porte foram responsáveis por enormes captações para a execução de projetos culturais utilizando-se de incentivo fiscal. A instrução normativa de 2013 não limitava a lucratividade de projetos incentivados com recursos públicos. Pela antiga regra, não havia limite de captação para valor do produto cultural (ingresso, catálogos, livros) nem teto de captação por projeto.

Nova regra:
Em um ambiente de escassez de recursos públicos e de grandes desafios na democratização do acesso, a nova instrução normativa estabelece limites anuais de captação de recursos por proponente e por projeto cultural, e ainda define o valor de cada item orçamentário. Também foi estabelecido limite de valor médio dos produtos culturais (ingressos, catálogos, livros) da ordem de R$ 150. Estes limites atendem uma demanda do Tribunal de Contas da União (TCU) que, em 2016, publicou acórdão recomendando ao MinC não aprovar projetos com excessiva lucratividade.

O valor dos tetos pode chegar a, no máximo, R$ 10 milhões por projeto, e a R$ 40 milhões por proponente/ano.

O teto por projeto é escalonado de acordo com o perfil do proponente: 1. Micro Empresário Individual (MEI) e Pessoa Física terão valor máximo de R$ 700 mil, com até quatro projetos; 2. Para os demais empresários individuais (EI), o valor máximo é de R$ 5 milhões, com até seis projetos; 3. Para Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), Sociedades Limitadas (Ltda) e demais pessoas jurídicas, o valor máximo é de R$ 40 milhões, com até dez projetos. Estão isentos destes limites de captação de recursos produtos culturais que tratem do patrimônio, área museológica e Planos Anuais, devido à especificidade do alto custo dos mesmos.

Limite de lucratividade: a bilheteria ou o valor dos produtos culturais não podem ser maiores do que o custo total do projeto aprovado pelo MinC. Do total do valor do projeto, no máximo 20% poderá ser gasto com divulgação.

O produto cultural (espetáculo, show, teatro etc) deverá utilizar, no máximo, R$ 250 por beneficiário (público consumidor) – assim evita-se que projetos muito onerosos atendam um público restrito.

O custo de cada item orçamentário deverá estar de acordo com um modal de precificação, o que deve orientar o pagamento para contratação de fornecedores. Os valores foram estabelecidos a partir de uma métrica do que realmente foi apresentado pelos projetos que tiveram apoio via Lei Rouanet desde 2009.

DESCONCENTRAÇÃO REGIONAL E EQUILÍBRIO DA DISTRIBUIÇÃO DE ACESSO À CULTURA

Cenário atual: 80% dos projetos culturais apoiadas via incentivo fiscal (Lei Rouanet) se concentram na Região Sudeste. Em seguida vem a região Sul, com 11% dos recursos captados. A Região Nordeste capta 5,5%. A Centro-Oeste, 2,6%. E o Norte fica com apenas 0,8% dos recursos captados. Na regra antiga, não havia incentivo para desconcentração.

Nova regra: Projetos integralmente realizados nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm um teto maior, de R$ 15 milhões por projeto. Os custos de divulgação também podem ultrapassar os 20% do valor do projeto e chegar a 30%. Quem quiser apresentar mais do que o limite por perfil do proponente, terá um aumento de 50% no número de projetos e no valor total deles.

REDUÇÃO DE CUSTOS PARA O ESTADO

Cenário Atual: Atualmente, a cada quatro projetos aprovados pelo MinC, apenas um consegue captar os 20% necessários ao começo da sua execução – o que classifica o projeto como "executável". Portanto, o MinC despende recursos financeiros na contratação de pareceristas e tempo na emissão de pareceres técnicos de projetos sem efetiva possibilidade de execução., Não há atualmente exigência para que o proponente (pessoa física ou jurídica que apresenta o projeto) comprove que o seu projeto é "executável" antes de encaminhá-lo a um parecerista.

Nova regra: Antes de enviar o projeto para um parecerista, o Ministério vai priorizar os projetos que já tenham captado 10% dos recursos do orçamento aprovado. Deste modo, serão analisados com prioridade projetos com maior chance de execução viável.

Posted by Patricia Canetti at 8:38 PM

Crise faz Fundação Iberê Camargo perder mais de 15 mil visitas por Júlia Corrêa, Estado de S. Paulo

Crise faz Fundação Iberê Camargo perder mais de 15 mil visitas

Matéria de Júlia Corrêa originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 18 de março de 2017.

Prédio projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza em Porto Alegre apresenta aspecto descuidado

No ano de 2007, Porto Alegre ganhou projeção inédita na imprensa internacional. O despertar do interesse de veículos como o New York Times devia-se à inauguração, na cidade, de um imponente prédio projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza, encomendado para abrigar a Fundação Iberê Camargo (FIC). A instituição, então coordenada por Maria Coussirat Camargo, viúva de Iberê, havia sido criada em 1995 para promover e preservar o legado do artista gaúcho. Com a nova sede, cerca de cinco mil obras e 20 mil documentos ganhavam, finalmente, um espaço apropriado.

A escolha de um arquiteto de renome não foi fortuita. Segundo o professor e cientista político Fernando Schüler, primeiro diretor da instituição, correspondia à estratégia de integrar Porto Alegre ao circuito artístico nacional e mundial. Antes da inauguração, o projeto inovador conquistou, em 2002, o Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza. Ao longo dos anos, quem entrasse no museu teria a chance de conferir exposições de porte raro para padrões nacionais, como a dos pintores italiano Giorgio Morandi, em 2012, e sul-africano William Kentridge, em 2013; além do escultor italiano Marino Marini, em 2015.
Hoje, quem passa em frente ao prédio que se tornou cartão-postal da cidade encontra um cenário bem menos promissor. Fachada com aspecto de descuido e portas que permanecem quase sempre fechadas são apenas alguns dos reflexos da crise que, desde 2015, acomete a FIC. Em 2014, a FIC teve 71.829 visitantes. No ano seguinte, com a crise, passou para 70.674. Em 2016, a queda foi brusca, para 53.589 pessoas. Dependente exclusivamente de financiamento privado, a instituição viu seus recursos minguarem com a recessão econômica do País e do Rio Grande do Sul. A notícia inicial foi de que Vonpar, Itaú, Gerdau, Votorantim, IBM e Intercement reduziram em cerca de 30% os investimentos via patrocínio direto e leis de incentivo à cultura.

Dentre as empresas, era com a Gerdau que a instituição mantinha vínculo mais estreito. Havia nisso marcas de uma empreitada pessoal. Amigo de Iberê Camargo e admirador de sua obra, o empresário Jorge Gerdau esteve à frente de todo o processo de criação da FIC. O impacto causado pela redução do aporte financeiro coincidiu, ainda, com sua saída da presidência do conselho de administração da gigante da siderurgia. “O doutor Jorge teve o mérito de buscar atender a todos os desejos de Iberê”, ressalta Adriana Boff, ex-coordenadora editorial da casa, referindo-se a iniciativas como a Bolsa Iberê Camargo e o Programa Artista Convidado do Ateliê de Gravura.

Até deixar a instituição, Adriana cuidava diretamente de outro importante projeto, a produção do catálogo raisonné do artista. Segundo ela, a equipe vinha de um período eufórico de comemoração do centenário de Iberê Camargo, em 2014, quando precisou enfrentar o corte de verbas. “Não tivemos o tempo adequado para reestruturar atividades”, relata. Já em 2015, os principais projetos foram suspensos. No ano seguinte, funcionários foram demitidos, a catalogação da obra foi interrompida, e o museu anunciou a redução de seu horário de funcionamento para apenas dois dias da semana (atualmente, o espaço mantém uma exposição apenas com obras do acervo).

Superintendente cultural da FIC desde 2007, Fábio Coutinho lembra que a crise eclodiu no momento em que se iniciava um projeto de exposições internacionais, com mostras que iriam para Itália, Portugal e Alemanha. “Foi muito difícil telefonar para os museus e avisar que não poderíamos mais realizá-las. Felizmente, tudo foi perfeitamente compreendido, porque não há instituição artística no mundo que já não tenha passado por uma crise”. Outro caso emblemático pode ser visto no próprio Rio Grande do Sul. Em dezembro do ano passado, a Fundação Bienal do Mercosul chegou a anunciar o adiamento para 2018 da 11ª edição do evento, que deveria ocorrer neste ano. A aproximação entre esses casos revela, porém, uma semelhança intrínseca, que diz respeito ao modelo de financiamento. Em que medida as instituições deixaram de reconhecer os riscos nele existentes para que pudessem resguardar-se de eventuais falhas em seu funcionamento?

O empresário e colecionador Justo Werlang, que assumiu o cargo de diretor-presidente da FIC em dezembro, pondera que, quando se executa um projeto “elogiadíssimo”, em que a equipe cumpre padrões de excelência, existe uma tendência natural à acomodação. O executivo argumenta, entretanto, que inexiste no País uma legislação que incentive a criação de fundos de reserva capazes de garantir autonomia e estabilidade às organizações.

Com artigo publicado sobre o assunto, o professor Schüler constata a tradição, no Brasil, de dependência do financiamento estatal e empresarial, em detrimento de uma cultura de filantropia individual e de constituição de fundos patrimoniais. Ele salienta que, em países como Estados Unidos e Canadá, grandes orquestras, centros de arte e universidades desenvolveram historicamente o endowment fund, mecanismo de aplicação financeira do qual as entidades retiram apenas os resultados líquidos para custear seu orçamento. Dentro de suas possibilidades, a FIC iniciou, em dezembro, uma campanha para receber deduções do imposto de renda de pessoas físicas.

De acordo com Werlang, a ação não solucionou o problema, mas serviu para revelar a preocupação da sociedade. Não são poucas as queixas, por exemplo, sobre a sujeira da parte externa do prédio, que não recebeu a última limpeza semestral. O setor financeiro não divulga números, mas a manutenção do edifício é um dos itens mais dispendiosos.

Para se reerguer, a FIC também deve seguir indicações de uma consultoria, que sugeriu a interação maior com o público e a promoção de ações interligadas a outras áreas artísticas. A ideia é dissociá-la da imagem de um museu, para “que não apenas seja, mas que, ao englobar outras atividades, tenha um espaço expositivo”, explica Werlang, que diz não acreditar no risco de o reposicionamento levar a uma perda de identidade. Segundo o diretor, a figura do curador residente ajudará a evitar possíveis inconsistências. No início de março, a FIC anunciou o nome do professor e crítico de arte Bernardo José de Souza para exercer a função inédita.

Em livro sobre Iberê Camargo, a historiadora da arte Vera Beatriz Siqueira conta que, para ele, “um quadro pronto não servia para nada além de lhe fornecer os meios para continuar pintando e apontar os problemas da obra seguinte.” Na nova fase da instituição, este espírito irrequieto do artista pode se tornar um dos legados mais valiosos a ser preservados.

Posted by Patricia Canetti at 8:32 PM

março 19, 2017

Documenta expande fronteiras até Atenas por Fabio Cypriano, ARTE!Brasileiros

Documenta expande fronteiras até Atenas

Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na revista ARTE!Brasileiros em 17 de março de 2017.

Pela primeira vez, duas cidades abrigam a exposição realizada a cada cinco anos; nesta edição, Kassel, na Alemanha, compartilha a sede da mostra com a capital grega

Dividida entre Atenas e Kassel, a documenta 14 será aberta no dia 8 de abril na capital grega, inovando em vários pontos de seu formato. Realizada a cada cinco anos, em Kassel, na Alemanha, a mostra tornou-se o evento mais significativo da arte contemporânea no mundo, justamente por repensar os parâmetros para o significado de uma exposição.

Em sua 14ª edição, a documenta tem como título de trabalho Aprendendo de Atenas, justamente porque seu diretor artístico, o curador polonês Adam Szymczyk, passou a viver na Grécia, onde a mostra vem sendo concebida.

“A ideia de uma documenta 14 bilocalizada, compartilhada e dividida entre Atenas (onde a mostra se transforma em convidada) e Kassel (seu local de nascimento e sede desde sua criação em 1955), surgiu contra qualquer forma de redução dos conceitos de identidade, pertencimento, raízes e propriedade em um mundo que está visivelmente em colapso”, escreveu o curador na primeira edição de South as a State of Mind (“o sul como um estado da mente”), publicação grega que terá quatro números assumidos pela documenta durante a realização do evento.

Esse tipo de ação – a realização de parcerias – está nas bases da concepção desta edição da documenta. Em seu site, por exemplo, vêm sendo postados os vídeos do coletivo de cineastas sírios Abounaddara, que produziu mais de 300 trabalhos desde 2015, disponíveis em suas páginas no Facebook e no Vimeo.

Em Atenas, apesar dos mistérios sobre a organização da mostra e dos artistas que dela vão participar (cerca de cem), sabe-se que muitos espaços da cidade serão ocupados pela programação, entre eles o centro cultural Kunsthalle Athenas, dirigido por Marina Fokidis, responsável pelo escritório grego da documenta.

Desde sua criação, a mostra tem uma duração de cem dias. Sua concepção foi uma reação à Mostra de Arte Degenerada, organizada por ordem de Hitler como forma de demonizar a arte moderna. A documenta, assim, surgia como “museu dos cem dias”, que pretendia recolocar a arte moderna na Alemanha dizimada no pós-Segunda Guerra.

Desde então, seu formato foi sendo repensado. “100 dias – 100 convidados”, por exemplo, foi a forma como Catherine David , em 1997, encontrou para tornar a mostra viva e dinâmica, tendo eventos diários em seu projeto. Agora, a mostra se estende além do tempo usual e prossegue por 163 dias – a partir de sua abertura em abril em Atenas, passando pela inauguração em Kassel em 10 de junho.

A ousadia da exposição é possível por uma conjunção de fatores: primeiro porque seu responsável e o projeto que ele inscreveu são selecionados por uma equipe de curadores e diretores de museus de renome e que dão independência a seu organizador. A divisão da mostra entre duas cidades, por exemplo, fazia parte do projeto de Szymczyk e, por conta da estratégia, ele teve respaldo para a alteração radical da concepção da documenta, inclusive no número de dias.

Além disso, selecionado quatro anos antes da abertura da mostra, o curador tem tempo suficiente para a pesquisa, o desenvolvimento de projetos e o envolvimento de artistas, como nenhuma outra mostra. Finalmente, o orçamento polpudo, em geral cerca de 20 milhões de euros, torna a mostra de fato única em valor.

Apesar de a mostra ter início em abril, ela de fato já iniciou sua grade, como considera Szymczyk, por meio de South as a State of Mind e dos programas públicos que estão sendo realizados desde o ano passado, todos disponíveis no site da documenta. A exposição, por mais importante que seja, é, portanto, uma das diversas plataformas do evento.

Posted by Patricia Canetti at 2:11 PM

março 15, 2017

Prefeitura vetará grafites políticos em edital de arte de rua por Gustavo Fioratti, ARTE!Brasileiros

Prefeitura vetará grafites políticos em edital de arte de rua

Matéria de Gustavo Fioratti originalmente publicada na revista ARTE!Brasileiros em 10 de março de 2017.

“A gente espera que num futuro a gente tenha liberdade para escrever o que a gente acredita”, diz Mauro Neri, grafiteiro contratado para elaborar projeto

Grafiteiros que aderirem ao projeto Museu de Arte de Rua, que a Prefeitura de São Paulo lançou nesta sexta (10) para “promover intervenções de arte em paredes e muros de áreas públicas”, não poderão fazer qualquer tipo de manifestação política em seus trabalhos, especialmente contra partidos e governos. Também serão vetadas manifestações de natureza religiosa.

A regra foi confirmada hoje, em coletiva de imprensa, pelo secretário de cultura André Sturm. Estavam presentes o prefeito João Dória, além de dois artistas que participam da elaboração do projeto, Binho e Mauro Neri.

“A comissão dos grafiteiros [que avaliará os projetos], junto conosco, propuseram, e a gente colocou no edital, que não serão permitidas manifestações de cunho religioso, político ou discriminatórias. Então esse tipo de manifestação não será permitido nas obras”, respondeu Sturm.

Conforme anunciado, a prefeitura vai destinar R$ 200 mil ao edital. O recurso terá origem em arrecadação com patrocinadores. Os artistas selecionados poderão indicar as áreas que pretendem ocupar, com a condição de que sejam públicas.

“A ideia é que a gente tenha mais liberdade, e não que a gente precise ter autorização sempre pra fazer, para passar as mensagens que a gente julga importantes, mas isso vai ser aos poucos, talvez não seja em quatro anos que a gente vai conseguir colocar isso”, complementou o grafiteiro Mauro Neri.

“A gente tem que criar um diálogo para que ambos os lados aprendam com esse tipo de manifestação. Mas a gente espera que num futuro a gente tenha liberdade para escrever o que a gente acredita”

Posted by Patricia Canetti at 2:59 PM

A universidade de Artes transforma arte política em transtorno mental por T. Angel, frrrkguys

A universidade de Artes transforma arte política em transtorno mental

Entrevista realizada por T. Angel originalmente publicada no Beautification, Body Art & Body Modification Culture em 10 de março de 2017.

Quando fiz a minha primeira performance em 2005, FUR era o seu título, dentro de uma Universidade, costurei os meus lábios com agulha e linha, cortei repetidamente o meu corpo e usei o meu sangue como construção desse processo criativo. Era uma performance que aconteceu dentro de uma Universidade de Moda para denunciar o consumo de pele animal dentro da Indústria da Moda. No dia seguinte recebi a informação que não poderia mais repetir algo do tipo, isto é, usar o meu sangue como usei, pois ali era uma Universidade de Moda e não de Arte. Assim como eu quantas e quantos artistas mais?

Muitos e muitas artistas da performance ao redor do mundo já foram parar na prisão ou receberam pressão policial para o encerramento de determinada ação performática, principalmente quando em espaço público, como exemplo, o artista russo Pyotr Pavlensky, Muitos e muitas artistas ao redor do mundo já receberam ameaças de morte por conta de seus trabalhos de performance, por exemplo, o artista espanhol Abel Azcona pelo trabalho Desenterrados (2015). No Brasil, temos o caso da artista Pêdra Costa pelo trabalho Sem Título (2010), também conhecido como A performance do Terço ou A descolonização do corpo, o caso do artista Yuri Tripodi pelo trabalho Ul-traje para ocasiões fúnebres (2014) e o caso da artista Priscila Toscano com o trabalho Máfia (2016). Todos os casos citados ganharam gigantescas proporções na grande imprensa (inclusive internacionalmente), por estarem friccionando questões como a religião, o gênero, a nudez, os bons costumes e, sobretudo, o que um corpo pode ou não fazer. Acho importante incluir ainda, que nada disso é novo, já em 1931 o artista Flávio de Carvalho sofria sérias ameaças de linchamento público pelo trabalho Experiência n. 2.

Agora, mais um caso vem a somar com essas histórias individuais que se misturam com a História da Arte Contemporânea, especificamente a história da arte da performance. Assim, entrevistamos Edilson Militão, estudante de Artes Visuais no Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri, Ceará, para entendermos o que tem acontecido desde que ele passou a usar o seu próprio corpo em seu trabalho no campo da performance art. Não nos prolongaremos mais na introdução, pois consideramos de suma importância que se leia as próprias palavras do jovem estudante e artista.

T. Angel: Antes de qualquer adiantamento em nossa conversa, gostaria que você falasse um pouco sobre os seus interesses em arte e que nos contasse sobre o seu trabalho enquanto performer.

Edilson Militão: Sou estudante da licenciatura em Artes Visuais no Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri, num curso que pretende formar artistas, professorxs e pesquisadorxs. Sou filho de trabalhadores que nunca sonharam com a possibilidade da Universidade Pública. O meu interesse por pesquisar, ensinar e produzir arte é também o meu interesse por revolução social. O meu interesse por arte contemporânea, performance arte, anti-arte, não-arte, arte política e arte abjeta surge desde as primeiras reflexões a respeito do próprio sentido da arte enquanto deleite estético assegurado para as elites econômicas e intelectuais. Os estudos da performance arte me interessaram pela relação do uso do corpo como material fundamental e pela maleabilidade dessa característica, e quando percebi o poder da subversão e da iconoclastia no estudo e na produção de imagens políticas nas quais o corpo é, ao mesmo tempo, o objeto e o conceito. A minha satisfação de criar e/ou de subverter algo criado, a priori para a apreciação de classes privilegiadas, ressignificando e recosturando os espaços de fala dentro da elite intelectual (cartesiana e eurocêntrica) e do mercado das artes, é maior do que o desejo de apreciar o objeto artístico na condição de público. O meu interesse por arte surge da necessidade. É uma necessidade política por transformação social a partir do meu corpo de viada, nordestina, preta, pobre e precária, e da necessidade de contra atacar os cis-temas héterocapitalistas e ectoparasitários que tentam controlar e exterminar a existência dos corpos dissidentes não normativos, das populações marginalizadas e periféricas. Os trabalhos de vários artistas e performers me influenciam são o Coletivo Coiote, Pêdra Costa, Elton Panamby, Bartira Dias, Fakir Musafar, Filipe Espindola, Orlan, Jota Mombaça, Flávio de Carvalho, Acionistas Vienenses, Juma Marruá, Movimento de Arte Pornô, Coletiva Vômito, Allan Kaprow, Piotr Pavlenski, Sergio Zevallos, Grupo Chaclacayo e até mesmo o Fluxus, por terem sido decisivos ao meu desejo inicial de pesquisar a linguagem da performance, seu processo de criação e produção, e suas repercussões nos meios em que ocupamos.

Nas performances e nos happenings que criei e apresentei, faço uso do meu corpo enquanto organismo pulsante, preto e indígena, sendo este organismo a zona de ação que nega a hierarquia e submissão a sinhás e sinhozinhos. Minha poesia e meu processo partem do tema da violência e do corpo marginal que reivindica local de fala confrontando os territórios de poder. Minhas ações são experimentos performáticos rizomáticos que tratam da história colonial denunciando sua violência contemporânea, como no caso do racismo institucional e abusos de poder. Um dos casos específicos acontece na universidade em que estudo, a URCA – Universidade Regional do Cariri, no interior do Ceará, porém são casos facilmente reconhecíveis em qualquer universidade do país.

T. Angel: Você estuda Artes Visuais na Universidade Regional do Cariri (URCA). Como tem sido sua relação e vivência nesse espaço?

Edilson Militão: Aterradora. Tenho sofrido perseguições contínuas, ouvindo insultos e ameaças constantemente, quase diariamente, desde que apresentei minha primeira performance que trazia críticas aos já existentes e crescentes casos de assédio e abuso de poder. Existe uma carta repudiando a mim e às minhas performances, escrita por um grupo de professores deste centro de artes. É difícil falar sobre a convivência neste espaço.

T. Angel: Você está enfrentando 4 processos pela Universidade, correto? Poderia nos contar um pouco sobre essa situação?

Edilson Militão: Correto. Após a publicação da “Moção de Repúdio Endereçada às Instituições de Ensino Superior de Artes do Brasil”, em 06 de maio de 2016, no site oficial da URCA, eu processei o Centro de Artes da Urca. A moção foi escrita por professores, a princípio com o nome de todos, mas quatro retiraram seus nomes, e tem o claro objetivo de me criminalizar, patologizar e punir causando danos difamatórios. Além de justificar o fato de terem chamado o SAMU e a PM para dentro da Universidade durante minha performance, afirmaram que a morte do meu pai, que faleceu na mesma época, foi o motivo para eu desenvolver transtornos psicológicos. No processo por danos morais foi pedida a retirada da Moção e publicação de pedido de desculpas pela universidade. Como resposta o Centro de Artes se negou a retirar a Moção e abriu quatro processos para investigar as denúncias administrativas feitas contra mim, que também foram anexados na defesa jurídica do centro de artes. Num dos memorandos requerendo a abertura de medidas administrativas contra mim, uma professora pede punição penal para mim e pede para que eu seja obrigado a passar por tratamento psiquiátrico e psicológico compulsório. Num outro, esta mesma professora pede que eu seja recluso de liberdade, pois “ofereço risco de vida pra mim e para outros estudantes”. Usaram, inclusive, o termo “homem comum”, alegando que eu não sou um “homem comum” e que por isso mereço reclusão de liberdade.

T. Angel: Especificamente a parte em que alegam que você seja doente mental, partiu de onde exatamente?

Edilson Militão: Isso está sendo alegado em 6 momentos: na Moção de Repúdio, na defesa jurídica do Centro de Artes e em cada um dos 4 memorandos requerendo a abertura de medidas administrativas contra mim. Eles repetem a cada parágrafo do processo que um performer que, durante uma performance, tem coragem de tirar a roupa e/ou perfurar-se, é declaradamente louco! Isso é um absurdo, visto que minha performance é baseada em pesquisa sobre o corpo como suporte e material, no corpo como base de criação artística e na body art e também nos escritos e pesquisas de Roselee Goldberg, Renato Cohen, Jorge Glusberg, Beatriz Ferreira Pires, Jean-Jacques Lebel. Basta conhecer qualquer livro que trata especificamente do uso do corpo na performance para entender a diferença entre patologização e arte. Bem, como começaram a afirmar isso eu realmente não sei, já que nenhum dos professores que alegam isso é médico e, portanto, nenhum deles está apto a deferir laudo psiquiátrico a ninguém. Saliento ainda que no processo não consta parecer de nenhum médico psiquiatra ou psicólogo, não consta nenhum laudo. Há apenas suposições a partir das leituras sobre as minhas performances. Antigamente, na história das sociedades, declaravam mulheres de bruxas para então puni-las. Depois, com o advento da psicanálise, passaram a patologizar vítimas de perseguição para deslegitimar suas denúncias e assim inverter os papéis entre agressor e agredido.

T. Angel: Além de você, existem outras pessoas que passaram situação similar que você conheça?

Edilson Militão: Sim, várias. No caso do assédio moral, pelo menos 9 professores já pediram afastamento, demissão, transferência ou até mesmo exoneração de seus cargos alegando perseguições e assédio moral. Os casos de alunos perseguidos também são constantes, principalmente alunos que tiveram algum vínculo com professores que denunciaram as situações de assédio. No meu caso, comecei a sofrer pequenas retaliações desde que me tornei bolsista da professora Dra. Cristina Dunaeva. Estas retaliações cresceram e atingiram níveis perigosos, caracterizando-se como perseguições depois das apresentações de minhas performances. Em outro caso o professor diretor xingou e ameaçou publicamente um aluno bolsista, inclusive este foi denunciado durante assembléia estudantil e registrado em Ata de Reunião, que eu sempre solicitei ao C.A. do curso, mas nunca me entregaram, provavelmente por conivência com a situação ou por medo de retaliações. No caso do racismo e homofobia, a URCA tem um longo histórico em todos os campi desta IES. Como o caso de um aluno gay de História que foi perseguido com pichações nas paredes dos banheiros e até mesmo com ameaças de morte racistas deixadas em bilhetes no seu caderno durante intervalo de aulas. Posso citar também uma ativista negra, do Pretas Simoa – Grupo de Mulheres Negras do Cariri, que foi processada pelo departamento de História da URCA, por estar denunciando o descaso da Universidade diante dos casos cada vez mais agressivos de racismo dentro de seus espaços. Uma professora e sua companheira também já foram vítimas de pichações racistas nas paredes das salas de aula.

T. Angel: Parece-me que o uso da nudez, fluído corporal (sangue, no caso) e manuseio do corpo através de perfurações, tenha sido um problema para a instituição. O que é um problema quando isso parte de uma universidade de artes, pois aponta um desconhecimento sobre toda produção no campo da performance art, principalmente aquela que vem sendo produzida pós Segunda Guerra Mundial. Fale-nos um pouco sobre isso.

Edilson Militão: Lembro-me de um texto elaborado por um grupo de alunos de uma disciplina ministrada por Lucio Agra, na Graduação em Comunicação das Artes do Corpo da PUC-SP em 2008/2009. O texto, no qual tive acesso durante uma aula da disciplina optativa de performance, que cursei no início de 2016, no C.Artes da URCA, é intitulado de “Kit Performance”. O kit reúne um conjunto de objetos-clichê, como “Tinta-sangue” e fotos de performers pelados, que podem ser encontrados com frequência em muitas performances, ajudando a refletir sobre o próprio processo de repetição e redundância pelo qual passa qualquer forma de arte… Estudando as ações produzidas por vários precursores da performance arte, datando desde as primeiras manifestações do Futurismo italiano, é fácil reconhecer os tipos de transformações que esta linguagem artística trouxe à arte produzida no século XX, principalmente após Segunda Guerra. Allan Kaprow, por exemplo, um dos pioneiros no estabelecimento da performance arte, conceituou alguns de seus Happenings com a ideia de não-arte, justificando a negação aos meios tradicionais de produção de arte, buscando englobar no seu trabalho tudo que não era aceito institucionalmente como arte e até mesmo objetos que não possuem características que os qualifiquem, a priori, como arte. Roselee Goldberg, que tem um livro base para a historiografia internacional da linguagem, fala do uso da performance como meio para artistas, de diferentes épocas, tornarem públicas suas ideias mais transgressoras, citando a performance como ação artística usada como arma contra os convencionalismos da arte instituída e meio de destruição de estruturas vigentes, estabelecendo novos rumos para a arte. Quanto ao uso de nudez e sangue na performance, basta citar Marina Abramovic ou o Grupo EmpreZa, que exploram as relações de limites do corpo, pondo o corpo em risco, etc. Os Acionistas Vienenses e suas ações, destacando a performance de 1968 “Kunst und Revolution”, foi apresentada dentro de uma aula numa Universidade na qual os performers estão nus, se cortando com lâminas e expelindo os mais diversos fluidos corporais como sangue, urina e fezes. Na História da Linguagem da Performance são inúmeros exemplos de performances que exploram o corpo e seus fluídos como material e suporte, colocando os corpos em risco de vida, corpos cortados, cagados, mijados, queimados, NUS.

T. Angel: Houve um caso de tentativa de agressão após uma performance que você realizou. Conte-nos sobre isso. Fale sobre o trabalho e de onde partiu a tentativa de agressão.

Edilson Militão: Sim. Criei e apresentei uma performance alegórica à uma lenda contada por minha avó na infância, uma senhora muito católica que habitou região de floresta na Chapada do Araripe, na qual espíritos celestes da primeira hierarquia dos anjos, os serafins, segundo as crenças da teologia católico-cristã, perfuravam as pontas dos dedos das crianças desobedientes aos seus pais. Num dado momento, no decorrer das ações da performance, introduzi agulhas nas pontas dos dedos das mãos. Durante as perfurações eu me deparo com a presença do SAMU dentro do pátio do campus. Os paramédicos disseram que foram chamados por um professor que os informou haver um aluno sofrendo de crises e transtornos psicológicos. Ativistas Movimento de Mulheres Negras do Cariri, Pretas Simoa, estavam presentes para assistir a performance e precisaram intervir para que eu não fosse levado pelo SAMU. Pouco tempo depois, duas viaturas da PM entraram no campus. Policiais com armas em punho dentro de uma Universidade Pública. Um professor do Departamento de Letras assistia a performance enquanto gravava imagens de várias pessoas integrantes de movimentos sociais intervindo entre os policiais para explicar que se tratava de uma performance e não de um crime, como eles haviam sido informados. Depois de muita conversa, SAMU e PM foram embora e a apresentação terminou. Fui esperar o ônibus na porta da Universidade, junto com amigas do Pretas Simoa, e 3 homens nos abordaram. Um deles pegou no meu ombro e me sacudiu dizendo que eu estava manchando a imagem do Diretor do Centro. Os outros dois chegaram por trás na tentativa de nos cercar, concordavam entre si aos gritos e diziam que estavam defendendo a honra do Diretor. Minhas amigas entraram na frente e peitaram os 3 caras que tentavam a todo custo me alcançar por trás delas. Foi aí que corremos todas para dentro da Universidade novamente, para dentro da sala da direção. Um dos agressores nos seguiu até dentro da sala e, na frente de todos os presentes, cumprimentou com intimidade e cordialidade o Diretor do Centro de Artes. Nesse momento a segurança foi chamada e o agressor que nos seguiu foi colocado para fora. Foi feito um B.O. por tentativa de agressão na porta do campus, junto com as testemunhas que presenciaram a cena, onde consta que os agressores citavam veementemente a defesa do Diretor.

T. Angel: Há casos no Brasil de artistas da performance que sofreram sérias ameaças, inclusive de morte, o que você pensa sobre tudo isso?

Edilson Militão: Acima de tudo demonstra o quanto é necessário este tipo de ação artística. Quando nos propomos a trabalhar com um tipo de arte que desafia normas e regras, é comum que ocorram reações violentas. Mas se este tipo de agressão e ameaça vem de pessoas que estão dentro de uma Universidade estudando e lecionando arte, é muito mais complexo porque não é falta de informação e não é mera opinião, é sobre conhecimento e responsabilidade.

T. Angel: Sabemos que uma rede de artistas da performance – que trabalham com a radicalidade do corpo – solidários a sua situação estão te apoiando, como você enxerga essa rede de afetos que tem sido construída?

Edilson Militão: É lindo tudo isso, uma luz no fim do túnel, uma boa esperança, que até me proporcionou um novo sentido para continuar estudando performance e seus processos de criação e para continuar me impondo contra sistemas catedráticos e fascistas de educação. Ganhei até uma orientadora babado, Pêdra Costa, com quem tenho me correspondido por Skype e trabalhado conceitos de performance através da experiência dela, além de me orientar em meio a todo esse processo acadêmico e artístico que estou trilhando. Você também é uma dessas pessoas queridas e babadeiras que admiro o trabalho. Na verdade, é um rizoma de corpos dissidentes, uma cartografia sentimental de existências que já lutavam contra os sistemas de poder. Pessoas que me influenciaram e que eu admirava o trabalho desde que comecei a ter contato com arte. A rede de solidariedade que se formou depois disso tudo é um dos meus maiores aprendizados, uma das maiores vivências que eu, enquanto estudante de arte pobre do interior do Ceará, nem imaginava que poderia acontecer, mas que felizmente aconteceu.

T. Angel: Qual desfecho você espera para essa calamitosa situação?

Edilson Militão: Quero que a URCA reconheça a violência à qual fui exposto no centro de artes. Quero que a URCA-C.Artes pare de criminalizar e patologizar as vítimas de agressões racistas e homofóbicas, que parem de maquiar os casos de violência e abusos de poder. Quero ter o direito de estudar. Quero meu direito à UNIVERSIDADE, meu direito de estudar arte, pesquisar arte, me licenciar, produzir arte sem ameaças, sem abusos, nem perseguição. Quero menos hipocrisia, quero meu direito a fala que vem sendo negado historicamente, e quero ocupar meu lugar na Universidade.

Link da moção de repúdio:
http://portalabrace.org/1/index.php/informes/158-outros-informes/2555-mocao-de-repudio-enderecada-as-instituicoes-de-ensino-superior-de-artes-do-brasil

Posted by Patricia Canetti at 2:41 PM

março 10, 2017

Galerias mostram pinturas com elementos que saltam do quadro por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Galerias mostram pinturas com elementos que saltam do quadro

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 22 de fevereiro de 2017.

Dedos, cigarros, cabelos e penas saltam da superfície das telas. Uma das pinturas é um manto tricotado, que pende flácido da parede com uma mancha colorida de fundo. Na contramão dessas, outra obra tem traços que imitam fissuras, rasgos de mentira que abalam a visão de um mar um tanto intranquilo.

Numa mostra agora na galeria Fortes, D'Aloia & Gabriel, a artista Erika Verzutti, um dos nomes fortes da última Bienal de São Paulo e recém-escalada para a Bienal de Veneza, mostra uma tela sua com ovos que parecem mergulhados num pântano de tinta além de peças de novíssimos pintores que despontam no circuito.

Mais conhecida por suas esculturas em grande escala, de cisnes, jacas e outros bichos e vegetais, Verzutti vem aos poucos achatando sua obra em três dimensões até chegar à natureza plana da pintura.

Não por acaso, sua seleção para a mostra que batizou "A Terceira Mão" buscou pinturas um tanto inquietas, de gente que não se contenta em ficar só na superfície do quadro. "Tem esses encontros físicos com quem está olhando", diz ela. "É a sensação de que a imagem não está nem na parede nem no espaço."

Daí o tricô de Daniel Albuquerque, a enorme trança presa ao quadro de Gokula Stoffel, os dedos da tela do alemão Daniel Sinsel, as penas, pedras e espuma do americano Daniel Rios Rodriguez e o mar chacoalhado pela tempestade de cortes do italiano Francesco João Scavarda.

Este último, aliás, também exibe agora uma série de novos trabalhos ao lado de outro italiano, Alessandro Carano, na mostra "Donkey Man", em cartaz na Mendes Wood DM.

Na galeria dos Jardins, estão mais trabalhos que tratam do estado nervoso de uma espécie de metapintura, telas que falam delas mesmas.

"Esses trabalhos têm a ver com a materialidade da obra de arte", diz Scavarda. "Falam sobre como nasce e se forma o trabalho, com referências a um passado que está próximo, reconhecível."

Nesse sentido, um de seus quadros ali imita o display digital de um relógio, algo antiquado na era dos smartphones, mas fresco na memória. Outro quadro é uma paisagem montanhosa com remendos do que parece ser fita isolante, mas, tal qual as fissuras sobre o mar, tudo não passa de um trompe l'oeil.

Enquanto isso, Carano usa o mesmo tipo de fita -de verdade- em outras composições. "Uso materiais às margens das obras", afirma. "São coisas que os artistas descartam, mas seus gestos ficam."

A TERCEIRA MÃO
QUANDO de seg. a qui., 10h às 19h; sex., 10h às 18h; até 25/3
ONDE Fortes, D'Aloia & Gabriel, r. Fradique Coutinho, 1.500, tel. (11) 3032-7066
QUANTO grátis

DONKEY MAN
QUANDO de seg. a sáb., 10h às 19h; até 25/3
ONDE Mendes Wood DM, r. da Consolação, 3.358, tel. (11) 3081-1735
QUANTO grátis

Posted by Patricia Canetti at 6:09 PM

Marta Mestre deixa a curadoria do Inhotim após menos de um ano por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Marta Mestre deixa a curadoria do Inhotim após menos de um ano

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 20 de fevereiro de 2017.

Menos de um ano depois de assumir parte da curadoria do Instituto Inhotim, o megamuseu de arte contemporânea nos arredores de Belo Horizonte, a portuguesa Marta Mestre está deixando seu cargo em meio a uma reestruturação da alta cúpula do museu.

No curto período em que esteve no museu do empresário Bernardo Paz, Mestre se dedicou à programação das comemorações dos dez anos da instituição no ano passado, centrada numa homenagem a Tunga, morto no ano passado, além da mostra da artista Claudia Andujar agora em cartaz em Lisboa.

"Meu objetivo foi concretizar uma experiência pontual, focada na especificidade desta instituição por um lado, e tomar contato com a expertise do Inhotim em dinamização de projetos culturais num modelo entre público e privado, por outro", diz Mestre. "Entrei num momento de passagem, os dez anos da instituição, que serviram para indagar sobre o que foi feito e como será daqui para a frente."

O americano Allan Schwartzman, que integra o time de curadores do museu desde sua fundação em 2006, agora assume a direção artística do Inhotim, subsituindo o interino Antonio Grassi, que vinha acumulando o cargo com o de diretor executivo.

Schwartzman vive em Nova York e terá o apoio de María Eugenia Salcedo, ex-curadora-assistente agora alçada ao cargo de diretora artística adjunta do museu. De acordo com o museu, o Inhotim agora mudará sua estratégia de curadoria, contratando profissionais para atuar de forma temporária em projetos pontuais.

Além de assumir o comando do Inhotim, Schwartzman acaba de vender sua agência de consultoria, a Art Agency, Partners para a Sotheby's, uma das maiores casas de leilão do mundo. Na negociação de US$ 85 milhões, ou R$ 263 milhões, Schwartzman agora é responsável também pela consultoria aos clientes da casa de leilões, entre eles Bernardo Paz, fundador do Inhotim.

Posted by Patricia Canetti at 6:03 PM

março 8, 2017

Após seis edições, ArtRio deixa a Zona Portuária por Gustavo Stephan, O Globo

Após seis edições, ArtRio deixa a Zona Portuária

Matéria de Gustavo Stephan originalmente publicada no jornal O Globo em 6 de março de 2017.

Feira de artes anunciou novo endereço e abriu as inscrições para seus programas nesta segunda

A ArtRio anunciou nesta segunda-feira que sua sétima edição será realizada na Marina da Glória, no Aterro do Flamengo. Até então, ela vinha sendo realizada na Zona Portuária.

A decisão de levar o evento para o Aterro do Flamengo levou em conta a necessidade de "ter como base a criação de um novo espaço, mais amplo e integrado, com novas possibilidades de ações e projetos", nas palavras da presidente Brenda Valansi.

A feira de artes, que neste ano acontece de 13 a 17 de setembro, está com inscrições abertas a partir deste segunda-feira – até o dia 7 de abril – para os programas Panorama, Vista e Solo. O formulário está disponível no site www.artrio.art.br e os candidatos serão selecionados pelo comitê formado pelos galeristas Alexandre Gabriel (Galeria Fortes Vilaça / SP); Anita Schwartz (Anita Schwartz Galeria de Arte / RJ); Elsa Ravazzolo (A Gentil Carioca / RJ); Greg Lulay (David Zwirner / Nova Iorque - EUA); Eduardo Brandão (Galeria Vermelho / SP) e Max Perlingeiro (Pinakotheke Cultural / RJ).

Recentemente, em novembro, o local recebeu a exposição “Monumental – Arte na Marina da Glória”, com trabalhos de grandes proporções de 20 artistas, entre eles Antonio Bokel, Almandrade, Almicar de Castro, Artur Lescher, Caligrapixo, Delson Uchoa, Franz Weissmann, Galeno e Ursula Tautz.

Posted by Patricia Canetti at 5:19 PM

março 5, 2017

Economista e colecionador: conheça novo diretor do Parque Lage, O Globo

Economista e colecionador: conheça novo diretor do Parque Lage

Matéria originalmente publicada no jornal O Globo em 3 de março de 2017.

Dono de uma coleção de 400 obras, Fabio Szwarcwald foi vice-presidente da OS Oca Lage

RIO - Anunciado como novo diretor do Parque Lage, conforme antecipou a coluna Gente Boa, o economista Fabio Szwarcwald vai substituir Lisette Lagnado no cargo. Lisette, porém, não deixará o Parque Lage e assumirá a curadoria dos programas públicos, vinculado ao Ensino. Escolhido pelo secretário estadual de Cultura, André Lazaroni, que o definiu como "um ótimo gestor", Szwarcwald é um colecionador de arte reconhecido no meio. Também foi um dos diretores da Associação de Amigos da EAV Parque Lage (AMEAV) e, depois, vice-presidente da OS Oca Lage, criada para administrar o Parque Lage e Casa França Brasil. O contrato entre a OS e o governo do Estado foi rompido no ano passado após o estado não conseguir pagar os repasses devidos à organização por conta da crise financeira do governo Pezão.

Ex-vice-presidente do banco Credit Suisse e membro do Conselho de aquisição do Museu de Arte Moderna (MAM), ele investe principalmente em artistas contemporâneos desde 2002. Tem obras valiosas, como uma fotografia da série "Chocolate", de Vik Muniz, mas também trabalhos de artistas menos conhecidos, como a holandesa Anne Wenzl e o brasileiro Pedro Varela. Sua coleção de 400 peças ainda inclui nomes como Amilcar de Castro, Lygia Clark e Abraham Palatinik.

"Comprar arte consagrada é muito fácil. Depois vou ter o tesão de falar 'comecei a colecionar este artista quando ele era desconhecido'", disse Szwarcwald ao GLOBO, em uma entrevista no ano passado. "São artistas da minha idade, que vivenciam o que eu vivencio, além de ser uma arte mais acessível para quem começa a colecionar. E a arte contemporânea choca, incomoda, não é algo só plástico, e eu gosto disso".

Szwarcwald, que já foi casado com a artista plástica Gabriela Moraes, também adquire obras de arte para diversificar seus investimentos. Antenado nas novidades, ele levou, há poucos meses, todas as 400 peças da sua coleção para um novo espaço do Cosme Velho, a galeria Z42, com artistas ainda emergentes. Em 2007, ajudou, como um dos diretores da AMEAV, a organizar um leilão com obras doadas por artistas, cujas vendas renderam R$ 1 milhão para o parque.

"Queremos fazer com que artistas se tornem padrinhos das salas de aula da escola: cada sala levaria o nome de um deles, em troca de ajuda financeira. Isso é feito em muitos museus pelo mundo. Nunca foi pensado para cá porque o Parque Lage nunca foi visto como uma empresa cultural, só como algo dos seus professores e alunos, o que é bonito mas não sustenta", disse o colecionador ao GLOBO na época.

Posted by Patricia Canetti at 2:05 PM

março 1, 2017

“A arte brasileira é uma caixa de pandora” por Guilherme Werneck, Bravo!

“A arte brasileira é uma caixa de pandora”

Entrevista de Guilherme Werneck originalmente publicada na revista Bravo em 21 de fevereiro de 2017.

Curador da exposição de 30 anos do Itaú Cultural, Paulo Herkenhoff fala à Bravo! sobre a mostra, sobre sua trajetória e da importância da arte no atual momento político-econômico do Brasil.

“Não vou nem dizer que minha família tinha uma escola com um museu de história natural”, brinca o curador Paulo Herkenhoff ao repassar uma vida dedicada às artes e aos museus. Um dos criadores e curadores do MAR (Museu de Arte do Rio ), além de idealizador do nome do museu carioca, Herkenhoff esteve à frente de uma série de instituições privadas e governamentais, como o Museu de Belas Artes do Rio e a Funarte. Foi o primeiro latino-americano a integrar a equipe de curadores do MoMa, de Nova York, e foi curador da Bienal de São Paulo que, segundo ele, não pode ser “um trampolim” para Kassel ou Veneza. “A Bienal tem de ser vista, por qualquer curador sério, como um ponto de chegada, um ponto final. Quem faz a Bienal de São Paulo não precisa fazer Kassel nem Veneza. Basta”, diz.

Agora Herkenhoff vai curar a exposição de 30 anos do Itaú Cultural, que acontece neste semestre, na Oca em São Paulo. A Bravo! conversou com o curador sobre o projeto da exposição, a arte no Brasil hoje, a coleção do MAR e sobre a Bienal. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Quais são as linhas mestras da exposição e como ela dialoga com a trajetória das exposições do Itaú Cultural?

A história do Itaú Cultural tem sido as exposições do acervo. O que a gente fez foi inverter esse processo. Como é comemorativo dos 30 anos, partimos de pensar a estrutura do Itaú Cultural, como um conjunto de trabalhos, projetos e programas que envolvem uma multidisciplinariedade. Percebemos que, do ponto de vista de artes plásticas, é um museu. Porque coleciona, registra, conserva, preserva, pesquisa, edita, expõe, educa, comunica e trata da sustentabilidade. Essas são tarefas de um museu hoje. E o instituto tem um acervo imenso, um dos maiores do país. E temos de levar em conta que a formação do acervo encontra núcleos muito estruturados e outros mais erráticos.

Como direcionou o olhar dentro da coleção?

A ideia é fazer uma exposição que tenha modos de ver a arte brasileira através daquilo que é a coleção do Itaú, com densidade conceitual, com um certo sentido de história, estando aberto para as rupturas e também considerando a dinâmica do mundo contemporâneo, a agenda que mais afeta o país, que angustia. Ou seja, como produzir leituras que possam de certa maneira instruir e instigar o público a fazer suas próprias leituras.

Serão muitos recortes, então.

Vamos celebrar esse colecionismo, sem encontrar uma lógica única. São focos de discussão. Nós vamos trazer à luz todos os setores da Instituição, mas sempre através da arte. A primeira questão que surge é a ideia de colecionar São Paulo. É um banco paulistano, com presença forte da família na cidade, se dedicando a museus e a outras instituições culturais. O Olavo Setúbal foi prefeito. Então tem um nexo muito forte com a cidade e isso se reflete na coleção. Existe, ao lado da [coleção] brasiliana, uma paulistânia, que se forma de uma maneira eventual, que pede leituras. É uma coleção de arte e de fotografias de São Paulo muito interessante.

Ela tem um recorte no século 20 ou se confunde com a brasiliana?

As duas se contaminam. Tem coisas importantes de São Paulo do século 18, 19, mas o que ficou, como foco, é mais o modernismo. Mas vamos ter também linhas de exploração. A arte afro-brasileira, a arte indígena.

Pinçando os artistas que eram modernos antes do modernismo?

O país não virou moderno nem modernista em 22. Já o era no século 19. De onde surgiram essas manifestações transformadoras? Podemos pensar na arte conceitual brasileira, por exemplo, que também é uma linha importante, mas pouco valorizada no mercado. Só nos últimos dois, três anos o mercado começa a acordar para ela.

Por que se dá esse descompasso entre o interesse pela arte conceitual no Brasil quando no mundo todo ela ganha força?

A arte conceitual agregava pouco valor, era tida como brincadeira, coisas muito irrisórias, como múltiplo.Tudo servia para diminuir o valor. Mas nos últimos tempos tem havido uma corrida. Isso tem a ver com o fato de a arte conceitual brasileira começar a ser observada por outras instituições de fora do país. Embora artistas como Cildo [Meireles] tivessem já o seu reconhecimento. Assim como Regina Silveira, entre outros. Mas há muita gente a ser descoberta. O Brasil é muito curioso. Porque existem pessoas muito interessantes a ser descobertas e existem histórias a serem redescobertas ou desnudadas, que é o caso da produção sobre a condição afro-brasileira.

Dentro dessa proposta de rever a atuação do Itaú Cultural, como fica o caso da performance na exposição? Reencenar uma performance não faz ela perder a força?

A performance varia muito. Uma Marina Abramovic depende da personalidade dela, mas talvez outras performances não dependam tanto do artista. Desde os anos 80 há colecionadores de performances, o próprio Museu de Arte Moderna de São Paulo tem performances em seu acervo. É um assunto que ainda não está totalmente resolvido. Há 100 anos, a própria dança se encontrava numa situação semelhante. Porque ainda não havia notação dos passos e dos movimentos da dança até que [Rudolf] Laban começasse a construir um vocabulário. Acho que tem muito espaço a percorrer, sobretudo entender quais são as possibilidades da arte no sistema capitalista como o nosso. Quais são as possibilidades de um artista ser um ativista, mais do que um administrador de ativos. Porque muitas vezes ele vira sócio da galeria e passa a fabricar produtos.

E perde o valor instrínseco da obra de arte?

Não necessariamente, mas existem filósofos hoje muito interessados em discutir a ética. Houve um pensador brasileiro, Ronaldo Brito, que disse que se um trabalho quer ser reconhecido como obra de arte, precisa passar pelo mercado. É uma posição. Mário Pedrosa dizia que para o mercado a arte é um presunto como outro qualquer. Isso foi dar no Nelson Leirner, no porco empalhado. Se o júri aceitasse o porco como arte, era sinal de que o júri não sabia diferenciar e aceitou um porco. E se o rejeitasse, teria rejeitado um porco que na verdade era arte [risos]. O júri estava condenado a errar.

Tem outros projetos com o Itaú Cultural para além da exposição?

Não, a ideia é pensar essa exposição. Pensar um pouco o que é a coleção até aqui. É uma oportunidade para avaliar a trajetória colecionística do Itaú. Uma instituição que no seus 30 anos foi capaz de dar saltos, de se rever, se transformar. É uma instituição extremamente inquieta, que não pára, que tem um processo dialético, de autocrítica, de observação das consequências do trabalho que faz que é muito forte. Eu sempre gosto de trabalhar me perguntando qual a missão de uma exposição. E coincidentemente o próprio instituto, neste momento, está discutindo a sua missão. E como todos os setores participam, a ideia é que seja uma exposição como uma construção coletiva. Essa discussão da missão é muito importante. Sempre digo que iniciativas como essa são daquela ordem da transformação do capital financeiro em capital simbólico, parte do capitalismo moderno.

E como entende o contexto atual da arte frente ao momento político-econômico do Brasil?

O Brasil vive uma situação periclitante. Os fatos históricos e o processo econômico criaram uma grande confusão. O contexto brasileiro que eu posso pensar numa exposição sobre uma coleção é o seguinte: o que é hoje a concentração geográfica de renda em relação aos museus? O Brasil se torna periférico a São Paulo, como centro do capital financeiro, o mercado de arte etc.? O que ocorrerá com os museus no Brasil? Há condições de seguirem esse movimento de estar no jogo? Muito difícil. A outra pergunta é a seguinte: o que é o custo social da arte e das atividades da arte num país como o Brasil? Há custos que são de país de economia avançada, mas o salário mínimo é baixo. São distorções. O desenho de um artista jovem brasileiro pode custar o mesmo que o desenho de um artista jovem americano ou alemão. Mas eles pagam imposto com mais clareza, o sistema fiscal é diferente, os direitos trabalhistas, o nível do salários per capita, enfim, são discrepâncias muito grandes que podem afetar a relação do Brasil com sua própria arte.

O senhor dirigiu o MAR (Museu de Arte do Rio), deixou a direção mas continua cuidando da coleção?

Hoje sou um voluntário. O que é interessante do MAR, como ideia de museu geral, é que ele tem focos na arte afro-brasileira, indígena, islâmica, judaica, colecionamos zeros. O MAR toma o acervo como algo quase que informe, que cada vez que você olha ele tem um relevo diferente, porque é muito poroso à vontade dos doadores. Temos a maior coleção de arte amazônica, eu vou muito à Amazônia, três vezes por ano.

De onde nasceu esse interesse pela Amazônia?

Circunstâncias, identificação. Quando eu trabalhava na Funarte, viajava muito e ali havia um campo muito forte de vontade de produzir e de pensar a Amazônia.

O que interessa mais é amazônia histórica, o legado indígena, ou a de agora, pulsante?

Tudo. Temos, por exemplo, alvarás manuscritos do século 18, temos obras do períodos da borracha, mas temos uma história da violência na Amazônia. Um grupo que lida com esse tema: Claudia Andujar, de São Paulo, mas também artistas de Belém como Armando Queiroz, Berna Reale. Também temos o maior grupo de obras de coletivos de São Paulo no acervo. São mais de 50 itens, trabalhos do BijaRi, da Frente 3 de Fevereiro, entre outros, Enfim, a coleção não é linear, ela segue as hipóteses, é porosa à participação esse acervo. Estamos começando uma coleção paulistânia. O Rio colecionou mal São Paulo.

O que define uma coleção?

Uma coleção nunca é espólio de vencedor, não é investimento, também não é acumulação pura e simples. É uma construção simbólica importante, que precisa levar em conta a história, a crítica, a vida dos artistas. Então, por exemplo, alguns podem achar uma besteira, mas eu acho interessante que em São Paulo tenha havido três ou quatro gerações da família Dutra, que pinta desde 1850. No Rio não tem, então estou construindo isso. Um pintor modernista tão bom como Toledo Piza, interessa. Qual é a São Paulo que interessa?

Depois da semana de 22 o Rio deu um pouco as costas a São Paulo?

O Rio tinha uma modernidade diferente, outra substância e outro enraizamento. É natural que a modernidade aflorasse, depois Mário de Andrade vai reconhecer isso, porque era uma cidade portuária, cosmopolita, capital da República, sede da diplomacia. Em 1920 já tinha escrita uma história da música moderna pelo Darius Milhaud. O grupo de artistas no Rio nesse período era muito grande. Acho que a questão no Brasil ficou muito em torno de 22 como um mito construído com certas funções, que apaga outras modernidades. A modernidade de Pernambuco, sobre a qual escrevi um livro, é totalmente independente do resto do Brasil, é uma relação direta com a França, antecipa-se muito. Sem dúvida que o artista mais maduro em 22, cujas obras nem estavam na exposição, era Vicente do Rego Monteiro, que tinha um projeto real de arte moderna naquela época, baseada em estudos de fato. Enquanto Tarsila [doAmaral] faz cinco, seis estudos da Negra, ele fez trezentos estudos de índios. Um outro empenho. Não um modelo estético para fazer sucesso, existe a busca de uma linguagem. Essa é uma diferença. E há a modernidade em Belém, que é de outra ordem. É a cidade que no século 19 está buscando a evolução da ciência, entender a Amazônia de outra perspectiva. Então falar assim de um evento, com todos os seus problemas, como sendo algo superior ao resto do Brasil é injusto. Mitos fundadores de uma hegemonia são mitos com uma vontade de hegemonia, esse é o problema.

E como vê a questão dos concretos depois?

A arte concreta naquele momento é subalterna do manifesto de Theo Van Doesburg, dos anos 20, o manifesto da arte concreta. Há alguma subalternidade a Max Bill, à teoria filosófica do [Konrad] Fiedler, que é um pensador do século 19 que fala da previsibilidade da arte, da objetividade absoluta. E o que se propaga muito é um artigo do Mario Pedrosa, de 56, 57, em que ele compara a sabença dos paulistas à intuição dos cariocas. Mas a partir dali os cariocas foram à luta. O que você vai ter de reflexão crítica sobre a linguagem e ao projeto construtivo, você não tem nada comparável em outra parte do Brasil. Você tem Almir Mavignier, [Abraham] Palatinik, Amilcar de Castro, Lygia Clark escrevendo belíssimamente, Hélio Oiticica, Lygia Pape escrevendo. E os dois, [Ferreira] Gullar e Mário Pedrosa. Não existe outro. E o artista de São Paulo que vai ficar próximo, muito envolvido, será Geraldo de Barros, que é um artista muito sensível e se afasta do Waldemar Cordeiro. Acho que o grande salto do Waldemar Cordeiro vai ser nos anos 60, com a crise dele com aquele projeto que não deu certo. O neoconcretismo é um conjunto muito específico de conceitos. Percepção fenomenológica, entender o comércio dos sentidos, o resgate do sujeito na estrutura geométrica, na subjetividade ou do artista ou do público. É uma abertura para a cor como fenômeno sensorial e não fenômeno plástico, rígido, físico apenas. A gestalt levando para uma dimensão da psicanálise. Há uma recuperação do lugar da arte na sociedade concreta dos excluídos com Hélio Oiticica e Lygia Pape.

Como foi sua experiência na Bienal?

Quando eu fiz a Bienal de São Paulo, eu pensei quero fazer uma Bienal que devolvesse ao país o custo financeiro dela. Não podia, então escolhi não fazer um tema, fazer um questão cultural. A antropofagia é um problema cultural. Para isso fiz algumas perguntas. Se fosse na Bahia, teria um foco no barroco, na afro-brasilidade. Se fosse em Minas, possivelmente também o barroco.

E se fosse em Belém?

Seria a questão da modernização nessa relação entre selva e indústria moderna, enfim. Mas como estava em São Paulo. Qual seria a real questão de São Paulo? Vinte e dois é uma ficção, um namorico. Em São Paulo, para mim, é o modernismo. Mas não o modernismo de respostas, de enlatados. Escolhi Oswald de Andrade e não tenho a menor dúvida de que ele fez a cabeça da Tarsila. Ela não tinha aquela cabeça toda. Ele era muito generoso. Mas, voltando, a antropofagia é realmente uma questão cultural, de busca de autonomia cultural. Encontro sustentação teórica em Mário Pedrosa, quando escreve sobre terceiro mundo versus a cultura na União Soviética e no capitalismo e a busca de autonomia dentro disso. Depois têm Ferreira Gullar, “Vanguarda e Subdesenvolvimento”, baseado em Lukács, Haroldo de Campos estudando a antropofagia a partir de Engels, acreditando que sociedades dependentes, subalternas, dominadas, poderiam ter uma autonomia cultural, e o “Manifesto do Terceiro Mundo”, do Artur Barrio. O Brasil estava pronto, e antropofagia não é uma receita. Não é um modelo de forma para você copiar, é uma busca de autonomia de linguagem.

É uma atitude que está viva no Brasil de hoje?

Eu acho que a arte brasileira é uma caixa de pandora. Quantos artistas não existem para ser descobertos, para ser recuperados? O Brasil tem muito a descobrir e muita subalternidade a ser denunciada, muito projeto de poder simbólico a também a ser posto abaixo. Então eu faço o que posso.

Posted by Patricia Canetti at 9:50 PM