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Como atiçar a brasa

 


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março 31, 2020

A Conspiração Dos Perdedores por Paul B. Preciado, ArtForum e seLecT

A Conspiração Dos Perdedores

Tradução de Luana Fortes para a revista seLecT do artigo de Paul B. Preciado originalmente publicado na revista ArtForum em 26 de março de 2020.

[scroll down for English version]

Eu fiquei doente em Paris na quarta-feira, 11 de março, antes do governo francês decretar o confinamento da população, e quando me levantei em 19 de março, pouco mais de uma semana depois, o mundo havia mudado. Quando fui para a minha cama, o mundo era unido, coletivo, viscoso e sujo. Quando saí da cama, ele havia se tornado distante, individual, seco e higiênico. Durante a doença, eu não pude avaliar o que estava acontecendo desde um ponto de vista político e econômico porque a febre e o desconforto tomou conta de minha energia vital. Ninguém pode ser filosófico com a cabeça explodindo. De tempos em tempos, eu assistia os noticiários, o que apenas aumentava meu descontentamento. A realidade era indistinguível de um sonho ruim e a primeira página dos jornais era mais desconcertante do que qualquer pesadelo causado por minhas desilusões febris. Por dois dias completos, como uma receita anti-ansiedade, decidi não entrar em nenhum site. Atribuo a minha cura a isso e a óleo essencial de orégano. Eu não tive dificuldade respiratória, mas era difícil de acreditar que continuaria respirando. Eu não tive medo de morrer. Eu tive medo de morrer sozinho.

Entre a febre e a ansiedade, pensei comigo mesmo que os parâmetros do comportamento social organizado haviam mudado para sempre e não poderiam mais ser modificados. Sentia isso com tamanha convicção que ela perfurava meu peito, mesmo quando minha respiração parecia melhorar. Tudo conservaria para sempre a nova forma que as coisas adquiriram. De agora em diante, nós teríamos acesso às cada vez mais excessivas formas de consumo digital, mas nossos corpos, nossos organismos físicos, seriam privados de todo contato e toda vitalidade. A mutação se manifestaria como uma cristalização da vida orgânica, como a digitalização do trabalho e do consumo e como a desmaterialização do desejo.

Aqueles que eram casados estavam agora condenados a viver 24 horas por dia com a pessoa com quem casaram, se amando ou se odiando, ou ambos ao mesmo tempo — o que, incidentalmente, é o caso mais típico: casais são governados por uma lei da física quântica, de acordo com a qual não existe oposição entre termos contrários, mas sim uma simultaneidade entre fatos dialéticos. Nesta nova realidade, aqueles entre nós que perderam o amor ou que não o encontraram a tempo — quer dizer, antes da grande mutação do COVID-19 – estão condenados a passar o resto de suas vidas completamente sozinhos. Nós sobreviveríamos, mas sem toque, sem pele. Aqueles que não ousaram falar que amam a pessoa que amam, não poderiam mais ter contato com ela. Mesmo que pudessem expressar seu amor, teriam que agora viver para sempre com a antecipação impossível de um encontro físico que nunca ocorreria.

Aqueles que escolheram viajar permaneceriam para sempre do outro lado da fronteira e os prósperos que foram para a praia ou para o interior passar o período de confinamento em suas agradáveis segundas casas (coitados!) não poderiam nunca mais retornar à cidade. Suas casas seriam requisitadas para acomodar os sem teto, que, de fato, ao contrário dos ricos, vivem em tempo integral na cidade. Sob a nova e imprevisível forma que as coisas tomaram após o vírus, tudo seria imutável. O que parecia um confinamento temporário continuaria pelo resto de nossas vidas. Talvez as coisas mudassem novamente, mas não para aqueles de nós com mais de 40 anos de idade. Essa era a nova realidade. A vida após a grande mutação. Eu então me perguntei se valeria a pena viver a vida dessa forma.

A primeira coisa que eu fiz quando saí da cama depois de ter ficado doente com o vírus por uma semana que foi tão vasta e estranha quanto um novo continente, foi perguntar a mim mesmo esta pergunta: Sob quais condições e de que maneira valeria a pena viver? A segunda coisa que fiz, antes de encontrar uma resposta a esta pergunta, foi escrever uma carta de amor. De todas as teorias da conspiração que eu havia lido, a que havia me iludido mais era uma que dizia que o vírus havia sido criado em um laboratório para que todos os perdedores do mundo pudessem voltar com seus ex-namorados — sem necessariamente estarem obrigados a voltar com eles.

Repleto do lirismo e da ansiedade acumulada durante uma semana estando doente, com medo e incerteza, a carta para a minha ex era não só uma poética e desesperada declaração de amor, mas sobretudo um documento vergonhoso àquele que o havia assinado. Mas se as coisas não pudessem mais mudar, se aqueles que estavam longe não pudessem nunca mais se tocar, qual era a importância de ser ridículo assim? Qual era a importância de agora falar à pessoa que você ama que você a ama, ainda mais sabendo que muito provavelmente ela já te esqueceu ou te substituiu e que você nunca poderia vê-la novamente em todo caso? O novo estado das coisas, em sua escultural imobilidade, conferiu um novo nível de que porra é essa, mesmo em sua própria ridicularidade.

Escrevi à mão aquela carta delicada e terrivelmente patética, coloquei-a em um envelope branco e nele, com minha melhor caligrafia, escrevi o nome e endereço de minha ex. Me vesti, coloquei uma máscara, coloquei luvas e sapatos que havia deixado na porta, e desci até a entrada do prédio. Lá, em acordo com as regras do confinamento, não saí até a rua, mas me dirigi até a área do lixo. Abri o lixo amarelo e coloquei a carta para minha ex lá dentro — o papel era realmente reciclável. Voltei lentamente para o meu apartamento. Deixei meus sapatos na porta. Entrei, tirei minhas calças e as coloquei numa sacola plástica. Tirei minha máscara e a coloquei na varanda para tomar um ar. Tirei minhas luvas e as joguei fora. Lavei minhas mãos por intermináveis dois minutos. Tudo, absolutamente tudo, foi feito da forma que as coisas haviam tomado depois da grande mutação. Voltei a entrar em meu computador e abri meu e-mail: e lá estava, uma mensagem dela, chamada: “Eu penso em você durante a crise do vírus”.

Paul B. Preciado é filósofo, curador e ativista trans.


The losers conspiracy

I got sick in Paris on Wednesday, March 11, before the French government ordered the confinement of the population, and when I got up on March 19, a bit more than a week later, the world had changed. When I went to my bed, the world was close, collective, viscous, and dirty. When I got out of bed, it had become distant, individual, dry, and hygienic. During the sickness, I was unable to assess what was happening from a political and economic point of view because the fever and the discomfort took hold of my vital energy. No one can be philosophical with an exploding head. From time to time, I would watch the news, which only increased my discontent. Reality was indistinguishable from a bad dream, and the front page of the newspapers was more disconcerting than any nightmare brought on by my feverish delusions. For two whole days, as an antianxiety prescription, I decided to not visit a single website. I attribute my healing to that and to oregano essential oil. I did not have difficulty breathing, but it was hard to believe that I would continue breathing. I was not scared of dying. I was scared of dying alone.

Between the fever and the anxiety, I thought to myself that the parameters of organized social behavior had changed forever and could no longer be modified. I felt that with such conviction that it pierced my chest, even as my breathing became easier. Everything will forever retain the new shape that things had taken. From now on, we would have access to ever more excessive forms of digital consumption, but our bodies, our physical organisms, would be deprived of all contact and of all vitality. The mutation would manifest as a crystallization of organic life, as a digitization of work and consumption and as a dematerialization of desire.

The first thing I did when I got out of bed after having been sick with the virus for a week that was as vast and strange as a new continent, was to ask myself this question: Under what conditions and in which way would life be worth living?

Those who were married were now condemned to live twenty-four hours a day with the person they had wedded, whether they loved each other or hated each other, or both at the same time—which, incidentally, is the most typical case: Couples are governed by a law of quantum physics according to which there is no opposition between contrary terms, but rather a simultaneity of dialectical facts. In this new reality, those among us who had lost love or who had not found it in time—that is, before the great mutation of COVID-19—were doomed to spend the rest of our lives totally alone. We would survive but without touch, without skin. Those who had not dared to tell the person they loved that they loved them could no longer make contact with them even if they could express their love and would now have to forever live with the impossible anticipation of a physical encounter that would never take place. Those who had chosen to travel would forever stay on the other side of the border, and the wealthy who went seaside or to the country so as to spend the confinement period in their pleasant second homes (poor them!) would never be able to return to the city. Their homes would be requisitioned to accommodate the homeless, who, indeed, unlike the rich, lived full-time in the city. Under the new and unpredictable form that things had taken after the virus, everything would be set in stone. What seemed like a temporary lockdown would go on for the rest of our lives. Maybe things would change again, but not for those of us over the age of forty. That was the new reality. Life after the great mutation. I therefore wondered if life like this was worth living.

The first thing I did when I got out of bed after having been sick with the virus for a week that was as vast and strange as a new continent, was to ask myself this question: Under what conditions and in which way would life be worth living? The second thing I did, before finding an answer to that question, was to write a love letter. Of all the conspiracy theories I had read, the one that beguiled me the most is the one that says that the virus was created in a laboratory so that all the world’s losers could get back their exes—without really being obliged to get back together with them.

Bursting with the lyricism and anxiety accumulated over a week of being sick, afraid and uncertain, the letter to my ex was not only a poetic and desperate declaration of love, it was above all a shameful document for the one who had signed it. But if things could no longer change, if those who were far apart could never touch each other again, what was the significance of being ridiculous in this way? What was the significance of now telling the person you love that you loved them, all while knowing that in all likelihood she had already forgotten you or replaced you, if you would never be able to see her again in any case? The new state of things, in its sculptural immobility, conferred a new degree of what the fuck, even in its own ridiculousness.

I handwrote that fine and horribly pathetic letter, I put it in a bright white envelope and on it, in my best handwriting, I wrote my ex’s name and address. I got dressed, I put on a mask, I put on the gloves and shoes that I had left at the door, and I went down to the entrance of the building. There, in accordance with the rules of confinement, I did not go out into the street; rather I headed toward the garbage area. I opened the yellow bin and I placed the letter to my ex in there—the paper was indeed recyclable. I slowly went back to my apartment. I left my shoes at the door. I went in, I took off my pants and I placed them in a plastic bag. I took off my mask and I put it on the balcony for it to air out; I took off my gloves, I threw them in the garbage and I washed my hands for two unending minutes. Everything, absolutely everything, was set in the form it had taken after the great mutation. I went back to my computer and opened my email: and there it was, a message from her entitled, “I think of you during the virus crisis.”

Paul B. Preciado is a philosopher, a curator, and a trans activist. An Apartment on Uranus: Chronicles of the Crossing, a collection of his columns between 2013 and 2018 for Libération and other media outlets, was published in 2019 by Semiotext(e).

Translated from French by Molly Stevens.

Posted by Patricia Canetti at 12:01 PM

março 19, 2020

Coronavírus: Alemanha promete assistência financeira a artistas afetados por cancelamentos, O Globo

Coronavírus: Alemanha promete assistência financeira a artistas afetados por cancelamentos

Matéria da redação, com agências internacionais, originalmente publicada no jornal O Globo em 15 de março de 2020.

'A cultura não é apenas um luxo que se entrega durante os bons tempos', afirmou Monika Grütters, ministra da Cultura no país

Enquanto grande parte das nações ao redor do mundo luta para combater a proliferação do coronavírus, preparando-se para as consequências econômicas da pandemia, a Alemanha dá um passo extra. Nesta semana, o ministério da cultura do país prometeu assistência financeira a instituições de arte que enfrentam incertezas em meio a queda no turismo e na economia provocada pela série de restrições a eventos com elevada concentração de pessoas.

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— Estou ciente de que essa situação coloca um grande fardo para as indústrias culturais e criativas e pode causar angústia considerável, especialmente para instituições menores e artistas independentes — afirmou a ministra de Estado da Cultura, Monika Grütters, em comunicado.

Desde a última sexta-feira, Berlim decretou que todas as instituições culturais da cidade permaneçam fechadas até, pelo menos, 19 de abril. Além de museus, também estão de portas cerradas teatros, óperas, salas de concerto e clubes noturnos.

Coronavírus em Portugal: os efeitos na rotina do país

Ainda não está claro que tipo de pacote de apoio será fornecido aos trabalhadores da arte, embora a ministra tenha ressaltado que o governo tem em mente todas as "preocupações" do setor — e que as levará em consideração na elaboração de uma assistência financeira.

A ministra ainda recomendou que o governo federal receba funcionários dos setores artístico e cultural para conversas sobre medidas de ajuda.

— A cultura não é apenas um luxo que se entrega durante os bons tempos — afirmou Monika Grütters, acrescentando que, "certamente, farão falta" tais eventos e atrações de artes no dia a dia do país.

Dirigindo-se a artistas e instituições culturais, Grütters ofereceu uma nota de segurança:

— Não vou decepcioná-los. Ninguém ficará na mão — ela garantiu. — Precisamos reagir a dificuldades e emergências pelas quais não somos responsáveis e compensá-las. Isso valerá a pena não apenas para a economia, mas também para o nosso cenário cultural, que foi gravemente afetado pelos cancelamentos.

Até agora, a Alemanha possui cerca de 1.900 casos confirmados de Covid-19 e três fatalidades. A chanceler Angela Merkel afirmou que 60% a 70% da população pode contrair a doença. Em entrevista coletiva na última quarta-feira, a autoridade ressaltou que o fechamento de fronteiras não impediria a propagação do vírus e descartou a proibição de visitantes da Itália: "Este é um teste para nossa solidariedade, nosso bom senso e cuidado um com o outro", ponderou.

Nova York: empréstimos e doações

A Alemanha não é o único lugar que considera prestar socorro financeiro a pequenas empresas e indivíduos afetados pelos impactos econômicos do Coronavírus, incluindo os que se vinculam ao setor de artes e cultura.

As galerias de artes de Nova York, nos EUA, estão entre as pequenas empresas elegíveis para receber empréstimos — sem juros — e doações em dinheiro do governo da cidade, desde que demonstrem que suas vendas caíram em 25% ou mais desde o surto.

Posted by Patricia Canetti at 11:54 AM

março 11, 2020

Entenda a contribuição de Nelson Leirner para a arte brasileira atual por Fernanda Lopes, Folha de S. Paulo

Entenda a contribuição de Nelson Leirner para a arte brasileira atual

Análise de Fernanda Lopes originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 9 de março de 2020.

O artista é considerado registro e referência de algumas das discussões mais importantes que aconteceram no país

Nelson Leirner costumava dizer que sua vida artística estava divida em AP e DP: "Antes do Pai" e "Depois do Pai", respectivamente. Nascido em 1932, filho da escultora Felícia Leirner e do empresário ​Isai Leirner, diretor do Museu de Arte Moderna e conselheiro da Bienal de São Paulo, trocou o curso de engenharia têxtil nos Estados Unidos para voltar ao Brasil e estudar pintura com Joan Ponç, em 1956.

Por influência dos pais, começou a ganhar exposições, textos e prêmios sem que os galeristas e críticos nem sequer vissem sua obra. Depois da morte de Isai, em 1962, as portas rapidamente se fecharam para ele e vieram as críticas ao seu trabalho.

Logo cedo, Leirner testemunhava o jogo de influências e poder que estavam envolvidos no meio artístico. E esse foi motor e mote de sua produção ao longo das quase seis décadas seguintes.

 
Foi em 1965, na galeria Atrium, ao lado do amigo Geraldo de Barros, que ele apresentou pela primeira vez trabalhos nos quais a crítica ao sistema de arte e o estímulo à participação do espectador são pontos-chave.

Objetos cotidianos, o interesse pela dinâmica de jogo e críticas a outros sistemas de poder e idolatria, como religião, futebol e cultura de massa, são desdobramentos que o acompanharam ao longo dos anos.

 
Em junho de 1966, junto com Barros, Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo, Frederico Nasser e José Resende deram início ao grupo Rex, que funcionou até maio de 1967 na Rex Gallery & Sons, espaço localizado nos fundos da sede da Hobjeto, de Geraldo de Barros.

A manchete estampada em letras maiúsculas na capa da primeira edição do jornal Rex Time, publicado em 3 de junho de 1966, dava conta da postura do grupo: “Aviso: é a Guerra”. Buscando espaço para a jovem produção artística que se constituía nos anos 1960, os Rex “baixam a ponte levadiça, pois a guerra é justamente para levar mais gente para dentro do castelo”.

Em quase um ano de atividade promoveram conferências (duas com Flávio de Carvalho), sessões de filmes experimentais e documentários (como uma mostra de filme sobre os artistas da arte pop americana), organizaram cinco exposições, uma delas reunindo jovens artistas (como Carmela Gross e Marcello Nitsche), e editaram cinco edições do jornal Rex Time (em um deles publicaram a primeira tradução para o português do texto "Ato Criador", de Marcel Duchamp).

A "Exposição Não-exposição" marca o encerramento das atividades do grupo, em uma mostra onde quem conseguisse tirar as obras presas dentro da galeria, poderia levá-las para casa.

Nos anos seguintes, Leirner continuou pondo em xeque a constituição do objeto artístico e os limites do sistema de arte. Como em 1967, quando mandou um porco empalhado para o Salão de Arte de Brasília, que foi aceito como uma obra artística (o que o levou a questionar publicamente o júri sobre os critérios de seleção).

Em 1969, o artista realizou a exposição "Playground" no Museu de Arte de São Paulo, Masp –a primeira feita nos 74 metros quadrados do vão livre projetado por Lina Bo Bardi; no mesmo ano, fechou sua sala na Bienal de São Paulo por motivos políticos e recusou o convite para participar da edição seguinte, em 1971.

Em 1974, recebeu um prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte para sua série “A Rebelião dos Animais”, crítica ao regime militar –mesma associação que no ano seguinte recusa o trabalho que encomendou a Leirner para ser entregue aos premiados do ano. A proposta era uma obra feita em Xerox e, como protesto, os artistas não comparecem ao evento de premiação.

Difícil escrever um texto sobre o Leirner no passado. Ainda hoje, suas inquietações como artista e professor (ele deu aula na Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, entre 1977 e 1997, onde ficou conhecido por fazer seus alunos chorarem com os questionamentos e testes que fazia durante conversas), seguem atuais, como um desafio renovado.

Nelson Leirner nos deixou neste sábado (7), aos 88 anos, após sofrer uma parada cardíaca no Rio de Janeiro (onde morava desde 1997). Sua produção é registro e referência de algumas das discussões mais importantes que aconteceram na arte brasileira nos anos 1960 e 1970. É também ponto de referência para as gerações seguintes pensarem em situações tão atuais quanto as estruturas viciadas do sistema (não só o de arte) e de seus agentes, os conceitos que estruturam o circuito de arte em todos os seus segmentos, além das fronteiras e convenções artísticas.

Fernanda Lopes é crítica de arte, curadora do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e autora do livro "A Experiência Rex"

Posted by Patricia Canetti at 5:51 PM

Pintura para Nelson Leirner por Paula Alzugaray, seLecT

Pintura para Nelson Leirner

Artigo de Paula Alzugaray originalmente publicado na revista seLecT em 9 de março de 2020.

Pequena homenagem ao artista e professor, falecido aos 88 anos, em 7/3, no Rio

Primeiro dia de aula. Nelson Leirner entra na sala, amassa um maço de cigarro, coloca-o sobre a mesa e pergunta: “Isso é arte?”. Estamos em algum momento dos anos 1980, talvez duas décadas depois do artista ter enviado para o júri do Salão de Arte Moderna de Brasília um porco empalhado e ter questionado publicamente, em texto publicado no Jornal da Tarde, os critérios que levaram o júri a aceitar tal obra. A pergunta é colocada para uma classe de estudantes do segundo ou terceiro semestre do curso de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo. “Ficava aquele silêncio e qualquer coisa que a gente respondesse, ele dizia o oposto. Se a gente falasse que era arte, ele dizia que não, que era um maço de cigarro, que era lixo. E se a gente dissesse que não, ele dizia que claro que era arte, porque ele tinha decidido que era arte. E ainda colocava mais problemas, questionando: ‘Tudo o que um artista velho de barba branca diz que é arte, é arte?’ E a gente saía com essa duvida na cabeça”, conta a aluna Dora Longo Bahia.

Aula de Desenho 4 ou Desenho 5. Leda Catunda, na sala de aula. Os alunos fazem os exercícios propostos durante cinco aulas seguidas. Na quinta sessão, ele pergunta para a classe: “Por que vocês fazem tudo o que falo? O que que são esses desenhos?!”. Na hora da avaliação, ele diz pros alunos colocarem os desenhos em uma pasta e empilharem as pastas sobre a mesa. E pergunta: ‘O que vocês acham que parecem essas pastas aqui?’. Alguns alunos dizem que é arte, outros dizem que são exercícios… e ele diz: ‘É lixo. Se vier a moça da limpeza, vai levar embora’”, conta Leda Catunda. “Ele primeiro acabou com a gente, depois propôs que nós nos déssemos notas. Aí perguntou: quem acha que merece cinco? Quem acha que merece seis? Eu não falei até a hora que chegou no nove! Muitos alunos saíram chorando”, conta Leda Catunda.

Nelson Leirner deu aulas de pintura, escultura, modelagem, desenho, análise e técnica de materiais expressivos. Mas para Leda Catunda, ele introduziu a performance. Para Dora Longo Bahia, a dialética. Eu me arriscaria a dizer que, para mim, ensinou a crítica.

Tive com Nelson Leirner aulas de pintura, nas quais ele nunca me deixou pintar. Não havia sombra de tranquilidade ao encontrar Nelson Leirner. Era um desafio após o outro, até termos desconstruídas por completo qualquer pálida convicção que pudéssemos ter do mundo ou de nossas próprias ideias. Mas Nelson Leirner é o único professor de quem sempre lembro.

Muitos anos depois, fui encontrá-lo na rua Lopes Quintas, no Jardim Botânico. Ele faria 80 anos, em janeiro de 2012 e eu produzia o primeiro número da revista seLecT (leia matéria sobre o artista). Ele tinha que estar presente no número 01, que levantava a bandeira do “Abaixo a originalidade”. Nelson Leirner foi o primeiro artista brasileiro a sistematizar o trabalho com a prática de apropriação de objetos do cotidiano e a desestigmatizar a noção de cópia ou plágio. Seu primeiro gesto nesse sentido foi a série Apropriações (1962), formada por assemblages de objetos recolhidos em caminhadas pela cidade. Depois viriam as homenagens a Duchamp e as apropriações de Monalisa a Yayoi Kusama.

Naquele almoço memorável no bistrô em frente à sua casa, tive com ele longa conversa, que seria compilada na matéria “Quero ser Nelson Leirner” – uma apropriação do título da exposição realizada na Casa da Xiclet anos antes, em 2002. “Foi uma das maiores emoções que tive”, me contou Nelson. “Eu me tornei um trabalho naquele momento. Se eu fosse receber uma medalha de honra ao mérito no Palácio do Governo, não ficaria tão emocionado nem tão eufórico como me marcou essa homenagem da Xiclet”.

Desde então, Nelson se tornou um leitor atento e fiel do meu trabalho como editora de revista. Ele, que foi o visionário autor da “Banca de Jornal” (2008), antecipando o fenômeno da derrocada das bancas e da banalização da informação com uma instalação que reproduzia um quiosque repleto de quinquilharias – em vez de jornais e revistas –, veio a implicar logo com o excesso de ‘movimento das páginas’ do projeto gráfico e editorial da seLecT dos primeiros anos. Quanto mais crítico, melhor, pensava eu, sobre os comentários de Nelson Leirner. Sem colocar em xeque toda convicção e o valor das coisas, de que valeria continuar produzindo uma edição após a outra?!

Desde aquele dia, meu professor, implacável, nas visitas que lhe fiz em casa ou nas vernissages de suas exposições, passou a me questionar sempre por que, afinal de contas, eu havia parado de pintar, já que era uma ‘excelente pintora’?!!!

Paulistano, nascido em 1932, Nelson Leirner foi professor da Faap, de 1977 a 1997, quando se mudou para o Rio de Janeiro para coordenar o curso básico da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, até 1998. Dentro ou fora da sala de aula, foi mestre e mentor de várias gerações de artistas brasileiros. Seu impulso iconoclasta destruía tudo. Mas, contraditoriamente, Leirner tornou-se um mito. Uma espécie de repetição de sua instalação Adoração (Altar para Roberto Carlos), de 1966.

Alunos e artistas envelhecem. Nelson Leirner nunca.

Posted by Patricia Canetti at 5:34 PM

março 8, 2020

Os desafios e projetos de Cecília Bedê, nova gestora do Museu de Arte Contemporânea do Dragão por Ivig Freitas, O Povo

Os desafios e projetos de Cecília Bedê, nova gestora do Museu de Arte Contemporânea do Dragão

Matéria de Ivig Freitas originalmente publicada no jornal O Povo em 4 de março de 2020.

Curadora e pesquisadora em Artes Visuais, Cecília Bedê é a nova gestora do equipamento e projeta conectar o espaço com novas linguagens, artistas e públicos locais

Pesquisadora e curadora de artes visuais, Cecília Bedê é a nova gestora do Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. O anúncio foi feito na última terça-feira, 3, e, nesta quarta, 4, o Vida&Arte conversou com a gestora. O equipamento está fechado desde o início de fevereiro para reforma estrutural e tem previsão de reabertura para o primeiro semestre deste ano. Inaugurado em abril de 1999, juntamente com todo complexo cultural, a nova gestão do Museu vive um processo de alinhamento dos planos que conduzirão um novo projeto para o equipamento.

“Comecei minha carreira aqui, como arte-educadora, ainda como aluna da graduação de artes visuais, entre 2003 e 2006. Pra mim é pessoalmente muito significativo poder voltar a este lugar, trazendo experiências novas dos outros lugares que passei, trabalhando com um acervo que é do Ceará e que me interessa muito pesquisar”, conta Cecília Bedê, atual gestora do Museu de Arte Contemporânea (MAC). Em sua trajetória profissional, ela passou por experiências em catalogação, conservação, produção e gestão de acervos.

Cecília encara o MAC como um importante espaço de experimentação e formação de várias gerações de artistas de Fortaleza. “A ideia é fazer com o que o MAC se fortaleça como ambiente de legitimação dos artistas locais, um lugar em que os artistas novos se sintam acolhidos em um espaço para se colocar, se desafiar”, projeta. O diálogo com as classes artísticas locais, de acordo com Cecília, permite também que o museu esteja aberto a outras linguagens. “Historicamente, o museu tem esse perfil, de não se fechar em um conteúdo, uma só expressão. Um dos principais objetivos desse novo momento é fortalecer isso com diferentes ações, e não apenas exposições”, descreve.

Antes de dar os primeiros passos da nova gestão, Cecília Bedê reforça a importância de rever o plano museológico do museu, que completa 21 anos em 2020. “É um acontecimento natural a partir do momento em que se muda uma gestão. É necessário conhecer bem nossa realidade, não somente para trazer mudanças, mas, antes de tudo, para se entender de novo as missões do espaço, avaliar os seus objetivos e ganhos ao longo do tempo. É hora do museu se reencontrar, e as pessoas que trabalham nele também”, pondera.

Curadora e pesquisadora em artes visuais com experiências profissionais nas áreas da arte-educação, Cecília projeta a continuidade da proposta formativa do museu. “O MAC já tem ações muito consolidadas nesse sentido, e isso aumenta o seu poder de diálogo com a cidade e os artistas. Mas é importante que esses processos de formação saíam um pouco do museu, pra gente conseguir construir essa relação com o entorno também”, analisa. Cecília é também especialista em Arte, Crítica e Curadoria.

Apesar das expectativas em torno da nova gestão, Cecília afirma compreender os desafios da gestão pública cultural no País. “De fato, a gente precisa lidar constantemente com questões orçamentárias, contratuais, etc. Então, para projetar alguma coisa a gente tem que conhecer bem a nossa realidade”, contextualiza. Entre as suas propostas, Cecília espera realizar articulações e parcerias e patrocínios também fora da esfera pública. “Como gestora, entendo que preciso caminhar dentro desse ritmo, saber até onde eu posso ir, mas, ao mesmo tempo, não parar de propor”, avalia.

A reforma do MAC faz parte do conjunto de obras que estão anunciadas para serem realizadas no Centro Dragão do Mar ao longo deste ano e que envolvem os museus do equipamento, a Multigaleria, o Anfiteatro e o Planetário, além de pintura externa de todo o complexo. Para além da reestruturação do Centro, Cecília destaca a importância de ações que aproximem a cidade do museu. “É necessário pensarmos nessa perspectiva do acolhimento, de atrair novos públicos, trazer as pessoas de volta. Sempre gosto de encarar o museu como lugar de encontro de gerações, de artistas, de linguagens e de formações. É um encontro do público com a arte”, conclui.

Posted by Patricia Canetti at 11:04 AM