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março 23, 2012
Fragmentos de arte e pensamento, Diário do Nordeste
Fragmentos de arte e pensamento
Matéria originalmente publicada no caderno 3 do Diário do Nordeste wm 23 de março de 2012
A revista coletiva "Avoante" e o livro "Os Mágicos Mascarados" serão lançados no Dança no Andar de Cima
A sobreposição de propostas, linguagens e suportes que saltam aos olhos da singela caixa em que é reunido o conteúdo do número único da revista "Avoante" chegam a dar vertigem em um primeiro contato - caótico, difuso e momentaneamente incompreensível. Duas baforadas profundas, ritmadas e a humilde opção por começar a leitura pelo editorial da revista. Eis o embarque em um belo e representativo mosaico da produção e discussão atual da arte produzida em Fortaleza.
A publicação será lançada, amanhã, a partir das 18 horas, no Dança no Andar de Cima, em "Evento de Lançamento" com exibição e apresentação de vídeos e demais trabalhos dos participantes, em uma ocupação artística do espaço. Além da revista, será lançado o livro "Os Mágicos Mascarados", de Eduardo Escarpinelli. No evento, haverá ainda apresentações artísticas do músico e performan Davi da Paz e da banda microleãodourado.
A revista quebra o ordenamento tradicional, impressa em um caderno de páginas destacáveis, somadas a adesivos, DVD, cartazes, cartões e até um santinho do Sagrado Coração de Jesus, assinados por 40 colaboradores, entre escritores, artistas visuais e cineastas. Nas palavras da editora e idealizadora do projeto, Mariana Smith, é "uma espécie de memória pontual do tempo presente, de modo a deixar vestígios das passagens, do cotidiano e do pensamento poético e político desenvolvido em Fortaleza nos últimos anos".
Os artistas
Entre os participantes estão os cineastas Ivo Lopes, Alexandre Veras, Marcelo Ikeda, Ricardo Pretti e Luiz Pretti (que assina uma seleção de vídeos publicados em DVD); os escritores Eduardo Rocha, Érica Zíngano, Eduardo Escarpinelli e Natércia Pontes; o músico Fernando Catatau; os artistas visuais Yuri Firmeza e Enrico Rocha; Solon Ribeiro, Euzébio Zloccowich; coletivos de intervenções urbanas como o Grupo Acidum e Coletivo Curto Circuito; além da própria Mariana e Zzui Ferreira, que assina o projeto Gráfico e a editoração.
"Eu chamo de revista, mas não tem um caráter de atualidade e sim de memória. É um memorial, um inventário de artistas", situa a Mariana. Ela explica que a ideia nasceu da necessidade de registrar o momento da produção artística que estava emergindo em 2010, com muitos trabalhos experimentais ganhando corpo e uma gama de artistas de diferentes linguagens interagindo, criando e lançando seus trabalhos.
"Era um clima de muita empolgação. Um momento que a produtora Alumbramento estava com sede no Centro, eu estava trabalhando lá, vários projetos paralelos acontecendo. Eu tinha um desejo de marcar essa época. Queria criar um link para unir essas pessoas e fazer com que essa produção circulasse um pouco. Que ela voasse", reforça.
Os textos incluem reflexões sobre o papel da arte, política cultural - como a importância de espaços independentes para a arte, no texto "Autonomia é preciso", de Mariana Smith; o papel dos recursos públicos e da arte que lança mão do mesmo (como é o caso da revista) em "Algumas questões imprecisas, nenhuma resposta necessária", de Enrico Rocha; e as singularidades da recente leva de produções independentes do cinema cearense, em carta de Marcelo Ikeda endereçada à editora.
A eles, somam-se nas páginas, cartões e folhas soltas, contos, crônicas, poesia, desenhos e outros registros que carregam um pouco de cada artista. "Pedi a cada um pedacinho do trabalho dele. Algo que fosse ele, que tivesse indício da presença de cada pessoa. Trabalhamos mais de cinco tipos de papel, formatos, tudo isso tentando adequar-nos à produção deles", conta.
Sobre a reunião dos trabalhos, mais um processo peculiar: a editora produziu a "Festa da Entrega", conseguindo reunir boa parte dos colaboradores. "A gente montou escritoriozinho. Ficava rolando a festa e as pessoas iam sendo chamadas. De uma por uma, a gente foi pensando as páginas", lembra.
A cidade
Fortaleza acaba por ser uma constante, uma liga entre os textos, vídeos, fotografias. Crônicas como a divertida "Raparigueiro", de Eduardo Rocha, narrando a saga de uma noite de sexta-feira, perambulando por espaços "alternativos", como a lanchonete "Disneylanches", na Avenida Duque de Caxias, no Centro, a noite vazia das ruas e praças do bairro, seus motéis e cinemas pornôs.
De São Paulo, a escritora Natércia Pontes carrega nos erres de sua nordestinidade em crônica sem nome, de 2009. A revista traz ainda registros escritos de experiências como o Livro Livre, de Alexandre Veras; a intervenção "TEMPORADA", de Marina de Botas, Simone Barreto e Waléria Américo; poemas, como os Jogos de Amar de Érica Zíngano. "O primeiro lampejo de desejo de fazer foi quando estava morando fora. Voltei para cá nesse desejo de guardar um pouco. De ter um retrato da produção artística, de como a gente vive a cidade, como a gente é ativista dela", encerra.
Livro
Também no "Evento de Lançamento" deste sábado, Eduardo Escarpinelli lança o livro "Os Mágicos Mascarados", assinado com o pseudônimo Eduardo Cardoso. Contemplada em 2010 no Prêmio Eduardo Campos, para obras de dramaturgia, do "Prêmio Literário para autor cearense", da Secretaria da Cultura do Ceará, a obra traz uma reflexão sobre a linguagem em forma de texto teatral.
Mais informações:
Lançamento da revista "Avoante" e do livro "Os Mágicos Mascarados", amanhã, 18h, no Dança no Andar de Cima (Rua Desembargador Leite Albuquerque, 1523 A, Aldeota). Contato: (85) 3032.8081
Relações nebulosas por Beatriz Mendes, Carta Capital
Relações nebulosas
Matéria de Beatriz Mendes originalmente publicada na seção de Cultura da revista Carta Capital
Desde que assumiu o Ministério da Cultura, em janeiro de 2011, Ana de Hollanda é a principal ex-ministra em atividade da Esplanada – ao menos pelo tom do noticiário. Rumores de que seria substituída no cargo surgiram e desapareceram ao longo de um ano e três meses de gestã0, por motivos ligados principalmente ao descontentamento da comunidade intelectual quanto à postura em relação aos direitos autorais e pela sucessiva aproximação da pasta ao Escritório Central de Arrecadação.
Para entender a crise é preciso primeiro compreender como funciona o Ecad. O escritório é uma sociedade civil, de natureza privada, administrada por nove associações de música. É o órgão responsável por arrecadar e distribuir os rendimentos provenientes de execuções públicas de composições nacionais e estrangeiras. Tem também o poder de estabelecer suas regras de cobrança por meio de uma lei federal de 1973 e mantido pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira, instaurada em 1998. Quando criado, o órgão era fiscalizado pelo Conselho Nacional de Direitos Autorais (CNDA). Como a entidade foi desintegrada em 1990, ano em que o Ministério da Cultura foi extinto durante o governo Collor, passou a ter uma total liberdade administrativa.
Arbitrariedades
“Essa falta de fiscalização fez com que o Ecad passasse a tomar medidas completamente arbitrárias”, afirma o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), presidente da CPI formada contra o órgão em julho de 2011. A investigação foi iniciada depois que a Secretaria de Direito Econômico (SDE) fez denúncias de exacerbação de competência legal e de estabelecimento de cartéis para a fixação de preços.
Rodrigues lembra o caso do cantor Frank Aguiar, cobrado por executar seu próprio repertório. “Ele estava fazendo uma festa de aniversário e tocava suas músicas para os amigos. Pouco tempo depois recebeu uma notificação do Ecad, com cobranças por ter executado sua própria música”. Na ocasião, o músico afirmou se sentir órfão do Escritório de Arrecadação.
No dia 5 de março, outra decisão do órgão gerou polêmica na internet. Foi anunciado que a postagens de vídeos em sites e blogs passariam a ser cobradas com o valor de 352,59 reais, não importando o fato de o Youtube e o Vimeo já terem pago pelas execuções. Depois de receber duras críticas, inclusive do próprio Google, o Ecad suspendeu a ordem.
À CartaCapital o senador disse acreditar que os dirigentes do Ecad notaram que ninguém tinha poder sobre eles e passaram a agir em sociedades. Algumas das associações ligadas ao órgão, como a Socinpro, são presididas pela mesma pessoa há aproximadamente 25 anos. “A CPI constatou que não existem rodízios de administração, um pequeno grupo de sócios é responsável por todo o Ecad. Isso gerou um ciclo vicioso de manutenção de poder”, relata.
Relações com o Ministério
O curioso é que o atual Ministério da Cultura costuma se posicionar favoravelmente ao Ecad. Justamente num momento em que o setor cultural esperava mudanças no sistema. Na época em que a CPI foi instaurada, Ana de Hollanda defendeu a instituição, dizendo que ela tem o direito de liberdade de decisão, já que não se trata de “um simples guichê, mas um centro de poder sobre as atividades de cobrança e repartição dos direitos autorais”.
A CPI do Ecad acredita que é de extrema importância uma reforma da Lei dos Direitos Autorais do Brasil, vigente desde 1998 Foto: Pedro Taques
A aproximação entre ministério e Ecad, entretanto, não se limita a essa ocasião. Logo que foi nomeada ministra, Ana de Hollanda retirou o selo de Creative Commons da página do Minc, ação totalmente oposta a que foi adotada por Gilberto Gil e Juca Ferreira durante o governo Lula. Em seguida, nomeou Márcia Regina Barbosa como diretora de Direitos Intelectuais, indicada ao cargo por Hildebrando Pontes, advogado do Ecad. Tibério Gaspar, ex-fiscal do órgão, foi designado assessor especial da ministra no Rio de Janeiro. “A prática de indicar nomes do Ecad ao ministério foi iniciada com Ana de Hollanda, nunca havia ocorrido isso antes”, garantiu Rodrigues.
Recentemente, o jornalista Jotabê Medeiros publicou uma reportagem no site Farofafá e gerou ainda mais polêmicas sobre a ministra. De acordo com a matéria, um suposto favorecimento foi descoberto depois da análise de documentos emitidos pelas duas instituições. O Ecad confeccionou uma peça de defesa que circulou por Brasília em novembro do ano passado e o Minc a endossou, através de um parecer técnico enviado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Ambos defendem a ideia de que o Ecad é o órgão oficial de arrecadação e distribuição de direitos autorais no País e que não é permitido que existam instituições concorrentes. Os argumentos são uma espécie de consentimento para que haja um monopólio legal impedindo a entrada de novas associações na fiscalização da execução das músicas. “Essas denúncias mostram que o relacionamento entre Ana de Hollanda e o Ecad são, no mínimo, nebulosas”, interpreta o senador.
O documento emitido pelo Minc é completamente antagônico ao parecer produzido a pedido do Ministério Público Federal durante o governo Lula. Aos olhos de Juca Ferreira, o monopólio do Ecad não abarcaria a fixação de valores unificados. O ex-ministro também defendia a existência de um mercado concorrencial com a negociação direta dos usuários com as associações. O atual ministério, contudo, incorpora o argumento do Ecad de que foi o antigo Conselho Nacional de Direitos Autorais o autor dos mecanismos em funcionamento hoje em dia.
Retrocesso
Na quarta-feira 21, Juca Ferreira afirmou que avalia a gestão de sua sucessora no Minc como sendo “‘desastrosa”. Em entrevista ao Farofafá, o ex-ministro afirmou que é explícita a ruptura com a política anteriormente adotada.
O ex-ministro da Cultura Juca Ferreira acredita que a gestão de Ana de Hollanda representa um retrocesso em relação à política antes adotada Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Para Ferreira, se os avanços de Dilma no setor econômico e na redução da desigualdade social são reflexos de um programa de continuidade em relação ao governo Lula, a área cultural foi deixada de lado.
Prova disso, disse, foi o fato de Ana de Hollanda ter afirmado que a pirataria vai “matar a produção cultural brasileira”. Ao contrário do que diz a ministra, Ferreira acredita que a internet é um meio de facilitar o acesso à informação e que as políticas a ser adotadas deveriam partir do pressuposto de que a rede veio para ficar e que não se pode colocar o direito do autor em contradição com o de acesso à cultura.
Outras irregularidades
O senador Randolfe Rodrigues diz que apesar de as investigações da CPI só serem finalizadas em maio, algumas evidências já podem ser apontadas. Para ele, o Ecad está se apropriando de parte da quantia gerada com os direitos autorais. “Em 2010 eles arrecadaram 430 milhões de reais e apenas 70% desse valor foi distribuído para os artistas. O resto ficou para o que eles chamam de ‘atividade-meio’, dinheiro a para manutenção do órgão”, conta.
Outra questão abordada pelo senador é o fato de que a Lei do Direito Autoral deixa claro que o Ecad é uma entidade que não tem finalidade de obtenção de lucro. Entretanto, costuma embolsar o dinheiro de arrecadação de direitos autorais cujos donos são desconhecidos. “Por exemplo, se o Ecad arrecadar 10 mil reais de um compositor e ele nunca aparecer para resgatar esse dinheiro, isso vai para a conta deles”. Em tese, o dinheiro deveria ficar numa conta separada à espera da manifestação dos respectivos artistas.
Conclusões da CPI
Rodrigues afirma que a principal conclusão a que chegou a CPI foi a necessidade de reforma da lei do direito autoral. “A lei 9610 é de 1998, naquela época ainda não existia a internet. Essa legislação está anacrônica”, argumenta. O senador também deixa claro que a liberdade do Ecad deve ser reduzida. “É preciso que se crie uma instituição pública responsável por fiscalizar toda essa arrecadação e que assuma o controle desses acessos”.
Por fim, completa que a CPI pedirá o indiciamento de pelo menos quatro dos diretores do Ecad por formação de quadrilha, cartelização e apropriação indébita.
Ana de Hollanda poderia ser indiciada por “advocacia administrativa”, quando funcionário público patrocina, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário.
As denúncias geraram manifestos de intelectuais em favor da saída da ministra. Atores como Fernanda Montenegro e Dan Stulbach apoiam a nomeação de Danilo Miranda, diretor do Sesc São Paulo, para o cargo. Marilena Chauí, professora do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, afirma que o “despreparo do Minc é dolorosamente evidente”.
Diante das acusações, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aprovou na terça-feira 13 um convite à ministra para que ela fale a respeito do assunto. O próprio senador solicitou o requerimento, mas Ana de Hollanda ainda não anunciou se aceitará o convite.
Marcelo Silveira expõe em São Paulo, Diário de Pernambuco
Marcelo Silveira expõe em São Paulo
Matéria originalmente publicada no Diário de Pernambuco em 23 de março de 2012
Marcelo Silveira, artista plástico pernambucano, inaugurou ontem a exposição Chronos, na Galeria Nara Roesler, em São Paulo. Ele apresenta quatro obras em sua quinta indivual na galeria. Caleidoscópio é instalação composta por algumas dezenas de espessas molduras retangulares, que abrigam um número grande de placas coloridas de acrílico translúcido e de idêntico tamanho, agrupadas em camadas até formar bloco espesso o bastante para bloquear quase toda a luz que sobre elas caia. Vazadas, criam figuras abstratas, geométricas e corriqueiras, como brinquedos, veículos e pessoas.
O segundo trabalho, Cuco (Livro da semana) é uma publicação com tiragem única, produzida em estêncil, técnica que o artista considera "um esquema facilitador do processo de desenhar, encontrado facilmente em lojas de material escolar". Desafiando os limites entre desenho e pintura, Criação do Mundo traz enormes caixas de cedro presas à parede, nas quais se instalam papéis brancos inteiramente preenchidos por sinuosos traços abstratos feitos com caneta esferográfica azul. Por fim, Sinuca traz sete caixas triangulares produzidas a partir da reprodução de uma peça encontrada em um brechó do Recife, onde o artista reside.
"Repleta de construções que se movimentam fisicamente, sua obra se caracteriza, sobretudo, por promover deslocamentos constantes de sentidos. Nos trabalhos reunidos nesta exposição, uma vez mais os meios usados e os nexos sugeridos se confundem, oferecendo ao visitante a experiência de tecer relações novas a partir do encontro com a criação do artista", explica Moacir dos Anjos, curador da última Bienal Internacional de São Paulo, que assina o texto crítico da exposição.
Mostra de Giorgio de Chirico em cartaz no Masp, O Estado de São Paulo
Mostra de Giorgio de Chirico em cartaz no Masp
Matéria originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Estado de São Paulo em 22 de março de 2012
A tragédia da serenidade. A expressão, num dos escritos de Giorgio de Chirico (1888-1978), se refere a seus pensamentos sobre a estética metafísica, movimento pelo qual o pintor se inscreveu na história da arte do século 20. "Na construção da cidade, na forma arquitetural das casas, das praças, dos jardins e das paisagens, dos portos, das estações ferroviárias, etc., estão os primeiros fundamentos de uma grande estética metafísica. Os gregos tiveram certo escrúpulo nessas construções, guiados pelo senso estético-filosófico: os pórticos, os passeios sombreados, os terraços erguidos como plateias diante dos grandes espetáculos da natureza", definiu o artista em 1919.
Na década de 1910, o greco-italiano De Chirico começou a pintar suas paisagens urbanas enigmáticas, cidades melancólicas formadas por construções da arquitetura antiga e clássica, das quais emergem sombras e figuras humanas, estátuas ou manequins isolados sempre com o chão quase ocre, a luminosidade do céu em camadas verdes e amarelas. Um criador referencial, o artista tem agora apresentada no Brasil a primeira antologia de sua obra, a mostra De Chirico: O Sentimento da Arquitetura, com 45 pinturas, 11 esculturas e 66 litografias pertencentes à coleção da Fondazione Giorgio e Isa de Chirico, sediada em Roma, na casa onde ele viveu a partir de 1944.
A exposição, primeiramente, foi apresentada na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. Com curadoria da arquiteta e crítica italiana Maddalena d?Alfonso, a mostra será, depois, exibida na Casa Fiat, em Belo Horizonte (entre 29 de maio e 29 de julho). Mesmo que reúna obras que o artista executou, especialmente, nas décadas de 60 e 70, a antologia representa, na verdade, todo o seu pensamento artístico - como afirmou a curadora à reportagem por ocasião da exposição em Porto Alegre, De Chirico promoveu uma espécie de "antropofagia" de suas questões durante toda a sua carreira. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo
Retrato do artista quando (muito) jovem Sofia Borges, Felipe Bittencourt, Rafael Carneiro, Flávia Junqueira e André Feliciano dizem a que vieram por Juliana Monachesi, Revista Select
Retrato do artista quando (muito) jovem Sofia Borges, Felipe Bittencourt, Rafael Carneiro, Flávia Junqueira e André Feliciano dizem a que vieram
Matéria de Juliana Monachesi originalmente publicada na Revista Select em 20 de março de 2012
Nascidos entre 1984 e 1987, cinco artistas relatam seus caminhos para as artes visuais e refletem sobre o atual contexto, em que “jovem artista” virou commodity
Eles têm obras de gente grande, mas ingressaram muito cedo no circuito da arte e construíram uma trajetória artística com apenas vinte e poucos anos. Sofia Borges, 27, Felipe Bittencourt, 24, Rafael Carneiro, 26, Flávia Junqueira, 26, e André Feliciano, 27, são jovens precoces que estão inscrevendo seu pensamento e sua atitude na conversa da arte contemporânea brasileira.
André Feliciano, o mais precoce entre os precoces, que formulou seu primeiro (de muitos) manifesto sobre arte ainda no colegial, atende hoje pelo nome Jardineiro de Arte. Ele já teve outros codinomes ao longo de uma breve e acintosamente frutífera carreira de artista: foi moderno (2000-2001), foi Pós-moderno (2002-2005), Contemporâneo (2005-2006) e, por fim, encontrou a verdadeira vocação, que não é, segundo ele, ser artista, mas “cultivar a natureza da arte”, como Jardineiro.
“A arte surgiu na minha infância como uma dúvida: eu tinha uma memória muito forte de brincar em um galinheiro, em um sítio que visitava sempre nas férias, em Minas Gerais, mas não sabia se essa memória provinha de uma experiência ou de uma fotografia. Passei muitos anos com essa dúvida que, de certa forma, nutriu minha vontade de querer entender mais sobre a natureza da fotografia”, conta o Jardineiro André.
Uma dificuldade de mobilidade aos 17 anos levou-o a começar a fotografar. “Por algum motivo misterioso tornei-me uma fotografia: não tinha ação própria, não conseguia me comunicar e vivia em um espaço plano”, explica. Ele elaborou, em 2001, um manifesto sobre o que seria a arte do futuro, intitulado Neo-pós-pós, passou a criar e costurar as próprias roupas e conseguiu “sair do mundo estático e fotográfico” em que havia se metido.
Em 2002, Feliciano ingressou na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e, por que deixou “de ser espontâneo”, adotou o codinome Pós-Moderno. “No ambiente intenso de criação em que me encontrava no final do colegial, eu não conhecia outra possibilidade a não ser cursar uma faculdade de artes. Perdi um pouco a noção de realidade durante o curso e me aprofundei nas questões sobre a natureza da fotografia”, conta.
No percurso de formação, o artista introjetou de tal maneira o pensamento sobre a fotografia e as experimentações intensas com o meio (técnica e simbolicamente) que voltou a se sentir, no último ano do curso, estático e com dificuldade de se comunicar. “Tornei-me o próprio contemporâneo. Só consegui sair do buraco com ajuda do meu orientador, que me ensinou a ler e escrever textos de modo claro e estruturado para, enfim, conseguir me comunicar.”
Orientado por Felipe Chaimovich em seu trabalho de conclusão de curso, em 2006, o que o Jardineiro André Feliciano fez foi ousar reescrever a história da arte moderna a partir de uma perspectiva fotográfica e decretar o fim do contemporâneo e o surgimento de um novo ciclo histórico: o Florescimento.
Florescentista há cinco anos, o Jardineiro vem se dedicando a cultivar a natureza da arte em lugar de superpovoar o mundo com mais obras de arte. Escritos florescentistas, festas florescentistas e conversas florescentistas perfazem sua obra hoje. Nas festas, por exemplo, o anfitrião serve apenas comidinhas em forma de câmera, que simbolicamente fotografam os convivas.“
A minha entrada no circuito das artes começou de fato com a exposição Ecológica no MAM-SP. Depois dessa iniciativa, as pessoas dizem que entenderam mais o que eu tento falar há muitos anos. Entretanto, meu trabalho é um longo cultivo, mas a poética do meu trabalho não está pronta”, avalia. Em 2011, Jardineiro fez duas exposições em Nova York, na Bonni Benrubi Gallery e em um prêmio internacional de jovens artistas no Brooklyn, e tem prevista para março sua primeira individual na Galeria Zipper, em São Paulo.
O que significa ser "jovem artista"
A artista e professora de artes visuais da Faap Dora Longo Bahia faz uma diferenciação entre “artista jovem” – “uma denominação retroativa que pressupõe a existência de uma obra feita por alguém que faz arte (o artista)”, como subentendido no título do romance de James Joyce – e “jovem artista”, designação que prescinde da obra. “O jovem artista é uma categoria que existe antes da arte; é uma promessa do mercado, é uma aposta que pode dar certo (valorizar) ou não”, defende. As escolas de arte, hoje, ainda segundo Bahia, ensinam os alunos a ser “jovens artistas”, a se inserir no mercado e até a usar dispositivos de “subversão”.
Uma marca dos jovens artistas no contexto atual é a diversidade de meios que escolhem para se comunicar. Apesar de certo predomínio da pintura figurativa (basta visitar a exposição Os Primeiros 10 Anos, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake até 26 de fevereiro, para perceber que esse suporte é o cavalo de batalha da nova geração), os artistas também fazem farto uso do vídeo, da fotografia e do tridimensional.
Mesmo na pintura há visadas marcadamente distintas, como no caso da obra de Rafael Carneiro. Ele se vale de um olhar mediado ou maquínico, capturado por câmeras de segurança ou stills de filmes de Alfred Hitchcock, como base para uma pintura que faz questão de figurar a própria artificialidade. “Tento resolver o mal-estar cultural em meu trabalho. Para mim, a obra de arte não tem nada a ver com sublimação, acho que o que existe é a tentativa de solucionar o jogo de necessidades psicológicas em um objeto”, afirma.
O problema é, na opinião do artista, que no mercado de arte aquecido existe pouco espaço para a subjetividade. “Não posso negar que a pintura hoje é algo vendável. Mas uma pintura minha leva um mês para ser feita, cinco horas por dia. Ter uma galeria me obrigou a ter a responsabilidade de trabalhar, mas a investigação crítica nunca deixou de ser parte integrante do trabalho”, defende um desencantado Carneiro, sugerindo que nem todo mundo que está pintando consegue conciliar demanda e consistência de pesquisa.
Transparência e opacidade
De família tradicional, Flávia Junqueira cursou direito e filosofia antes de estudar artes também na Faap. “A decisão pela faculdade de artes plásticas não foi fácil. Cresci em ambiente familiar que sempre me deu liberdade de escolha, porém, por estar imersa em um contexto de valores mais tradicionais, me sentia pressionada a escolher profissões que proporcionassem maiores garantias no mercado de trabalho”, conta.
Quando se formou, em 2009, a artista já tinha uma boa inserção institucional com participações em salões e editais, e também no mercado. “Esse caminho me possibilitou começar a apresentar meu trabalho fora da faculdade, o que despertou o interesse de galerias. A maior dificuldade que encontrei foi entrar no mercado muito jovem. Tive de aprender a dividir o tempo entre dar continuidade ao processo criativo e administrar tarefas além da produção. Isso é muito difícil, pois estou em um processo inicial de construção do trabalho. Percebo que muitos jovens artistas também acabam tendo essa dificuldade, da pouca experiência aliada à demanda comercial, o que pode comprometer a produção e a concentração”, desabafa.
Um universo solitário de referências infantis marca a produção de Junqueira. A artista realiza performances fotografadas, simulando o ambiente multicolorido de festas infantis (pilhas de presentes, balões, casa de bonecas, flores), nos quais se insere vestida de menininha e com expressão melancólica.
Flávia Junqueira e Sofia Borges trabalham em limites diametralmente opostos do espectro da investigação fotográfica: a primeira se vale da transparência e a segunda, da opacidade. A melancolia do set infantil de uma tem, entretanto, um paralelo com as indecifráveis encenações da outra, que modifica pouco o ambiente de forma direta. As transformações desse set solitário e desolado são produzidas no interior do processo fotográfico, da iluminação ao processamento na ampliação.
“Eu sempre soube que trabalharia em alguma área ligada à criação. Durante o colegial cheguei a resolver que seria escritora. Mas, quando, morando em São Paulo havia dois meses (aos 19 anos), visitei uma exposição de arte contemporânea, me dei conta de que havia uma área do conhecimento na qual eu poderia exercer aquele tipo de prática. Ao me dar conta disso, decidi cursar artes plásticas”, lembra Borges, que já saiu da USP, em 2008, com galeria (Virgilio, em São Paulo).
A entrada no mercado de arte é menos cristalina no caso de alguém trabalhando com performance. Felipe Bittencourt conta que sua inserção foi “bem torta”: carioca vivendo em São Paulo, participou da primeira mostra coletiva no Rio de Janeiro. “Meu trabalho foi extremamente desrespeitado, assim como o de muitos outros: um edital enganoso e um espaço precário que não atenderam a nenhuma exigência dos artistas. Decepcionado, não produzi por um tempo”, lembra. De uma série de decepções pessoais surgiu o projeto de realizar performances de limite físico, que foram os trabalhos que lhe deram projeção e renderam convites para expor pelo Brasil em espaços institucionais e festivais internacionais. Um exemplo é a ação de apontar vários lápis durante três horas, até sangrarem os dedos. “Testo o limite do objeto e o objeto testa o meu limite”, explica o artista.
Bittencourt trabalhou na exposição Objeto Transitório para Uso Humano (2008), de Marina Abramovic, na então Galeria Brito Cimino, na qual as pessoas podiam interagir com os objetos e propostas da artista. “Minha função era performar ações durante 12 horas, todos os dias, por um mês, como exemplo vivo e constante na exposição. Foi um contato muito forte e uma grande influência em minha produção”, conta ele. “A constante crítica de que minha produção não renderia dinheiro foi outro fator importante no meu processo como artista, porque resolvi produzir somente pela arte e não pelos seus fins financeiros”, observa.
Um exemplo disso é o belíssimo projeto de performance diária que Bittencourt iniciou em 8 de dezembro de 2010. “Minha proposta foi fazer uma ideia de performance por dia durante o período de um ano, lançando, assim, um desafio e tomando a ação de desenhar diariamente como performance. Nenhuma foi desenhada com o intuito de acontecer de fato. Não havia limitações financeiras, lógicas ou de segurança nas ideias desenhadas.”
Hegemonia de um padrão de gosto
“A arte está cada vez mais colada na moda, operando segundo uma mesma lógica: assim como as marcas lançam coleções sazonais, também as faculdades e instituições lançam artistas sazonalmente”, analisa Dora Longo Bahia. “Hoje, o jovem artista tornou-se uma mercadoria, é uma commodity como as ações do mercado de futuros, pois a arte reproduz o sistema econômico”, continua. “A descontextualização da experiência do artista em seu ateliê em relação à obra formatada para estar nos museus e galerias é muito perversa.”
Com base em uma pesquisa de Tiago Mesquita para o livro Pintura Brasileira Século 21, que a editora Cobogó lança em fevereiro, a exposição no Instituto Tomie Ohtake promove relações entre a onipresente produção de pintura de nomes que despontaram no cenário da arte na última década com obras em outros suportes de colegas de geração. Mesquita, que é cocurador da exposição, atribui a profissionalização dos jovens artistas a fenômenos novos como a continuidade do processo democrático e, de seis a oito anos para cá, à estabilidade econômica do Brasil.
“Esse contexto permite uma continuidade na trajetória dos artistas; não há muitos sobressaltos. Além disso, há muita organização do meio de arte nos dias de hoje”, afirma Mesquita. A facilidade do acesso a informações – seja pela quantidade de livros circulando na internet, seja pela facilidade de se fazer uma viagem de formação – também contribui para a continuidade de uma investigação artística, na opinião do curador. “Parte da produção brasileira atual é muito marcada pela hegemonia do mercado internacional de arte, pela hegemonia de um padrão de gosto, e isso é um problema”, diz.
*Publicado originalmente na edição impressa #4.
Obra de arte em São Paulo? Sujeita a guincho por Jotabê Medeiros, O Estado de São Paulo
Obra de arte em São Paulo? Sujeita a guincho
Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Estado de São Paulo em 22 de março de 2012
Prefeitura exige o pagamento de R$ 12 mil para devolver obra ao coletivo artístico Bijari
Há cerca de duas horas, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Subprefeitura de Pinheiros, guinchou uma obra de arte do coletivo artístico Bijari, que já foi exposta na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo e na exposição austríaca Rotor, em 2009, e já ocupou espaços de eventos como a Matilha Cultural e o SWU.
Trata-se de uma carcaça de automóvel coberta com plantas, uma intervenção urbana da série Carro Verde, um comentário crítico sobre a metrópole automatizada. Para liberar a obra de arte, autuada como "carro abandonado em via pública, a Prefeitura de São Paulo exige o pagamento de R$ 12 mil. O Grupo Bijari não tem o dinheiro e reclama que a Prefeitura não cumpriu o rito legal de informar a suposta infração e dar 5 dias para a sua legalização.
O Grupo Bijari, desde 2007, desenvolve um projeto batizado de Natureza Urbana, montado em diversos suportes. "Constitui-se na apropriação de equipamentos e estruturas urbanas símbolos e agentes de um modelo nocivo de ocupação, mas que, ao mesmo tempo, possuem um caráter de identificação coletiva dentro do ambiente das cidades: o carro , o ônibus, o outdoor, a caçamba de lixo", diz seu manifesto.
O automóvel coberto de plantas é uma velha Quantum sem motor, que estava em exposição na frente da Galeria Choque Cultural, na Rua João Moura, na Vila Madalena. O grupo utiliza os veículos para reapresentá-los à vida urbana, cobertos de samambaias, bromélias, arbustos, unhas de gato e palmeiras para "dar uma nova vida às carcaças estéreis criando um organismo único e sincrético".
"Para quem a cidade é feita: para as pessoas ou para os carros? A resposta não é clara. Para emplacar um carro é fácil, mas para expor uma obra de arte questionando isso é difícil", diz Rodrigo Araújo, um dos 13 artistas do Coletivo Bijari. São Paulo possui cerca de 7 milhões de automóveis nas ruas.
março 22, 2012
MAM propõe diálogo entre novas aquisições e acervo por Audrey Fortunato, O Globo
MAM propõe diálogo entre novas aquisições e acervo
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 22 de março de 2012
Mostra alinha 83 obras recém-adquiridas com a exposição permanente do museu
RIO - A exposição das novas aquisições da coleção Gilberto Chateaubriand já é regular no calendário do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio — e, por isso mesmo, um desafio para a curadoria de Luiz Camillo Osorio e Marta Mestre. Nesta edição, que o MAM abre nesta quinta-feira ao público, a dupla propõe que as obras adquiridas entre 2010 e 2012 dialoguem com a exposição permanente do museu.
Os 83 novos trabalhos (a maioria pintura e fotografia) expostos estão divididos em quatro núcleos, os mesmos da mostra permanente, no segundo andar do MAM.
Para o diálogo nos núcleos — geometria, cidade, identidade e corpo —, obras que já pertenciam à coleção entram no chamado Espaço Monumental do museu, agora ocupado pelas novas aquisições. Um Weissmann de 1986 e um Volpi de 1960 guiam, assim, o núcleo "geometria". Os dois são apresentados ao lado de novas aquisições como um múltiplo da artista Claudia Melli.
No núcleo "cidade", um bólide de Hélio Oiticica fica próximo ao porta-fotos "Eu amo camelô" (2009-2010), do Opavivará!, ou a fotos de Gustavo Speridião — ele é o nome mais presente nas novas aquisições.
Em "identidade", "Lindoneia — a Gioconda do subúrbio" (1966), de Rubens Gerchman, divide a parede com Alexandre Mury, que cobre o rosto com fatias de bacon em "Francis Bacon" (2011). Já em "corpo", os artistas são guiados por "Vênus" (1977), de Tunga. Lá, estão os bordados "Me cobre" (2010), de Elisa Castro, e "Veste nu" (2010), de Daniel Toledo, com a foto de um corpo nu impressa numa capa de tecido.
Na mostra, a ideia é expor ao menos uma peça dos 24 artistas que, agora, passam a integrar a coleção Chateaubriand. Há obras de artistas de 24 a 84 anos. Embora a exposição apresente 83 trabalhos, o colecionador comprou quase 190 obras nos últimos dois anos.
Cidade perfurada, Jornal de Hoje
Cidade perfurada
Matéria originalmente publicada no caderno Arte & Vida do Jornal de Hoje em 21 de março de 2012
Começam amanhã as atividades abertas ao público do projeto Perpendicular - em sua versão Fortaleza.
Obra processo, o projeto apresenta as etapas da construção do pensamento artístico
Não que seja cômodo ser expectador – em dependendo da obra, a experiência é reveladora. Mas é possível subverter essa proposta e a experiência artística – fazendo um outro convite ao público. É isso que o mineiro Wagner Rossi Campos e outros cinco artistas propõem a partir de amanhã. Os seis expõem os processos de construção do pensamento artístico no projeto Perpendicular Fortaleza. A mostra das atividades começa amanhã no Centro Cultural Banco do Nordeste e em outros pontos da cidade, seguindo até domingo.
A provocação inicial é apresentar o processo de construção da obra: “A gente não quer produzir uma coisa já resolvida. O que a gente está fazendo é mostrar para as pessoas o processo, para as pessoas acompanharem, participarem mais do que acontece na concepção da obra que chega à galeria. O trabalho é o mais aberto possível”, detalha Wagner. Na versão Fortaleza, o Perpendicular envolve os artistas Fernando Ancil e Raquel Versieux, ambos mineiros (além de Wagner), e Yuri Firmeza, Uirá dos Reis e Sabyne Cavalcanti, do Ceará.
Por isso, os seis iniciam os trabalhos com ideias que podem se modelar até domingo, assumindo o risco de um trabalho intenso concentrado em menos de uma semana. Fernando, por exemplo, tem se apropriado da fotografia para falar do apagamento das cidades. Esquecimento. “Estou procurando cartões postais e fotos antigas da cidade”. Raquel, em sua fase mais escultora, pretende explorar a matéria – e espera com expectativa pela visita à comunidade Moita Redonda, no município de Cascavel (distante 60km da capital).
Yuri, por outro lado, ainda está por dar esse primeiro passo. “Tinha pensado algo que fosse coletivo. Penso que algo pode vir da cidade a ser apresentada através do olhar do estrangeiro, alguma Fortaleza que me escapa”. Esse é o primeiro exercício (que aconteceu ontem e hoje): que Fortaleza Raquel, Fernando e Wagner apreenderam? Já Wagner parte das possibilidades do corpo e dele inserido no espaço da cidade. “Os artistas de Fortaleza têm uma relação habitual com a cidade e os de fora, não. Acaba que uma coisa vai contaminar outra”.
O projeto já tem três anos, e começou em Belo Horizonte. No já distante 2009, Wagner ficou particularmente instigado pelo lançamento de uma exposição na Galeria da Copasa (uma empresa de água mineral), da qual é “vizinho perpendicular”, como definiu. E resolveu, ele também, montar um evento: “Que foi dentro da minha casa. Queríamos propor uma perfuração num evento institucional a partir de um evento feito pela vontade do artista. Foi super forte”, descreveu, em conversa ao telefone. Ações na rua e dentro da casa jogavam com o público e o privado. Do lado de lá da galeria, “nem deram bola”.
História
Wagner, artista, pesquisador e performer ele próprio, fez uma segunda edição do Perpendicular, também na capital mineira, do lado de fora do Museu Inimá de Paula. Em 2010, ele decidiu estruturar a proposta para um edital, conseguindo financiamento para outras edições. “O Perpendicular é uma forma de encontro, saindo um pouco desse universo de ‘eu comigo mesmo’, ampliar isso com o outro. O projeto é sempre esse de encontros, com artistas, com lugares”, explicou Wagner.
Aconteceu, pois, o cenário # ambiente de 2010 e Perpendicular Casa e Rua, em 2011. O encontro de Fortaleza é fruto do prêmio do Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais - 8ª edição. Vão ser lançados os livros elaborados a partir das outras experiências. No Brasil, o projeto já aconteceu no Rio de Janeiro, no Museu da República, em Maceió na praia, e em Berlim (Alemanha) e Bilbao (Espanha). Em Bilbao, os artistas saíram pela rua com uma muda amarrada ao corpo. “Foi um trabalho único. Tentamos entrar no Guggenheim. A gente entrou no hall, mas não pôde entrar nas salas expositivas: eles disseram que não podia entrar nada vivo no museu”.
Outras info.: http://www.perpen-dicular-fortaleza.blogspot.com.br/
"Gestão de Ana de Hollanda é desastre", afirma ex-ministro da Cultura por Matheus Magenta, Folha de São Paulo
"Gestão de Ana de Hollanda é desastre", afirma ex-ministro da Cultura
Entrevista de Matheus Magenta originalmente publicada no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo em 22 de março de 2012.
"Acho que é um desastre." Foi assim que o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira (2008-2010) definiu, em entrevista à Folha, a gestão da sucessora Ana de Hollanda.
Ferreira se manifesta no momento em que circulam na internet dois manifestos com críticas à pasta sob Ana de Hollanda, assinados pela atriz Fernanda Montenegro e pela filósofa Marilena Chauí, entre outros. "Se me chamassem, eu assinaria", disse.
Procurada na terça-feira (20) à noite, a assessoria da ministra disse que não poderia responder às críticas a tempo.
O ex-ministro diz ter "elegância acima da média e silêncio obsequioso com todas as diferenças programáticas" entre a sua gestão e a atual.
Isso não impediu que, ao longo de uma hora de conversa, Ferreira afirmasse haver críticas "em quantidade e qualidade" suficientes para constatar "retrocesso" e "ruptura" na passagem de bastão.
Ferreira foi, entre 2003 e 2008, secretário do então ministro Gilberto Gil. Com a saída do músico, assumiu o Ministério da Cultura (MinC).
Em oito anos, se viu às voltas com polêmicas na Lei Rouanet e na Ancinav, agência do audiovisual considerada autoritária.
Desapegar do cargo não foi fácil. Queria ter ficado na pasta? "Não dá para negar isso."
Até comprar briga com o PV ele comprou. Em 2010, após 23 anos de militância, se desligou da sigla --que requeria mais espaço no MinC.
No dia 2 de fevereiro, na festa para Iemanjá, filiou-se ao PT da Bahia. Na ocasião, circulava a brincadeira da "melancia": verde por fora, vermelha por dentro.
Hoje, mora na Espanha com a família, onde trabalha na Secretaria Geral Ibero-Americana, órgão da Cúpula Ibero-Americana de chefes de Estado e de governo, que reúne 22 países, Brasil incluso.
Juca veio a São Paulo para o 1ª Fórum Internacional de Gestão Cultural, um ciclo de debates na Livraria Cultura que começou nesta quarta-feira (21) e vai até sexta-feira (23).
Confira abaixo a íntegra da entrevista concedida pelo ex-ministro à Folha nesta terça-feira (20).
*
Folha - O sr. mora na Espanha atualmente. Tem algum planejamento para uma volta?
Juca Ferreira - Não.
Por que a troca do PV para o PT e por que agora?
Eu já vinha em rota de colisão com o PV há muito tempo, há uns três ou quatro anos. O PV se distanciando do programa inicial e eu perdi o vínculo. Tivemos muitas divergências em relação ao ministério. No ano retrasado, eu apoiei a Dilma [nas eleições presidenciais de 2010], e o PV construiu uma outra candidatura [da ex-senadora Marina Silva], eu já estava praticamente fora.
E como surgiu a aproximação com o PT?
Na Bahia nós sempre andamos juntos. Éramos oposição à corrente do Antonio Carlos Magalhães [senador morto em 2007] e sempre trabalhamos juntos, sempre tivemos algumas afinidades importantes. Eu acho que o PT cumpriu um papel importante. Primeiro na redemocratização, organizando os movimentos sociais.
Desde o movimento sindical ao movimento de mulheres, de homossexuais, culturais, ambientais, o PT teve muita presença na organização disso. O Brasil contemporâneo precisava de uma democracia civilizada para poder mudar a estrutura do país.
O senhor disse que o PV entrou em conflito com alguns pontos do ministério durante a gestão do senhor. Quais eram os pontos divergentes?
O PV não tinha uma proposta diferente da nossa. Eles achavam pouco a minha presença, a presença de Gil e queriam ocupar espaço.
Queriam cargos?
É. Eu tenho muito cuidado com isso porque eu acho que o Estado não é botim de guerra, quem ganha a eleição. O Estado é um instrumento público e essa relação tem que ser muito cuidadosa.
Na sua gestão, houve muita resistência à Lei Rouanet nos moldes atuais, e daí surgiu a proposta de reforma da lei que é o ProCultura, que tramita no Congresso.
Não é resistência. Nós tivemos condições de constatar que a Lei Rouanet não gerou nenhum dos produtos que pretendeu gerar. Não criou um mecenato. Na verdade, é 100% de dinheiro público. E 100% de dinheiro público passando pelo crivo das empresas. O que, a rigor, é inconstitucional. O dinheiro público tem que ser usado a partir de critérios públicos.
Segundo não criou mecenato, ou seja, não atraiu recursos da área privada. Pelo contrário, passou a financiar a construção de intervenções privadas na área da cultura e concentrou excessivamente em dois Estados com as mesmas pessoas. Porque nesses Estados não houve distribuição porque não tinha critério. Então, quem passou a definir a política pública eram os departamentos de marketing. Era 80% do dinheiro que o ministério tinha era da Lei Rouanet.
Inclusive foram publicados anúncios durante a sua gestão criticando a concentração de recursos no Rio e em São Paulo.
Não é Rio e São Paulo. São os mesmos. Gil foi falar isso, ele ainda era ministro, num encontro no Rio de Janeiro, no teatro Leblon. Eu me lembro como se fosse hoje. Eu disse: "Olha, aqui eu estou vendo muitos artistas conhecidos, importantes, mas eu queria dizer que eu vou distribuir o dinheiro do ministério para o Brasil inteiro porque não se justifica que a cultura brasileira, tão diversa e rica, não tenha acesso a recursos públicos. E está muito concentrado em Rio e São Paulo".
Aí uma pessoa lá atrás levantou o braço, pediu a palavra e disse: "Não diga que é concentrado em Rio e São Paulo porque eu dirijo o maior centro cultural da Baixada Fluminense e nunca vi um tostão desse dinheiro --porque esse dinheiro é concentrado nos mesmos". O que é verdade. Era um processo de perda da razão do dinheiro público.
E aí o ProCultura viria para substituir esse modelo?
Tudo o que a gente fez foi precedido de muita discussão pública. Passamos dois, três, quatro, seis anos discutindo cada projeto de lei. E a Lei Rouanet exigiu muita discussão. Porque no processo de discussão você vai consolidando um esclarecimento e uma transparência, uma adesão, uma retificação do projeto inicial. É preciso discutir com artistas, criadores, produtores, empresários, gestores públicos e privados. E nós fomos muito coerentes com isso.
Então, demoramos, deixamos não só a Lei Rouanet, mas outros projetos de lei tramitando no Congresso. Teve um que foi aprovado recentemente, a Lei da TV a cabo, que não é da nossa autoria, mas teve nossa participação decisiva através da Ancine [Agência Nacional do Cinema], do ministro, no caso eu, apoiando, articulando. E é uma lei que vem dar uma grande contribuição nacional e na presença das telinhas.
O sr. acompanha a tramitação no Congresso da reforma da Lei Rouanet? Dizem que ela foi desvirtuada.
Porque recuperaram a proposta dos 100% [de isenção fiscal para financiadores privados, que não teriam de investir verba própria]. Isso já desvirtua [a reforma]. Mantém uma excrecência.
Produtores culturais alegam que a proposta da sua gestão, de obrigar empresas a investirem recursos próprios, afastaria os financiadores.
Se afastasse, não teria perda nenhuma, já que é 100% de dinheiro público. Estudei no colégio primário que zero menos zero é igual a zero. Mas não haveria isso, os maiores financiadores nos apoiaram.
Se é o proponente que necessita realmente do dinheiro e essas empresas de fato recuassem, não seria ele o prejudicado? Por que esse dinheiro não seria remanejado automaticamente para ele.
Eu quero lembrar que nós tínhamos um orçamento de R$ 217 milhões quando nós chegamos e saímos com um orçamento de R$ 2,3 bilhões. Ou seja, a gente estava fazendo a retificação. Não era só trabalhar a Lei Rouanet, a gente estava afirmando um projeto. Nós construímos um processo no Ministério da Cultura a partir de critérios públicos. Então, esse argumento é pobre.
No início da nossa gestão até poderiam dizer isso. "Esses caras vão acabar com uma coisa e não vão construir outra". Mas a gente fez o milagre dos peixes, a gente entrou com R$ 217 milhões, que era a média e o máximo até nós entrarmos, e deixamos R$ 2 bilhões. A Cultura nunca foi tão forte que nem no governo Lula.
O que mudou da sua gestão para a de Ana de Hollanda?
Não sou a melhor pessoa para avaliar. Estou longe. O Atlântico é mais do que uma poça d'água. Mas sei que se perdeu muita coisa. Vejo um nível [alto] de reclamação dos Pontos de Cultura. Parece que está bambo das pernas. Não por divergência, me parece que por dificuldade de implementar.
É falta de articulação política?
Eu não sou a melhor pessoa para dizer isso. Eu como ministro, digo ex-ministro, evito fazer comentários sobre o atual governo. Eu acho que não faltam críticos nem compreensão do que há de retrocesso. Eu sei que seria bom ouvir da minha boca, mas eu acho que sou a pessoa menos indicada para fazer essa observação.
Recentemente, o sr. falou a um blog que estaria mentindo se dissesse que estava contente com a atual gestão do MinC.
Eu acho que é um desastre. Isso é o que eu posso dizer porque já comentei num artigo de Idelber [Avelar, blogueiro e professor da Universidade Tulane, nos EUA].
Por que é um desastre?
É fácil constatar isso. É óbvio que há um retrocesso, um desinvestimento, a desestruturação de uma frente de trabalho importante. Não vi argumento sustentável que justifique o retrocesso do programa Pontos de Cultura.
A gestão atual do MinC apontou irregularidades nos editais desse programa lançados durante as gestões anteriores.
Não é verdade. Há gente contestando isso na Justiça. Quando não há boa vontade, e num Estado com pouco controle social como o Brasil, você faz e diz o que quiser.
O nome de Danilo Miranda, diretor do Sesc-SP, foi aventado em uma eventual substituição da ministra Ana de Hollanda. Já disseram que o problema dele é que não é mulher. O senhor acha que esse fator pesou na saída do sr. do MinC?
Não acredito. O que eu li foi o manifesto da Marilena Chauí [publicado na segunda-feira (19) no jornal "O Estado de S. Paulo"] e tem outro que eu não li. Se me chamassem, eu assinaria. Isso aí eu estou dizendo pela primeira vez.
*Por que há insatisfação com a gestão atual?
Porque, apesar de ser um governo de continuidade, houve uma ruptura inexplicável na área cultural. Há uma perda do que foi investido, das conquistas realizadas. Fui andar na rua em Salvador e vi pessoas pedindo: "Salve os pontos de cultura".
Qual é a ruptura mais gritante?
O projeto como um todo.
O sr. critica a falta de regulação do Ecad (que arrecada e distribui direitos autorais). Por que não mudou isso?
Porque não se recria [um sistema] facilmente. Vê a guerra que está agora. A transparência e a fiscalização do Ecad por um órgão são necessárias para garantir direitos dos artistas.
É preciso um órgão fiscalizador?
Sim, um órgão e um sistema de transparência para o próprio artista saber se está sendo lesado ou não.
O Ecad hoje está fora de controle?
Desde o governo Collor [1990-92].
O Ecad deveria ser regulado pelo governo?
Claro. Deveria ter obrigações de transparência em nome de quem eles cobram esse dinheiro.
O que foi feito durante a gestão do senhor para mudar esse quadro?
A Lei do Direito Autoral [na verdade, o texto ainda é um projeto de lei que está no Executivo após Ana de Hollanda reavaliar o texto elaborado durante as gestões Gil/Juca]. Ela foi modificada totalmente. Dizem aí nos blogs que há cópia de documentos do Ecad transformando em documento oficial. Não sei dizer porque não li os dois para comparar, mas vi que há uma suspeição.
Inclusive a ministra foi convidada para dar explicações no Senado. O senhor acha que a base governista não trabalhou para impedir isso?
Eu não sei o que houve. Mas de qualquer jeito eu fico triste porque foram 14 horas por dia de trabalho durante oito anos, de muita dedicação, uma escuta intensa de todo o Brasil, nós trouxemos para a política cultural os povos indígenas, os grupos culturais de favela, de periferia. Demos atendimento aos artistas de todo o Brasil, distribuímos recursos. E de repente, num processo de perda desse patrimônio acumulado.
O Brasil não vai se tornar uma grande nação realizando o crescimento da economia e colocando um pouco mais de dinheiro no bolso das pessoas. Isso é pouco. É fundamental, mas é pouco. É preciso garantir educação de qualidade para todos e garantir acesso pleno à cultura. Os números vocês devem conhecer porque eu repetia exaustivamente e não me esqueci. Pouco mais de 5% dos brasileiros entraram mais de uma vez em um museu, só 13% dos brasileiros vão ao cinema, só 17% compram livros, a média de leitura de livros é 1,7 per capita. Tão mudando aí o critério para ver se aumenta o número, mas isso não é bom fazer. Faziam na época da ditadura essas mágicas estatísticas.
Como é que o Brasil quer ser uma grande nação assim? Então, esse seminário [Fórum Internacional de Gestão Cultural: Para Além do Mercado, que será realizado em São Paulo entre hoje e sexta-feira], é fundamental, é uma discussão estratégica. Está todo mundo olhando para o Brasil. Às vezes eu acho que aqui de dentro não se tem noção da importância do país hoje no mundo. O Brasil hoje é um líder mundial, tem uma presença significativa e há uma expectativa, o mundo quer conhecer o Brasil. As artes plásticas brasileiras são consideradas de primeira linha no mundo. Os artistas são mais conhecidos lá fora do que aqui. Muitos. E a Bienal está ameaçada.
O que o sr. acha do MAM assumir o controle da Bienal?
Não sei. Mas seria um escândalo se deixássemos acabar a Bienal. É um patrimônio brasileiro. É o único evento globalizado a partir do Brasil. E coloca o país na ponta. As duas principais bienais do mundo são a de São Paulo e a de Veneza.
Essas dificuldades estão relacionadas à fiscalização de órgãos de controle. O ex-presidente Lula já reclamou bastante desses órgãos que, segundo ele, atrapalhavam o desenvolvimento do país. Há excessos na fiscalização?
Não existe excesso de fiscalização. Se existir, existe falta. O conflito entre o gestor e quem fiscaliza é normal. Às vezes quem fiscaliza não localiza exatamente onde estão os problemas e dificulta a execução de projetos importantes. No caso da Bienal, houve uma caracterização por parte do Ministério Público de que tinha havido uso indevido de recursos públicos sem a prestação de contas.
Mas a própria Bienal elegeu uma diretoria de oposição aos diretores anteriores. Eu fui ao Ministério Público e disse que seria um escândalo se a Bienal acabasse. Então faz um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] com a nova diretoria, a instituição está se propondo a resolver os problemas da gestão passada e garante a realização da Bienal. Eles fizeram uma ótima Bienal. Eu não acompanhei se eles cumpriram as exigências do Ministério Público ou não.
O senhor falou em continuidade. Existe uma continuidade de governo entre o ex-presidente Lula e a presidente Dilma e o senhor enxerga uma ruptura entre a gestão Gil/Juca e a de Ana de Hollanda...
Eu não. Mais de metade da torcida do Corinthians e acho que a torcida do Flamengo inteira.
Até que ponto a gestão da Ana de Hollanda não segue uma orientação do próprio governo Dilma? É uma gestão só da ministra e não do governo da presidente Dilma?
Acho que é cedo para dizer isso. Depende da maneira que a presidenta conduzir a questão.
O que a gente pode falar até agora?
Podemos falar que há uma dissintonia.
Hoje a presidente Dilma disse a jornalistas que a Ana de Hollanda fica no ministério.
Então pronto, ela fica. Eu não a ouvi dizendo isso, mas ela tem direito. Ela foi eleita, ela que se submeteu ao processo de gestão, ela que sabe se ela tem condições de fazer, com essas mesmas pessoas, uma reversão dessa política.
Em última instância, o governo é da presidente Dilma.
Não pode se estar trocando ministro a toda hora. Eu não sei o que passa na cabeça da presidenta, mas acho que é um direito dela.
O fato de manter a ministra sinaliza que a presidente concorda com a gestão?
Não. Talvez não. Não sei, estou muito longe para saber.
Você buscou se distanciar propositalmente?
Acho que um ministro não deve dar opinião sobre a gestão de outro. Acho deselegante. A política brasileira às vezes carece de elegância, de regra de civilidade.
Acha que a discussão acaba se tornando pessoal, e não política?
Já tem críticos em quantidade e qualidade suficiente, não me sinto motivado a participar desse processo.
Desde a passagem de bastão, o senhor já conversou com a Ana em algum momento?
Não, conversei antes. Depois que a presidenta Dilma ganhou a eleição, eu reiterei a orientação e tive uma reunião com ela, em dezembro [de 2010] já. Levei minha caderneta pessoal e li para ela 18 preocupações. Falei: preste atenção às leis que estão tramitando no Congresso, se vier alguma lei que tiver que ser modificada por discordância, faça isso publicamente, pois essas leis tiveram envolvimento muito grande mesmo. Preste atenção à Bienal. Precisamos apoiá-la para sair da crise. Falei dos Pontos de Cultura, da importância. Falei de João Gilberto. Precisamos apoiar João Gilberto na demanda de recuperar o controle do "Chega de Saudade", que é um patrimônio da cultura brasileira, e a empresa está fazendo mau uso dele. Era um caderno de anotações pessoais sobre pontos importantes do ano de 2011 para frente do MinC.
E quantos [dos 18] pontos você acha que foram correspondidos?
Não sei porque não estou acompanhando. Saí logo depois. Fui na Europa entre janeiro e maio três vezes, e maio eu comecei a trabalhar na Segib [Secretaria Geral Ibero-Americana, órgão da Cúpula Ibero-Americana de chefes de Estado e de governo, que reúne 22 países, Brasil incluso]. E foi bom ir longe. Não cabia mim, eu não exerço o papel de algoz, não é minha vocação.
A programação do fórum fala da gestão cultural para além do mercado. O que de concreto vai ser discutido nesses dias?
O papel do poder público, do Estado, na garantia do desenvolvimento cultural. O mercado só permite acesso a quem tem possibilidade de poder aquisitivo para comprar o CD, comprar o livro. Inclusive, li ontem, na imprensa espanhola, a seguinte frase: "Em todo o mundo ocidental, o desenvolvimento cultural tem no Estado a principal garantia de acesso". Houve uma época, década de 90, quando houve demonização do Estado, se acreditava que o Estado deveria manter distância, mercado era mais eficiente. Na verdade isso é uma falácia. Brasil precisa que Estado assuma sua responsabilidade. É preciso garantir através dos museus, dos centros culturais, dos financiamentos da produção.
E Vale-Cultura [projeto em tramitação no Congresso que prevê o repasse do valor mensal de R$ 50 a trabalhadores com rendimento de até cinco salários mínimos] seria um dos grandes pontos de acesso?
É, o Vale-Cultura seria.
Por que é que o projeto parou no Congresso?
Os projetos de origem do Executivo, para tramitar, precisam de acompanhamento da base política. Se não houver incentivo do ministério, dificilmente anda.
A defesa da ministra Ana de Hollanda contra a fiscalização do Ecad, como órgão privado, isso é uma visão de governo ou pessoal?
Como é que vou saber se não passei pelas reuniões de governo?
A então ministra Dilma tinha essa visão de Estado mais fraco em relação a órgãos privados?
Eu não acredito. Acho que o mundo contemporâneo, as relações privadas têm algum nível de regulação pública. Por exemplo: quando eu era menino, eu ouvia com muita frequência: briga de marido e mulher, ninguém mete a colher. Hoje, vá o marido bater na mulher pra ver que processo ele tem que... Ou seja, a opressão do macho sobre a mulher no ambiente doméstico evidentemente que são relações privadas, mas a sociedade coíbe esse tipo de prática. Não existe lugar nenhum do mundo que aconteça o que acontece no Brasil depois do governo Collor.
Desafio alguém a encontrar um lugar no mundo onde se arrecade dinheiro em nome de terceiros sem obrigações de transparências para esses terceiros, no caso de artistas e criadores, e não tenho um acompanhamento que se arrecade um volume que excede e muito a R$ 300 milhões por ano. E não ter nenhum mecanismo público.
Você falou que desde o Collor acontece. Mas por que o Brasil tem há tanto tempo esse ambiente que não floresceu em nenhum lugar do mundo?
Olha, você sabe que aconteceram coisas do arco da velha no governo Collor. Foi o auge da ideia de que o Estado é um ambiente caduco, que não se justificava mais, que o mercado se autorregularia. Foi um momento de deslumbramento com essas teses. E eles vieram para cima da gente com agressividade enorme, mas é verdade.
Que agressividade?
Verbal. Pegue os jornais da época que você vê a coragem que a gente teve de comprar todas as brigas. Qualquer que seja o sistema de regulação, o artista tem de ser pago. Pessoa de qualquer outra atividade é paga pelo seu trabalho. E direito autoral é a forma de reconhecimento do trabalho criativo e o retorno do artista. Isso é inquestionável, e nós não seríamos doidos, nem malucos, nem Gil esquizofrênico de negar esse direito básico.
Há um dualismo no debate que coloca a gestão da Ana como pró-Ecad e as gestões Gil/Juca como frouxas na defesa dos direitos autorais.
A internet veio para ficar. Não se pode colocar o direito do autor em contradição com o de acesso à cultura. Tem que buscar harmonização.
Você acha que o retorno do anteprojeto dos direitos autorais ao Executivo vai retardar ainda mais a discussão?
Não sou bom analista porque estou longe, desinformado, conscientemente distante. E acho que já tem crítica suficiente. Não sinto que está passando incólume a destruição do que nós fizemos. Pelo contrário. Aquele manifesto assinado por pessoas proeminentes da cultura, o Viveiros de Castro. É um documento, uma peça histórica. Se me chamassem, eu assinaria com a maior tranquilidade.
Há uma tropa de choque muito forte que milita em seu nome...
No meu nome, duvido. Você sabe que parte da área cultural queria que eu continuasse. Mas não é tropa de choque, não tem um nível de organização, pelo contrário. Fiquei um ano completamente isolado, sem partido, nem nada. Me filiei agora mais para me reinserir. Não quis fazer antes de sair para não sinalizar que era algo tático para me cacifar. Tive dúvidas se voltaria a me filiar a partido, qual partido. PSB, PT... Optei por me filiar ao PT.
Você se filiou ao PT pensando no futuro.
Evidente. A língua portuguesa separa o ser e estar. Algumas línguas não fazem essa separação. Eu fico imaginando como é que se viram para ter uma precisão ao se expressar, por exemplo, nesse caso. Estou lá, mas sou daqui. Passei quase oito anos entre Chile e Europa, fui exilado.
Pensando em 2012 e 2014?
Sei lá quando. Tenho filho de um ano, isso me ajudou a ficar um pouco em casa.
Você gostaria de ter continuado no ministério?
Na época, disse que sim. Não dá para negar isso.
Em um texto publicado na Folha em maio do ano passado, a colunista Eliane Cantanhêde afirmou que o senhor teria ciúme do governo atual.
Ela tem poder paranormais de saber o que eu penso? Isso é uma irresponsabilidade dela. Ela não tem nenhum elemento para dizer isso. Uma profissional não deveria trabalhar com esse nível de subjetividade. Apoiei Dilma publicamente, comprei uma briga no partido em que militei por 23 anos, divergi da candidatura de uma pessoa pela qual tenho maior respeito, que é Marina. Não sei de onde ela tirou isso, pelo contrário.
Tenho tido elegância acima da média, silêncio obsequioso com todas as diferenças que possa ter, e são diferenças programáticas com o atual governo. Uma profissional não tem direito de ser tão irresponsável quanto ao dizer isso. O que é ciúme? É um sentimento que você tem quando se sente ameaçado. Você só se sente ameaçado por quem você avalia que tem condições de superar o que você é, seja na relação afetiva ou não. Não me parece que seja um sentimento possível de eu ter.
O sr. fala que, até por uma questão de elegância do cargo, não emite opinião. Mas, ao longo dessa entrevista de 59 minutos, o sr. acha que não emitiu nenhuma opinião?
Não, não é isso. Eu não sou avalista, não julgo, não tenho capacidade porque estou longe, não tenho informações suficientes. Vocês, ao fazerem as perguntas, me revelam coisas que eu não sei, como está o projeto de lei, que foi incluído tal coisa, que cortou tal ponto. Nada disso eu sei. O que eu posso dizer é que está havendo um retrocesso, que houve um abandono de um projeto que foi construído durante o governo do presidente Lula em muitos pontos fundamentais.
Então, sobre isso eu tenho opinião. Isso é um desastre. Num governo de continuidade você fazer um desmonte de uma política bem-sucedida, sem uma justificativa? Agora, a partir daí eu não posso ir. Porque não tenho vontade, porque não conheço, porque estou distante conscientemente do dia a dia do ministério. Entendeu a diferença? Não é que eu não tenha opinião, eu tenho limites para emiti-la. Então, tentar extrair isso de mim, fazer de mim um crítico é uma forçação de barra. Eu sinto que a imprensa às vezes faz isso, mas não é elegante.
Secretaria de Cultura do Rio revê critério de edital por Roberta Pennafort, O Estado de São Paulo
Secretaria de Cultura do Rio revê critério de edital
Matéria de Roberta Pennafort originalmente publicada no caderno Cultura do Estado de São Paulo em 21 de março de 2012
Depois de confusão na fila, ordem de chegada não valerá mais
Rio de Janeiro - Diante da confusa seleção de projetos culturais mediante ordem de chegada, a Secretaria de Cultura da cidade do Rio decidiu rever o esquema de seu edital 2012. Os documentos referentes a todos os projetos serão recebidos, independentemente de quando forem entregues. O novo prazo: da segunda à quarta-feira da semana que vem.
Dessa forma, os produtores culturais não vão mais precisar dormir na fila, como fizeram no último fim de semana. Eles já têm patrocínios acertados para seus projetos, mas as empresas patrocinadoras liberam o dinheiro apenas mediante o o.k. da Prefeitura, pós-análise de documentos.
Amanhã, saem publicados no Diário Oficial os novos procedimentos de entrega dos Termos de Compromisso e Adesão, necessários à participação no edital da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. A principal demanda dos produtores ainda está sob estudo: o aumento do teto da renúncia do Imposto Sobre Serviços (ISS), atualmente em R$ 14,8 milhões.
março 20, 2012
Ministra nega saída de Ana de Hollanda da Cultura por Tânia Monteiro, O Estado de São Paulo
Ministra nega saída de Ana de Hollanda da Cultura
Matéria de Tânia Monteiro originalmente publicada no caderno Política do Estado de São Paulo em 20 de março de 2012.
Titular do MinC enfrenta críticas de artistas, intelectuais e militantes, que pedem publicamente sua saída da pasta; queixas vão de despreparo à envolvimento com instituição suspeita de fraude
BRASÍLIA - O forte abraço dado nesta terça-feira, 20, pela presidente Dilma Rousseff na ministra da Cultura, Ana de Hollanda, no encerramento da cerimônia de lançamento do Programa Nacional de Educação no Campo (Pronacampo), acabou provocando uma rápida intervenção preventiva de outra ministra, a de Comunicação Social da Presidência da República, Helena Chagas. Imediatamente após o abraço, Helena fez questão de declarar para a imprensa que Ana de Hollanda "não está saindo do governo", antecipando-se a quaisquer novas especulações que o abraço poderia suscitar sobre a saída da titular da Cultura.
A mais recente baixa no primeiro escalão do governo Dilma foi a de Afonso Florence, que deixou o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) este mês sob críticas a respeito do ritmo que imprimiu à reforma agrária, para ser substituído por Pepe Vargas. Ambos são petistas. Ana de Hollanda também já enfrentou - e enfrenta - rumores de que estaria prestes a ser substituída por Dilma Rousseff.
Desde o final da semana passada, manifestos de artistas e intelectuais começaram a circular pedindo abertamente sua substituição à presidência Dilma Rousseff. Os signatários são críticos da gestão de Ana e argumentam que a ministra é despreparada para ocupar o cargo.
A ministra acumula momentos de mal-estar desde o primeiro ano de governo e o mais recente envolve denúncias de que o ministério teria agido em favor do Escritório de Arrecadação e Distribuição de Direitos (Ecad) em um processo no qual a instituição é acusada de cartelização e gestão fraudulenta. O Ecad é alvo de CPI no Senado, que deverá propor o indiciamento de quatro dos seus diretores por formação de quadrilha, cartel e apropriação indébita.
Diretor do Reina Sofía inaugura nova fase no museu por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
Diretor do Reina Sofía inaugura nova fase no museu
Entrevista de Fabio Cypriano originalmente publicada no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo em 20 de março de 2012.
Um dos museus mais importantes da Europa, o Reina Sofía, em Madri, que tem entre suas obras-primas nada menos que o "Guernica", de Pablo Picasso (1881-1973), vem passando por uma revolução.
Desde 2008, quando Manuel Borja-Villel assumiu sua direção, o Reina ganhou uma nova e arrojada disposição para seu acervo. Pinturas valiosas de Mark Rothko (1903-1970) são exibidas ao lado de produtos da indústria cultural, no caso o filme "Janela Indiscreta" (1954), de Alfred Hitchcock (1899-1980). "Ambos são sobre visualidade", disse o diretor à Folha, numa pausa na montagem da mostra "Lygia Pape - Espaço Imantado", na Estação Pinacoteca.
A íntegra do texto está disponível para assinantes do jornal e do UOL, empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha.
Villel, vem imprimindo à instituição uma série de transformações. Contrário à postura "colonial" dos museus do século 18 e 19, ou "pós-colonial" do atual mundo globalizado, ele está criando uma nova identidade ao museu espanhol, que inclusive se baseia no diálogo com a produção brasileira.
Leia a seguir, a íntegra da entrevista na qual Villel esclarece suas propostas, concedida à Folha na última sexta (16), na Estação Pinacoteca, onde conferia a montagem da mostra "Lygia Pape. Espaço Imantado", na qual é um dos curadores.
Folha - Quando esteve à frente da Fundação Tàpies, entre 1990 e 1998, você criou grandes vínculos com a arte brasileira, certo?
Manuel Borja-Villel - Sim, lá organizamos a primeira grande mostra internacional de Hélio Oiticica, em 1992, e depois de Lygia Clark, em 1996.
E o que o levou a observar a arte brasileira, e latino-americana, em geral?
Parte, como tudo, de uma história pessoal e também de uma ideia acadêmica. A história pessoal era trabalhar em museu monográfico. Em Barcelona, como na Espanha, não havia museus de arte moderna. E artistas como Miró, Tàpies e Picasso, quiseram dar algo à cidade, ou seja, havia um sentido positivo. Mas havia um problema que um museu monográfico, de certo modo, sempre possui e é referência ao nome próprio, ao autor, mesmo que a Fundação Tàpies fosse muito, muito aberta. Mas, mesmo assim, era algo que me incomodava. A partir daí fiz uma exposição que se chamava "Os limites do Museu", que era um questionamento da própria instituição.
E esse questionamento continuou e é daí que surge o desenvolvimento intelectual: da ideia de que os museus são estruturas do século 18 e 19, que tinha uma posição colonial e que era, basicamente, o museu que acumulava tesouros, como peças egípcias. Essa posição colonial, nas últimas décadas, se transformou num neocolonialismo, que tem a ver com os efeitos da globalização e com a transformação da cultura em um elemento de consumo, com a troca da experiência estética por uma experiência meramente de consumo.
E esse é um questionamento que sigo até agora, refletindo sobre as bases da instituição: no questionamento de como se coleciona, por exemplo. Uma das coisas que questiono muito é que museus estão baseados na ideia de propriedade, na acumulação. Mas, especialmente hoje em dia, creio que os museus deveriam estar baseados no relato, em compartilhar, em perceber que, no mundo atual, quem recebe também dá.
A partir dai, isso também implica em refletir como se criam os relatos. Nesse questionamento, se dá conta de que os relatos que temos da modernidade são eurocêntricos. Por isso, é necessário questionar a modernidade e a interpelação tem que ser externa. Na época dos romanos, a escravidão era algo normal. Então só de fora que se percebe que algo considerado normal, não é, em verdade, tão normal. Foi a partir daí que passei a me interessar pela condição latino-americana em sua excentricidade, em estar fora, como um elemento de interpelação, de questionamento, não apenas pela arte latino-americana, mas para entender a própria arte europeia.
E qual o papel de Hélio Oiticica nessa história?
A mostra dele, em 1992, foi um momento de inflexão. Ele usava termos como "Crelazer" e vários outros, porque ele mesmo dizia, claramente, que conceitos ocidentais como minimalismo ou pop não eram adequados e necessitava de um vocabulário próprio. Quando Lygia Clark fazia terapia, isso não era possível num museus tradicional, era preciso um espaço distinto. Então, a partir de uma série de mostras com Oiticica, Clark e ainda Marcel Broodthaers, que foi o primeiro, culminando com "Os Limites do Museu", desenvolvemos todo um questionamento sobre os museus, que sigo fazendo até hoje. Esse questionamento gira em torno de certos temas: como narrar, como arquivar, qual é o espaço de mediação nos edifícios e como se atende ao público.
Em 1992, Oiticica era um desconhecido na Europa...
Eu quase fui demitido... Recebi críticas de todo tipo. E isso é curioso porque, agora, não se pode fazer uma exposição "in" se não há Lygia Clark ou Hélio Oiticica. Mas, em 1992, as críticas foram muito duras! Diziam que ele era um artista menor...
E como você chegou a ele?
Foi ao dar-se conta de que há outras realidades. De que no Brasil, Venezuela, Argentina, isso é, na América Latina, a história é cheia de derivas, desvios, viagens, portanto muito distinta daquela que nós, europeus, construímos como linear, sem fissuras. (Jesús Rafael) Soto trabalha na Venezuela e Paris, assim como Clark. Essa complexidade tem a ver com a viagem, com a deriva, a mutação, a antropofagia, e a não diferenciação entre erudito e popular, que é uma separação, falsa, construída no mundo ocidental. Então, ai se dá conta que a modernidade democrática, a modernidade não hegemônica é a modernidade do sul.
Mas, é preciso tomar cuidado para não cair na própria armadilha do norte e não transformar Lygia Clark em santa, ou criar o santo Hélio Oiticica, porque ai estaremos criando outro cânone. Por isso é preciso questionar essa moda de exposições com Clark e Oiticica, porque é impressionante a capacidade do sistema em absorver todo é ilimitada. É preciso dar-se conta, e por isso é importante a mostra de Lygia Pape, em criar novos termos, novas palavras, novas formulas para entender a obra de arte, senão vamos cair em outro cânone.
Mas as famílias desses artistas tem contribuído muito para colocar esses artistas...
Em um pedestal! Porque o pedestal, e isso não é uma teoria nova, o pedestal significa a aura, que significa o fetiche, o fetiche representa a mercadoria e a mercadoria é o dinheiro! É lógico e coerente, mas totalmente contrário à proposta desses artistas.
Então, como expor esses artistas?
Como fazer? Isso é o que estamos realizando a partir da coleção do Reina Sofia. E estamos fazendo em vários níveis, o que é uma revolução, porque é uma grande ruptura. Primeiro, o relato. E o relato não é por disciplinas, porque esse é um conceito moderno, mas está cheio de transversalidades, onde, por exemplo, há um Rothko e, ao lado, "Janela Indiscreta", de (Alfred) Hitchcock, afinal ambos são sobre visualidade. James Stewart nunca toca nada, na verdade apenas uma vez em Grace Kelly, mas é sobre a espionagem, a Guerra Fria, então, há várias camadas.
Outra forma é criar microrrelatos, ao contrário de uma história universal. Antes das obras que acabo de citar, há um trabalho de Jorge de Oteiza (1908 - 2003), que, quando vem ao Brasil (1957), há uma deriva da modernidade. Isso implica também em outras cartografias, cartografias de caminhos que não levam a nenhum lugar, com caminhos que vão de Madri a São Paulo, sem passar por Nova York ou Paris. Ou de São Paulo a Valparaiso.
E há elementos de oralidade, porque ao usar todos esses microrrelatos, nos quais não há um elemento único, mas uma multiplicidade de elementos, há uma característica oral, que é muito distinta dessa coisa platônica, das coisas fixas e isso tem a ver com a ideia de narrador do Walter Benjamin. Isso é, você conta as histórias, mas os espectadores precisam memorizá-las e quando o fazem, elas a reconstroem e as estão recriando.
Bom, isso é um aspecto. Outro aspecto ligado a esse é entender o museu não como um templo clássico do século 19 e nem tampouco um edifício de marca, como um Frank Gehry ou um Richard Meyer, mas como uma cidade. Em uma cidade não se tem uma experiência linear, é possível perder-se, há derivas , descobertas, e isso ocorre no Reina. É um grande museu, como uma cidade, uma espécie de caos entre aspas.
Mas é a sua gestão que o tornou assim, o edifício poderia ter um percurso linear...
Sim, mas não me interessa um percurso linear porque a história não é assim. Outro aspecto que estamos desenvolvendo é que haja a experiência estética do "flaneur, uma experiência que seja contemplativa, outra discursiva, de debates, e outra mesmo terapêutica, se houver abertura.
Finalmente, estamos trabalhando ainda sobre a ideia de um museu que não seja colonial, que não se baseie na acumulação de tesouros, que não seja um museu europeu com seu comitê internacional de aquisição de arte latino-americana, comprando obras para acumular tesouros. Estamos entendendo o museu não como proprietário mas como depositário e como uma rede, um lugar que se conecta com outros. E isso estamos fazendo com companheiros latino-americanos. Estamos gerando arquivos na América Latina: no Chile, no Uruguai, na Argentina. Os arquivos crescem ai e criamos uma rede, uma rede onde todos são importantes, não importa o tamanho ou a representação ou a organização institucional. Com isso, todos ganhamos, porque a riqueza é compartida. Não é uma exploração, uma posição colonial, que ainda por cima é limitativa, porque quando se tem algo, também se representa algo. No MoMA, quando se apresenta arte latino-americana é a visão deles, independente da abertura que ela tenha.
Então, o que você está fazendo é o oposto do Museu de Belas Artes de Houston que está comprando não só arte latino-americana, como documentos sobre arte...
Sim porque o que fazemos é uma pluralidade de arquivos, onde não há um sistema de classificação, mas muitos. Onde não há uma voz, mas uma multiplicidade de vozes, com o qual se cria um relato que é realmente plural. Creio que essa é a grande ruptura desse momento.
E isso é o que no site do museu se chama Rede Conceitualismos do Sul?
Sim. Esse é o núcleo da rede.
Mas há outras duas redes apoiadas pelo museu...
Sim. Há uma outra rede chamada Outra Institucionalidade, que tem a ver com a teoria do comum, que tem a ver com a ruptura da ideia tradicional da dialética entre privado e público. Mas isso, que é uma ideia burguesa, por sorte ou azar, não é bem assim. De fato, o privado acaba sendo tudo, absorvendo tudo. O privado tem a ver com a espoliação do trabalho cognitivo. Quando se faz uma pesquisa, essa pesquisa acaba sendo utilizada pela Microsoft, por exemplo. É uma espoliação permanente do trabalho intelectual ou artístico. E, em geral, os que menos recebem são os artistas, ou certos artistas, e os pesquisadores.
Por outro lado, quando há uma estrutura pública, ao final o público acaba gerindo o global de um modo que acaba sendo estatal e não público. Por isso, é preciso uma nova categoria que é a do comum. A ideia é que tudo volte a todos. E, como é algo novo, não há modelos, é algo que se constrói. E essa rede tem a ver com essa nova forma de pensar a institucionalidade e questionar a propriedade privada, a precariedade do trabalho, onde os museus são os primeiros culpados. Quando um curador faz uma pesquisa de um artista que estava totalmente desconhecido e fazemos um seminário sobre ele, sempre vai haver alguém do mercado, que aparece e, em dois dias, ele vai oferecer ao museu a obra daquele artista pelo dobro do que valia antes!
Como um museu público, como o Reina Sofia, consegue ter uma ação tão radical, se o governo espanhol é tão conservador, não surgem problemas?
Até o momento não porque há seis anos, para nossa sorte, foi feito um pacto de Estado. Antes o diretor do museu era um cargo político, mas agora, o Museu do Prado, a Biblioteca Nacional e o Reina Sofia tem autonomia. Eu fui eleito por um grupo independente e tenho um contrato.
Mas quem paga a conta é o Estado?
O que passa é que, com a crise, estamos mudando. E, frente às crises, há duas saídas: a melancolia, que é a mais comum. E é mesmo como o filme de Lars Von Trier, que se chama "Melancolia", e é a espera da morte. Eu me nego à melancolia, ao lamento de uma época da Espanha que se tinha muito dinheiro. E isso se acabou, provavelmente para sempre. E por isso estamos buscando novas fórmulas, uma fórmula mista, privado e publica, e, ao mesmo tempo, criando uma fundação que cubra toda Ibero América. Creio que a crise implica numa mudança de mentalidade, inclusive de identidade. A identidade tradicional de nação perdeu sentido. A identidade tradicional era, como os museus, de representação: a identidade explica quem você é, brasileiro, espanhol, catalão. Isso se acabou. Identidade, agora, é algo em fluxo. E essa ideia em fluxo tem a ver com regiões muito mais amplas, como o mundo ibero-americano, que inclui a península ibérica e toda América Latina.
E temos que ser conscientes que essa realidade existe em nível econômica. Normalmente, sempre pensamos que as ideias artísticas vão a frente da economia, mas, ultimamente, o mundo financeiro vai muito mais rápido. A realidade do sistema econômico é conseguir o máximo de benefício com o mínimo investimento. Então, depende de nós que pensemos numa realidade de acordo com nossos princípios, princípios de intercâmbio, de criar um espaço democrático, um espaço do que é comum.
A força desse sistema econômico, de fato, parece refletir no atual sistema da arte. Enquanto artistas como Lygia Pape, Lygia Clark e Hélio Oiticica tinham uma proposta artista muito radical, há 30 anos atrás, isso não se vê agora...
Por isso me interessa tanto o que se passa na Europa, porque é um dos meus passados, nós todos temos vários passados, não apenas um, todos somos de muito lugares. Mas um elemento que me interessa muito no mundo ibero-americano, em contraposição com a China, por exemplo, é que a China está copiando a parte mais perversa do mundo ocidental que é o mercado. Já na América Latina, por conta das ditaduras, a arte criou seus próprios circuitos, suas próprias formas de relação, de intercâmbio. E como há essa tradição na América Latina, não podemos perder isso de vista, mas agora há uma fascinação, que é lógica, mas que é uma fascinação psicológica, de um certo erotismo pela fama. E as ideias progressistas, especialmente na Europa, estão perdendo seu lugar. Então temos que aprender com essas estruturas do passado.
A terceira via das artes por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
A terceira via das artes
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo em 20 de março de 2012.
Diretor do Reina Sofía, Manuel Borja-Villel, inaugura nova fase no museu, com prioridade para o universo ibero-americano
Um dos museus mais importantes da Europa, o Reina Sofía, em Madri, que tem entre suas obras-primas nada menos que o "Guernica", de Pablo Picasso (1881-1973), vem passando por uma revolução.
Desde 2008, quando Manuel Borja-Villel assumiu sua direção, o Reina ganhou uma nova e arrojada disposição para seu acervo. Pinturas valiosas de Mark Rothko (1903-1970) são exibidas ao lado de produtos da indústria cultural, no caso o filme "Janela Indiscreta" (1954), de Alfred Hitchcock (1899-1980). "Ambos são sobre visualidade", disse o diretor à Folha, numa pausa na montagem da mostra "Lygia Pape - Espaço Imantado", na Estação Pinacoteca.
Ele é um dos curadores da exposição -que chega agora ao país, após passar pelo Reina e pela londrina Serpentine no ano passado- que posiciona Pape como uma das principais artistas brasileiras.
Reunir Rothko e Hitchcock faz parte de uma das estratégias do espanhol para repensar a função do museu. No caso, ele chama essas junções de "microrrelatos".
Com isso, busca estimular novas possibilidades de leitura para o visitante. Assim, um dos grandes expoentes da arte abstrata americana do pós-Guerra, Rothko, passa a ser associado à espionagem e à Guerra Fria, temáticas presentes em "Janela Indiscreta". "É uma ruptura", diz ele.
No entanto, é não só na disposição do acervo que o Reina vem sendo transformado mas também na própria condição do colecionar.
Para o diretor, "os museus estão baseados na ideia de propriedade, de acumulação". "No mundo atual, quem recebe também dá, ou seja, o visitante pode recriar a narrativa proposta pelo curador nessas junções", explica.
PARTILHA
Para tanto, o diretor engajou o museu em três redes (organizações não centralizadas de troca de informações com pessoas ou instituições). Uma delas, chamada "Outra Institucionalidade", visa "a ruptura da dialética entre privado e público", diz ele. "Existe uma nova categoria que é a do 'comum', a ideia é que tudo volte a todos. E, como é algo novo, não há modelos."
Outra das redes apoiada pelo Reina é o site "Conceitualismos do Sul". Nele, são armazenados relatos sobre arte nos países latino-americanos. Segundo Villel, organiza-se uma "pluralidade de arquivos, em que não há um só sistema de classificação, mas muitos." Com isso, ao invés de concentrar informações, o museu as descentraliza em regime colaborativo.
A postura é contrária à do Museu de Belas Artes de Houston (EUA), por exemplo, que compra documentos de arte latino-americana.
"Entendemos o museu como depositário, um lugar que se conecta a outros", explica.
BRASILEIROS
A mostra de Lygia Pape (1927-2004), inaugurada no sábado, é apenas uma das muitas mostras de brasileiros com as quais Villel esteve envolvido. "Depois do Guy Brett [crítico e curador inglês], nos anos 1970, ele é a figura mais importante para a divulgação da arte brasileira", diz Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca do Estado.
Villel, quando foi diretor da Fundação Tàpies, em Barcelona, organizou grandes mostras retrospectivas de Hélio Oiticica, em 1992, e Lygia Clark, em 1996.
Foi a partir da obra deles, no entanto, que o espanhol desenvolveu sua postura crítica em relação aos museus.
"Os relatos que temos da modernidade são eurocêntricos. Por isso, para se questionar a modernidade, a interpelação tem que ser não europeia", diz. Ao conhecer as propostas de Oiticica, Clark e Pape, que se recusavam a usar termos como pop arte e minimalismo, Villel teve seu momento eureca: "Passei a me interessar pela visão estrangeira latino-americana."
No próximo ano, o museu receberá uma retrospectiva do artista Cildo Meireles, com curadoria assinada pelo português João Fernandes, que deixou o Museu de Serralves recentemente para trabalhar no Reina.
"O João inaugura uma nova fase no museu, com prioridade para o universo ibero-americano", diz Villel.
Com isso, o diretor busca uma nova vocação para o museu: "Identidade, agora, é um fluxo. E essa ideia em fluxo tem a ver com regiões muito mais amplas do que a Espanha, como o mundo ibero-americano, que inclui a península ibérica e toda a América Latina".
O MAM tem a força por Camila Molina, O Diário
O MAM tem a força
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno D+ do jornal O Diário em 20 de março de 2012.
O Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo foi confirmado ontem como a instituição realizadora da 30ª Bienal de São Paulo, a ser inaugurada em setembro. O Ministério da Cultura (MinC) anunciou em nota a escolha do museu para se tornar o proponente legal do evento.
"Deliberou-se pela maior tradição do Museu de Arte Moderna, pesando inclusive o fato de essa instituição ter sido a realizadora das primeiras edições da Bienal", afirmou o governo federal.
"Vamos atender com todo o empenho à solicitação do Ministério da Cultura para contribuir com a Bienal. O evento é estratégico para o País, e o MAM não poderia deixar de apoiar a fundação e seu presidente, Heitor Martins, que à frente da sua equipe realiza um importante trabalho de recuperação, já evidenciado na última edição da mostra. Havendo reais possibilidades técnicas de execução, o MAM ocupará, com imenso prazer, o papel de correalizador do evento", disse Milú Villela, presidente do museu.
Inicialmente, o Ministério da Cultura havia indicado o MAM, o Instituto Tomie Ohtake e a Pinacoteca do Estado para apresentarem propostas para assumir a 30ª Bienal de São Paulo, uma vez que a Fundação Bienal de São Paulo está com suas contas bloqueadas - 13 convênios firmados pela instituição entre 1999 e 2007 estão sendo questionados judicialmente. A Pinacoteca se retirou do processo no início do mês.
"Tendo em vista que a Fundação Bienal de São Paulo encontra-se impedida de operar os recursos de incentivo fiscal da Lei n.º 8 313/1991 (Rouanet), o MinC buscou uma solução para tornar exequível a 30.ª edição da Bienal de São Paulo, prevista para ocorrer no segundo semestre deste ano. Tal solução não acarretará interrupção dos processos de prestação de contas em apuração", esclarece a nota do MinC.
"Por meio de sua Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, elaborou a Nota Técnica n.º 0116/2012, em 16 de fevereiro de 2012, propondo a alteração de proponente, para uso dos recursos de incentivo à cultura. A nota foi analisada pela Consultoria Jurídica do MinC, órgão da Advocacia Geral da União, o que resultou no Parecer n.º 133/2012, de 22 de fevereiro de 2012, favorável à troca de proponente, o que deverá ocorrer nos limites da lei."
Os R$ 12 milhões que já haviam sido captados pela Bienal antes de suas contas terem sido bloqueadas, em 2 de janeiro, vão ser transferidos para o novo proponente. A mostra tem orçamento estimado entre R$ 20 milhões e R$ 21 milhões.
"O importante é garantir que o evento ocorra a cada dois anos e realizar esse encontro histórico entre o MAM e a Bienal de São Paulo", afirmou José do Nascimento Junior, presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), instituição vinculada ao Ministério da Cultura. "A possibilidade de ter o MAM-SP como parceiro é um grande estímulo.
O apoio de Milú Villela, uma grande ativista da cultura brasileira, e dos seus colaboradores, será vital para garantirmos a continuidade da Bienal. Com essa parceria, esperamos superar esse grande desafio", afirmou Heitor Martins, presidente da Fundação Bienal de São Paulo.
Território ocupado pela arte por Dalviane Pires, Diário do Nordeste
Território ocupado pela arte
Matéria de Dalviane Pires originalmente publicada no Caderno 3 do Jornal Diário do Nordeste em 20 de março de 2012
O projeto Perpendicular reúne vários artistas de Fortaleza e Belo Horizonte no pensar da cidade
O espaço é de experimentação e o ponto de encontro é a própria cidade. Ou "cidades", aquelas - em um sentido amplo - que moram no imaginário/trabalho de cada artista. De hoje até 25 de março, Fortaleza recebe o projeto "Perpendicular Fortaleza", criado pelo artista visual, pesquisador de arte e performer mineiro, Wagner Rossi Campos.
O projeto convida outros cinco artistas, sendo três locais - Yuri Firmeza, Uirá dos Reis e Sabyne Cavalcanti - e mais dois de Belo Horizonte - Fernando Ancil e Raquel Versieux -, para, nos próximos dias, trocarem experiências artísticas por meio de reflexões sobre a cidade.
O projeto, que foi selecionado pelo Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais - 8ª edição, propõe vários diálogos estéticos e éticos entre os espaços, contribuindo para uma reflexão sobre território, espaços de circulação, convívios urbanos e centros difusores de arte e cultura.
Parte da programação que é aberta ao público acontecerá no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), a partir de amanhã, 21. Outra parte deve acontecer nas ruas mesmo, de acordo com os resultados da residência desses artistas.
Wagner Rossi explica que o projeto parte do desenvolvimento de trabalhos individuais dos artistas convidados e que não existem regras, sendo interessante acompanhar o andamento dos encontros pelo blog http://www.perpendicular-fortaleza.blogspot.com.
"Encontro experimental é processual, não tem definição prévia muito rígida. É uma ocupação de território. É um projeto que cria um encontro inesperado e novo entre esses artistas, o que não poderia acontecer se não fosse ´perpendicular´", diz justificando o nome do projeto.
As cidades de lá
Perpendicular já foi realizado em outras cidades. No exterior, passou por Berlim, na Alemanha, e por Bilbao, na Espanha. No Brasil, Rio de Janeiro, Maceió e Belo Horizonte, nesta última com duas edições: "Perpendicular cenário # ambiente" e "Perpendicular Casa e Rua", que também contou com a participação de artistas do Ceará.
"Wagner havia me convidado para o Perpendicular em BH, juntamente com Solon Ribeiro e Artur Ribeiro, de São Paulo. Construímos uma casa com tijolos feitos de pão. Não cheguei a ir, pois tinha outro compromisso, mas Solon e Artur participaram", conta o artista Yuri Firmeza, que já morou em Belo Horizonte e que foi parceiro de Wagner Rossi na escolha dos artistas locais convidados. Foi o próprio Yuri quem indicou Uirá dos Reis e Sabyne Cavalcanti, por serem artistas com um trabalho voltado para as problemáticas da cidade onde produzem.
"Logo pensei em trabalhos que me instigam. Uirá escreve muitos poemas que transpassam uma relação com Fortaleza. Ele mora em Messejana, então é uma outra Fortaleza. Além da vertente poética, Uirá mescla outras linguagens, produzindo paisagens sonoras e também como realizador em cinema", diz Yuri.
Da obra de Sabyne, Yuri destaca a relação com questões ligadas à natureza sem um teor assistencialista ou panfletário. "Sabyne atua na interseção entre o natural e o artificial, corpo e natureza, cidade e natureza. Ela não pensa essas questões de maneira óbvia". O "Perpendicular Fortaleza" vai esticar até a comunidade de Moita Redonda, em Cascavel, onde Sabyne desenvolve um interessante trabalho envolvendo os moradores e a arte secular do artesanato feito de barro.
As trocas
Apesar de terem em comum uma arte que dialoga com a cidade, os artistas que produzem no Ceará ainda não conheciam os artistas mineiros. Trocaram portfólios, alguns links e e-mails, mas a contaminação pela arte de cada um vai acontecer durante o Perpendicular.
Hoje os artistas vão circular pelas "fortalezas" de cada um. Ao contrário do que se poderia imaginar, os artistas locais não necessariamente apresentarão a cidade aos visitantes. A ideia é que o inverso aconteça.
"Tudo vai depender da Fortaleza que eles desejam encontrar. Desde questões que perpassam o imaginário do que seja Fortaleza, já que alguns sabem da especulação imobiliária, do turismo sexual avassalador, do coronelismo. Eles também irão apresentar Fortaleza pra gente. Em algum momento as lentes vão se misturar", destaca Yuri Firmeza.
A artista mineira Raquel Versieux, que está pela primeira vez no Ceará, conta que a cidade já é uma primeira instância de troca. "Vamos ficar também numa casa no povoado de Moita Redonda, onde se produz muito artesanato com barro e estou bem interessada no deslocamento entre esse lugar e a Capital. O descolamento é pra mim matéria-prima de trabalho e certamente os pontos de origem vão ser considerados, desde minha saída de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro, e agora do Rio para Fortaleza, já vou levando um pouco de minério com iodo", diz a artista.
Mais informações:
Perpendicular Fortaleza - de 20 a 25 de março, com atividades abertas ao público, no Centro Cultural Banco do Nordeste (Rua Floriano Peixoto, 491, Centro). O projeto prevê intervenções urbanas pela Capital. Blog: http://www.perpendicular-fortaleza.blogspot.com
Programação
Hoje
Apresentação do projeto Perpendicular Fortaleza, dos artistas, do local de trabalho, o CCBNB.
Passeio por Fortaleza para estabelecer possíveis territórios de ação.
Amanhã
Construção coletiva de uma agenda de apresentações e performances.
Dia 22 - quinta-feira
Performances e ações na cidade de Fortaleza. À tarde, conversas, apresentação de ideias, construção de instalações e processos criativos que dialoguem com o espaço físico disponibilizado. À noite haverá uma apresentação do projeto ao público, lançamento dos livros Perpendicular cenário # ambiente e Perpendicular Casa e Rua, mesa de conversa.
Dia 23 - sexta-feira
Performances, ações e intervenções urbanas em algum espaço aberto da cidade.
Dia 24 - sábado
Visita ao povoado Moita Redonda, em Cascavel. Noite_ Livre
Dia 25 - domingo
Encerramento das atividades junto aos moradores do povoado Moita Redonda.
Nova York em pé de guerra por Juliana Monachesi, Revista Select
Nova York em pé de guerra
Matéria de Juliana Monachesi originalmente publicada na Revista Select em 15 de março de 2012.
Várias mostras em Chelsea tematizam conflitos socioeconômicos
Exposições pela cidade demonstram que os ares de Occupy Wall Street ainda assolam Gotham City
Os protestos que tomaram de assalto o bairro de Wall Street, em Nova York, em setembro de 2011, em que um movimento contra a desigualdade econômica e social e contra a influência das grandes corporações financeiras no governo conquistou as ruas, as páginas de jornal no mundo inteiro e as redes sociais digitais, espraiando-se e inspirando atitudes semelhantes globo afora, continua firme e forte no imaginário cultural de NY. Na primeira semana de março, um tour pelas principais exposições em cartaz em museus e galerias da cidade dava a medida do impacto da onda recente de desobediência civil na criação contemporânea.
De downtown ao Upper East Side, da vanguardista trienal do New Museum à tradicional bienal do Whitney, das galerias de Chelsea àquelas participando do Armory Show, obras com cara de "ocupação" definem o zeitgeist. A ponto de, quando um artista foge demais ao clima dos tempos, a crítica descer a lenha, tachando a exposição de retratos de famosos por Eric Fischl de fútil, por exemplo. Bem distantes da futilidade estão as mostras individuais de Norbert Bisky na galeria Leo Koenig Inc., de Maximilian Toth, na galeria Fredericks & Freiser, e do grupo Gran Fury na galeria 80WSE. Até o final do mês, a seLecT posta aqui no site outras reportagens e críticas sobre as exposições visitadas em Nova York.
Intitulada Stampede, a exposição de Bisky é organizada "em torno do fenômeno da histeria em massa exibida quando em uma multidão em pânico pessoas começam a pisotear umas as outras", segundo informação do press release disponível na galeria Leo Koenig Inc. (que também pode ser consultado no site). O título faz referência às idéias gerais de "mentalidade de rebanho" e de dependência (humana e animal) dos impulsos e da liderança. "Bisky vê o tumulto como uma metáfora para o estado atual das coisas", prossegue o resumo da galeria, ressaltando que o tema da exposição, no entanto, foi motivado diretamente pela tumulto recente na maior rave techno da Alemanha, a Love Parade de 2010, em que 21 pessoas morreram e 500 pessoas ficaram feridas.
Sem ter conhecimento do contexto específico de onde partiu a investigação do artista para esta sua terceira individual na galeria nova-iorquina, a impressão que se tem é que o ambiente caótico pontuado por pinturas dramáticas mostrando corpos ensanguentados e rostos desfigurados só pode simbolizar as feridas sociais que o capitalismo tardio está promovendo no mundo. "A instalação de Bisky é uma reflexão sobre as consequências de uma festa que, de repente, e devastadoramente, deu errado. Em meio a pinturas do artista estão espalhados escombros estruturais e outros resíduos, juntamente com uma infinidade de aparelhos e apetrechos de segurança que, depois de serem confrontados com um confuso esmagamento humano, parecem inúteis e inertes", conclui o release. Pensando bem, talvez seja a rave a principal metáfora aqui.
Sobra a exposição de Maximilian Toth, o texto do press release da galeria Fredericks & Freiser informa que as figuras de base do artista "reencenam, mergulhados em uma sufocante orgia, versões contemporâneas de ritos de iniciação há muito abandonadas. Eles entram em guerra para testar a força, estimular a lealdade e desafiar a fé. Eles procuram o perigo para estabelecer a glória. No entanto, dentro desta pesquisa há uma violência inerente que revela uma natureza primordial. Em última análise, a sua ânsia de destruir torna-se seu veículo para desafiar as limitações".
Uma "percepção de que a vitalidade é fugaz e o corpo é frágil" seria ainda outro tema da mostra do artista norte-americano. Uma pesquisa no site de Toth releva logo que os desvios da juventude são um motivo antigo em sua produção. Mas a galeria tomada por pinturas que se espraiam pelas paredes para fora das bordas da tela e de desenhos feitos diretamente na parede é uma cena que conecta imediatamente o espaço na rua 24 com a praça, não muito distante dalí, Zuccotti Park, em Wall Street. Assim como o "tumulto" de Norbert Bisky, esta "revolta" de Toth demonstra como não cabem na moldura da tradição os movimentos contemporâneos de protesto e mobilização.
Em uma galeria no coração da Universidade de Nova York, a 80 Washington Square East, acontece a primeira exposição a documentar de forma abrangente o trabalho do Gran Fury, influente coletivo de arte e ativismo nos anos 1980. Com curadoria do coletivo e do diretor-assistente da 80WSE, Michael Cohen, a exposição é composta por 15 peças, incluindo as mais importantes obras públicas do grupo, Kissing Doesn't Kill, Welcome to America e Women Don't Get AIDS, reproduzidas no formato de grandes murais.
"O trabalho do Gran Fury aumentou a consciência pública sobre a AIDS, fez pressão sobre os políticos e abriu um espectro mais amplo de compreensão sobre as práticas artistico-políticas e coletivas que floresceram no centro de Nova York durante os anos 1980 e 1990. Com um nome emprestado ao modelo de automóvel Plymouth utilizado pela New York City Police Department, o Gran Fury fez projetos públicos que eram simultaneamente mordazes, provocadores, elegantee e, muitas vezes, bastante engraçados. A exposição transmite a voz única do coletivo em uma ampla variedade de meios, incluindo outdoors, cartões-postais, vídeos, cartazes e pinturas que contribuíram para transmitir cedo a urgência da crise da Aids e levaram muitos às ruas para exigir reformas que mudaram a política pública e salvaram vidas", analisa o texto de divulgação.
março 19, 2012
O homem das longas figuras por Paula Alzugaray, Istoé
O homem das longas figuras
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada no caderno de Cultura da Istoé em 16 de março de 2012
Pinacoteca organiza a primeira retrospectiva do suíço Alberto Giacometti na América do Sul
Ativo desde a primeira década do século XX até os anos 1960, Alberto Giacometti é um dos mais importantes artistas modernos. A mostra “Alberto Giacometti: Coleção da Fondation Alberto et Annette Giacometti, Paris”, com cerca de 280 obras e fotografias de todas as fases de sua carreira, é sem dúvida uma introdução à história da arte moderna. Mais especificamente, a representação da figura humana pela arte moderna, já que Giacometti teve o ser humano como tema absoluto e obsessivo de sua obra. A retrospectiva, em cartaz a partir de 26 de março na Pinacoteca de São Paulo, é também a ocasião para o lançamento da primeira monografia consagrada ao artista no Brasil, intitulada “Giacometti” (Cosac&Naify, 368 págs., R$ 120).
Alberto Giacometti encontrou seus primeiros modelos vivos entre os membros de sua família. Seus primeiros retratos reconhecidos são desenhos de sua mãe, realizados em casa, em Borgonovo, Suíça, em 1913. Mas antes de posar para o jovem desenhista a mãe era a modelo oficial do pai de Giacometti, que era pintor. O próprio Alberto posava para seu pai, Giovanni Giacometti, e para seu padrinho, Cuno Amiet, que juntos introduziram o menino no ofício da pintura e do desenho. Nesse ambiente caseiro fértil em atividade artística e criativa, Giacometti efetivamente começou a desenhar muito cedo. Segundo ensaio de Véronique Wiesinger, diretora da Fondation Alberto et Annette Giacometti e curadora da exposição, o menino escolhia os mesmos temas que seu pai e às vezes até os mesmos enquadramentos.
Annette, futura esposa de Giacometti, se tornaria sua modelo quando o jovem artista chega a Paris, na década de 20, para estudar escultura e onde viveria durante toda sua vida. É com ela que o artista chega ao estilo com o qual se consagrou: um desenho longilíneo e dramático, talvez influenciado também pela pintura cubista de Georges Braque. Em 1952, ele escreveria ao pintor cubista: “Como falar da sensação que a vertical ligeiramente fora do eixo do vaso e das flores que se erguem sobre um fundo cinza provocam em mim?” Mas, à revelia da fama longilínea de Giacometti, a curadora Véronique afirma categoricamente no livro: “A verticalidade tão elogiada das obras de Giacometti é um engodo – nenhuma figura, nem mesmo ‘As Grandes Mulheres’, é reta (...). Elas não são, na verdade, nem mais nem menos retas do que árvores.”
Entre os corpos longilíneos – ou tortos – como árvores, a exposição apresentará uma série de esculturas influenciadas pela arte africana e da Oceania, como “O Casal” e a inquietante “Mulher Colher”, que foi esculpida em 1927 e foi a primeira obra exibida publicamente pelo artista, no Salon des Tuilleries, nesse mesmo ano.
No núcleo documental da mostra, destaque para as fotografias do ateliê onde Giacometti trabalhou durante 40 anos, na rue Hippolyte-Maindron 46, em Paris. Espaço que, como aponta a curadora, foi “uma extensão de si mesmo”, uma caixa de 4 x 4 metros que “facilmente poderia ser comparada a uma caixa craniana na qual coexistiam a percepção da realidade e visões mágicas”.
Exposição homenageia 20 anos do Museu de Arte Contemporânea do RS por Fábio Prikladnicki, Zero Hora
Exposição homenageia 20 anos do Museu de Arte Contemporânea do RS
Matéria de Fábio Prikladnicki originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal Zero Hora em 05 de março de 2012
Cerca de 100 obras de 63 artistas estarão na mostra no Santander Cultural, na Capital
Embora recente, a trajetória da arte contemporânea é de sucesso. Mesmo que ainda sinta certa perplexidade, o público parece disposto a participar desta movimento que aponta, em última análise, para o futuro.
Esta é a constatação que motiva a exposição O Triunfo do Contemporâneo — 20 Anos do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, que será inaugurada nesta terça-feira (06) — para convidados – no Santander Cultural, na Capital, e estará aberta para visitação a partir de quarta-feira (07), com entrada franca.
Este ano, o MAC-RS – que funciona na Casa de Cultura Mario Quintana e negocia uma nova sede — completa duas décadas de fundação com a missão de consolidar um acervo de arte recente produzida no Estado e em outras regiões do país. O aniversário também será comemorado a partir de 22 de março com uma mostra documental no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs). Uma semana antes, será inaugurada a primeira exposição no próprio MAC-RS este ano.
Com curadoria de Gaudêncio Fidelis, primeiro diretor do MAC e atual diretor do Margs, O Triunfo do Contemporâneo reúne obras de 63 artistas, dos quais 42 são nascidos ou radicados no Estado. São trabalhos do acervo do museu, produzidos desde o final da década de 1980, quase coincidindo com seu ano de fundação (1992). Estão lá nomes de diferentes gerações, como Michael Chapman, Gisela Waetge, Pablo Lobato e Yuri Firmeza.
— Os museus costumam ter medo de colocar em xeque seu prestígio ao fazer escolhas equivocadas na hora de adquirir uma obra. Mas até agora o MAC colecionou o que tinha de colecionar. Não errou. E acho que vai permanecer com essa vocação para o risco — afirma Fidelis.
O curador exemplifica a ousadia citando a obra com diversos materiais sobre madeira criada por Nuno Ramos em 1991 e presente na mostra:
— Naquela época, ele já era um artista de destaque, mas muitos museus evitavam adquirir seus trabalhos por causa dos materiais instáveis.
Um balanço destes 20 anos mostra que o MAC se tornou um "berço, quase uma certidão de nascimento" para muitos artistas, como afirma André Venzon, atual diretor da instituição:
— O MAC-RS tem sido um museu conduzido mais pelos artistas do que por muitos de seus diretores. É a classe artística que faz as doações e se preocupa se os trabalhos estão em bom estado de conservação.
Produzidas em diferentes suportes, da pintura ao vídeo, as cerca de cem obras da mostra estarão dispostas no Santander Cultural nas paredes e em estruturas espalhadas pelo grande hall que remetem ao tradicional cubo branco dos museus. A monumental arquitetura do local vai ampliar simbolicamente o MAC até 22 de abril, quando a exposição será encerrada, e, quem sabe, chamar atenção para a causa da nova sede.
O empresário brasileiro que gasta US$ 70 milhões ao ano para ter um jardim de arte por Simon Romero, portal eletrônico Cenário MT
O empresário brasileiro que gasta US$ 70 milhões ao ano para ter um jardim de arte
Matéria de Simon Romero originalmente publicada no caderno de Economia do portal eletrônico CenárioMT em 19 de março de 2012.
O magnata da mineração Bernardo Paz emprega mais de mil pessoas no projeto que mantém no interior de Minas Gerais e que, diz ele, vai durar mil anos
Não é de admirar que Bernardo Paz seja conhecido como o "Imperador do Inhotim". Cerca de mil funcionários, incluindo curadores, botânicos e derramadores de concreto, fervilham em torno de Inhotim, o complexo de arte contemporânea de Paz, situado nas montanhas do sudeste do Brasil, no Estado de Minas Gerais. Peregrinos que viajam por todo o mundo em busca de arte absorvem obras surpreendentes, como "Sonic Pavilion" ("Pavilhão Sônico"), de Doug Aitken, que utiliza microfones de alta sensibilidade colocados em um buraco de 192 metros para captar o murmúrio grave das profundezas do interior da Terra.
Parece que as florestas de eucalipto de Inhotim emanam um cheiro de megalomania. Ali, Paz colocou mais de 500 obras de artistas brasileiros e estrangeiros. Seu jardim botânico contém mais de 1.400 espécies de palmeiras. Ele resplandece ao falar das plantas raras e oníricas de Inhotim, como a titun arum de Sumatra, chamada de "flor-cadáver" devido ao seu horrível mau cheiro.
Paz, um magro magnata da mineração, fumante inveterado de 61 anos, fala em forma de sussurros quase inaudíveis. Ele se casou com sua sexta mulher em outubro. Tem cabelos brancos até os ombros e olhos azuis pálidos, que lhe dão uma aparência que lembra o debochado e esquelético fazendeiro brasileiro interpretado por Klaus Kinski no filme "Cobra Verde", de 1987, assinado pelo diretor Werner Herzog.
"Este é um projeto para durar mil anos", disse Paz sobre Inhotim, numa rara entrevista, com um cigarro Dunhill pendendo nos lábios.
É difícil dizer o que as pessoas poderão pensar de Inhotim daqui a séculos. Algumas obras-primas de momentos importantes da arte no Brasil ainda sobrevivem como testemunho da extravagância do passado, como o célebre teatro de ópera construído no auge do ciclo da borracha no final do século XIX, em Manaus, a maior cidade da Amazônia.
Em outros lugares da América Latina, majestosas coleções particulares de arte contemporânea também foram disponibilizadas ao público, como a Jumex, de Eugenio Lopez, na Cidade do México. E muito mais longe, no arquipélago Seto, no mar interior do Japão, o Benesse Art Site mistura, de modo semelhante, uma arquitetura inovadora com a arte contemporânea.
Mas nenhum desses lugares tem a exuberância do clima quente de Inhotim, situado nas colinas marcadas pelas cicatrizes da mineração, longe dos circuitos de colecionadores do Brasil, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os historiadores de arte e curadores muitas vezes saem maravilhados com a dimensão e a visão caótica que Paz criou em Inhotim.
"A quantidade de espaço concedido a projetos de artistas individuais é incomparável, como a maneira como os visitantes transitam de um prédio a outro, refrescando os sentidos, estando na natureza", disse Beverly Adams, autoridade em arte latino-americana que é curadora da coleção particular de Diane e Bruce Halley em Scottsdale, Arizona.
Parece que sobrecarregar os sentidos dos conhecedores ainda entusiasma Paz, que abandonou a escola no ensino secundário e teve como primeira experiência de trabalho a operação das bombas de um posto de gasolina de propriedade de seu pai. Ele então trabalhou no mercado de ações em Belo Horizonte, que odiava, conforme contou, antes de entrar na mineração de ferro e forjar rapidamente um império empresarial privado que financia as operações de Inhotim.
Algumas obras de Inhotim parecem questionar, se não de fato insultar, a ideia de lucrar com a mineração dos tesouros da Terra. Por exemplo, uma instalação do artista americano Matthew Barney em um domo geodésico inclui uma cena de um crime ambiental inconfundível: um trator enorme coberto de lama segurando uma árvore e suas raízes. Para visitar essa obra, os visitantes visitam as colinas desmatadas, contendo minerais, da Mata Atlântica, floresta que cobria a região.
Inhotim recebeu cerca de 250 mil visitantes em 2011 e espera bem mais neste ano. Mas Paz, que diz que suas empresas fornecem a Inhotim cerca de US$ 60 a US$ 70 milhões para suas operações a cada ano, não vê necessidade de parar por aí.
A fim de tornar Inhotim autossustentável, ele disse que estava planejando construir nada menos que dez novos hotéis aqui para os visitantes, um anfiteatro para 15 mil pessoas e até mesmo um complexo de "lofts" para aqueles que quiserem viver em meio à coleção. Ele disse que Inhotim, que se espalha por quase 2.020 hectares, tem espaço para pelo menos mais duas mil obras de arte.
O crescimento de Inhotim ao longo da última década tem proporcionado um forte impulso à economia circundante, empregando muitos dos adultos residentes em pequenas cidades próximas como funcionários que atuam no local, tornando-os dependentes da visão de Paz de montar uma "Disneylândia" da arte contemporânea no Estado de Minas Gerais.
"Antes de Inhotim, os nossos homens trabalhavam nas minas ou se mudavam para São Paulo para ganhar dinheiro", disse Porfira de Souza, 74 anos, residente da pequena cidade de Marinhos, cujo filho e neto trabalham em Inhotim. "Deus permitiu que Bernardo Paz viesse do céu até nós, e rezo para que ele não o leve de volta muito em breve."
Ainda assim, Paz insistiu que não é um imperador. Ele se considera uma "pessoa isolada" que não tem muitos amigos de verdade e opta por viver em meio a centenas de obras de arte, incluindo um pavilhão construído por ele para uma de suas ex-esposas, a artista brasileira Adriana Varejão.
Sentado em um dos restaurantes de Inhotim em um dia abafado de fevereiro, ele bebeu rapidamente três coquetéis de vodca, murmurando sobre as maquinações dos banqueiros e a crise financeira global enquanto fumava seus Dunhills.
"Não ligue isso", disse ele, apontando para um gravador digital que estava sobre a mesa.
Um dia depois, em um prédio com ar-condicionado que incorporou "Narcissus Garden" ("Jardim de Narciso"), uma obra do artista japonês Yayoi Kusama, em sua concepção, ele parecia se divertir ao desprezar alguns outros titãs do empreendedorismo brasileiro, chamando-os de "imbecis" e alegando que os visitantes pobres de Inhotim muitas vezes são mais capazes de absorver a importância do complexo. Ele também tinha um desdém especial reservado para o homem mais rico do Brasil, Eike Batista.
"De repente, ele aparece com bilhões e bilhões, dizendo que vai ser o homem mais rico do mundo", disse ele sobre Batista, um empresário mineiro que recebe tratamento em grande parte elogioso na mídia local como um ídolo do crescente rol de milionários do Brasil. "Ele quebrou todas as empresas que teve até fazer 50 anos."
Paz também negou alegações publicadas nos jornais brasileiros de que a expansão de Inhotim se deveu em parte à lavagem de dinheiro, chamando tais acusações de uma "montanha de disparates e mentiras". "Claramente, ninguém é totalmente transparente", reconheceu. Ainda assim, afirmou: "Os jornais nunca provaram nada".
Por enquanto, ele parece mais preocupado em atrair as massas para Inhotim para que vejam obras como "Restore Now" ("Restaure agora"), uma enorme paródia de normas acadêmicas feita pelo artista suíço Thomas Hirschhorn, em que os textos de filósofos franceses, como Jacques Derrida e Gilles Deleuze (sim, os mesmos que muitas pessoas fingiam ler na faculdade) são intercalados com imagens de corpos mutilados.
Quando questionado sobre obras específicas, Paz habilmente muda a conversa para outros temas. Ele sorriu ao falar da nova esposa, Arystela Rosa, de 31 anos, grávida de seu sétimo filho. Outras coisas de Inhotim atraem seu interesse, como as enormes árvores tamboris ou a traíra, um peixe carnívoro das lagoas daqui que tira sangue de visitantes tolos o suficiente para mergulhar os dedos na água.
"Há obras de arte aqui que eu ainda não visitei e que todos me disseram que são espetaculares, mas por que eu deveria ir lá?", questionou Paz. "Eu não me considero apaixonado por arte. Mas de jardins, sim, eu gosto."
Renato Valle abre hoje a exposição Cristos e Anticristos por Renato Contente, Jornal do Commercio
Renato Valle abre hoje a exposição Cristos e Anticristos
Matéria de Renato Contente originalmente publicada no caderno de Artes Plásticas do Jornal do Commercio em 12 de março de 2012
Novo trabalho do recifense, cuja abertura acontece hoje na UFPE, traz reflexão sobre a influência da religião na contemporaneidade
Depois de transitar pelo desenho, pintura, gravura e fotografia, o artista plástico Renato Valle decidiu realizar um antigo desejo: ampliar a dimensão de seu trabalho com esculturas e objetos. É com essa vontade materializada que o recifense abre hoje parte da exposição Cristos e anticristos, ao meio-dia, na Galeria Capibaribe, no Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Pela vastidão do material produzido, outra parte do trabalho será exposta na Galeria Dumaresqe, em Boa Viagem, com abertura na próxima-quarta-feira, às 18h.
O projeto partiu de um objeto em comum em quase toda sua extensão: o crucifixo. Unido à diversos materiais e técnicas artísticas, o símbolo da cruz ganhou um sem-número de conotações, utilizando seus novos significados adquiridos como crítica ao fanatismo religioso e à hipocrisia social. “O crucifixo foi escolhido por uma antiga inquietação minha. Na maioria das suas representações tradicionais, a cruz ainda aparenta ser de madeira polida, bem acabada, como se fosse preparada para o repouso de um rei branco de olhos azuis, e não para punir um bandido”, justifica Renato Valle.
As reflexões e angústias do artista se desdobraram em colmeias, grades e cruzes com Coca-Cola, colocando em xeque a afirmação de que a bondade é inerente ao ser humano, e que a maldade depende de fatores externos à ele. Ser humano pressupõe fazer escolhas que estão além de ser do bem ou do mal, e é a consciência dessa cota de humanidade que Valle tenta suscitar em cada um dos visitantes da exposição.
O anticristo do título não tem nenhuma conotação apocalíptica. Em referência literal ao prefixo, indica um cristo em posição oposta a outro, passando longe de levantar dúvidas quanto a ser o “filho do dêmonio” temido pelos cristãos. A formatação recorrente dos dois cristos polares em conflito indica a dicotomia da natureza humana, dividida entre luz e sombra, amor e ódio, fé e descrença.
Em uma das peças mais emblemáticas, e de feitio dos mais complexos, está o Mealheiro. Feito à base de resina de poliéster e em várias etapas, a obra conduz a uma reflexão entre poder simbólico e econômico, quando a religião se utiliza da fé para explorar fieis em troca da promessa de salvamento material e espiritual. Dentro da cabeça transparente do cristo, moedas e cédulas reforçam a ideia.
A disposição de cristos em grades também faz parte da mostra, constituindo mais um objeto de dualismo: a grade ao mesmo tempo como sinal de proteção e opressão dos meios externos. Um dos destaques é a série de cristos equilibristas e em coreografia para nada sincronizado. A imagem do cristo é rigorosamente a mesma que se vê nas igrejas, mas a situação em que foi posto lhe dá uma configuração completamente diferente. “Me incomodo com a tradição de associar o cristo crucificado à dor e ao sofrimento. Essas peças foram uma tentativa de tirá-lo desse estado. Não houve ironia ou intenção de ferir nenhuma ideia.”, explica o artista, que desejou imprimir vida à figura sacra do cristo, esta simbolizada pela dança e pela alegria.
Ministério da Cultura escolhe o Museu de Arte Moderna de São Paulo para viabilizar Bienal por Márcia Abos, O Globo
Ministério da Cultura escolhe o Museu de Arte Moderna de São Paulo para viabilizar Bienal
Matéria de Márcia Abos originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 19 de março de 2012.
MAM passa a ser o proponente da mostra prevista para setembro
SÃO PAULO - O impasse que ameaçava a realização da 30 edição da Bienal de São Paulo terminou na manhã desta segunda-feira, com a decisão do Ministério da Cultura de transferir os recursos captados via Lei Rouanet e convênios diretos com o governo pela Fundação Bienal para o Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Desde 2 de janeiro, quando a Fundação Bienal foi listada como inadimplente pelo MinC, as contas da instituição estão bloqueadas. A mudança de proponente possibilita a liberação dos R$ 12 milhões já captados via Lei Rouanet para a realização da exposição, prevista para ser aberta ao público em 7 de setembro deste ano. Também permite que sejam captados mais recursos incentivados.
Inicialmente o orçamento previsto para a 30 Bienal, com curadoria do venezuelano Luis Pérez-Oramas e com o tema “A iminência das poéticas”, era de R$ 30 milhões. No entanto, com a limitação de tempo imposta pela inadimplência e pelo bloqueio das contas os organizadores já trabalham com valores mais modestos, de R$ 18 milhões a R$ 20 milhões.
A Fundação Bienal foi listada como inadimplente por recomendação da Controladoria Geral da União, que encontrou 13 irregularidades em pretações de contas entre 1999 e 2006, no valor total de R$ 32 milhões. Segundo a nota divulgada pelo MinC, a decisão de tornar o MAM-SP proponente da 30 Bienal “não acarretará interrupção dos processos de prestação de contas em apuração”.
A Bienal e o MAM devem definir nos próximos dias um plano conjunto de trabalho para a realização da exposição.
Em nota assinada em conjunto pelas duas instituições, Milú Villela, presidente do MAM-SP, disse: “Vamos atender com todo o empenho à solicitação do Ministério da Cultura para contribuir com a Bienal. O evento é estratégico para o País, e o MAM-SP não poderia deixar de apoiar a Fundação e seu presidente, Heitor Martins, que à frente da sua equipe realiza um importante trabalho de recuperação, já evidenciado na última edição da mostra. Havendo reais possibilidades técnicas de execução, o MAM ocupará, com imenso prazer, o papel de correalizador do evento”.
No mesmo comunicado, Heitor Martins, presidente da Fundação Bienal, declara: “A possibilidade de ter o MAM-SP como parceiro é um grande estímulo. O apoio de Milú Villela, uma grande ativista da cultura brasileira, e dos seus colaboradores, será vital para garantirmos a continuidade da Bienal. Com essa parceria, esperamos superar esse grande desafio”.
Leia abaixo a íntegra da nota técnica divulgada pelo Ministério da Cultura:
MinC indica o MAM para a proponência da 30ª Bienal de São Paulo
Pautado pelo interesse público, o Ministério da Cultura (MinC) vem se empenhando para viabilizar a continuidade da Bienal de São Paulo, um evento cultural existente desde 1951, notoriamente reconhecido pela sua grande importância no cenário artístico do País, o que repercute também no cenário externo, onde se situa como um dos principais acontecimentos da agenda internacional das artes visuais.
No entanto, a Fundação Bienal de São Paulo (FBSP), tradicional realizadora do evento, encontra-se inadimplente em função de projetos de anos anteriores em situação de Tomada de Contas Especial (TCE), junto à Controladoria Geral da União. Os processos em questão tiveram suas prestações de contas reanalisadas pelo MinC, por determinação da CGU, emitida em julho de 2009, quando este Ministério deu ciência à atual Diretoria da FBSP.
Tendo em vista que a Fundação Bienal de São Paulo (FBSP) encontra-se impedida de operar os recursos de incentivo fiscal da Lei nº 8.313/1991 (Rouanet), o MinC buscou uma solução para tornar exequível a 30ª Edição da Bienal de São Paulo, prevista para ocorrer no segundo semestre deste ano. Tal solução não acarretará interrupção dos processos de prestação de contas em apuração.
Por meio de sua Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic), elaborou a Nota Técnica nº 0116/2012, em 16 de fevereiro de 2012, propondo a alteração de proponente, para uso dos recursos de incentivo à cultura. A Nota Técnica foi analisada pela Consultoria Jurídica do MinC, órgão da Advocacia Geral da União, o que resultou no Parecer nº 133/2012, de 22 de fevereiro de 2012, favorável à troca de proponente, o que deverá ocorrer nos limites da lei.
Para essa substituição, foram convidadas três instituições com sede no Estado de São Paulo, detentoras de comprovada capacidade técnica, de experiência na gestão de projetos na área da arte contemporânea, com alcance nacional e internacional, e de experiência na execução de projetos com benefícios da Lei Federal de Incentivo à Cultura: o Instituto Tomie Ohtake, o Museu de Arte Moderna (MAM) e a O.S. Pinacoteca do Estado de São Paulo. Das três instituições, duas responderam positivamente ao convite do MinC. A Pinacoteca declinou tendo em vistas características estatutárias impeditivas.
A fim de dar segurança jurídica ao ato, MinC está preparando um Termo de Ajustamento de Conduta, em conjunto com a Advocacia Geral da União (AGU), que permita a alteração de proponente dos projetos “Projeto Curatorial da 30ª Bienal de São Paulo – PRONAC 10-11262” e ¨30ª Bienal de São Paulo – PRONAC11-9340”.
Para decidir pelo novo proponente, as equipes técnicas do MinC realizaram uma série de encontros com as instituições convidadas e com a FBSP.
Apesar de ter sido constatada a competência de ambas as instituições, deliberou-se pela maior tradição do Museu de Arte Moderna, pesando inclusive o fato dessa instituição ter sido a realizadora das primeiras edições da Bienal.
Leia abaixo a íntegra da nota conjunta divulgada pela Bienal e o MAM- SP:
A Fundação Bienal de São Paulo e o MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo) iniciam nos próximos dias os entendimentos para a realização conjunta da 30ª edição da Bienal de São Paulo. As duas instituições, a pedido do Ministério da Cultura (MINC), estão empenhadas em encontrar soluções para assegurar a realização do evento, fundamental para fortalecer ainda mais o Brasil no cenário internacional das artes.
“Vamos atender com todo o empenho à solicitação do Ministério da Cultura para contribuir com a Bienal. O evento é estratégico para o País, e o MAM-SP não poderia deixar de apoiar a Fundação e seu presidente, Heitor Martins, que à frente da sua equipe realiza um importante trabalho de recuperação, já evidenciado na última edição da mostra. Havendo reais possibilidades técnicas de execução, o MAM ocupará, com imenso prazer, o papel de correalizador do evento”, diz Milú Villela, presidente do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
“A possibilidade de ter o MAM-SP como parceiro é um grande estímulo. O apoio de Milú Villela, uma grande ativista da cultura brasileira, e dos seus colaboradores, será vital para garantirmos a continuidade da Bienal. Com essa parceria, esperamos superar esse grande desafio”, diz Heitor Martins, presidente da Fundação Bienal de São Paulo.
A parceria entre o MAM-SP e a Fundação Bienal de São Paulo, que dá agora seus primeiros passos, resulta da mobilização do Ministério da Cultura (MinC), que tem empenhado esforços na busca de alternativas para a realização da 30ª Bienal.
Assim que os entendimentos técnicos estiverem concluídos, o MAM-SP e a Fundação Bienal de São Paulo voltarão a prestar informações sobre as decisões acordadas.
O rapto do debate sobre artes visuais por César Oiticica Filho, Folha de São Paulo
O rapto do debate sobre artes visuais
Leia abaixo o texto de César Oiticica Filho originalmente publicado publicado na edição "Ilustríssima" do jornal Folha de São Paulo em 18 de março de 2012, resposta à tréplica de Flávio Moura.
*
Para responder ao texto de Flávio Moura de 4/3, realizei um exercício comparativo: peguei os meus exemplares de "Aspiro ao Grande Labirinto" (1986) e "Museu É o Mundo" (2011) e tentei entender o que difere tanto, para o crítico, nas edições, tornando uma delas o exemplo de como se faz um volume de ensaios do autor e o outro um "amontoado de textos sem referência".
Não há, nos volumes, nada que justifique tal julgamento. Os dois seguem a ordem cronológica dos textos, mantendo a referência original dos documentos. A maior diferença está na quantidade dos textos: "Museu É o Mundo" se estende até 1980, enquanto o último texto de "Aspiro" é de 1969.
Além disso, foram incluídos em "Museu" alguns textos da década de 1960 ausentes no livro anterior. De resto, os critérios são bastante semelhantes.
Então, onde está essa diferença tão gritante de qualidade curatorial entre os volumes? Estaria na cabeça do crítico? Estaria ele julgando a partir de uma visão externa, preconceituosa, sem ter feito o mesmo exercício comparativo? Será que possui um exemplar do "Aspiro" para tanto? A pergunta, que pode parecer capciosa, se explica.
No texto, Flávio diz que "Aspiro ao Grande Labirinto" é organizado apenas por Luciano Figueiredo. Mas, na folha de rosto do volume, está claro: "Seleção de textos: Luciano Figueiredo, Lygia Pape, Waly Salomão".
O crítico não conhecia essa informação, absolutamente básica? Senão, que interesse ele tinha em omitir os nomes dos outros organizadores? Por que privilegiar apenas o organizador vivo?
Começo o texto dizendo isso para explicar o motivo de, novamente, responder ao crítico. Confesso que relutei, temi ser isso exatamente o que ele queria: conquistar espaço de mídia com factoides. Mas é dever de um curador preservar a boa informação sobre a obra e o respeito ao trabalho dos profissionais que a ela se voltaram. A omissão de créditos, como no caso da organização do "Aspiro", é muito grave.
No caso de "Museu É o Mundo", é importante ressaltar o investimento de todos para fazer que esse seja um dos poucos livros de exposição a chegar às livrarias do Brasil com um preço acessível --e o primeiro de Hélio Oiticica. Os demais já nascem como obras raras, inacessíveis ao grande público.
Isso não é pouco, mas não isenta o livro de críticas. O que esperamos é que elas sejam feitas de forma qualificada, por meio da leitura atenta do seu conteúdo.
DISTORÇÃO
Outro fator importante, que motivou a minha resposta, é desfazer uma distorção de sentido, realizada por Flávio Moura, da minha primeira réplica. Ao citar os novos críticos, não busquei chancelar nomes, ao contrário.
Não tenho contato pessoal com vários dos citados, mas acompanho com entusiasmo seus trabalhos, pela qualidade e relevância. Alguns deles inclusive não trabalham diretamente com a obra de Hélio Oiticica.
O que destaquei, e repito, é a necessidade de uma postura crítica séria, o que todos esses nomes e muitos outros da nova geração expressam e que não vejo no trabalho presente de Flávio Moura.
A certo ponto, Flávio Moura fala sobre o fato de eu ser sobrinho de Hélio Oiticica e da necessidade de ganhar "musculatura crítica" para falar do artista. Jamais tive essa ambição crítica.
A minha obrigação, como curador da obra, é cuidar para que as informações sobre a obra de Hélio Oiticica sejam o mais acuradas possível, evitando que erros se perpetuem.
O trabalho é árduo: é preciso acompanhar a reflexão crítica internacional, tornar informações e obras acessíveis ao maior número possível de interessados, independentemente das opiniões que possam vir dessas pessoas.
Há quase dez anos, o projeto HO entrega, para todos os pesquisadores que nos procuram, DVDs com todos os documentos de Hélio Oiticica, que podem ser acessados rapidamente por um programa de busca. Essa é uma atitude que adotamos para facilitar o acesso à informação sobre a obra de Hélio Oiticica e multiplicar as suas leituras críticas. O próprio Flávio Moura usufruiu desse serviço.
O trabalho realizado no livro "Museu É o Mundo", junto com as entrevistas de Hélio Oiticica reunidas no volume da coleção Encontros e o livro "Newyorkaises "" Conglomerados", com os textos de Oiticica realizados em Nova York na década de 1970, a sair ainda neste ano, todos em parceria com a Azougue Editorial, é uma forma de estender ainda mais o acesso à obra de Hélio Oiticica. Esperamos que criem novas leituras, instigantes, públicas e consistentes
O que preocupa, nesse sentido, é o rapto do debate sobre artes visuais, que deixou de ser um diálogo sobre as possibilidades experimentais e de linguagem para se aprisionar num discurso sobre o circuito mercadológico, tratando artistas revolucionários internacionalmente como meras commodities.
Provavelmente isso se deve a certa promiscuidade entre crítica e mercado, que a cada vez mais se intensifica, trazendo textos nos quais o valor das obras muitas vezes se sobrepõe à sua importância estética e cultural.
Hélio Oiticica e Lygia Clark não precisam de protetores por Flávio Moura, Folha de São Paulo
Hélio Oiticica e Lygia Clark não precisam de protetores
Leia abaixo a tréplica de Flávio Moura originalmente publicada na edição da "Ilustríssima" do jornal Folha de São Paulo em 04 de março de 2012, resposta à réplica de César Oiticica Filho.
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Em resenha publicada na "Ilustríssima" de 29/1, parto da discussão do processo de consagração de Hélio Oiticica (1937-80) e Lygia Clark (1920-88). A julgar pelas reações que suscitou, está claro que esse debate precisa ser feito.
César Oiticica Filho, sobrinho do artista, curador do Projeto Hélio Oiticica e organizador de "Museu É o Mundo" [Azougue, 248 págs., R$ 80], livro de ensaios de Hélio, desqualifica a resenha com base em supostos "erros".
Afirma que não foram mencionados os textos inéditos incluídos no volume, atribuindo a mim a afirmação de que o livro seria mera reprodução da coletânea "Aspiro ao Grande Labirinto", de 1986.
A passagem em questão não fala sobre a ausência de textos inéditos na coletânea, mas sobre o fato de que o livro carece de seleção e organização criteriosa dos textos mais representativos de Hélio, trabalho que não é realizado desde 1986; e não é mesmo.
"Aspiro ao Grande Labirinto", organizado por Luciano Figueiredo, figura até hoje como principal referência para quem procura ensaios de Hélio e virou peça de colecionador. Era de esperar que, tantos anos depois, uma nova coletânea mostrasse a que veio.
E o que temos? Um amontoado de textos sem nenhuma referência. Não sabemos o critério de seleção. Há textos que não trazem a data em que foram escritos. Não há indicação sobre publicações anteriores em livros, catálogos, revistas ou jornais. Sabemos apenas que não devem ser lidos isoladamente, "e sim como parte da obra". Isso exime o organizador da lição de casa? Dotar de transcendência toda e qualquer anotação de Hélio não é uma forma de mitificação?
É como se Hélio fosse apresentado "por inteiro" pela primeira vez. Meticuloso, dificilmente ele aprovaria uma edição assim. Basta cotejar "Museu É o Mundo" com o catálogo da retrospectiva no exterior em 1992, ou com "Body of Colour", na Tate Gallery (2007), em Londres (org. Mari Carmen Ramirez), ambos generosos em referências.
Agora tudo se passa como se esses e outros trabalhos não existissem. Oiticica Filho parece imbuído da missão de veicular apenas uma versão da trajetória do tio: a sua.
CONCRETISMO
O curador aponta um segundo "erro" na resenha: diz ser incorreto afirmar que Hélio passa a escrever como um concretista nos anos 60 porque sua reaproximação com os irmãos Campos só se deu em... 1967! Onde está o equívoco?
O texto "Subterrânia 2" (1969), incluído em "Museu É o Mundo", é um entre os diversos exemplos dessa aproximação nos anos 60. Oiticica Filho afirma que "não há nenhum fundamento na tentativa de traçar um paralelo entre esse diálogo entre Hélio e os poetas concretos e o afastamento do artista com Ferreira Gullar, ocorrido na primeira metade da década de 1960, anos antes". Será?
Por que é tão persistente a polarização entre os "frios" paulistas e os "sensuais" cariocas, mesmo após a ligação dos concretistas de São Paulo com Hélio e com os baianos da Tropicália? Perguntas assim vêm sendo feitas por autores como Gonzalo Aguilar e Michael Asbury, e estão na base dos argumentos da resenha.
Em sua introdução a "Museu É o Mundo", Oiticica Filho afirma que seu objetivo é ir contra os "setores conservadores da arte", que só valorizam o Hélio do fim dos anos 1950 ao início dos anos 1960. Eis aí, na trilha de Aguilar e Asbury, um caminho a explorar nessa cruzada contra os "conservadores". Mas antes é preciso ganhar musculatura como crítico e abandonar a passionalidade de sobrinho.
É legítimo que ele esteja à frente da curadoria do Projeto H.O., a que se deve tributar muito do que foi construído em torno do artista. Mas um debate crítico digno do nome será tanto pior quanto mais tutelado por instituições desse tipo.
CENÁRIO
A reação intempestiva do curador é reflexo de um cenário recente, no qual o que não é aplauso deve ser banido, no qual uma resenha crítica se torna sinônimo de agressão ao artista.
Nota-se a mesma sanha de controle na lista de 13 "jovens críticos" chancelados em sua réplica. A pretexto de sugerir abertura para o novo, desqualifica o interlocutor e o exclui do campo, num índex às avessas, como se o sobrinho tivesse poder de controlar quem está autorizado a falar sobre o tio.
Na mesma edição da "Ilustríssima" foi publicada réplica aos comentários feitos à caixa de DVDs sobre Lygia Clark, organizada pela curadora Suely Rolnik. A resposta do crítico Afonso Luz rende uma discussão que terá de ser adiada --mas merece elogios por propor uma troca de ideias, não um ringue de luta livre.
No processo de consagração dos artistas, em curso desde meados dos anos 90, apagam-se dimensões relevantes de sua trajetória. A resenha não faz mais do que apontar alguns desses pontos.
Isso só faz sentido em face da centralidade que esses artistas adquiriram no debate sobre arte no Brasil --centralidade que se produz por fatores que dizem respeito às obras, mas não apenas a elas, e que devem ser objeto de investigação.
Confundir essa proposta legítima com arrivismo é coisa de quem acredita que Hélio e Lygia precisam de protetores. Felizmente, eles já podem dispensar esse tipo de condescendência.
Uma resposta à crítica de "Museu É o Mundo" por César Oiticica Filho, Folha de São Paulo
Uma resposta à crítica de "Museu É o Mundo"
Texto de César Oiticica Filho originalmente publicado na edição "Ilustríssima" do jornal Folha de São Paulo em 26 de fevereiro de 2012, resposta à crítica de Flávio Moura.
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A reflexão crítica de artes visuais vive um momento de renovação no Brasil. Para todos os que trabalham ou acompanham a área, é um feliz acontecimento o aparecimento de nomes de qualidade em diversas regiões do país, com diferentes posicionamentos teóricos e afinidades estéticas.
Demonstração da vitalidade e maturidade que as artes visuais têm conquistado no nosso país. Sem querer ser exaustivo, poderíamos citar Clarissa Diniz e Cristiana Tejo, em Pernambuco, Felipe Scovino, Frederico Coelho, Tânia Rivera, Daniela Labra e Sergio Martins, no Rio de Janeiro, Julia Rebouças, em Minas Gerais, Luiza Duarte, Fernanda Lopes, Guy Amado, Marcelo Campos e Ligia Nobre, em São Paulo, como exemplos de jovens críticos altamente qualificados em atuação no Brasil.
Seria possível nomear vários outros, que vêm para contribuir para o excelente nível que a crítica brasileira tem adquirido nas últimas décadas.
Flávio Moura segue a direção contrária. Mantém um estilo ultrapassado: crítica preguiçosa, baseada na polêmica fácil e na ânsia midiática. Textos que trazem pouco ou nenhum fundamento teórico ou histórico e que se valem da agressão gratuita a importantes nomes da cultura para buscar autopromoção.
Foi o que aconteceu no artigo do último dia 29 de janeiro, na "Ilustríssima", sobre o livro "Museu é o Mundo", de Hélio Oiticica.
ERROS
Flávio Moura escreveu a resenha sem, ao que tudo indica, sequer ter lido o livro. Se o tivesse feito, não incorreria em erros tão básicos, como o de ter dito que este "abriga a íntegra dos textos escolhidos para figurar na exposição homônima que percorreu o Brasil em 2010. Não se trata, por isso, de uma coletânea dos melhores ensaios de Hélio, trabalho que não é feito desde 1986, quando saiu 'Aspiro ao Grande Labirinto' (Rocco, esgotado)."
Pois bem, "Museu É o Mundo" contém não apenas os textos do artista compilados originalmente em "Aspiro ao Grande Labirinto" como uma série de outros textos, alguns inéditos em livros, entre eles "A Trama da Terra que Treme", "Balanço da Cultura Brasileira - 1968", "Experimentar o Experimental", "Brasil Diarreia", "Sobre Penetráveis Magic Square", "Ondas do Corpo", "Mitos Vadios", "O q Faço É Música", "Devolver a Terra a Terra", "Esquenta pro Carnaval".
É certamente a maior antologia de escritos de Hélio Oiticica já publicada. Quando da feitura do livro, a escolha foi exatamente trazer a público os textos do autor, da forma mais qualificada possível e em edição bilíngue.
FLA-FLU
Isso, por si só, já deveria ser motivo de interesse e celebração por todos os interessados em cultura, goste-se ou não da obra de Oiticica. Afinal, cultura não é Fla-Flu.
Com a importância adquirida por Hélio Oiticica no Brasil e no exterior, teria sido bastante fácil fazer um livro com textos de grandes críticos nacionais e internacionais louvando a sua obra.
Em vez disso, preferimos trazer para o público a obra do próprio autor, a sua própria voz, da forma mais isenta possível. Acreditamos que essa é a melhor forma de evitar mitificações ou canonizações. Mas, ao que parece, alguns críticos ainda preferem o obscurantismo e a ignorância...
O texto incorre em uma série de outros erros, biográficos ou cronológicos, como ao dizer que "nos anos 60 Hélio passou a escrever como concretista".
Embora Oiticica já conhecesse os poetas concretos na década de 1950, só retomaria o contato com eles em 1967, num encontro com Haroldo de Campos em Belém, como relata Marcos Augusto Gonçalves em excelente ensaio de 2003.
Assim, o frutífero diálogo entre os irmãos Campos e Hélio surge apenas nos últimos anos da década de 1960 e ganha força realmente na década seguinte, durante a estadia de Hélio em Nova York.
GULLAR
Por isso mesmo, também não há nenhum fundamento na tentativa de traçar um paralelo entre esse diálogo entre Hélio e os poetas concretos e o afastamento do artista com Ferreira Gullar, ocorrido na primeira metade da década de 1960, anos antes.
O afastamento ocorreu, como é sabido por todos que pesquisam a cultura brasileira desse período, quando o poeta rompe com os princípios construtivistas e filia-se ao Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), adotando uma arte engajada politicamente.
Esses erros, básicos, demonstram o total desconhecimento de Flávio Moura sobre o assunto. Um pouco mais de estudo, nessas horas, cai bem.
Ou seja, nas poucas vezes que Flávio se digna a falar diretamente do objeto da sua resenha, erra. O que sobra é a sua tese, no mínimo controversa, para não dizer mesquinha.
O que ele está propondo, menos Hélio e Lygia? Não seria bom para o Brasil ter mais, com obras e documentos mais acessíveis? Reconhecer isso está além do alcance de um crítico obcecado pela ideia da "canonização" dos artistas.
Como se Oiticica precisasse de procedimentos desse tipo, após décadas de reconhecimento, devido não a estratégias de consagração, mas à inequívoca importância da sua obra. A resenha fala, certa hora, de "narcisismo". Não será mais narcisista ocupar-se das próprias posições preconcebidas em detrimento do objeto da crítica?
Como nascem os ícones por Flávio Moura, Folha de São Paulo
Como nascem os ícones
Matéria de Flávio Moura originalmente publicada no caderno Ilustríssima do jornal Folha de São Paulo em 29 de fevereiro de 2012
O processo de transformação de Lygia Clark e Hélio Oiticica nos ícones da arte brasileira contemporânea segue a todo vapor.
Em 2004, foram os únicos brasileiros a figurar no compêndio "Art Since 1900" (Thames and Hudson), súmula do que pensa a crítica de mais prestígio nos EUA e na Europa sobre a arte do século 20.
Em 2007, mais de 150 trabalhos de Oiticica ocuparam a londrina Tate Modern. Em 2011, a galeria Gagosian de Paris realizou pela primeira vez uma mostra com obras dos dois.
Em maio de 2014, os nova-iorquinos deverão ver no MoMA a maior retrospectiva de Lygia já feita. No Brasil, avolumam-se iniciativas nessa direção, como uma coletânea de ensaios de Oiticica e uma caixa com depoimentos sobre Lygia, ambas recém-lançadas.
"Museu É o Mundo" *[Azougue, org. Cesar Oiticica Filho, 288 págs., R$ 80]* reúne textos produzidos por Oiticica entre 1954, quando tinha 17 anos, e 1980, ano de sua morte. A maior parte é composta de entradas de seu diário, escritas entre 1960 e 1962. O restante são ensaios de cunho interpretativo, como o "Esquema Geral da Nova Objetividade", de 1965, e anotações esparsas sobre trabalhos.
O livro abriga a íntegra dos textos escolhidos para figurar na exposição homônima que percorreu o Brasil em 2010. Não se trata, por isso, de uma coletânea dos melhores ensaios de Hélio, trabalho que não é feito desde 1986, quando saiu "Aspiro ao Grande Labirinto" (Rocco, esgotado). Faltam indicações sobre o contexto de produção dos textos e dados básicos sobre eventuais publicações anteriores.
O objetivo, como diz Oiticica Filho na introdução, é ir contra os "setores conservadores da arte", que valorizam só a obra inicial de Hélio Oiticica. Em seu entender, a esses críticos falta coragem para enfatizar a qualidade da produção dos anos 1960 e 70, que "abre as portas da arte contemporânea com proposições e criações que transcendem o objeto artístico".
CONCRETISTA
Por trás da invectiva do curador contra a "crítica conservadora" há pontos relevantes. Como mostram os textos do livro, nos anos 60 Hélio passou a escrever como concretista: criava palavras, enfatizava a sonoridade, interrompia frases e exercitava jogos de linguagem que por vezes soam como caricatura do concretismo, de tanto que exploram cacoetes formais associados à corrente.
O livro evidencia como a trajetória de Oiticica é tão devedora dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos quanto de Ferreira Gullar e do neoconcretismo (1959-61). Não parece casual que o próprio Gullar, líder da dissidência, tenha desqualificado a obra de Oiticica de 1964 em diante, como se ali houvesse traição aos princípios do grupo neoconcreto.
Os textos de "Museu É o Mundo" são apresentados como parte do trabalho artístico. Encarados assim, assumem a condição de complemento às obras expostas, não de ensaios críticos. Mesmo porque por vezes as interpretações são frágeis: nos textos mais densos, do início de carreira, Oiticica emula o linguajar filosofante de Gullar.
Mais tarde, em textos como "Balanço da Cultura Brasileira 1968", procura esboçar um retrato de sua geração, mas restringe-se ao elogio narcisista da própria trajetória.
Vistos na ordem cronológica, os textos seguem um caminho que encontra expressão nas obras. O que no início eram ensaios comportados, às voltas com conceitos filosóficos, vai se decompondo em anotações, aforismos, legendas, gravações, experimentos até os "programas in progress" do fim da carreira, em que idiomas se misturam, frases não se completam, referências eruditas e à cultura de massas se avolumam e se anulam em sentidos lacunares e obscuros.
BORBOTÕES
Fruto de parceria entre o Sesc-SP e a Cinemateca Brasileira, *"Arquivo para uma Obra-Acontecimento" [org. Suely Rolnik, 20 DVDs, R$ 240]*, assim como o livro de Oiticica, deriva de uma exposição. A caixa reúne parte dos depoimentos colhidos para uma exposição de 2006 e foi lançada em mostra homônima em São Paulo, em 2011.
O time de convidados -20, no total- é heterogêneo: Caetano Veloso, Ferreira Gullar, Jards Macalé e os críticos Guy Brett e Yve-Alain Bois, entre outros.
Caetano narra a experiência de ter sido paciente da terapeuta Lygia, em quem se inspirou para compor "If You Hold a Stone", canção incluída em seu álbum de 1971. Gullar discorre sobre o "não-objeto", conceito criado a partir de obras da artista, e o papel de Lygia para os neoconcretos. Alain-Bois fala dos gostos cinematográficos e da rotina parisiense da artista.
E tome hagiografia: embora o texto de apresentação insista na necessidade de evitar o fetiche, abundam nos depoimentos afirmações como a do curador Paulo Herkenhoff, para quem a relação entre Lygia e Oiticica "era da mesma natureza da que havia entre Picasso e Braque em 1910".
Há na apresentação a tentativa de justificar a importância do formato "arquivo" (os DVDs vêm dispostos numa caixa que sugere um arquivo de pastas suspensas), mas a opção pelos depoimentos na íntegra é difícil de compreender.
São cerca de 40 horas de entrevistas, o que torna penosa a busca por momentos relevantes. É uma pesquisa respeitável para um futuro documentário, mas o espectador não especializado que se aventure por ali ficará perdido: o crítico Guy Brett, por exemplo, é lacônico a ponto de constranger, e não se compreende por que os silêncios e hesitações foram mantidos.
Como no livro de Oiticica, também esses depoimentos buscam valorizar trabalhos produzidos a partir dos anos 60, quando a experiência sensorial assume a dianteira em relação às preocupações formais. O alvo é igualmente a crítica "conservadora", que duvida da qualidade dessas obras.
Trabalhos como os "Objetos Relacionais", feitos de pedras, sacos e outros materiais sobre o corpo das pessoas, negam o objeto artístico e enfatizam a experiência de quem os vivencia. É essa fase, impossível de ser reproduzida em museu, que o arquivo focaliza.
CONVENCIONAL
Pelo avesso, os depoimentos revelam da parte da própria Lygia uma concepção de arte convencional. A questão a permear as conversas é a fronteira entre arte e terapia.
Até que ponto há valor estético nessa produção tardia? O que autoriza tomá-la como arte, e não como derivação do tratamento psicanalítico?
Parte significativa do esforço de críticos e curadores, dos anos 90 para cá, tem sido encontrar conceitos ampliados de arte para acolher essa produção, não raro com malabarismos retóricos que pedem socorro a Deleuze, Guattari ou ao filósofo da moda mais à mão.
Há registros da artista, contudo, em que a questão aparece em termos mais pedestres: a arte, no início da carreira, era compensação para frustrações. Em 1963, ela anotou no diário: "Eu que fiz uma análise que durou anos só para virar mulher e ser mais gente sempre dizia que se com isto a minha arte desaparecesse eu preferia ser uma pessoa autêntica a ser um artista que compensasse sua frustração através da criação artística. Ficou provado que sou artista mesmo".
O sucesso do tratamento implicaria o abandono da condição de artista. A "pessoa autêntica", integrada ao papel de mulher e mãe, não pode viver com a arte, que aparece como compensação para um estado permanente de frustração. É como se integração social e realização pessoal significassem uma morte simbólica, pois com isso morreria a forma de relação com a arte que cultivou publicamente.
"Ficou provado que sou artista mesmo." Essa concepção de arte é de forte carga romântica. O artista só existe como fruto do desajuste. As faíscas entre essa noção de arte convencional e uma trajetória que tem início no construtivismo -que pressupõe o apagamento da subjetividade e das veleidades do indivíduo- definem a forma como a equação entre "arte" e "vida" aparece na trajetória de Lygia.
TORTUOSO
O caminho que leva Lygia Clark e Hélio Oiticica da condição de jovens herdeiros do construtivismo a figuras exemplares da arte brasileira é tortuoso.
É preciso ter em conta a participação de ambos no grupo neoconcreto. Esse é o ponto de partida para uma aura de vanguarda que recai sobre os dois e dá a senha para as inovações posteriores. O grupo tem os ingredientes necessários -os manifestos, as palavras de ordem, a cobertura crítica e institucional- para constituir um momento de origem de fácil catalogação e que, a partir do material teórico a ele associado, produzido pelos próprios integrantes, entrega as chaves para sua decifração.
Ambos tiveram condições materiais de atuar como "artistas puros", sem necessidade de se empregar no mercado: o mesmo não ocorreu com muitos artistas associados à arte construtiva, sobretudo em São Paulo, que acabaram estigmatizados por unir arte e "indústria".
Some-se a isso o contato com críticos estrangeiros, a vivência nos EUA e Europa, a atuação do Projeto Hélio Oiticica no direcionamento das interpretações sobre a obra do artista, a valorização politicamente correta da arte em países emergentes por parte das universidades americanas e europeias, e, por fim, o bom momento da economia brasileira, impulsionando vendas de obras em feiras de arte pelo mundo, e se tem um esquema do processo em curso de canonização dos dois nomes.
Vale reter as palavras do crítico Paulo Venâncio Filho, também convidado para a série de depoimentos sobre Lygia Clark: "Vou a debates no exterior e a leitura que está se cristalizando é que a arte brasileira depois dos anos 60 só se deve ao Hélio e à Lygia. É preciso colocar isso em questão".
Exposição interativa mostra aos visitantes espaços menos conhecidos do Parque Nacional da Tijuca, Jornal Dia Dia
Exposição interativa mostra aos visitantes espaços menos conhecidos do Parque Nacional da Tijuca
Matéria originalmente publicada no caderno Meio Ambiente do Jornal Dia Dia em 19 de março de 2012.
Rio de Janeiro - Em parceria com o Núcleo de Arte e Tecnologia (NAT) da Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, da Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, o Parque Nacional da Tijuca (PNT) inaugurou a exposição permanente e gratuita Verde Memória e o Centro de Informações da unidade, que funcionará em espaço anexo às cavalariças, no Parque Lage.
A exposição permitirá à população fazer uma visita virtual pela unidade, com a possibilidade de conhecer áreas menos frequentadas. Segundo explicou a assessoria de imprensa do PNT, por estar localizado em meio a uma zona urbana e ser dividido em quatro setores, o parque muitas vezes não é percebido em sua totalidade pelos visitantes.
O mapeamento do Parque Nacional da Tijuca foi feito por equipes do Núcleo de Arte e Tecnologia da EAV no período de quatro meses. Elas usaram câmeras de celular para fazer os registros fotográficos e em gravação em vídeo. A exposição ficará aberta ao público de terça-feira a domingo, das 9 horas às 17 horas.
Ao visitar a exposição, o público poderá interagir com o que contempla, publicando suas próprias memórias digitais do Parque Nacional da Tijuca. Além de poder brincar com um jogo da memória, que permite ao visitante rever espaços do PNT, um monitor treinado ajudará os visitantes a deixar registrada sua visita ao parque, explorando seus principais atrativos, entre os quais estão a Pedra da Gávea, a Capela Mayrink, a Cascatinha, a Vista Chinesa, a Mesa do Imperador, o Parque Lage, o Morro do Corcovado e o Mirante Dona Marta.
A diretora da EAV do Parque Lage, Claudia Saldanha, explicou que o visitante terá a oportunidade de conhecer dados importantes sobre a flora e a fauna do PNT, além dos principais roteiros e trilhas.
Nova meta de Inhotim é se tornar referência em educação por Audrey Furlaneto, O Globo
Nova meta de Inhotim é se tornar referência em educação
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de São Paulo em 19 de março de 2012.
RIO - Seis anos depois de ser inaugurado distante do principal eixo cultural do país (a 545 km de São Paulo e a 400 km do Rio), o Instituto Inhotim já se consagrou como o principal centro de exposição de arte contemporânea do país. Os visitantes saltaram de pouco mais de sete mil, no ano de inauguração, para 247 mil em 2011. A forma como estão distribuídas as cerca de 500 obras de arte pelo parque - com nada menos que dois milhões de metros quadrados - chama a atenção de espectadores e especialistas em todo o mundo. Unanimidade na área, Inhotim tem nova ambição: tornar-se referência em educação.
Em abril, a megainstituição, cujo empreendimento é avaliado em algo como US$ 200 milhões, dará um importante passo para isso. Vai sediar o primeiro curso intensivo de curadoria - a arte de montar exposições - de um dos mais importantes institutos voltados para a profissão, o Independent Curators International (ICI), de Nova York. A presidente da escola, Kate Fowle, visitou Inhotim pela primeira vez em 2010 e sentiu estar num lugar "incrivelmente único para pensar curadoria".
- Se tivesse que ilustrar o trabalho de um curador, desenharia um iceberg. A exposição seria a parte que se vê acima da água, e toda a pesquisa e o engajamento que se produz seriam o que está escondido debaixo da superfície - diz Kate. - O tempo que curadores gastam vendo arte, falando com artistas e entendendo contextos de produção artística supera de longe a duração de uma exposição.
Maioria dos inscritos não é do Brasil
Na próxima semana, ela e o corpo de curadores de Inhotim anunciam os 15 escolhidos entre os 48 candidatos que apresentaram projetos para conseguir uma vaga no intensivo. São apenas seis dias, de 22 a 28 de abril, ao custo de R$ 4 mil por aluno, para ter encontros com a presidente do ICI, os curadores independentes Victoria Noorthoorn e Adriano Pedrosa, o codiretor da galeria Artangel, de Londres, James Lingwood, e o corpo curatorial do instituto, formado por Allan Schwartzman, Rodrigo Moura e Jochen Volz.
A maioria dos inscritos não é do Brasil: curadores europeus, latino-americanos, turcos e até da Oceania tentam uma vaga no intensivo do ICI no país. Todos têm pelo menos cinco anos de experiência - ou, como define o curador de Inhotim Jochen Volz, "um bom repertório de fiascos e sucessos".
- Inhotim é diferente de qualquer outra instituição que conheci no mundo, pela evolução única de um incrível programa de arte. Além do lugar magnífico e das atitudes inovadoras, que são simplesmente incríveis de se vivenciar, a equipe curatorial tem pensado e abordado questões como a adaptação de obras site-specific e a recriação de projetos perdidos ou não realizados.
Fowle se refere a trabalhos como a Galeria Cosmococa, que reúne num único ambiente e em caráter permanente as cinco cosmococas de Hélio Oiticica e Neville d'Almeida. As obras, de 1973, ganham espaço raro no instituto e, antes, só haviam sido vistas juntas em uma exposição temporária. Há ainda a recriação da obra "Narcissus Garden", que a japonesa Yayoi Kusama fez para a Bienal de Veneza de 1966. Em Inhotim, as esferas brilhantes de aço inoxidável da obra de Kusama flutuam em espelhos d'água imaginados especialmente para abrigá-las.
Para o curador Rodrigo Moura, que entre 2004 e 2006 esteve à frente do Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, o curso com o ICI é o "reconhecimento de Inhotim como ponto de discussão".
- O que temos constatado é que há um número crescente de estrangeiros que têm Inhotim como destino principal da viagem. O instituto parece ter entrado para a proposta do turismo de peregrinação, de procurar lugares remotos para conhecer, espécie de tendência do mundo contemporâneo - avalia Moura.
Há, por exemplo, um grupo de colecionadores da Coreia com visita agendada para o segundo semestre. Assim como os grupos leigos - ou seja, não especializados em artes plásticas, que, segundo Moura, costumam ter "respostas muito generosas" -, colecionadores e estudiosos mostram-se "surpresos, parecem estar diante de algo muito novo":
- Os museus normalmente fragmentam a presença do artista. Nós fazemos o oposto: buscamos o aprofundamento e a intensificação de uma trajetória, da individualidade de um artista.
Formação para o lidar com o mercado
Para Jochen Volz, a curadoria de Inhotim ainda se beneficia de um elemento: a jornada. O instituto não é exatamente próximo do eixo turístico do país e, para conhecê-lo, os espectadores (exceto os da vizinha Brumadinho) farão uma viagem.
- O espectador já se deslocou de seu lugar, está num parque, caminha e, de repente, está numa obra de Cildo Meirelles. Temos a ideia de ele ser guiado, sem ser conduzido - explica Volz.
Ele foi, entre outras mostras, curador da Aichi Trienal de Nagoya, no Japão, em 2010, da 53 Bienal de Veneza, na Itália, em 2009, e curador convidado da 27 Bienal de São Paulo, em 2006.
- Curadoria se aprende fazendo e vendo. Eu mesmo nunca fiz um curso - diz, rindo. - Mas pude ver muitas exposições.
Ainda assim, Volz defende a necessidade de formação de curadores com "pensamento mais elaborado e sofisticado" para lidar com "um mercado de arte também cada vez mais sofisticado e complexo". Inhotim, ele completa, reforça essa complexidade:
- É desafiador criar um conjunto que será permanente e que ganhe, com os anos, mais relevância. Vejo o curador também como um produtor que facilita e provoca o trabalho do artista. O curador é um pouco sócio no crime.
A proposta dos intensivos do ICI é colocar frente a frente profissionais de diferentes origens e expectativas, a fim de criar debates e, claro, soluções expositivas.
O ICI, segundo Fowle, reconhece a "invisibilidade" da profissão e foi criado em 1975 para apoiar mostras de curadores independentes que já buscavam levar a arte a públicos maiores. A primeira exposição, aliás, ocorreu no Brasil, na Bienal de São Paulo de 1975. O ICI viabilizou o projeto dos Estados Unidos, trazendo ao país obras de 32 artistas que estavam começando a ter notoriedade. Entre os nomes, por exemplo, estava Nam June Paik.
Uma fila para verbas por Mariana Durão, O Estado de São Paulo
Uma fila para verbas
Matéria de Mariana Durão originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de São Paulo em 19 de março de 2012.
Produtores culturais cariocas que pleiteiam recursos do edital 2012 da Lei Municipal de Incentivo à Cultura para seus projetos estão desde sexta-feira na porta do Centro de Artes Calouste Gulbekian, no centro do Rio, determinados a lá permanecer até a próxima sexta. Vale a ordem de chegada, daí a disposição para a vigília. Ontem, a fila passava de 60 pessoas.
O Calouste, que fica numa área movimentada apenas em dia de semana, e sempre deserta durante a noite, é o local designado pela prefeitura para a entrega de documentos necessários ao recebimento de verba por produtores previamente cadastrados. Todos os projetos já conseguiram patrocínio de empresas interessadas na renúncia fiscal do Imposto Sobre Serviços (ISS). Mas as patrocinadoras só liberam o dinheiro quando o processo é concluído na Secretaria de Cultura, o que só poderá ser feito na sexta-feira, com a entrega do Termo de Compromisso e Adesão.
O cenário no "assentamento cultural" é digno do teatro do absurdo ou do roteiro de um filme de horror. Sem banheiro ou restaurantes próximos, os candidatos tomam chuva e tentam se acomodar no chão ou em cadeiras de praia. Representantes de empresas também estão na fila.
Algumas optaram por fazer um rodízio de funcionários. Na disputa, estão projetos de música, dança, teatro, cinema, fotografia, artes plásticas, literatura e restauração. Os produtores podem captar até R$ 800 mil por projeto. Já as empresas podem ter imposto deduzido até o valor de R$ 3 milhões.
Assistente administrativa da Casa da Palavra, Maria Cassiana vai se revezar com outras três pessoas da editora. "É uma prova de resistência física e psicológica. Já fizemos esse esquema quatro vezes, mas nunca por uma semana, como agora." Dormindo numa barraca, o produtor Paulo Branquinho tenta defender a verba para duas exposições de arte. Para conseguir a senha de número 40, ele chegou ao meio-dia de sexta. "O primeiro grupo chegou às 8 da manhã. Passei de 54º para 40º porque muitos desistiram. Outros produtores contrataram pessoas para esperar, mas acho que ficar aqui é uma forma de pressionar o prefeito Eduardo Paes."
A esperança de Branquinho e de outros produtores é que Paes eleve a renúncia do ISS prevista para fomentar projetos este ano. O total soma R$ 14,8 milhões. Produtores ouvidos pelo Estado dizem que a adesão de empresas patrocinadoras no Rio superou R$ 60 milhões, mas a Prefeitura tem optado por praticar a renúncia mínima, de apenas 0,35% do ISS arrecadado, bem abaixo do limite de 1% estabelecido pela lei municipal. Pelos cálculos de quem aguardava, o dinheiro deve acabar no 21º da fila.
Para Viviane Ayres, produtora da Associação Cultural Cidadela, o crescimento da fila tem a ver também com o desequilíbrio entre o volume de projetos aprovados e os recursos disponíveis para a realização. Em junho de 2011, centenas deles receberam o OK da Prefeitura, que em dezembro analisou outros tantos. "A categoria é pouco articulada e fica aqui com o pires na mão. Mas a demanda é muito maior que a oferta."
Outro ponto citado pelos produtores é o predomínio de grandes patrocinadoras entre os contemplados. Empresas como Unimed, Chemtech e Operador Nacional do Sistema (ONS) tinham anteontem representantes nos primeiros lugares da fila. O valor de 3 milhões (R$ 800 mil por projeto) é muito diante de uma subvenção total de R$ 14,8 milhões. No ano passado, juntas, elas inscreveram incentivos de mais de R$ 8 milhões. Contax, Amil e Odebrecht entraram com outros R$ 6 milhões.
'Despreparo é dolorosamente evidente', dizem intelectuais sobre gestão do MinC, Estado de São Paulo
'Despreparo é dolorosamente evidente', dizem intelectuais sobre gestão do MinC
Carta assinada por Eduardo Viveiros de Castro, Gabriel Cohn, Laymert Garcia dos Santos, Manuela Carneiro da Cunha, Marilena Chauí, Moacir dos Anjos e Suely Rolnik originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de São Paulo em 18 de março de 2012.
Carta é endossada por meio de abaixo-assinado no Petição Pública.
Na última década, o Ministério da Cultura transformou-se em uma área especialmente dinâmica do governo federal. Ao reconhecer a importância primária das práticas de sentido para a vida social, o Estado deu-se finalmente conta de que tem responsabilidades incontornáveis no que toca ao estímulo, apoio e defesa das manifestações criativas que emergem do povo, ou melhor, dos povos brasileiros como expressão de sua vitalidade e de sua personalidade.
À medida que o país foi ganhando projeção internacional, maior foi se tornando a necessidade de definirmos e consolidarmos a contribuição distintiva que o Brasil espera estar em condições de dar à civilização mundial. Com este objetivo, a abertura da esfera pública a uma multiplicidade de agentes e ações, oriundos de todas as regiões do Brasil, ligados à criação de cultura, isto é, de valor existencial - artistas, ativistas digitais, produtores culturais, editoras independentes, coletivos experimentais, criadores da moda e do design, intelectuais, povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas, movimentos contra a discriminação de gênero e de orientação sexual, ambientalistas, grupos culturais dos mais variados matizes e propósitos - constituiu-se em uma das experiências institucionais mais inovadoras que o Estado brasileiro jamais promoveu.
Sob a liderança das gestões da cultura durante os 8 anos do governo Lula, o acolhimento entusiástico de uma vasta gama de manifestações antropológicas, tradicionais como modernas, regionais como nacionais, locais como globais, deu direito de cidadania e densidade politica a vários conceitos novos, doravante parte de nosso vocabulário de política pública: "cultura digital", "pontos de cultura", "cultura viva", "patrimônio imaterial", "cidades criativas", "economia da cultura", "diversidade cultural", "creative commons", "compartilhamento", "cultura e pensamento", "cidadania colaborativa", "participação setorial" e tantos outros. Um Plano Nacional de Cultura foi redigido pelo MinC com ampla participação dos setores interessados, e foi aprovado pelo Congresso Nacional. Tratou-se de um esforço consistentemente democrático de transformação da agitação social em meio de conquista de uma voz pública, de expressão da força viva dos povos de nosso país nos termos de um discurso de dimensões propriamente políticas, no sentido mais nobre da palavra.
Como herdeiro legítimo deste legado, o governo Dilma tem um grande desafio pela frente. É enorme a expectativa dos inúmeros grupos envolvidos no processo de emancipação cultural iniciado nas gestões passadas. Os que acompanham, como cidadãos, essa histórica reviravolta inquietam-se sobre a orientação que irá prevalecer uma vez encerrado o primeiro ano de uma gestão federal de cultura marcado por hesitações, conflitos e por mudanças de rumo que nos têm parecido infelizes.
É inevitável constatar que houve inúmeras perdas de visibilidade e de nitidez no horizonte da política cultural, comprometendo a imagem de um país que avança para o futuro sem perder a relação com seu passado, e que se moderniza sem destruir suas tradições. Depois de inúmeras notícias desalentadoras ao longo do ano que passou, a opinião pública constata que a presente gestão de nossa política cultural vem se mostrando descomprometida com o legado das conquistas recentes neste âmbito, como o atestam as inúmeras iniciativas de grande impacto dentro e fora do País. É digno de nota, em particular, o que parece ser o total desconhecimento, por parte da atual gestão do MinC, do debate internacional sobre os desafios que o novo regime capitalista globalizado coloca para os criadores em todos os âmbitos da cultura, nesta época em que a criação de valores existenciais se viu capturada e sujeitada pela produção de valor econômico.
O despreparo para a prática do diálogo e do embate crítico por parte dos atuais responsáveis pelo MinC é dolorosamente evidente. É assustador, por exemplo, que em recente entrevista a ministra afirme que tem vivido uma "guerra de nervos" e que todo o seu universo de preocupação esteja reduzido à sensação de que os que discordam de sua gestão estejam apenas querendo derrubá-la de seu posto, deixando de lado o sentido maior da vida democrática que é a possibilidade do diálogo e da reconciliação em benefício de algo público e de grandeza comum.
A criação cultural é indissociável da construção inovadora de horizontes para o País, é a cultura que forma as realidades que nos condicionam e projetam os destinos da vida em comum. Não faz mais sentido pensar nos quadros anacrônicos que tinham a chamada "infraestrutura", ou economia, como elemento primacial da vida humana, ao passo que a cultura, ou "superestrutura", era vista como artigo de luxo. Pois não é possível, justamente, entrarmos em pleno século 21 equipados com uma "superestrutura" mental que data do século 19. É um engano gravíssimo um Estado contemporâneo não dar a devida importância à agenda das políticas culturais, pois a economia sem a cultura não pode mais do que propagar a desvalorização de uma sociedade, colocando-a a mercê de interesses estritamente econômicos.
Desde que a crise global se abateu sobre o ocidente capitalista em 2008, a agenda cultural se tornou um tema ainda mais importante para nós e as disputas de sentido vão direcionando os possíveis caminhos a seguir. Ora, foi precisamente neste momento crítico que passamos a constatar a decadência do protagonismo do governo federal na área da política cultural, com a trágica perda de capacidade para gerar consensos mínimos e coordenar o desenho de horizontes para os inúmeros segmentos que estavam sendo reconhecidos pelo governo Lula. Esse perigoso isolamento do MinC pode nos fazer retroceder mais e mais nos próximos anos, ainda que a prosperidade econômica se mantenha. A mera celebração de uma "cultura" concebida como excedente simbólico entregue a profissionais consagrados da indústria de entretenimento certamente não pode substituir a consciência ativa do papel central que a força de trabalho criativa passou a desempenhar no cenário do novo regime capitalista. O MinC de hoje desconhece os sistemas de acumulação financeira, de ganho unilateral de corporações com os direitos autorais e de imagens. Ao tornar-se refém de um modelo institucional arcaico, o governo federal vai aceitando que as forças mais reativas do modelo neoliberal passem a conduzir as subjetividades, tornando-se um instrumento para sustentar apenas desejos sociais compulsivos de consumo, como se estes fossem o meio de produção de sociabilidade.
Neste sentido, a escolha do(a) ministro(a) que a Presidenta tem em suas mãos é um dos trunfos fundamentais na consolidação do projeto de país que se começou a implantar desde o fim da ditadura militar. Esta é uma responsabilidade crucial do governo federal e da sociedade civil, não podendo ser deixada ao sabor da Realpolitik e seus jogos de acomodação partidária. Esperamos que Dilma Rousseff, que tem mostrado grande competência na condução do País em outros setores, confirmada pelos altos índices de aceitação popular, tenha sensibilidade e coragem para indicar um ministro da cultura à altura do que requer este cargo, em vista da importância do Brasil no cenário mundial contemporâneo. Um(a) ministro(a) que alie uma escuta fina para a diversidade cultural, no acompanhamento das complexas demandas culturais internas e na articulação ousada com o cenário internacional, sobretudo em torno dos problemas deste novo estatuto da cultura.
A experiência acumulada por este nome escolhido é algo essencial neste momento. Quer em termos profissionais, quer em familiaridade com a política da criação contemporânea e a rica variedade a de suas manifestações, uma liderança suprapartidária e democrática é o que pode garantir um pulso firme e uma capacidade de gestão dinâmica, de verdadeira liderança nesta direção que o presente nos aponta. Nós signatários, como todos os produtores de cultura neste País, temos nossa parcela de responsabilidade nesta tarefa: cabe a nós o apoio ao futuro portador desta inteligência de qualidade cultural e a exigência de uma escolha acertada para os próximos anos da atual gestão federal neste importante âmbito da vida nacional.
POR MARILENA CHAUÍ, EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO, SUELY ROLNIK, LAYMERT GARCIA DOS SANTOS, GABRIEL COHN, MANUELA CARNEIRO DA CUNHA, MOACIR DOS ANJOS
Intelectuais pedem, em manifestos, saída de Ana de Hollanda do MinC por Jotabê Medeiros, O Estado de São Paulo
Intelectuais pedem, em manifestos, saída de Ana de Hollanda do MinC
Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de São Paulo em 19 de março de 2012.
Um dos documentos sugere Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo, para o Ministério da Cultura; outro aponta 'despreparo' de responsáveis por pasta
Este é o início de uma semana crucial para a atual ministra da Cultura, Ana de Hollanda. Desde o final da semana passada, manifestos de artistas e intelectuais começaram a circular pedindo abertamente sua substituição à presidência Dilma Rousseff. São assinados por gente à direita e à esquerda, moderados e radicais, notáveis e anônimos militantes da cultura digital.
O Caderno 2 publica abaixo uma das manifestações. Outro documento, uma carta de intelectuais e artistas que será entregue à Casa Civil (cujo primeiro nome assinado é o da atriz Fernanda Montenegro) diz que, "na hipótese de haver a decisão de substituição do titular da pasta da Cultura – tema veiculado na mídia, mas não necessariamente verdadeiro – a classe cultural, aqui representada em suas diversas linguagens e regiões, vem dar sua contribuição cívica, politico-participativa, e apresentar um nome que, certamente, faria a diferença na história do Ministério da Cultura, e aglutinaria os mais diversos segmentos ao seu redor: Danilo Santos de Miranda."
Danilo Miranda, diretor do Sesc São Paulo, é um nome sempre recorrente em época de crise no MinC. Anteriormente, ele se mostrava reticente, mas agora diz a interlocutores que, se convidado, aceitaria. Quarta-feira, em São Paulo, na festa dos 25 anos do Itaú Cultural, o ator Dan Stulbach disse que "se ministro da Cultura fosse eleito pelo voto direto, Danilo Miranda teria o meu voto". Mas outros nomes também estão sendo lançados por diversos grupos, entre eles o da atriz Carla Camurati (diretora do Teatro Municipal do Rio de Janeiro) e o da historiadora Rosa Maria Araújo, do MIS carioca (irmã do novelista Gilberto Braga e parceira de Sergio Cabral no musical Sassaricando).
São manifestações desinibidas, calcadas no fato de que Ana de Hollanda desfruta hoje de uma rara unanimidade negativa. A gota d’água, na semana passada, foi a revelação (pelo blog Farofafá) de que o MinC advogou em favor do Escritório de Arrecadação e Distribuição de Direitos (Ecad) em um processo no qual a instituição autoral é acusada de cartelização e gestão fraudulenta. O processo está em julgamento no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O Ministério da Cultura recusou-se a comentar o caso.
Por causa da denúncia, baseada em documento enviado pelo MinC ao Ministério Público Federal, a ministra foi convidada a se explicar no Senado. Ainda não disse se vai aceitar o convite. Caso aceite, dificilmente terá argumentos para convencer os senadores, já que está demonstrada sua defesa do Ecad (denunciado pelo próprio governo, por meio do Ministério da Justiça). Caso não aceite, poderá municiar ainda mais a oposição à sua gestão, corroborando acusações.
É uma associação desconfortável para o governo. A revista IstoÉ revelou essa semana que a CPI do Senado que investiga o Ecad deverá propor, em seu relatório final, daqui a um mês, o indiciamento de quatro dos seus diretores por formação de quadrilha, cartel e apropriação indébita.
Há rumores também que o isolamento da ministra causa uma caça às bruxas dentro da própria estrutura do ministério. Desde que assumiu, há 14 meses, Ana de Hollanda já demitiu dois chefes de Comunicação de sua assessoria, creditando aos subordinados os problemas de suas relações com a imprensa. Também se diz que ela e o homem que viabilizou seu nome para o MinC, Antonio Grassi (atual presidente da Funarte), só se falam agora de forma protocolar – na sexta, a ministra desautorizou nota oficial da Funarte informando que ela e seu secretário executivo, Vitor Ortiz, participariam de encontro da Funarte no Rio.
A ministra procura se afirmar tocando uma agenda "positiva". Antecipou editais do Fundo Nacional de Cultura de R$ 133 milhões – mas sem revelar o fato de que os editais não são um investimento extraordinário, apenas o adiantamento de uma agenda, já que, em julho, por conta da legislação eleitoral, será proibido destinar recursos a Estados e municípios (pode caracterizar favorecimento político). Entretanto, nem uma palavra sobre o corte de R$ 440 milhões do orçamento de 2012 (R$ 105 milhões da verba direta e R$ 335 milhões em emendas parlamentares).
A situação, como se vê, é tensa, mas dois dos mais lidos colunistas das Organizações Globo (Jorge Bastos Moreno e Ricardo Noblat) garantiram sábado, sem meias palavras, que "Dilma já decidiu: Ana de Hollanda fica na Cultura". Mais lenha na fogueira.
Entrevista exclusiva com artista chinês Ai Weiwei é destaque da "Ilustríssima", Folha de São Paulo
Entrevista exclusiva com artista chinês Ai Weiwei é destaque da "Ilustríssima"
Matéria originalmente publicada no caderno de Ilustríssima do jornal Folha de São Paulo em 18 de março de 2012.
A edição da "Ilustríssima" desta semana traz na capa uma entrevista exclusiva com o artista e ativista chinês Ai Weiwei, um dos principais contestadores da ditadura comunista.
A entrevista, concedida ao correspondente da Folha em Pequim, Fabiano Maisonnave, representa um desafio à censura que as autoridades chinesas impuseram a Ai Weiwei, entre as quais não falar à imprensa estrangeira.
Ai Weiwei passou 81 dias preso no final do ano passado, sob acusação de sonegação de impostos. Na entrevista, ele alega não ter sido infomado dos motivos da prisão e afirma que o governo chinês não realizou um processo legal.
Ai Weiwei tornou-se conhecido mundialmente após fazer de seu blog uma plataforma de oposição ao governo. Com o blog retirado do ar, prosseguiu a contestação em seu trabalho artístico e foi sucessivas vezes retaliado.
Reprodução
Capa da edição da "Ilustríssima" deste domingo, de 18 de março, produzida pelo cartunista Laerte Coutinho
A entrevista, realizada em seu ateliê, permanentemente vigiado pelo governo chinês, ainda fala do pai de Ai Weiwei, um poeta de renome que caiu em desgraça e foi enviado com a família para a região conhecida como "pequena Sibéria", onde os Ai passaram 16 anos. Entre outros assuntos, fala também do iPhone, objeto de desejo em todo o mundo (usado pelo próprio artista) que é fabricado em condições que Ai Weiwei chama de "escravidão".
EXPOSIÇÃO
A obra de Ai Weiwei pode ser conhecida na retrospectiva "Entralacs" (Entrelaços), atualmente em cartaz no museu Jeu de Paume, em Paris. A exposição reúne grande número de fotografias e vídeos, além de tuítes e postagens feitas em seu blog.
O editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, esteve no Jeu de Paume e comenta a exposição em texto na "Ilustríssima".
Veja aqui algumas imagens da exposição
Para Dávila, a mostra deixa algumas questões sem resposta, como a imprecisa delimitação entre o que é artístico e o que é político em seus trabalhos. Outro ponto de dúvida é a possível condescendência de críticos, curadores e do público com as contradições de um artista que, embora perseguido pelo regime, colaborou muito recentemente com ele, ao participar do projeto do estádio Ninho de Pássaro, construído para os Jogos Olímpicos de Pequim.
Para ilustrar a capa, a "Ilustríssima" convidou um artista brasileiro cujo trabalho vem ganhando forte conotação política: o cartunista Laerte Coutinho.
Morre aos 40 anos o poeta Ericson Pires, O Globo
Morre aos 40 anos o poeta Ericson Pires
Matéria originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 17 de março de 2012.
Internado há um mês com pancreatite aguda, ele será enterrado às 15h deste sábado, no Catumbi
RIO - Nascido na Rua Gomes Freire, no coração da Lapa, em 1971, Ericson Siqueira Pires era um corpo em constante movimento pela cidade. Poeta, performer, ator, músico, produtor e agitador cultural, além de mestre e doutor em Literatura pela PUC-RJ, Ericson foi um dos fundadores do CEP 20.000, ao lado de Guilherme Zarvos e Ricardo Chacal, criador do coletivo musical HAPAX, um combo auto-denominado “grupo de afro-industrial”, do coletivo RRRadical e participante de uma série de outros. Militante ativo nas artes, na política e no cotidiano urbano da cidade, lançou como poeta os livros “Cinema de garganta” (Azougue, 2002) e “Pele tecido” (7 Letras, 2010).
No primeiro, a inquietação e o lirismo potente do autor saltava de poemas que mesclavam prosa narrativa e versos de teor fabular. Ele também flertava com as artes plásticas em poemas iconográficos que dialogavam com ilustrações, num fluxo livre que apontava uma das marcas do pensamento e da ação de Ericson, o compromisso com “a instantaneidade do instante do instante”, também evidenciado em “Pele tecido”, amostra poética de toda volatilidade, urgência, risco e beleza de um corpo colocado inteiro e ativo a serviço de uma experimentação da vida.
“O homem dança. O homem descobre a poesia para aconchegar a fúria. O homem é também política”, escreveu Guilherme Zarvos.
Faixa-preta e ex-professor de jiu-jitsu, Pires fazia da arte ação, luta, resistência e estratégia de combate. Fruto de suas andanças pela urbe nasceu também o livro “Cidade ocupada” (Aeroplano, 2007), um manifesto em defesa da arte urbana como forma de resistência, um escrito que partia de suas aventuras e vivências em coletivos artísticos. O autor defendia uma ocupação da cidade com expressões coletivas, de múltiplas vertentes, que pudessem diluir as barreiras entre a arte dos centros e da periferia.
Filiado à academia, Ericson deixou trabalhos importantes como o livro “Zé Celso Oficina-Uzyna de corpos” (Editora Annablume, 2004), desdobramento de sua dissertação de mestrado entregue ao departamento de Letras da PUC-RJ. Foi também pesquisador do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da UFRJ e professor adjunto do Instituto de Arte da UERJ.
Ericson Siqueira Pires estava internado há um mês, logo após ter sido diagnosticado com uma pancreatite aguda. Ele faleceu às 4h deste sábado, no Hospital Universitário Pedro Ernesto, em decorrência de complicações em seu quadro. O corpo será enterrado neste sábado, às 15h, no cemitério do Catumbi.
Lygia Pape ganha novo sentido em tempos de revolução política por Silas Martí, Folha de São Paulo
Lygia Pape ganha novo sentido em tempos de revolução política
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno de Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 17 de março de 2012.
Numa era de revoluções em praça pública, como as que abalaram o mundo no ano passado, a obra de Lygia Pape nunca esteve tão atual.
Enquanto o museu Reina Sofía abria há pouco menos de um ano em Madri a retrospectiva da artista que chega hoje à Estação Pinacoteca, os chamados indignados ocupavam a praça do Sol no coração da capital espanhola.
Pape, morta aos 77 em 2004, teria visto naquela ocupação um exemplo do que fotografou ao longo da vida como "Espaços Imantados", lugares na cidade com um poder de atração magnético, pontos fulcrais de vida e movimento na trama urbana.
Mas tanto nos experimentos mais formais, como desenhos e gravuras de abstrações geométricas, quanto nas performances sensoriais que arquitetou, Pape buscava uma fusão entre arte e vida.
Divulgação
Xilogravuras sobre papel japonês da série 'Tecelar', de Lygia Pape, na Estação Pinacoteca
Em seu "Livro do Tempo", megainstalação composta de 365 quadros coloridos, todos variações geométricas de um quadrado, Pape faz justamente isso: funde a passagem do tempo, um ano, à mutação das formas no espaço.
Sua disposição no museu também induz à caminhada, dando a sensação de marcha e progresso e, ao mesmo tempo, de insignificância diante da extensão dos quadrados que se alastram pela parede.
"Ela faz esse 'livro' pensando no sentido rítmico das palavras", diz Manuel Borja- Villel, curador do Reina Sofía. "É como uma dança."
Essa elasticidade, uma alternância entre forma abstrata e presença potente e física no mundo, marca toda a obra da artista. Nada ali é ornamento, acessório ou gratuito.
Quando cobriu uma multidão com um enorme manto branco, deixando buracos para as cabeças, Pape criou a imagem contundente de corpos separados da razão, cabeças decepadas no momento mais crítico da política nacional --1968, ano do AI-5.
Registros dessa performance, que aconteceu pela primeira vez nos jardins do Museu de Arte Moderna do Rio e depois foi repetida em Nova York, Madri e São Paulo, estão na mostra da Pinacoteca.
"Uma obra dessas nunca está fechada", diz Borja- Villel. "Tanto a política quanto as formas abstratas fazem parte da ética do questionamento, uma atitude vital."
Numa quase ilustração dessa arte vital, Pape se fechou num cubo e saiu dele, rompendo suas faces, na performance "O Ovo", de 1967.
Ou seja, no ano em que despontou a tropicália, Pape fez o trabalho que ajudou a enquadrar sua obra no que alguns críticos chamam de modernidade tropical, a forma como brasileiros, antropofágicos ou não, distorceram cânones artísticos de europeus e norte-americanos.
"Precisou passar um certo tempo para que se pudesse entender Lygia Pape", diz o curador. "Ela questiona a essência de todos os cânones."
Lygia Pape - Espaço Imantado, Estação Pinacoteca, São Paulo - SP, 18/03/2012 a 13/05/2012
