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Como atiçar a brasa

 


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março 31, 2020

A Conspiração Dos Perdedores por Paul B. Preciado, ArtForum e seLecT

A Conspiração Dos Perdedores

Tradução de Luana Fortes para a revista seLecT do artigo de Paul B. Preciado originalmente publicado na revista ArtForum em 26 de março de 2020.

[scroll down for English version]

Eu fiquei doente em Paris na quarta-feira, 11 de março, antes do governo francês decretar o confinamento da população, e quando me levantei em 19 de março, pouco mais de uma semana depois, o mundo havia mudado. Quando fui para a minha cama, o mundo era unido, coletivo, viscoso e sujo. Quando saí da cama, ele havia se tornado distante, individual, seco e higiênico. Durante a doença, eu não pude avaliar o que estava acontecendo desde um ponto de vista político e econômico porque a febre e o desconforto tomou conta de minha energia vital. Ninguém pode ser filosófico com a cabeça explodindo. De tempos em tempos, eu assistia os noticiários, o que apenas aumentava meu descontentamento. A realidade era indistinguível de um sonho ruim e a primeira página dos jornais era mais desconcertante do que qualquer pesadelo causado por minhas desilusões febris. Por dois dias completos, como uma receita anti-ansiedade, decidi não entrar em nenhum site. Atribuo a minha cura a isso e a óleo essencial de orégano. Eu não tive dificuldade respiratória, mas era difícil de acreditar que continuaria respirando. Eu não tive medo de morrer. Eu tive medo de morrer sozinho.

Entre a febre e a ansiedade, pensei comigo mesmo que os parâmetros do comportamento social organizado haviam mudado para sempre e não poderiam mais ser modificados. Sentia isso com tamanha convicção que ela perfurava meu peito, mesmo quando minha respiração parecia melhorar. Tudo conservaria para sempre a nova forma que as coisas adquiriram. De agora em diante, nós teríamos acesso às cada vez mais excessivas formas de consumo digital, mas nossos corpos, nossos organismos físicos, seriam privados de todo contato e toda vitalidade. A mutação se manifestaria como uma cristalização da vida orgânica, como a digitalização do trabalho e do consumo e como a desmaterialização do desejo.

Aqueles que eram casados estavam agora condenados a viver 24 horas por dia com a pessoa com quem casaram, se amando ou se odiando, ou ambos ao mesmo tempo — o que, incidentalmente, é o caso mais típico: casais são governados por uma lei da física quântica, de acordo com a qual não existe oposição entre termos contrários, mas sim uma simultaneidade entre fatos dialéticos. Nesta nova realidade, aqueles entre nós que perderam o amor ou que não o encontraram a tempo — quer dizer, antes da grande mutação do COVID-19 – estão condenados a passar o resto de suas vidas completamente sozinhos. Nós sobreviveríamos, mas sem toque, sem pele. Aqueles que não ousaram falar que amam a pessoa que amam, não poderiam mais ter contato com ela. Mesmo que pudessem expressar seu amor, teriam que agora viver para sempre com a antecipação impossível de um encontro físico que nunca ocorreria.

Aqueles que escolheram viajar permaneceriam para sempre do outro lado da fronteira e os prósperos que foram para a praia ou para o interior passar o período de confinamento em suas agradáveis segundas casas (coitados!) não poderiam nunca mais retornar à cidade. Suas casas seriam requisitadas para acomodar os sem teto, que, de fato, ao contrário dos ricos, vivem em tempo integral na cidade. Sob a nova e imprevisível forma que as coisas tomaram após o vírus, tudo seria imutável. O que parecia um confinamento temporário continuaria pelo resto de nossas vidas. Talvez as coisas mudassem novamente, mas não para aqueles de nós com mais de 40 anos de idade. Essa era a nova realidade. A vida após a grande mutação. Eu então me perguntei se valeria a pena viver a vida dessa forma.

A primeira coisa que eu fiz quando saí da cama depois de ter ficado doente com o vírus por uma semana que foi tão vasta e estranha quanto um novo continente, foi perguntar a mim mesmo esta pergunta: Sob quais condições e de que maneira valeria a pena viver? A segunda coisa que fiz, antes de encontrar uma resposta a esta pergunta, foi escrever uma carta de amor. De todas as teorias da conspiração que eu havia lido, a que havia me iludido mais era uma que dizia que o vírus havia sido criado em um laboratório para que todos os perdedores do mundo pudessem voltar com seus ex-namorados — sem necessariamente estarem obrigados a voltar com eles.

Repleto do lirismo e da ansiedade acumulada durante uma semana estando doente, com medo e incerteza, a carta para a minha ex era não só uma poética e desesperada declaração de amor, mas sobretudo um documento vergonhoso àquele que o havia assinado. Mas se as coisas não pudessem mais mudar, se aqueles que estavam longe não pudessem nunca mais se tocar, qual era a importância de ser ridículo assim? Qual era a importância de agora falar à pessoa que você ama que você a ama, ainda mais sabendo que muito provavelmente ela já te esqueceu ou te substituiu e que você nunca poderia vê-la novamente em todo caso? O novo estado das coisas, em sua escultural imobilidade, conferiu um novo nível de que porra é essa, mesmo em sua própria ridicularidade.

Escrevi à mão aquela carta delicada e terrivelmente patética, coloquei-a em um envelope branco e nele, com minha melhor caligrafia, escrevi o nome e endereço de minha ex. Me vesti, coloquei uma máscara, coloquei luvas e sapatos que havia deixado na porta, e desci até a entrada do prédio. Lá, em acordo com as regras do confinamento, não saí até a rua, mas me dirigi até a área do lixo. Abri o lixo amarelo e coloquei a carta para minha ex lá dentro — o papel era realmente reciclável. Voltei lentamente para o meu apartamento. Deixei meus sapatos na porta. Entrei, tirei minhas calças e as coloquei numa sacola plástica. Tirei minha máscara e a coloquei na varanda para tomar um ar. Tirei minhas luvas e as joguei fora. Lavei minhas mãos por intermináveis dois minutos. Tudo, absolutamente tudo, foi feito da forma que as coisas haviam tomado depois da grande mutação. Voltei a entrar em meu computador e abri meu e-mail: e lá estava, uma mensagem dela, chamada: “Eu penso em você durante a crise do vírus”.

Paul B. Preciado é filósofo, curador e ativista trans.


The losers conspiracy

I got sick in Paris on Wednesday, March 11, before the French government ordered the confinement of the population, and when I got up on March 19, a bit more than a week later, the world had changed. When I went to my bed, the world was close, collective, viscous, and dirty. When I got out of bed, it had become distant, individual, dry, and hygienic. During the sickness, I was unable to assess what was happening from a political and economic point of view because the fever and the discomfort took hold of my vital energy. No one can be philosophical with an exploding head. From time to time, I would watch the news, which only increased my discontent. Reality was indistinguishable from a bad dream, and the front page of the newspapers was more disconcerting than any nightmare brought on by my feverish delusions. For two whole days, as an antianxiety prescription, I decided to not visit a single website. I attribute my healing to that and to oregano essential oil. I did not have difficulty breathing, but it was hard to believe that I would continue breathing. I was not scared of dying. I was scared of dying alone.

Between the fever and the anxiety, I thought to myself that the parameters of organized social behavior had changed forever and could no longer be modified. I felt that with such conviction that it pierced my chest, even as my breathing became easier. Everything will forever retain the new shape that things had taken. From now on, we would have access to ever more excessive forms of digital consumption, but our bodies, our physical organisms, would be deprived of all contact and of all vitality. The mutation would manifest as a crystallization of organic life, as a digitization of work and consumption and as a dematerialization of desire.

The first thing I did when I got out of bed after having been sick with the virus for a week that was as vast and strange as a new continent, was to ask myself this question: Under what conditions and in which way would life be worth living?

Those who were married were now condemned to live twenty-four hours a day with the person they had wedded, whether they loved each other or hated each other, or both at the same time—which, incidentally, is the most typical case: Couples are governed by a law of quantum physics according to which there is no opposition between contrary terms, but rather a simultaneity of dialectical facts. In this new reality, those among us who had lost love or who had not found it in time—that is, before the great mutation of COVID-19—were doomed to spend the rest of our lives totally alone. We would survive but without touch, without skin. Those who had not dared to tell the person they loved that they loved them could no longer make contact with them even if they could express their love and would now have to forever live with the impossible anticipation of a physical encounter that would never take place. Those who had chosen to travel would forever stay on the other side of the border, and the wealthy who went seaside or to the country so as to spend the confinement period in their pleasant second homes (poor them!) would never be able to return to the city. Their homes would be requisitioned to accommodate the homeless, who, indeed, unlike the rich, lived full-time in the city. Under the new and unpredictable form that things had taken after the virus, everything would be set in stone. What seemed like a temporary lockdown would go on for the rest of our lives. Maybe things would change again, but not for those of us over the age of forty. That was the new reality. Life after the great mutation. I therefore wondered if life like this was worth living.

The first thing I did when I got out of bed after having been sick with the virus for a week that was as vast and strange as a new continent, was to ask myself this question: Under what conditions and in which way would life be worth living? The second thing I did, before finding an answer to that question, was to write a love letter. Of all the conspiracy theories I had read, the one that beguiled me the most is the one that says that the virus was created in a laboratory so that all the world’s losers could get back their exes—without really being obliged to get back together with them.

Bursting with the lyricism and anxiety accumulated over a week of being sick, afraid and uncertain, the letter to my ex was not only a poetic and desperate declaration of love, it was above all a shameful document for the one who had signed it. But if things could no longer change, if those who were far apart could never touch each other again, what was the significance of being ridiculous in this way? What was the significance of now telling the person you love that you loved them, all while knowing that in all likelihood she had already forgotten you or replaced you, if you would never be able to see her again in any case? The new state of things, in its sculptural immobility, conferred a new degree of what the fuck, even in its own ridiculousness.

I handwrote that fine and horribly pathetic letter, I put it in a bright white envelope and on it, in my best handwriting, I wrote my ex’s name and address. I got dressed, I put on a mask, I put on the gloves and shoes that I had left at the door, and I went down to the entrance of the building. There, in accordance with the rules of confinement, I did not go out into the street; rather I headed toward the garbage area. I opened the yellow bin and I placed the letter to my ex in there—the paper was indeed recyclable. I slowly went back to my apartment. I left my shoes at the door. I went in, I took off my pants and I placed them in a plastic bag. I took off my mask and I put it on the balcony for it to air out; I took off my gloves, I threw them in the garbage and I washed my hands for two unending minutes. Everything, absolutely everything, was set in the form it had taken after the great mutation. I went back to my computer and opened my email: and there it was, a message from her entitled, “I think of you during the virus crisis.”

Paul B. Preciado is a philosopher, a curator, and a trans activist. An Apartment on Uranus: Chronicles of the Crossing, a collection of his columns between 2013 and 2018 for Libération and other media outlets, was published in 2019 by Semiotext(e).

Translated from French by Molly Stevens.

Posted by Patricia Canetti at 12:01 PM