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julho 9, 2012
Ousadias da Infância nas leituras de três artistas por Fábio Marques, Diário do Nordeste
Ousadias da Infância nas leituras de três artistas
Matéria de Fábio Marques originalmente publicada no caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 9 de julho de 2012.
Nem regras, nem perigo, nem limites para a realidade e os sonhos. O mundo sob a perspectiva da infância é um lugar onde se permite transgredir essas amarras da vida adulta com a naturalidade de quem as desconhece. Na exposição “Infância”, em cartaz até o dia cinco de agosto no Centro Cultural Banco do Nordeste de Fortaleza, três artistas com obras e origens distintas traçam seu recorte sobre este universo e transportam o público para seus dias de ousadia infantil.
“Eles não impõem essa visão da infância, mas criam a atmosfera que a sugere”, arrisca o curador da mostra, Moacir dos Anjos, que aproximou o trabalho dos três artistas em torno dessa ideia de infância como “um lugar quase utópico, onde os condicionantes da vida adulta ainda não estão marcados”.
A mostra reúne obras da artista norte-americana, Nan Goldin, do mineiro Cao Guimarães e da carioca Paula Trope. Embora os três trabalhem com recursos audiovisuais, possuem trabalhos em linhas e propostas bastante distintas.
“A ideia da exposição surgiu quando vi o trabalho da Nan Goldin em Londres. Fiquei encantado por essa visão da infância que ele induzia. Lembrei do trabalho desses outros dois artistas, que eu já conhecia e resolvi aproximar os trabalhos para levantar estas questões”, remonta o curador. Em exposição, vídeos e projeções fotográficas.
Obras
Inspiradora da exposição, a projeção “Fire Leap” (de 2010), de Nan Goldin, reúne fotografias da família, de amigos da artista e dos filhos destes amigos em momentos diversos de suas intimidades. São dezenas de imagens recolhidas entre 1970 e o ano 2000, divididas por tema e acompanhada de músicas com vocais infantis.
“As imagens projetadas enfatizam sempre um aspecto da infância. Desde mulheres gravidas e nascimentos, passando pela relação dos filhos com os pais, das crianças entre si”, ilustra. As fotos mostram ainda crianças em situações introspectivas, mais melancólicas, contrapondo ideia da infância como algo sempre exuberante.
Moacir chama atenção para a diferença desta série em relação a outros trabalhos da artista, pela ausência de sinais de violência ou angústia, que permeiam as fotografias de Nan quando o universo adulto está em foco.
De Cao Guimarães, cineasta e artista plástico de Belo Horizonte, compõem a exposição os vídeos “Da Janela do Meu Quarto” (2004), com cinco minutos de duração e “ “Peiote” (2007), com quatro, ambos rodados em Super-8. “O Cao traz dois trabalhos que te colocam diante desse universo infantil que rompe essas classificações rígidas sobre as coisas” argumenta. Com cenas filmadas ao acaso pelo autor, o primeiro filme, de 2004, traz a imagem de duas crianças na rua em meio a uma chuva. “Não se sabe se eles estão brincando ou brigando.
Tudo fica ali misturado na lama, se desmanchado na lama”, desvenda. O outro trabalho, “Peiote”, retrata uma criança dançando em meio a um grupo de dança folclórica no México. “A criança que se mete na apresentação.
Ela começa tentando imitar os dançarinos e no final se desliga disso e cria uma dança dela própria, subvertendo espaço dos dançarinos adultos. Ignora as regras que estão sendo seguidas pelos adultos”, reflete o curador.
Fechando o ciclo, Paula Trope apresenta também dois trabalhos. “Contos de Passagem” (2001) e “Traslados” (1996-1998). O primeiro, é um documentário focado entrevistas feitas com crianças que moravam nas ruas do Rio de Janeiro no início do ano 2000. O segundo, traz pares de fotografia projetados na parede, onde de uma lado estão crianças brasileiras, tiradas em poses espontâneas, e do outro crianças cubanas interagindo com as fotos originais. “Ela levou fotos para Havana em 1997 e pediu para as crianças escolherem uma das fotos e posarem de uma forma que dialogassem com as brasileira. Quase como intercambio, uma aproximação entre dois mundos distante”, explica Moacir.
Transgressão
A iniciativa faz parte do projeto Política da Arte, realizada pela Fundação Joaquim Nabuco e trazida a Fortaleza por meio de parceria com o CCBNB. Moacir dos Anjos argumenta que todas estas questões levantadas pelas obras guardam como pano de fundo um caráter político, que é o foco do projeto. “Fazem lembrar que nosso mundo adulto não necessariamente tem que ser o que é. Outros futuros, lá atrás eram possíveis”, diz.
Mesmo a infância sofrida, que é retratada por Paula Trope em “Contos de Passagem”, destrincha o curador, mostra a capacidade destas crianças de imaginar outros futuros para elas. “Futuros que olhando do ponto de vista adulto são difíceis de serem atingidos, mas ali, naquele momento, elas têm essa capacidade de imaginar”, completa. A exposição já passou por Recife e, ainda este ano, deve ir para Salvador e, em seguida,
São Paulo.