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março 26, 2014

Antonio Manuel: ‘Foi como se me mutilassem’ em depoimento a Audrey Furlaneto, O Globo

Antonio Manuel: ‘Foi como se me mutilassem’

Depoimento dado a Audrey Furlaneto originalmente publicado no jornal O Globo em 23 de março de 2014.

O artista plástico, 66 anos, era adolescente e trabalhava numa agência de publicidade quando a ditadura começou

RIO — Era como se o tempo estivesse fechando. Tudo escureceu, o clima ficou denso. Eu tinha 16 anos, estava buscando uma direção para meu trabalho. Ouvi pelo rádio quando anunciaram que havia ocorrido um golpe militar. Lembro-me do zunzum, os vizinhos conversando em voz baixa, as rádios noticiando o golpe. Era uma espécie de feriado fascista.

Nessa época, eu fazia obras sobre papéis diversos e trabalhava numa agência de publicidade. Foi lá que tive uma maior consciência política, convivendo com colegas desenhistas, redatores que auxiliavam o jornal do Partido Comunista, intelectuais de esquerda e pensadores.

Em 1966, ganhei meu primeiro prêmio, no Salão Paranaense de Belas Artes, com o trabalho “Domínio”, realizado sobre jornal. Minha obra já era política, de contestação ao poder religioso. O trabalho mostrava uma multidão de pessoas de boca aberta, ansiosas por milagres prometidos, enquanto padres rezavam a missa. A multidão carregava a bandeira do Brasil, como uma narrativa inconformista. Em 1967, os trabalhos ficaram mais politizados, mas foi em 1968 que senti de forma mais clara o impacto da violência da ditadura.

Naquele ano, fui selecionado para a 2º Bienal da Bahia. Até ali só existiam as bienais de São Paulo, Paris e Veneza. Eu mostraria um painel de quatro metros, com diversas imagens de jornais impressos em silk screen sobre um fundo vermelho, que tratava da violência de rua entre policiais e estudantes. No dia da inauguração, a Bienal da Bahia foi fechada pelo Exército, e o painel desapareceu. Até hoje, nunca me foi devolvido. Nesse painel estava escrito, entre outras coisas, “Repressão outra vez”. Na inauguração da bienal, o clima já era estranho, pessoas falando ao pé do ouvido e a sensação intensa de que algo iria acontecer. De repente, foram fechando as portas e fomos empurrados para o pátio do Convento da Lapa, em Salvador, onde ocorreria a bienal, e soubemos que, sim, algo acontecia: ela fora invadida pelo Exército e, em seguida, fechada.

No pátio, artistas, críticos e o público discutíamos o que fazer. Alguns sugeriam que as obras fossem cobertas com uma tarja preta, outros queriam retirar. Eu estava lá, inconformado, quando alguém me disse que tinham retirado meu trabalho da parede, assim como as obras de Teresa Simões e Antônio Lima Dias. Foi uma sensação de vazio, de impotência. Aliás, não me lembro de outra ocasião em que tenha sentido medo como naquela bienal. Naquele mesmo dia vi no “Jornal da Bahia” a manchete “Arsenal apreendido em aparelho político” e, ao lado, a foto da serigrafia do Che Guevara, que eu havia realizado tempos antes, na parede do apartamento.

A situação para mim ficou perigosa, não só pelo fechamento da bienal, mas também pela notícia do jornal. Wanda Pimentel, artista e amiga, me levou até a rodoviária. Com medo de ser denunciado ou preso no ônibus, ou que desaparecessem comigo no trajeto até o Rio, escrevi em um papel nome, telefone e endereço e um relato da situação na qual viajava, e guardei o depoimento dentro de uma caixa de fósforos. Fiz todo o trajeto de volta acordado e segurando a caixa porque, caso acontecesse algo, eu a largaria discretamente no chão, na esperança de que alguém a encontrasse.

Jornalista escondeu obra

Em 1969, fui convidado para participar da pré-Bienal de Paris, mostra no MAM que serviria para selecionar as obras dos artistas que iriam a Paris. Infelizmente, a exposição não chegou sequer a ser inaugurada. Na montagem, o general Montana foi ao MAM com vários militares armados. Meus trabalhos eram panos pretos que cobriam painéis vermelhos com imagens de violência de rua. O espectador puxava uma corda, levantava o pano e revelava a imagem da violência. Cinco painéis como esses foram selecionados, mas infelizmente não puderam viajar, pois a mostra foi brutalmente invadida e fechada pelo Exército.

A jornalista Niomar Muniz Sodré, que eu não conhecia pessoalmente, telefonou-me pedindo que fosse encontrá-la no “Correio da Manhã”. Contou que, ao saber do caso, pediu aos funcionários do MAM que escondessem as obras. Eu estava sentado no sofá quando ela me disse: “Olhe, seus trabalhos estão atrás de você”. A obra estava sendo procurada, e Niomar a tinha escondido em sua sala de trabalho.

Então, o crítico Mario Pedrosa, que era jurado da pré-seleção, organizou um grande boicote à Bienal de São Paulo, para demonstrar a situação de exceção que vivia o país. Pedrosa depois foi perseguido e exilado no consulado do Chile, por divulgar notícias da repressão no Brasil.

Sempre me recordo desse dia no MAM com muita tristeza. Foi como se me mutilassem. Uma obra de arte é parte da alma e do espírito do artista, uma extensão de seu pensamento, e é como se tivessem arrancado isso de mim de forma brutal. Não há palavras para descrever tamanha violência.

*Em depoimento a Audrey Furlaneto

Posted by Patricia Canetti at 3:08 PM