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abril 5, 2012
Sobre o barro do Rio por Fabiana Marques, Diário do Nordeste
Sobre o barro do Rio
Meia tonelada de barro recobre a galeria do CCBNB na exposição "Rito", da artista plástica Sabyne Cavalcanti
Matéria de Fabiana Marques originalmente publicada no Caderno 3 do Diário do Nordeste em 5 de abril de 2012.
Sujar os pés, as meias ou o sapato, ficar de fora observando ou tentar outra opção com os organizadores... Já na entrada, a exposição "Rito", da artista plástica Sabyne Cavalcanti, desafia o público: como se relacionar com a meia tonelada de barro que recobre a galeria de exposição do Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB)? Inaugurada na última terça-feira, dia 3, a mostra reúne obras cunhadas com barro, ferro e capim, dispostas sobre um ambiente que é também cria da artista. Há cinco anos ela reside entre as louceiras do município de Cascavel (há 64 km de Fortaleza).
Em dez anos criando e experimentando matérias primas em seu estado mais bruto, como o barro e a pedra, lançando mão ainda de elementos como a ferrugem e mesmo de gramas vivas, Sabyne já compôs obras como a Casa Oca, exposta na Praça Verde do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, onde anéis em diferentes níveis eram escavados na terra ao passo que eram postos em relevo ao lado recobertos de grama.
Individual
Desta vez, em sua primeira individual, ela intervém no espaço tradicional da galeria, acostumada a ambientes amplos e abertos, modificando a dinâmica e a caracterização do salão. "Ela age não só no museu mas age sobre o tempo do museu. Isso que é mais importante. O museu convencional, no máximo, pinta as paredes para receber quadros. Aqui está cheio de areia, um monte de areia que chega pra que? Para nada, não vai construir nada", problematiza o curador da exposição, Solon Ribeiro.
Espalhado ainda um pouco mole sobre o piso do CCBNB, o barro compõe com imensos anéis de ferro uma realidade áspera, seca, "árida como está o tempo em que vivemos", como compara Sabyne, que ao longo dos dias da exposição será experimentada pelo público que a visita.
O museu é transformado em um laboratório de experimentação pela artista, pelos cuidadores da galeria e pelo público. "O que a gente chamava de público é agora, pelo menos, um participador. O estatuto do antigo público muda. Ele vai ter que optar", argumenta o curador, sobre a impossibilidade do público se manter neutro diante da questão que lhe é posta. "O público quando chega não é para contemplar, chega para viver", completa Solon.
Louceiras
Tanta terra se justifica. Em contato estreito com a arte das louceiras de Cascavel e mais intensamente de Beberibe, Sabyne transporta para a galeria o elemento essencial na vida dessas comunidades e dá forma a uma nova paisagem. "Trazendo o barro, eu trouxe o Rio Choro (Beberibe) e o Rio Mal Cozinhado (cascavel). Com essa constância de estar lidando com esse material, me surgiu de criar esse espaço", ilustra. Em uma sala, o chão foi recoberto com ramos de capim santo e citronela, completa a artista, na intenção de transportar o cheiro que lhe remete às comunidades.
Sabyne vive desde 2007 em Cascavel, onde fixou residência na comunidade de Moita Redonda, principal polo de artesanato em cerâmica da município, onde há gerações são produzidos potes, jarros, esculturas e outros utensílios. Após uma pesquisa feita junto às "senhoras do barro", Sabyne passou a trabalhar em um ponto de cultura da região. Em 2010, foi contemplada com o Prêmio "Interações Estéticas - Residências Artísticas em Pontos de Cultura", que a permitiu intensificar suas pesquisas junto a comunidade.
"Trabalhei a cor, a paisagem local, o grafismo deles, fiz gravuras utilizando a matriz em barro (impressas no papel em processo semelhante à xilogravura). O prêmio fortaleceu mais o meu convívio", conta. O "Rito" que dá título a exposição, explica, é experimentado nesta vivência cotidiana com as louceiras, na partilha dessas atividades para a criar com o barro.
Desafio
Uma semana atrás, o CCBNB começou a receber o barro de Cascavel e Beberibe, dois polos produtores de louça no Estado, sempre no período da noite. "A gente aceitou a exposição desta forma porque acredita que aqui é um espaço de experimentação também. Tanto em relação ao artista como o publico que pode experimentar outra forma de relação com a obra", ressalta a coordenadora de Artes Visuais do CCBNB, Jacqueline Medeiros.
As mudanças no cotidiano da casa, conta, começam pela montagem, quando é contratada uma mão de obra especializada para preparar o espaço. "Neste caso, é necessário força para o montador espalhar o barro. Exige outro perfil de equipe. O horário de montagem, o cuidado com o manuseio do barro, do pó, tudo é diferente", ilustra Jacqueline Medeiros.
E o esforço extra não para por ai. Sabyne propôs mudanças estruturais como, por exemplo, a retirada de uma parede do acabamento da galeria, expondo o concreto da estrutura. "O BNB também está ousando, na medida em que ele aceita. Qual o outro espaço desse no Brasil que aceitaria isso?", questiona Solon, respondendo ele mesmo que são poucas as iniciativas e espaços de arte no Brasil dispostos a mudanças como estas. "E quando a exposição terminar, será mais uma semana para retirar o barro", lembra.
Mais informações:
Exposição "Rito", individual de Sabyne Cavalcanti, em cartaz até o dia 12 de maio no Centro Cultural BNB (rua Floriano Peixoto, 941 - Centro). Mais informações: (85) 3464.3108)
FÁBIO MARQUES
REPÓTER
Cultura: propriedade comum ou mercadoria por Emir Sader, Carta Maior
Cultura: propriedade comum ou mercadoria
Matéria de Emir Saber originalmente publicada na Carta Maior em 2 de abril de 2012.
No momento em que se avança no processo de privatização na que já foi um marco na TV pública brasileira – a TV Cultura de São Paulo – e ainda persiste um mandato no Minc que promoveu graves retrocessos na política de propriedade comum e convive de forma promíscua com o Ecad, vale a pena recordar que um dos mais importantes debates contemporâneos se deu justamente sobre a natureza da cultura: propriedade comum ou mercadoria.
Foi uma longa e tensa discussão no âmbito da Unesco, em que os Estados Unidos defendiam a inespecificidade da cultura, como uma mercadoria a mais, que deveria ser submetida às normas do livre comércio e estar no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Não poderia haver visão mais mercantilizada da cultura, que aceleraria ainda mais o achatamento da diversidade cultural em beneficio dos modelos de consumo das potências centrais do capitalismo.
A posição - que finalmente triunfou - considera a especificidade da cultura como forma de definir as distintas identidades dos países, dos povos, das nações, que requer tratamento e proteção especifica. Por detrás do debate estava a contraposição entre a cultura como mercadoria e a cultura como patrimônio da humanidade, como propriedade comum. É a forma particular de refletir os grandes debates e dilemas contemporâneos entre esfera mercantil e esfera pública, entre neoliberalismo e pós-neoliberalismo, no plano da cultura.
Até o governo Lula predominou essa visão mercantil da cultura, de que um dos reflexos mais claros foi a Lei Rouanet de incentivo à cultura, em que o governo renuncia a seu papel de fomento da cultura e permite que empresas privadas deixem de pagar impostos para financiar atividades de propaganda das empresas, sem nenhum critério artístico. Ao invés de pagar seus impostos, as empresas privadas promovem sua imagem, em lugar do governo definir os critérios públicos de repartição de recursos.
O mandato do Gil e do Juca havia proposto reformulação da Lei de incentivo à cultura, que não avançou neste mandato, foi revista com os critérios que presidem esse mandato, de menor intervenção do poder público e de favorecimento dos mesmos mecanismos que presidem a lei ainda vigente.
A promiscuidade com o Ecad e a retirada do selo da propriedade comum vão na mesma direção, de ruptura com todos os avanços do mandato anterior, que fortaleceram o Minc no governo Lula e que projetaram uma imagem de governo dos mais avançados no mundo em termos de políticas culturais. A presença de um ministério fraco e sem apoio tem feito com que ressurjam teses de que os temas de propriedade e a própria Ancine deveriam estar subordinadas ao Ministério de Indústria e Comércio, formalizando os retrocessos sobre o caráter público da cultura.
É a mesma lógica de privatização da cultura que tem feito com que os tucanos destruam a melhor TV que o Brasil chegou a fazer, no auge da TV Cultura. Nas programações informativas, de debate politico, nas programações infantis, culturais – ela vai chegado a disputar audiência com a TV Globo em São Paulo. Os tucanos retiraram recursos e jogaram a TV Cultura na lógica de buscar recursos privados e, assim, ter que se submeter aos critérios das agências de publicidade e das empresas privadas, tirando paulatinamente o caráter diferenciado, público, da TV Cultura, até se chegar à desagregação de uma TV totalmente subordinada aos desígnios – e conflitos – internos do PSDB.
A luta pela eleição de um candidato alternativo em São Paulo, assim como por uma substituição no Minc que permita o resgate das políticas culturais de caráter público, é a mesma luta pela democratização da cultura e dos meios de comunicação no Brasil hoje.
O visível e o invisível no debate sobre a cultura por Rodrigo Guimarães Nunes, Carta Maior
O visível e o invisível no debate sobre a cultura
Matéria de Rodrigo Guimarães Nunes originalmente publicada na seção de Arte & Cultura da Carta Maior em 24 de março de 2012.
Deve-se pensar a política de cultura segundo um modelo ultrapassado que funcionava para poucos, ou um novo modelo que cria possibilidades para muitos? Deve-se pensar a partir dos “grandes” consagrados pelas antigas regras do jogo, ou dos “pequenos” e “médios” que jamais “chegarão lá” nos mesmos termos? Da perspectiva de reforçar um sistema que necessariamente cria exclusão e escassez, ou da expansão do número de produtores de cultura que conseguem viver de seu trabalho? A partir da base ou da ponta? O que incomoda é que o novo MinC, que deveria estar puxando esses debates, ou não os compreende, ou cria, sobre eles, uma confusão deliberada. O artigo é de Rodrigo Guimarães Nunes.
Rodrigo Guimarães Nunes
Cientes da amplitude do apoio às políticas da gestão anterior, os novos ocupantes do MinC têm se apressado em negar qualquer ruptura entre as gestões. Segundo a ministra Ana de Hollanda, “um governo de continuidade pode ter outros focos, o que não significa anular ou inverter o que foi feito.” O que é curioso – e preocupante – nessa tentativa de apresentar os novos rumos como continuação dos antigos é que, sempre que se fala destes, parece ser ou para criticá-los de forma velada, ou para elogiá-los por ser aquilo que não eram. Em outras palavras, talvez na ausência de uma nova agenda ou no temor de publicamente assumi-la, busca-se afirmar uma continuidade com algo que se demonstra desconhecer ou desaprovar.
É uma negação que, pelo jeito de negar, parece confirmar o que nega: “a dama protesta demais”, como disse a mãe de Hamlet, vendo-se representar numa peça de teatro. Justamente por isso convém, à maneira dos psicanalistas, escutar este discurso, para ouvir, naquilo que diz, o que deixa de dizer: o modo como organiza sua luz e suas sombras, como distribui o visível e o invisível.
Até aqui, a maior celeuma envolvendo a nova gestão é a do passo atrás na reforma do direito autoral. Não tanto (ou apenas) pela controvérsia própria ao tema, mas principalmente pela forma como nela se operou. Primeiro, retirando um anteprojeto de lei resultante de um debate de cinco anos, aberto a todos os interessados, com o pitoresco argumento de que este seria, ao mesmo tempo, amplamente desconhecido e rejeitado. Em seguida, substituindo a pessoa que acompanhou todo o processo pela Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI) por alguém com vínculos históricos com os maiores interessados em deixar a área como está: o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). (Se você quisesse conhecer melhor o trabalho que estava sendo feito antes de você chegar, retiraria do cargo quem melhor o conhecia?) A situação já foi comparada a botar um ruralista para cuidar da reforma agrária, mas se assemelha mais ao “tapetão” de nossos cartolas futebolísticos: onde o time que perdeu “em campo” (no debate de cinco anos) consegue, pela força de seu lobby, não somente marcar um novo jogo, mas indicar o juiz.
Mas não é preciso pôr em dúvida a sinceridade das declarações feitas até aqui para ver problemas sérios. A insistência em alegar ignorância sobre o anteprojeto como razão para retomar a discussão faz suspeitar que os novos responsáveis pela área simplesmente não estavam prestando atenção no que nela ocorreu nos últimos anos – o que necessariamente põe em questão seu preparo para assumi-la. E quando se ouve atenta para o visível e o invisível no discurso, a suspeita só faz se confirmar.
Por exemplo, na declaração da nova titular da DDI de que é preciso “achar um denominador comum” entre os “projetos fantásticos” do “pessoal da mídia livre, para aumentar o acesso à cultura, (...) e os autores”. Ou quando Antonio Grassi, presidente da Funarte, diz que “houve um momento em que se fomentou a importância de fazer inclusão social por meio da arte, e a excelência artística ficou em segundo plano”. Implícita, aqui, está uma distinção entre dois estratos e duas formas diferentes de atuação na área cultural. De um lado, temos os “autores”, indivíduos capazes de uma elaboração artística apurada (“excelência”), que necessita ser tornada mais acessível para o restante da população sem, contudo, pôr em risco sua capacidade de viver daquilo que fazem. Esses são os verdadeiros “produtores” de cultura. De outro lado, temos os difusores, que são mais exatamente prestadores de serviço: prestam o “fantástico” serviço de aumentar o acesso e fomentar a inclusão social por meio da cultura, mas não são realmente “produtores”.
O que há de errado com essa visão? Em primeiro lugar, ela demonstra a não-assimilação da verdadeira inovação da política cultural nos últimos oito anos: a de partir do princípio de que as condições tecnológicas presentes permitem uma democratização antes inimaginável dos meios de produção e circulação de artefatos culturais. Em outras palavras, a política das gestões anteriores do MinC nunca foi meramente de “democratização do acesso” ou de “inclusão social”, porque não visava oferecer as condições para a criação somente de consumidores, mas, principalmente, de produtores de cultura.
O desentendimento parece vir, em segundo lugar, de uma diferença de fundo na maneira de conceber a cultura. Porque, se o antigo MinC chegou a esse tipo de formulação, foi por ter partido do princípio que todos são, sempre, produtores de cultura, sem distinção hierárquica entre a vasta planície e aquele pequeno Parnaso habitado por uns poucos “autores” que, por seu dom de “excelência”, merecem o reconhecimento de todos.
Podemos explicar a diferença com uma metáfora: pode-se pensar a cultura ou como vazio, ou como plenitude. No primeiro caso, temos uma tabula rasa onde a cada tanto um “autor” vem depositar sua criação; essa se difunde, se imita, se dilui, se mistura a outras linhagens, até que um novo “autor” arranque “de seu íntimo” uma nova criação. No segundo caso, há produção e circulação constante, vinda de todos os lados; a “criação” nada mais é que uma recombinação inovadora de diferentes elementos já existentes, um efeito secundário da circulação de ideias, afecções e influências; e o grande “autor” é simplesmente aquele que faz, de uma ampla gama de influências e elementos, uma síntese mais relevante e cheia de significados. (Isso implica, com frequência, que também seja alguém com acesso a uma gama maior, o que é, claro, em parte socialmente determinado. Chico possivelmente ainda seria Chico se não fosse Buarque de Hollanda, mas dificilmente conseguiria ser Chico se fosse o mais reles Silva.)
As diferenças entre as implicações de cada posição podem ser vistas na prática. Reduzir a produção de cultura ao trabalho de um pequeno número de “autores” nos dá uma imagem falseada daquilo que é a cadeia de produção da cultura hoje, bem como quem são seus atores econômicos. A realidade dos pouquíssimos produtores de cultura que conseguem viver de direito autoral é tomada como padrão, e a verdadeira condição da grande maioria dos que trabalham e tentam ganhar a vida com a produção cultural é inteiramente apagada. Um cenário complexo, onde há “pequenos”, “médios” e “grandes” – e onde os grandes são a exceção – é achatado em favor de uma oposição simples entre o Parnaso dos “autores” e a planície dos “usuários”. Para seguir no campo das metáforas futebolísticas, é como pensar o mercado esportivo brasileiro a partir de Ronaldinho, e não da massa de jogadores espalhados em milhares de times pequenos Brasil afora.
Por extensão, também a imagem que se oferece do debate sobre direito autoral será invertida e mistificada. Segundo a ministra, “comentava-se muito no meio cultural que as mudanças estavam deixando o autor em uma situação frágil em vários aspectos”. Já para a nova diretora da DDI, “todo mundo quer ter acesso aos bens culturais (...), mas há pessoas que vivem e dependem desses direitos. Quem produz precisa ser remunerado.” Assim, uma questão que toca a todos que produzem e consomem cultura é transformada numa simples oposição entre “meio cultural” (os “autores”, que vivem de direito autoral) e consumidores (que querem tudo de graça).
A vantagem prática da concepção de cultura do antigo MinC fica clara: partindo dos princípios de que todos são produtores de cultura e de que as transformações tecnológicas são irreversíveis e precisam ter seu potencial produtivo explorado, é possível pensar a produção de cultura como ela realmente é – hoje, nas condições da produção pós-industrial – ao invés de como ela é para os poucos que “chegaram lá” (e conseguiram “ficar lá”) no antigo sistema industrial. Pensar o iceberg a partir não da ponta, mas da base; e eleger a base, não a ponta, como o foco da política pública.
A diferença entre as duas concepções de cultura que se confrontam ao redor do direito autoral não está, como sugere a nuvem de fumaça com que se tenta obscurecer a discussão, no fato de que a chamada “cultura livre” significaria “tudo de graça para todo mundo agora”. “Livre” como em “liberdade de expressão”, não como em “cerveja liberada” (“free” as in “free speech”, not as in “free beer”), como diz o velho lema do movimento de software livre, cujos membros costumam, justamente, ganhar a vida como produtores de software. Fazer-se de desentendido, argumentando que “quem vive de cultura têm direito a uma remuneração”, é mais que dizer o óbvio; é criar um falso debate, protestando contra algo que o anteprojeto não somente jamais propôs, como buscava maneiras de fazer – dentro da nova realidade.
O novo MinC sistematicamente esconde que a lei que se quer reformar é uma das mais restritivas do mundo. Também somem do debate, em passe de mágica igualmente sistemático, as pessoas que vivem de cultura e são a favor da reforma do direito autoral. Não a “arraia-miúda” que é invisível na concepção de cultura da atual gestão, mas gente que deveria contar mesmo na definição rarefeita de “meio cultural”: Ivan Lins, Jair Rodrigues, Ná Ozetti, Francis Hime, Fernanda Abreu e Roberto Frejat, por exemplo. Estes, reunidos no Manifesto da Terceira Via e no Grupo de Ação Parlamentar (GAP), explicitamente defendem “uma política que, sem criminalizar o usuário,
garanta a remuneração dos criadores e seus parceiros de negócios” e o “projeto de reforma da lei 9.610/98, conforme encaminhado em dezembro do ano passado à Casa Civil”. A estes, hoje fora do esquema da grande indústria cultural, somam-se fenômenos pós-industriais como as bandas Teatro Mágico e Móveis Coloniais de Acaju, que, através da internet, conquistaram um público fiel em todo o país sem passar por grandes gravadoras, pagar jabá ou tocar na televisão.
Por aí se vê que não apenas é possível viver de fazer cultura nas novas condições de produção, como que muitos dos que o fazem vêem nelas um potencial emancipador. Por quê? Porque elas representam a possibilidade de realizar aquilo que sempre foi, em potência, a natureza do bem cultural.
Este é, por definição, imaterial e não-escasso: se eu comparto uma ideia, eu não deixo de tê-la. O que a digitalização e a internet permitem é sua difusão em tempo e custo praticamente zero, eliminando a necessidade de materializar-se num objeto material escasso: livros, CDs, DVDs são coisas que, até recentemente, não podiam ser compartilhadas sem perda.
Quem é atingido nessa mudança, então, não é o “criador”, mas os “atravessadores” da indústria cultural. Enquanto o artefato cultural precisava se materializar num bem físico, o produtor de cultura dependia de uma indústria para fazer a intermediação com o público. Essa relação de dependência fazia com que nem autor, nem consumidor saíssem ganhando: a parte do leão ia para o atravessador, que financiava a produção (então muito mais cara), assegurava a divulgação (frequentemente por meio do jabá e da matéria paga) e a distribuição do bem escasso.
Artistas estabelecidos conseguem ganhar mesmo assim: quando o lucro é grande, mesmo uma divisão desigual pode ser vantajosa. Além disso, os produtos comerciais destes artistas costumam ser os mais aquinhoados pelo sistema de financiamento (público) da Lei Rouanet – cuja ironia sem graça é que se investe muito na produção comercialmente viável, e pouquíssimo na que corre riscos. Em outras palavras, se dá dinheiro para aquilo que já ganha dinheiro, e não para aquilo que, justamente, mais precisaria de investimento público. Com isso, o dinheiro do contribuinte financia, não necessariamente a “excelência”, mas certamente o lucro das grandes empresas atravessadoras.
As novas condições tecnológicas barateiam a produção e dão ao produtor a possibilidade de, na posse completa de seu próprio trabalho, chegar diretamente ao público. Isso pôs os atravessadores em crise, e é cada vez menos provável que alguém, hoje, “chegue lá” pelo velho sistema industrial. Quem quiser fazê-lo terá que negociar com departamentos de marketing cada vez menos afeitos aos riscos da “excelência”, e cada vez mais interessados no retorno garantido.
Cabe então perguntar: deve-se pensar a política de cultura segundo um modelo ultrapassado que funcionava para poucos, ou um novo modelo que cria possibilidades para muitos? Deve-se pensar a partir dos “grandes” consagrados pelas antigas regras do jogo, ou dos “pequenos” e “médios” que jamais “chegarão lá” nos mesmos termos? Da perspectiva de reforçar um sistema que necessariamente cria exclusão e escassez, ou da expansão do número de produtores de cultura que conseguem viver de seu trabalho? A partir da base ou da ponta? Essas são as coordenadas do debate que deveria estar se fazendo.
Se se faz a opção por uma concepção democratizante da produção cultural, são bem-vindas as questões sobre “excelência” e “profissionalização” (outro refrão do novo MinC, para falar da necessidade de alterar o funcionamento dos Pontos de Cultura). Se por “profissionalizar” se entende oferecer as condições para a massa de novos produtores de cultura constituírem redes sustentáveis de produção e difusão, introduzindo e adaptando mecanismos do Estado para suprir as necessidades que aí se impõem, não se pode deixar de aplaudir a ideia.
Da mesma forma, se por “excelência” se entende não o banzo do Parnaso perdido, mas uma preocupação com o significado e a relevância do que um contexto muito ampliado de produtores de cultura hoje produz, a demanda é oportuna. É verdade que ainda não apareceram sínteses potentes da incrível e salutaríssima disseminação dos últimos anos. Se pensamos no quanto o acesso à produção e à circulação se ampliaram, o debate cultural e político, de fato, caminha muito atrás da nova realidade. Se pensamos na riqueza do debate sobre as intersecções entre cultura, sociedade e política que se produziu no Brasil nos anos 1960 e 1970, não dá para não pensar que as transformações recentes ainda estão longe de serem elaboradas.
Mas, novamente, a questão é: como queremos chegar a essa elaboração? Partindo do princípio de que, agora que muito mais pessoas podem ter “uma câmera na mão”, o que cabe fazer é criar as condições para uma produção e circulação que nos ponham para pensar seriamente sobre quais são, poderiam ou deveriam ser, hoje, “as ideias na cabeça”? Ou seguir pensando a partir de um velho estado de coisas, onde “uma câmera na mão” era o privilégio de poucos, tivessem eles ou não uma “idéia na cabeça”? São os “autores”, a academia, os intelectuais de todos os tipos que devem dar olhos e ouvidos a esse processo de tomada da palavra, participar dele, e, ao lado de seus novos atores, ajudar a refleti-lo e elaborá-lo. A “excelência”, se vier, virá desse movimento de incorporar-se a essa nova realidade; não de uma auto-referência que, porque só vê a si mesma como produtora de cultura, não consegue enxergá-la.
Talvez mais do que as medidas já tomadas, o que incomoda é que o novo MinC, que deveria estar puxando esses debates, ou não os compreende, ou cria, sobre eles, uma confusão deliberada. Quando o ministério da Cultura (do PT!) e a bancada ruralista estão falando a mesma língua, é de se pensar... Mas a identidade entre os discursos de Kátia Abreu e de Ana Hollanda se entende: enquanto a primeira repete a desinformação espalhada pela segunda, a segunda mobiliza os bichos-papões cansados da oposição mais rasteira – por exemplo, quando diz que supervisionar uma altamente opaca organização privada que presta um serviço público e é fortemente criticada por membros da própria classe que supostamente representa (o ECAD) seria “intervencionismo do Estado”.
(Como sói acontecer, a democracia e a não-intervenção estatal são boas para algumas coisas, e não para outras: depois de finalmente disponibilizar o texto do anteprojeto no site do ministério, abriu-se uma consulta pública – em que os comentários, ao invés de ficarem à vista de todos, fomentando o debate, devem ser enviados por email...)
É problema da presidenta que uma ministra sua municie a oposição com argumentos contra o governo. É problema de todos os que ajudaram a eleger a presidenta que uma ministra sua esteja indo contra o programa de governo no qual votaram. Mas, acima de tudo, é problema de quem deseja que o Brasil “continue mudando” ver que o novo MinC pensa de maneira mais velha que o antigo. Se a direção da mudança era democratizante e universalizante, a concepção da nova gestão, até aqui, tem se mostrado, nas linhas e nas entrelinhas, elitizante e particularista. E o que é pior: além de dar as respostas erradas, parece trabalhar para que não se consiga fazer as perguntas certas.
(*) Rodrigo Guimarães Nunes é filósofo, com doutorado pelo Goldsmiths College, Universidade de Londres. Atualmente, faz pós-doutorado na PUCRS, com bolsa CAPES/PNPD. É editor da revista Turbulence (www.turbulence.org.uk), cujo conteúdo é todo disponibilizado em Creative Commons.
abril 4, 2012
Artista plástico controlado por Pequim expõe rotina na internet por Claudia Trevisan, O Estado de S. Paulo
Artista plástico controlado por Pequim expõe rotina na internet
Matéria de Claudia Trevisan originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 4 de abril de 2012.
Um ano após ser preso, Ai Weiwei instala câmeras em casa para protestar
PEQUIM - Vigiado por 15 câmeras colocadas na rua de sua casa, o artista plástico Ai Weiwei decidiu escancarar sua intimidade e revelar na internet o que ocorre do lado de dentro, com a instalação de webcams em sua mesa de trabalho, em seu quarto e no jardim. O ato marca o aniversário de um ano de sua detenção.
"É um presente para o público", disse Ai Weiwei ao Estado, na frente do computador monitorado por duas câmeras, que operam 24 horas por dia. "Quando fui preso, ninguém sabia onde eu estava. Minha família, meus amigos, meus colegas, ninguém tinha nenhuma informação. Por isso eu quis que as pessoas me vissem neste momento especial. Elas podem me ver até quando estou dormindo e constatar que não estou em perigo."
O gesto subverte o controle exercido pelo governo e ironiza o monitoramento constante a que está sujeito, tanto pelas câmeras na frente da sua porta quanto pela escuta em seus telefones.
Mais célebre artista chinês contemporâneo, Ai Weiwei foi detido em 3 de abril de 2011 em meio à onda repressiva que tomou conta da China depois de uma convocação anônima para protestos semelhantes aos que derrubaram ditaduras no mundo árabe. Ele não tinha nenhuma relação com a frustrada "Revolução do Jasmim", mas era - e é - um crítico feroz do governo e do Partido Comunista.
A ideia de instalar as webcams surgiu há duas semanas e Ai Weiwei disse que pretende mantê-las enquanto puder. As transmissões começaram na noite de anteontem no site www.weiweicam.com e, de madrugada, era possível ver o artista dormindo. Por problemas técnicos, o movimento era extremamente lento, e as imagens apareciam congeladas.
Ai Weiwei foi libertado no dia 21 de junho, mas teve seu passaporte confiscado e está sujeito a uma série de restrições. "Eu não posso sair de Pequim, não posso acessar a internet, não posso falar com jornalistas, não posso escrever artigos... Há muitos ‘não posso’", observou. "Eles não dão explicações, apenas ordens, e a ideia é muito simples: não critique nada e não dê opiniões políticas."
O artista desafia diariamente os limites das restrições, escrevendo em seu Twitter, onde tem 136 mil seguidores, e falando com jornalistas. Ai Weiwei disse não saber por quanto tempo as proibições serão mantidas. "Pode durar para sempre ou amanhã eles podem dizer que está tudo bem. Ninguém sabe", afirmou. "Não há comunicação, apenas ordens."
O artista lembrou que seu pai, o poeta modernista Ai Qing, foi "exilado" dentro do próprio país durante 20 anos. "De repente, um dia, eles disseram que estava tudo bem", observou. Ai Qing foi vítima da campanha "anticonservadora" desencadeada por Mao Tsé-tung em 1957. Enviado para a zona rural, foi proibido de publicar seus trabalhos e reabilitado em 1979.
Segundo o artista, o isolamento e a incerteza são as piores memórias dos 81 dias em que permaneceu detido. "Você está separado, dividido do restante da humanidade, não pode compartilhar nada com ninguém e perde o sentido da realidade", recordou. "A cada dia eles vinham me aterrorizar, dizendo que aquilo poderia durar 10, 15 anos."
Apesar da experiência e das restrições a que está sujeito, Ai Weiwei afirmou não sentir amargura. Mesmo que pudesse, disse que não deixaria o país para viver no exterior. "Eu sou chinês. Por que eu deveria sair da China?"
Oficialmente, o artista não está sendo julgado por seu ativismo político. O governo o acusou de sonegação de impostos e, em 1.º de novembro, exigiu o pagamento de uma multa no valor de US$ 2,4 milhões. Naquela época, Ai Weiwei também subverteu a intenção oficial. No período de 15 dias, arrecadou US$ 1,4 milhão em doações de 30 mil pessoas, em um claro gesto de contestação política. O dinheiro foi usado como garantia para que ele pudesse recorrer da multa, mas há poucas chances de vitória. Na semana passada, o governo rejeitou o apelo do artista para que o processo de sonegação tivesse um julgamento público.
Ai Weiwei Sets Up Camera Inside His Studio por Michael H. Miller, Gallerist NY
Ai Weiwei Sets Up Camera Inside His Studio
Matéria de Michael H. Miller originalmente publicada no portal GalleristNY em 2 de abril de 2012.
Ai Weiwei, like Damien Hirst, has posted live video of the inside of his studio. It is called WeiWeiCam. Currently, Mr. Ai is sleeping. If this video can be trusted, he is a pretty peaceful sleeper and he does not move around much.
Obviously, there are many differences between Mr. Ai’s and Mr. Hirst’s live feeds, the first and most obvious being that Mr. Ai actually appears in his studio. We periodically check in on Mr. Hirst (this fearless act of reporting from the Internet’s trenches is all in a hard day’s work, people!), only to find his assistants working intently on a piece. As of this writing, the studio camera is on pause and “will resume when the studio reopens.”
But there is also the implication that because of Mr. Ai’s very public travails with the Chinese government, and the resulting non-self-imposed surveillance the artist faces in real life, this studio camera is his latest commentary and, in fact, “art.” Could we say this about Mr. Hirst? His last public commentary basically took on the form of a massive PR machine promoting, well, Mr. Hirst, specifically his worldwide spot painting extravaganza. The camera in Mr. Hirst’s studio is, at best, informative (and a little dull).
Critics, however, have read Mr. Ai’s recent legal battles and imprisonment as performative, even though they are happening for real. Still, by taking ownership of the idea of being watched, he does gain some kind of artistic control over the situation.
Ultimately, that doesn’t provide him with much of a solution: Chinese authorities recently denied his appeal of an allegedly fraudulent $2.4 million tax bill.
abril 3, 2012
Pinacoteca e MAM-SP são os primeiros museus brasileiros no Google Art Project , O Globo
Pinacoteca e MAM-SP são os primeiros museus brasileiros no Google Art Project
Matéria originalmente publicada no caderno Mais em Cultura do jornal O Globo em 3 de abril de 2012.
Visitas virtuais podem ser feitas a partir desta terça-feira
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/pinacoteca-mam-sp-sao-os-primeiros-museus-brasileiros-no-google-art-project-4482533#ixzz1qzvEG0uX
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SAO PAULO - A Pinacoteca do Estado de São Paulo e o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) poderão ser visitados virtualmente a partir desta terça-feira, com imagens 360 graus. São os primeiros museus brasileiros a serem incluídos no Google Art Project, onde já figuram o MoMa (The Museum of Modern Art) de Nova York e a Tate Modern, de Londres.
O internauta pode navegar pelos museus por meio de buscas por nome de artistas, país de origem, tipo de obra ou período histórico.
A tecnologia permite que o internauta conheça as peças exatamente no local onde elas estão expostas, com imagens em alta definição. Sao 98 obras da Pinacoteca e 89 do MAM de arte contemporânea brasileira. No total, 10 museus da América Latina estão no projeto do Google.
Marcelo Araújo, diretor executivo da Pinacoteca, ressaltou que o museu, que tem 9 mil obras de arte em seu acervo, tem como objetivo ampliar o acesso e gerar, no público, o interesse de visitas presenciais.
- O Google Art Projetc é um instrumento importante e que possibilita às pessoas preparar antecipadamente a visita. É ainda de grandepotencial para uso por escolas e professores - afirmou.
Felipe Chiamovich, curador do MAM, explicou que a exposição disponibilizada na internet, o 30º Panorama da Arte Brasileira, é temporária e possui muitas obras que não pertencem ao acervo do museu, de 5.500 peças.
- Nosso objetivo é abraçar as práticas experimentais que nos chegam nas exposições temporárias - disse o curador, que escolheu o grafite painel dos osgemeos, que fica do lado externo do prédio, para apresentar no Google Art em altíssima resolução, de 7 bilhões e pixels.
Na Pinacoteca, a obra apresentada pelo sistema de Gigapixel foi “Saudade”, de Almeida Junior. Nas duas, é possível observar detalhes da obra, inclusive a textura da tela.
Renata Motta, diretora de sistema internacional de Museus da Secretaria da Cultura do estado, afirmou que o desafio dos museus é justamente expor seus acervos, que ficam em sua maioria guardados, lembrando que a Pinacoteca recebeu 310 mil visitantes no ano passado.
Segundo ela, São Paulo tem 415 museus em 190 municípios e a meta é justamente aumentar o acesso às obras.O projeto começou com 17 museus europeus, em fevereiro de 2011. Hoje conta com 151 museus parceiros em 30 países, reunindo 30 mil obras de arte. O site para visitar os museus é http://www.googleartproject.com/
A tecnologia é igual a do Google Street View, que recentemente incluiu imagens de comunidades do Rio Negro, no Amazonas. Imagens de pelo menos 12 estados brasileiros estão sendo gravadas pelas equipes do Google.
Google alarga Art Project a 40 países, incluindo Portugal, com obras do Museu Berardo , Portal Negócios Online
Google alarga Art Project a 40 países, incluindo Portugal, com obras do Museu Berardo
Matéria originalmente publicada no portal negócios online em 3 de abril de 2012.
O projecto online de acesso a museus de todo o mundo do Google vai ser alargado a 151 novos parceiros de 40 países, incluindo Portugal, com o Museu Colecção Berardo, e obras do pintor português Amadeo de Souza Cardoso.
O alargamento do projecto online - depois de numa primeira versão ter disponibilizado, em Fevereiro do ano passado, 1.000 obras de arte, em www.googleartproject.com - é hoje apresentado no Museu Orsay, em Paris, com a presença dos novos parceiros, num total de 30.000 obras em alta resolução.
Além das obras do pintor português Amadeo de Souza Cardoso, serão também disponibilizadas outras obras de autores representados na colecção Berardo, como Joaquin Torres Garcia.
O projecto permite aos utilizadores da Internet desfrutar de centenas de obras de artistas representados em museus de todo o mundo, como o Metropolitan e o MoMA, em Nova Iorque, o Hermitage, em São Petersburgo, a Tate Britain e a National Gallery, em Londres, o Museu Rainha Sofia, em Madrid, ou a Galeria Uffizi, em Florença, e o Museu Van Gogh, em Amsterdão.
Esta iniciativa da Google permite viajar pelos museus em todo o mundo, visitar as salas e apreciar as obras de arte em detalhe para conhecer as colecções de pintura, escultura, fotografia ou artes decorativas.
Do Museu Colecção Berardo, em Lisboa, estão representadas duas obras do artista português Amadeo de Souza Cardoso (1887-1918) - "Pelas Janelas" e Sem Título (Ponte) - e outras obras, nomeadamente do artista uruguaio Joaquin Torres Garcia, dos russos Liubov Sergeievna Popova e Lazar El Lissitzky e do francês Robert Delaunay.
Os amantes de arte vão poder aceder a uma grande variedade de criações artísticas em diversas culturas ao longo da História das civilizações, como as artes decorativas islâmica, a arte rupestre africana ou os graffiti de rua do Brasil.
A colecção do Museu de Arte Islamita no Qatar, o tesouro nacional japonês de Hideyori Kano, o Tríptico de Santiniketan nas paredes da Galeria Nacional de Arte Moderna, em Deli, na Índia, são outras obras que poderão ser vistas no Google Art Project.
De acordo com os responsáveis pelo projecto, os utilizadores poderão pesquisar conteúdos em função do nome do artista, da obra, do tipo de arte, do museu, da cidade ou da colecção que querem aceder.
Podem ainda procurar obras de arte por período, artista ou tipo de arte obtendo resultados dos diversos museus de todo o mundo.
"O Google está empenhado em trazer para o mundo online todos os tipos de cultura e torná-los acessíveis em todo o mundo. O Art Project demonstra como a Internet ajuda a difundir o conhecimento", sublinha Amit Sood, responsável pelo projecto do Google num comunicado sobre a expansão desta área.
Em Novembro do ano passado, o Museu Coleção Berardo - que possui um acervo de 862 peças de arte moderna e contemporânea da coleção do empresário madeirense - contabilizou um total de três milhões de visitantes desde a data da inauguração, em Junho de 2007.
Itaú Cultural expõe performances de Berna Reale por Ana Weiss, Exame
Itaú Cultural expõe performances de Berna Reale
Matéria de Ana Weiss originalmente publicada na seção de artes da revista Exame em 2 de abril de 2012.
Sem se dobrar aos estereótipos regionais e com raro potencial cênico, a performer paraense foi selecionada para o programa Rumos
São Paulo - Ultimatentativa.doc era o nome do arquivo digital com a terceira inscrição de Berna Reale no Rumos, programa do Itaú Cultural que desde 1997 mapeia novos talentos das artes brasileiras. Aos 45 anos, a paraense não tentaria mais uma vez. “Não pinto jangada, não fotografo ribeirinho. Tenho consciência de que não atendo ao paladar regionalista dos que querem um Norte de cartão-postal”, diz.
Berna ficou conhecida em 2009 com a performance Quando Todos Calam, que dava bem a dimensão visceral de sua pesquisa: nua, ela passou uma tarde deitada em frente ao mercado Ver-o-Peso, em Belém. Os feirantes, silenciosos, viram os urubus das redondezas interagir com seu corpo, coberto por carne crua. “Os policiais estavam muito temerosos. Achavam que eu seria atacada.” Não foi. Acostumada a ter problemas com a polícia em suas intervenções de rua – como na do ano passado, em que foi retirada de um caminhão frigorífico e, amarrada a um suporte metálico, atravessou a capital paraense sem roupa –, Berna se sente acolhida e compreendida pelos espectadores.
Sua potência cênica finalmente a colocou no Rumos e, por tabela, na mostra que ocupa a sede do Itaú Cultural, em São Paulo, até 22 de abril. Estão expostas ali fotos da performance de 2009, além de uma série de retratos de 2011, protagonizada pela própria artista. Segundo Paulo Miyada, um dos curadores do Rumos, o que chama a atenção na obra de Berna é a força narrativa das imagens.
Foi Miyada quem montou a nova série fotográfica, com quatro irônicas figuras. Os personagens (A Mulher, O Mito, A Morte e O Homem) ganharam molduras douradas, que remetem às pinturas dos viajantes do século 17, os primeiros criadores de tipos nacionais. Filha de uma índia, a artista carrega o sobrenome do pai, descendente de italianos que um dia devolveu a esposa à floresta. “Passei parte da juventude visitando a Amazônia profunda e sempre me incomodou o mito do índio que só quer o natural, que é imune à cultura, que vive melhor sem ela. É muito parecido com esperar que o artista do Norte faça cerâmica e nada mais”, cutuca.
Berna rejeita interpretações psicanalíticas, mesmo quando enfeita suas personagens femininas com projéteis recolhidos em cenas reais de assassinato – sempre sob a autorização do centro de perícias para o qual trabalha. Você entendeu: ela é funcionária concursada de um instituto de medicina legal no Pará e se tornou perita em assassinatos. “Tive, sim, uma infância dolorosa, um pai ciumento que trocou minha mãe por mulheres que mudavam de cara todo dia. Ele não nos deixava ir à janela. Achava coisa de prostituta. Mas não me interessam os problemas pessoais. Estou cansada da arte usada como divã. O coletivo é muito mais importante, o coletivo é o meu tema.”
Um tom cosmopolita na arte brasileira, Valor Econômico
Um tom cosmopolita na arte brasileira
Matéria originalmente publicada na Valor econômico em 9 de março de 2012.
Curador-chefe da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Ivo Mesquita é um dos nomes centrais no processo de internacionalização da arte brasileira. Ao lado de curadores como Paulo Herkenhoff e Adriano Pedrosa, Mesquita faz parte de um grupo que respondeu à demanda estrangeira por profissionais latino-americanos no boom desse segmento, no começo da década de 1990 - durante 11 anos, ele foi professor do Bard College (Nova York), no programa de formação de curadores. Acompanhando nomes hoje inseridos mundialmente, como Beatriz Milhazes e Iran do Espírito Santo, Mesquita passou por algumas das principais instituições de arte no Brasil, como a Bienal de SP, onde foi curador da 28ª edição, e o Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde trabalhou como diretor-artístico. A experiência lhe permite ver, dentro do contexto, a arte brasileira contemporânea.
Valor: Em leilões internacionais de arte latino-americana não é mais raridade ver obras de artistas brasileiros vivos chegarem a US$ 1 milhão. Até 2008, quando Beatriz Milhazes atingiu essa marca, no entanto, isso era impensável. Quais fatores permitiram esse cenário?
Ivo Mesquita: A arte brasileira entrou no mercado internacional com a globalização, mas sob a rubrica "latino-americana". Os estudos culturais, os textos dos catálogos de exposições dessa época, virada dos 1980 para os 1990, têm muito disso. Os brasileiros ficavam cabreiros, houve resistências a esse discurso que os levou para lá. Aqui, não é algo claro, não nos damos conta de que somos latino-americanos. O Ernesto Neto, por exemplo. O que chamava a atenção deles eram os cheiros, a sensualidade do Brasil, aquelas coisas fálicas enormes. Com a Beatriz Milhazes e a Leda Catunda, eram as cores; com o Vik Muniz, o tom irônico. Essa arte ganha legitimidade culturalista, que é o tom dos anos 1990. É o Brasil brasileiro, inescapável. Os pesquisadores estrangeiros relacionaram essa geração com os artistas dos anos 1960 e 1970, Hélio Oiticica e Lygia Clark, e descobrem nomes consistentes. Reparam que há articulações com arquitetura, teatro, cinema e música, e então entende-se que havia algo cosmopolita.
Valor: Mas de onde veio o interesse estrangeiro por essa cultura "latino-americana"?
Mesquita: Havia uma demanda. Os EUA sempre querem explicar, colocar todos numa caixinha: "Você é o branco do olho puxado", "Você é o negro do cabelo vermelho" etc., e nós sempre fomos os latino-americanos. Quando você fala "african american", você diz que ele é meio americano. Haveria, então, um "only american". Então tem essas gradações. O politicamente correto ensinou a eles que não dava para ficar escutando só o que os professores americanos falavam. É questão de geopolítica, política cultural. Naquela época, nem se cogitava fazer exposição só com brasileiros. Pareceria extremamente provinciano e politicamente incorreto.
Valor: Em que momento os brasileiros começaram a ganhar individualidade dentro desse "pacote" latino-americano?
Mesquita: Os EUA continuam tratando o Brasil junto com o México, a Colômbia etc. Mas, do ponto de vista das feiras e do colecionismo, os departamentos de arte latino-americana de museus como MoMa e Tate estão comprando mais arte brasileira. Se você olhar nos leilões, vai reparar que brasileiros atingem preços cada vez mais altos. Várias coisas juntas explicam isso. Tem o momento econômico atual do Brasil, que gera uma curiosidade enorme. Temos uma das produções mais cosmopolitas da região. Os argentinos estão juntos com a gente nisso.
Valor: A produção brasileira tem, então, um traço estético específico?
Mesquita: Nossa origem segue o modelo da Academia Imperial de Belas Artes, que é francesa. Toda a representação do Brasil no século XIX, feita pelos artistas brasileiros, é uma representação idílica, de tradição europeia. O modernismo brasileiro fala de forjar nossa identidade. O tema é nacional, mas a linguagem não é. Quando chegam os anos 1950, há uma predisposição do Brasil em entrar no processo de desenvolvimento e internacionalização. Nesse contexto se dá o surgimento de organizações como o MASP, o MAM, a Bienal. É nos anos 1950 que há um salto e a arte brasileira ganha singularidade, com os concretos e neoconcretos. Tudo é riquíssimo daí para frente, com os artistas entrando em outro circuito. Hoje, existem vários polos de produção: Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Vitória, Belém. Tudo está mais descentralizado no país, o que é positivo.
Valor: Quais são os personagens de destaque nesse longo processo que desembocou na valorização dos contemporâneos?
Mesquita: A [francesa] Catherine David, pesquisadora apaixonada pelo Brasil, e Guy Brett [crítico e curador britânico que, já nos anos 1960, apoiou nomes como Hélio Oiticica] foram fundamentais. É importantíssima também a Coleção Cisneros [da venezuelana Patrícia de Cisneros, maior colecionadora de arte latino-americana], a partir dos anos 1990. As galerias brasileiras cooperaram, fizeram um bom trabalho de colocar obras em coleções importantes. Não basta vender. É necessário fazer parcerias com galerias estrangeiras, divulgar, fazer representações. No campo das galerias, esse trabalho foi inaugurado pelo Marcantônio Vilaça (1962-2000). Um terceiro elemento importante foi a Bienal de SP, com seus eternos altos e baixos. Porque a Bienal virou parada obrigatória no circuito. O boom de agora, que já existia lá atrás, tem a ver com o modo como cada país latino-americano no final dos anos 1980 resolveu seus problemas com suas ditaduras.
Valor: Existe um projeto de país no atual processo de internacionalização da arte?
Mesquita: Nos anos 1950, mais que uma articulação geral política e social no Brasil pelo seu desenvolvimento, havia um "zeitgeist" em que todos tinham um projeto de país. Chateaubriand e Ciccillo Matarazzo podiam ter seus defeitos, mas acreditavam que se existissem museus, arte, teatro, música, cinema etc., o país ficaria melhor. Hoje, a despeito de trabalhos maravilhosos pelo Brasil afora na área da educação e formação profissional, o circuito de artes plásticas está muito marcado pelo business, pelo marketing, pelas agendas, números e metas, muito "Eu, eu, eu". Não tem essa coisa de um projeto nacional, de consolidação do país.
Valor: Podemos falar que os resultados foram reflexo direto de iniciativas pontuais?
Mesquita: Esse processo veio de uma demanda exterior, pois está associada à crescente presença de uma população de origem latino-americana na Europa e nos EUA. As primeiras grandes conferências sobre essa arte tentavam organizar a história, as referências e a produção artística do continente para constituir programas universitários, de exposições, de pesquisas que consolidassem essa categoria. Daí o crescente número de exposições e intercâmbio cultural a partir da segunda metade dos anos 1980, que levaram uma grande quantidade de arte latino-americana para o hemisfério norte. Quase todos esses projetos buscaram recursos e apoio para a participação de artistas, obras, curadores ou pesquisadores brasileiros, mas, quando recebiam algum, era algo tímido do Itamaraty, por exemplo. Nunca houve política cultural para as artes visuais, preocupada com a divulgação da arte brasileira no exterior. O Ministério da Cultura só mais recentemente começou a se ocupar do tema, ou melhor, a falar sobre metas, programas etc. Até aqui, a política tem sido local e parece não se dar conta do caráter cosmopolita da produção brasileira. E agora tem a APEX (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) vinculada ao Ministério da Indústria e Comércio.
Valor: A engrenagem que movimenta o sistema de arte no Brasil ainda precisa passar por aperfeiçoamentos?
Mesquita: Ainda é muito pequena a circulação de artistas estrangeiros nas galerias brasileiras. É preciso comprar do estrangeiro. O comércio internacional é isso, troca, e não apenas participar das feiras de arte, vendendo seus produtos. Antes do apoio dos ministérios da Cultura e de Relações Exteriores, as galerias deveriam ser parte da agenda do ministério da Indústria e Comércio e ter uma regulamentação própria. Hoje é quase impossível, por conta de taxas e custos, importar uma obra de arte. As galerias se completariam como mediadores na circulação da produção artística contemporânea, responsáveis pelo que entra e sai no país. Neste sentido é que falo que não existe infraestrutura consolidada por aqui. E seguramente isto faria diferença, já que as coleções no Brasil tendem a ser muito parecidas, todas têm mais ou menos os mesmos artistas. É um problema de oferta.
Valor: A alta demanda por obras de artistas vivos já afeta a qualidade artística da produção?
Mesquita: Faz parte da profissionalização dos artistas perceber os jogos do mercado. Imagine um artista que, coitado, passou a vida inteira fazendo seu trabalho e, de repente, passa por um boom. Ele tem contas a pagar, família para cuidar. Os artistas hoje são mais cautelosos, percebem que é preciso controlar a sua visibilidade. O excesso pode ser fatal. Já vimos acontecer isso. (BYS)
abril 2, 2012
Projetos de residência artística assumem a programação de 16 teatros públicos do Rio, O Globo
Projetos de residência artística assumem a programação de 16 teatros públicos do Rio
Matéria originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 2 de abril de 2012.
RIO - Prática comum em muitos países da Europa, a gestão de equipamentos culturais por projetos de residência artística se tornou uma realidade nas três esferas públicas que administram os teatros da cidade do Rio. Com novos editais de ocupação lançados no começo do ano, agora, entre os meses de abril e maio, 16 novos coletivos de produtores e artistas começam a operar a programação das salas. Só na Rede Municipal, serão oito espaços funcionando através desse modelo pelos próximos dois anos. A prefeitura investe R$ 2,35 milhões anuais, sem contar os R$ 20,36 milhões destinados ao novo Imperator (leia mais na página 2). Já a Funarte optou por residências menos longas, entre quatro e seis meses de duração. No total, serão investidos R$ 1,65 milhão, montante a ser repartido entre os teatros Dulcina, Glauce Rocha, Cacilda Becker e Duse. O governo do estado soma R$ 600 mil para teatros fora do eixo central da cidade, como o Arthur Azevedo, o Mário Lago e o Armando Gonzaga, localizados nas zonas Norte e Oeste. Para os diretores artísticos entrevistados para esta reportagem, a adoção do modelo nas três esferas é reflexo de uma mudança de mentalidade.
— Os gestores públicos entenderem que um projeto artístico é mais bem conduzido por curadores e artistas, e que eles devem pensar e desenvolver políticas públicas para a cidade — diz Nayse López, que ocupará o Teatro Cacilda Becker.
Diretor do departamento de Artes Cênicas da Funarte, Antônio Gilberto concorda:
— São eles que estão mais próximos do cotidiano da vida artística da cidade.
Entre os teatros da Rede Municipal, apenas o Carlos Gomes ainda aguarda definição sobre o seu projeto de ocupação. Após um primeiro edital que não reuniu nenhuma proposta adequada, a Secretaria municipal de Cultura recebe até o dia 17 de abril novas propostas. A verba prevista para o espaço é de R$ 500 mil anuais. O resultado deverá ser divulgado no início de maio.
Teatro Café Pequeno - Câmbio
Cesar Augusto, Jonas Klabin e André Vieira transformarão o Teatro Café Pequeno num cabaré dos novos tempos, com olhos voltados para a produção teatral e musical contemporânea. O projeto terá R$ 200 mil para a programação, que começa no dia 6 com o musical "Hedwig e o Centímetro Enfurecido", de John Cameron Mitchell. O lançamento do Câmbio é no dia 9. — Esse espetáculo foi um dos maiores sucessos do Câmbio e carrega o nosso DNA — diz Jonas, sobre o musical rock. Entre os projetos do trio estão o "Diário musical", em que atores como Mateus Nachtergaele, Fernando Eiras e Gustavo Gasparani apresentam e conversam sobre músicas que atravessaram suas carreiras; o "Teatro de variedades", com esquetes de até 20 minutos, além do Festival InterCâmbio, com atrações internacionais como o premiado (Drama Desk 2006) monólogo "Christine Jorgensen Reveals", a ópera-poema "Ismène", de Yannis Ritsos, e a peça "Void story", do inglês Tim Etchells.
Teatro Ipanema - No Lugar
Nova aquisição da prefeitura, o Teatro Ipanema recebe a partir de maio a No Lugar, que terá uma verba de R$ 300 mil. Rodrigo Nogueira, Michel Blois e Fabrício Belsoff, do coletivo Pequena Orquestra, apostam no intercâmbio entre novos e consagrados grupos de teatro, com peças de trupes como a Cia. dos Atores, de Enrique Diaz, a Cia. de Teatro Íntimo, de Jô Bilac, Os Fodidos Privilegiados, de João Fonseca, e Foguetes Maravilha, de Felipe Rocha. Projetos de formação artística e trabalhos com encenadores internacionais também estão nos planos. Na abertura, que acontece em maio, está confirmada a peça "Dentro", da Pequena Orquestra, e o próximo trabalho da Cia. dos Atores, com direção de Bel Garcia.— A síntese da ocupação é o diálogo. Entre o Teatro Ipanema de ontem e o de hoje, entre jovens coletivos e companhias estabelecidas, obras prontas e outras em construção — diz Nogueira.
Espaço Sérgio Porto - Entre
O projeto Entre volta a ocupar o Espaço Sérgio Porto nesta quarta-feira. Liderado por Daniela Amorim, Joelson Gussom e Marta Vieira, a ocupação, que terá R$ 300 mil anuais e durará dois anos, inicia com uma intervenção do Coletivo Gráfico, show da banda Do Amor — com participações de Rodrigo Amarante, Moreno Veloso e Pedro Sá — e uma miniedição do CEP 20.000. Na quinta, o grupo belga tg STAN se apresenta pela primeira vez no país com “OF/NIET”, uma mescla dos textos “Party time” (1991), de Harold Pinter, e “Relatively speaking” (1965), de Alan Ayckbourn. Já no dia 13 o diretor Diogo Liberano estreia “Sinfonia sonho”, e no dia 26 chega a Mostra Interarte, unindo arte e tecnologia. O trio aposta na convergência e no cruzamento de propostas artísticas contemporâneas que envolvam artes visuais, dança, teatro e música. — É um trabalho voltado para artistas que têm uma pesquisa e buscam trabalhar sobre as fronteiras de formas já estabelecidas. Queremos expandir esse perfil — diz Daniela.
Teatro Armando Gonzaga - Entre_Armando Gonzaga
Desdobramento do projeto Entre, a Entre_Armando Gonzaga vai levar a Marechal Hermes teatro, dança, música e performances no palco e nos jardins de Burle Marx que cercam o prédio projetado por Affonso Eduardo Reidy. Daniela Amorim aposta na palavra "descentralização" para levar artistas e espetáculos para fora do eixo da Zona Sul. A inauguração será no dia 5 de maio, com um show de Serginho Procópio, da Velha Guarda da Portela. No dia 6, o rapper Dudu de Morro Agudo se apresenta. A ligação com a cultura hip hop terá vez com os eventos Mixtureba Enraizados e Liga o Mic. O projeto terá R$ 320 mil.
Teatro Maria Clara Machado (Planetário) - Ágora
Fabianna de Mello e Souza busca na origem do termo grego o objetivo da sua residência, que receberá R$ 200 mil. — Ágora era a grande praça pública grega, e queremos dar ao Planetário uma vocação popular — diz Fabianna.Diretora da Companhia dos Bondrés e ex-integrante do Théâtre du Soleil, da diretora Ariane Mnouchkine, ela quer transformar o espaço num centro de convergência entre pesquisas modernas e tradições populares, como o topeng balinês, o kabuki, a commedia dell’arte, palhaçaria e manifestações brasileiras como o mamulengo e o reisado. Tudo começa no dia 6 com "Instantâneos", dos Bondrés, enquanto no dia 10 os formando da CAL estreiam "Eu me afogo em qualquer poça". Para a abertura, a residência traz a oficina "Théâtre Du Soleil — Criação coletiva sob o olhar do ator criador". Às terças e quartas, o "Novas cenas" recebe jovens artistas e seus espetáculos, e às quintas a música assume a casa.
Teatro Ziembinski - Os Ciclomáticos
O teatro da Tijuca vai receber peças e atividades para o público infantil e adulto. No programa, montagens do repertório dos Ciclomáticos e de novos nomes da cena carioca e do estado. Com direção artística de Ribamar Ribeiro, Marcos Paulo e Renato Neves, a ocupação, que receberá R$ 250 mil, começa no dia 4 de maio com “Super Coffin ou sonho de uma noite de velório”, de Odir Ramos da Costa.
Teatro Arthur Azevedo - Escola Livre de Teatro
Valquíria Ribeiro e Alexandre Damascena coordenam a Escola Livre de Teatro, voltada para a formação de atores e autores, com experimentações tiradas do cotidiano do bairro de Campo Grande. Uma das montagens de abertura do programa, que ocorre em maio, parte de uma pesquisa de campo, em que histórias de moradores serão encenadas. Eles receberão R$ 180 mil para o projeto.
Teatro Cacilda Becker - Dança Pra Cacilda!
Diretores artísticos do Festival Panorama, Nayse López, Eduardo Bonito e Carla Lobo conduzem a dança no Cacilda entre 18 de abril e meados de setembro. Localizado no fundo de uma galeria no Catete, a ocupação tem o desafio de tornar o espaço mais visível.— A ideia é propor uma dança inventiva, que circule entre disciplinas — diz Nayse, que contará com R$ 400 mil. — Teremos performances que sairão dos limites da sala para ir à rua e estabelecer uma relação com as pessoas, atraí-las para dentro do teatro.A programação vai do pop ao experimental, com música, moda, artes visuais e toy art. A estreia fica com o coreógrafo Fabian Gandini, com “Pieza para pequeño efecto”, em que cria vídeos com bonecos e efeitos de luz. Os residentes planejam mini-ocupações de artistas brasileiros e estrangeiros, com laboratórios de criação de até duas semanas. Já o projeto Novíssimos levará jovens artistas ao palco.
Teatro Dulcina - Dulcina abraça o Sul
Para a maior de suas salas, o Teatro Dulcina, a Funarte selecionou um projeto que traz as melhores obras gaúchas dos últimos três anos, com oito peças entre abril e julho. À frente do projeto está o produtor Pablo Oliveira, que terá uma verba de R$ 600 mil. O público irá conferir monólogos às quartas, dramas e comédias de sexta a domingo. O abraço começa no dia 11 de abril, com “A comédia dos erros”, de Shakespeare, encenada pela Cia. Stravaganza. Já no dia 13, o Depósito de Teatro encena “Isaias in Tese”. No dia 18 estreia “Histórias de uma tigresa”, de Dario Fo, e em 4 de maio, “Goela abaixo”, inspirado na vida do dramaturgo e ex-presidente checo Václav Havel. — Queremos atrair tanto os frequentadores do entorno como estudantes e pessoas do meio — diz Pablo.
Teatro Duse – Os Bonecos Pedem Passagem
À frente do Grupo Bonecos em Ação, Susanita Freire quer fazer do Duse a casa do Teatro de Bonecos. Entre abril e agosto, a ocupação recebe R$ 150 mil para montagens de Rio, Curitiba, São Paulo e de países como Chile e Uruguai. O lançamento será dia 14, com um cortejo nas ruas de Santa Teresa, com bonecos e os músicos do bloco Céu na Terra. No dia 15 o Trança de Folia estreia “Um concerto para o sol”.
Teatro Glauce Rocha - Cultura negra em cena
Se depender das produtoras Laura Castro e Marta Nóbrega, entre abril e julho o Glauce se torna um centro de referência do teatro e da cultura negra. A proposta terá R$ 500 mil para trabalhar com linguagens brasileiras. O programa começa dia 12 com o musical “Galanga, Chico Rei”, de Paulo César Pinheiro e direção de João das Neves. — A ideia é propor uma revisão da História do Brasil sob o prisma da cultura afro-brasileira — diz Laura.No dia 19, “Namíbia, não!” assume o teatro, com direção de Lázaro Ramos, e em 31 de maio João das Neves e Paulo César Pinheiro retornam com “Besouro Cordão de Ouro”. A única estreia ocorre em junho, com “Histórias de Jilú”, dirigida por Renato Carrera.
Teatro Gonzaguinha - Vem!
A ideia do diretor Alexandre Mello é transformar o Gonzaguinha, no centro Calouste Gulbenkian, num ateliê em que artistas convidados tecem colaborações durante três meses com nomes do teatro e da dança. A série começa em 10 de abril com Oscar Saraiva. Em julho será a vez de Inez Viana; em outubro, Márcia Rubin; e em janeiro de 2013, Gilberto Gawronski assume o projeto. Além dos ateliês, o Vem!, que terá R$ 200 mil, propõe 12 incubadoras experimentais para teatro e dança. No dia 12, Oscar Saraiva encena “Barba Azul”.
Teatro Mário Lago - Potengy
O projeto dos produtores culturais Felipe Machado e Marcelo Guilherme inicia amanhã e pretende agregar no teatro da Vila Kennedy o melhor da Zona Oeste. O ponto alto é a realização do 2º Festival Impacto Cultural Zona Oeste, com apresentações de teatro, dança, música, cinema e artes visuais em datas a serem definidas. O Potengy conta com uma verba de R$ 100 mil.
Sala Baden Powell - Rio Som e Cena
A música em suas mais variadas acepções domina a sala Baden. Com o objetivo de unir espetáculos clássicos e populares, plateias jovens e da terceira idade, shows e teatro musical, o projeto Rio Som e Cena, de Thiago Ramires e Priscila Seixas da Costa, foca na cultura musical brasileira. Com uma verba de R$ 400 mil, a residência abre em 19 de abril com a série “Trilhas brasileiras”, cuja direção artística é de Tim Rescala. O primeiro show é “Música para imagem com Sérgio Ricardo”. Em maio, o projeto “Rio antigo” traz Henrique Cazes homenageando Noel Rosa e Pixinguinha, além de “Zé Keti: o musical”. Os centenários de Luiz Gonzaga e Nelson Rodrigues também serão lembrados.
Panorama da pintura brasileira, Diário do Nordeste
Panorama da pintura brasileira
Matéria originalmente publicada no Caderno 3 do Diário do Nordeste em 2 de abril de 2012.
Livro explora o cenário contemporâneo da pintura nacional - expressão artística que passa por boa fase
Gênero que entra e sai de voga constantemente, a tradicional pintura vem sendo reinventada no universo da arte contemporânea nos últimos anos. É notório que jovens artistas que vêm escolhendo a tela como seu principal suporte estejam se transformando nas meninas dos olhos de colecionadores, galeristas e críticos encarregados dos principais prêmios de arte do país - como o Pipa, que em sua última edição consagrou a paulistana Tatiana Blass, que tem um forte trabalho em pintura. Nesta onda que se encontra, mais uma vez, em ascensão, Isabel Diegues e Frederico Coelho viram uma boa oportunidade para criar o livro "Pintura brasileira séc. XXI", que acabam de lançar pela editora Cobogó e que traça um panorama da produção pictórica feita hoje no País.
"É importante ficar claro que o livro não é um catálogo e nem tenta ser", sublinha Isabel, editora da Cobogó e organizadora do livro ao lado de Frederico. "Tentamos fazer um apanhado do que está sendo produzido e fizemos uma seleção. A ideia do livro é dar visibilidade a um tipo de produção artística que às vezes fica, por incrível que pareça, à margem da discussão".
Promessas
Apresentados em ordem alfabética, os 33 artistas selecionados variam em idade e notoriedade: nomes consolidados e reverenciados internacionalmente como Adriana Varejão, Beatriz Milhazes e Cristina Canale se misturam a uma nova turma que escolheu a pintura como seu carro-chefe, como a mineira Ana Prata, de 32 anos, o petropolitano Bruno Dunley, de 28, o brasiliense Rodrigo Bivar, de 30, e os paulistas Marina Rheingantz, 29, Renata de Bonis, 28, e Paulo Nimer Pjota, de 24 anos. Todos, porém, já integrados ao mercado e com um caminho muito próprio.
"Não estávamos fazendo um livro para descobrir novos talentos da pintura, não fomos a ateliês garimpar desconhecidos. Procuramos aqueles que já tinham uma caligrafia própria, fosse o estilo que fosse, mas artistas com um trabalho mais maduro, mesmo que alguns deles sejam muito jovens", explica a editora do volume Isabel Diegues.
A seleção dos 33, Isabel admite, foi difícil. Ela e Frederico foram para a rua bater perna por galerias, visitar artistas e conversar com críticos para saber o que estava sendo circulado e falado. Segundo ela, os dois não queriam um livro muito grande, estilo calhamaço. Mas também achavam ruim ter apenas um trabalho de cada artista. Optaram por uma média de cinco a seis obras por pintor, além de inserir, ao final, dois textos de críticos novos, José Bento Ferreira e Tiago Mesquita. O resultado são 306 páginas coloridas, com todo o conteúdo bilíngue - português e inglês.
LIVRO
Pintura Brasileira Séc. XXI
Organização: Frederico Coelho e Isabel Diegues
Cobogó
2012, 308 páginas
R$ 160
Desobediência silenciosa por Juliana Monachesi, Revista Select
Desobediência silenciosa
Tradução de Juliana Monachesi originalmente publicada na Revista Select em 31 de março de 2012.
Leia o texto do crítico do New York Times sobre a exposição Os Ingovernáveis, em cartaz até 22 de abril no New Museum, em NY
Holland Cotter, crítico de arte do New York Times, interpreta a Trienal do New Museum
A edição de estréia da Trienal do New Museum em 2009 se chamava Younger Than Jesus, indicando que a mostra era em grande medida a respeito de idade: Todos os participantes tinham menos de 33 anos. O título da Trienal 2012, The Ungovernables, muda a ênfase para a atitude. Os artistas não são apenas jovens, a ideia é, mas são também desobedientes, enfants terribles rebeldes.
Quão verdadeiro isso é ao se observar a arte deles releva-se altamente discutível, mas a exposição aparenta e faz sentir diferente de sua predecessora mal-humorada e estridente. Escrevendo no catálogo, a curadora, Eungie Joo, diretora de educação e programas públicos no New Museum, insere a trienal de 2012 no contexto de, entre outras coisas, o recente movimento Occupy. A referência está ficando velha agora, mas você pode ver seu motivo.
A exposição que ela e seu assistente, Ryan Inouye, montaram é cativante à maneira como um megafone humano é. Quase o tempo todo, é algo de gestos formais pequenos e leves, não-enfático em tom e socialmente engajado, ainda que de uma forma tranquila que acomoda cordialidade e inteligência.
Esta trienal também se distingue em seu alcance global: apenas 4 dos cerca de 50 artistas nasceram nos Estados Unidos. Desta forma, se não de outra, ela serve como contraste natural à predominantemente norte-americana Whitney Biennial. E declara seu internacionalismo logo de cara, na galeria do lobby, com obras de dois coletivos, um da África, o outro do Oriente Médio, e um único artista, Gabriel Sierra, de Bogotá, Colômbia.
A instalação do sr. Sierra é ultradiscreta: algumas incisões longas e profundas na parede, nas quais ele inseriu ferramentas de empreiteiro - uma escada, um nível, uma mesa de desenho - de um tipo que ele, ou alguém, poderia ter usado ao fazer as incisões.
O coletivo do Oriente Médio, encabeçado por Ala Younis, da Jordânia, tem seis membros, e sua colaboração parece um tanto solta. Eles compartilham um tema, militarismo, mas usam meios diferentes (desenho, fotografia, filme) e abordagens muito diversas (aprovação, desaprovação, indefinição) para abordá-lo. Por constraste, Trans-African Photography Project, do Invisible Borders, é o verdadeiro ombro-a-ombro coletivo. É composto de artistas e escritores da Nigéria que, uma vez por ano nos últimos três anos, viajaram em vans a partir de Lagos para outras partes do continente. Embora eles tenham destinos fixos nestas viagens, especialmente eventos de arte no Senegal, em Mali e na Etiópia, seu verdadeiro objetivo é cruzar tantas fronteiras nacionais quantas possíveis e tornar-se, coletivamente e por consequência, pan-africanos.
Estas aventuras devem ser divertidas, mas eles tiveram seus momentos sérios, com avarias em carros, brigas nas fronteiras (o grupo recusa pagar os subornos comuns) e algumas prisões, tudo registrado em vídeo por dois dos artistas, Lucy Azubuike e Nana Oforiatta-Ayim.
O vídeo, junto com projeções de filmes, tem uma presença positiva e disciplinada nos quatro andares de galerias da exposição. Alguns artistas, como Jonathas de Andrade, do Brazil, tratam o meio expressivamente, como pintura. Em uma obra dele no segundo andar, 4.000 retratos masculinos preto-e-branco relampejam em um loop de 60 minutos, dando aos olhos o equivalente a uma chicotada.
Instalado ali perto, um filme chamado Jewel, de Hassan Khan, um artista britânico que vive no Cairo, soma um soco auditivo e visual. O foco está em dois performers masculinos, um em roupas de classe operária, o outro em traje de escritório, cada um representando aspectos da história social do Cairo. No decorrer do filme eles permanecem em pé encarando um ao outro, fazendo gestos furiosos com os braços suspensos no ar ao som de uma estrondosa batida Shaabi. A interação deles parece combativa, mas também erótica, como um pas de deux sensual.
E uma terceira obra em vídeo, da artista finlandesa Pilvi Takala, é um destaque da trienal. Ela o fez em 2008, ao conseguir um emprego em uma firma de contabilidade. Depois de algum treinamento ela assumiu a mesa designada a ela e permaneceu sentada lá por um mês, sem fazer qualquer trabalho, apenas olhando para o vazio, quebrando esta rotina apenas para pegar o elevador da empresa repetidamente para cima e para baixo.
Seus colegas de trabalho eram amigáveis a princípio, e curiosos, mas logo se tornavam desconfiados, e então hostis, conforme ficava claro que seu comportamento pouco convencional iria continuar e que ela não daria explicações. Como a sra.Takala conseguiu gravar tudo isso, eu não posso imaginar. Mas sua ocupação muda e enervante de um espaço corporativo é algo a ver.
Alinhada com tendências dos últimos três anos a exposição inclui uma quantia razoável de performances. O vídeo da sra. Takala se qualifica como tal. Assim como eventos que ocorrem em outro local. Nicolas Paris, da Colômbia, vai coordenar workshops de arte para estudantes do ensino médio. Um coletivo israelense, Public Movement, vai encenar debates temáticos pela cidade. Ainda um outro coletivo, House of Natural Fiber, da Indonésia, planeja demonstrações de tecnologia para produção de bebidas alcoólicas e música eletrônica simultaneamente.
Junto de toda a ação, a mostra tem uma abundância de objetos. A maioria tem uma espécie de desmazelo astuto que é popular nos dias atuais: casual, mas com intuito. Um trabalho de Adrián Villar Rojas no quinto andar, entretanto, é um verdadeiro protagonista. Intitulado A Person Loved Me e moldado a partir de argila cinza, ele se ergue do chão ao teto, como um fungo monstruoso eriçado por tumores em forma de clava.
O sr. Villar Rojas, que representou a Argentina na Bienal de Veneza do ano passado, construiu a obra no museu. E apesar de a ter terminado muito recentemente, ela já parece à caminho da decadência, que é precisamente o efeito que este jovem artista, fixado na magnitude da impermanência mundana, busca.
Impermanência, quer isso signifique cair aos pedaços ou não persistir, também é um tema recorrente para Danh Vo, que nasceu no Vietnã, vive em Berlim, e é uma das mais estimulantes figuras na cena internacional. As cinco esculturas de cobre que ele intitula We the People parecem abstrações genéricas. Mas elas são fragmentos de uma imensa figura, uma réplica em tamanho real da Estátua da Liberdade que ele fundiu, aos poucos, na China.
Será que um dia ele conseguirá reunir as partes já grandes em um todo grandioso? Será o povo americano algum dia um "nós" em vez de um "nós e eles"? A incerteza é um farol existencial que o sr. Vo, e muitos de seus pares, mantém alto em uma caçada por novas ideias e procedimentos.
Duas artistas de Nova York fazem bom uso dela. Uma é Abigail DeVille, que criou uma espécie de caverna de desabrigado a partir de lixo de rua e guardados de família em um nicho na escadaria do museu. A outra é Julia Dault, cujas esculturas, feitas de rolos de plexiglass amarrados com barbante e empilhados, parecem substanciais o suficiente, mas necessitam do apoio de uma parede do museu para ficar em pé. Operando segundo restrições auto-atribuídas, a sra. Dault criou casa escultura em uma única sessão, dobrando e amarrando ela mesma os materiais de difícil manejo. A forma final depende da força física de que ela é capaz de dispor em um determinado dia. O resultado: minimalismo contingente; Fluxus com músculo.
Sem surpresa, certos outros artistas - Rita Ponce de León, Mounira Al Sohl, Lynette Yiadom-Boakye, Lee Kit, Kemang Wa Lehulere - favorecem mídias mais convencionais, como desenho e pintura, enquanto outros ainda colocam as idéias antes de tudo. Talvez o papel da sra. Joo como educadora explique a inclusão de uma quantidade bastante elevada de arte que só se revela depois de o espectador ter feito algum trabalho de casa.
Você tem que saber o que é um diagrama de Venn (dois círculos que compartilham um ponto de intersecção), e ainda mais saber que tais diagramas foram banidos como subversivos por ditadores na Argentina na década de 1970, para apreender todo o significado de uma projeção bastante singela de Amalia Pica.
Mesmo sem esses detalhes a peça é familiar, porque tem tantos precedentes histórico-artísticos, próximos e distantes. Quase tudo aqui tem. Conforme você se move pelas das galerias, você se encontra escrevendo listas de parece-com em sua cabeça, o que nos traz de volta ao título da trienal.
Quão ingovernáveis podem ser artistas que, por assim dizer, frequentaram a mesma escola de arte global, estudaram com os mesmos professores-estrela, de quem aprenderam a lançar sua arte, embora obliquamente, para um mercado mundial? É bom ter em mente que, neste caso, a idade realmente é um fator. Esta é a vitrine de uma pessoa jovem. Se alguns, mesmo que poucos, destes artistas conseguirem descobrir, à medida que crescerem e mudarem, o que é realmente ser ingovernável, e o sejam, as gerações futuras vão ter com o New Museum uma dívida de gratidão.
Jovens, em suas próprias palavras por Juliana Monachesi, Revista Select
Jovens, em suas próprias palavras
Entrevista por Juliana Monachesi originalmente publicada na Revista Select em 20 de março de 2012.
Os cinco artistas que integram a reportagem Retrato do Artista Quando (Muito) Jovem da seLecT04 falam com exclusividade à revista
Confira os melhores momentos das entrevistas com André Feliciano, Felipe Bittencourt, Flávia Junqueira, Rafael Carneiro e Sofia Borges
No processo de apuração da reportagem Retrato do Artista Quando (Muito) Jovem, os cinco artistas retratados foram entrevistados pessoalmente e também responderam, por escrito, a uma entrevista comum, que reproduzimos aqui no site para que os leitores conheçam melhor o que pensam os prodígios André Feliciano, Felipe Bittencourt, Flávia Junqueira, Rafael Carneiro e Sofia Borges.
Quando e como você se deu conta de que a arte era uma vocação?
Felipe Bittencourt - Não sei se vocação seria um termo que me mobilizaria a pensar nesta questão. Porém penso que sempre há motivos pessoais, íntimos e não revelados em qualquer arte produzida. Me recordo de perdas familiares, amorosas e outras catástrofes que me levaram a realizar o primeiro projeto que considero, de fato, um trabalho de arte válido e potente.
Jardineiro André - A arte surgiu na minha infância como uma dúvida: eu tinha uma memória muito forte de estar brincando em um galinheiro em um sítio que visitava nas férias em Minas Gerais, mas não sabia se essa memória provinha de uma experiência ou uma fotografia. Passei muitos anos com essa dúvida que, de certa forma, nutriu minha vontade de querer entender mais sobre a natureza da fotografia. Entretanto, isso não despertou minha “vocação” para arte. Com o passar do tempo, fui acumulando mais e mais experiências fotográficas, até que em certo momento, no colegial, me encontrava em uma situação difícil de imobilidade. Por algum motivo misterioso, me tornei uma fotografia: não tinha ação própria, não conseguia me comunicar e vivia em um lugar plano. No final do segundo colegial comecei a fotografar, a pensar sobre a arte e a fotografar, elaborei meu primeiro manifesto sobre a próxima arte que chamei de Neo-Pós-Pós (que de certa forma é o início do meu cultivo da Arte Florescentista), criava e costurava minhas roupas, elaborava algo intensamente. A arte me possibilitou conseguir sair do mundo estático e fotográfico em que eu havia me metido; ela não surgiu como uma vocação, mas como o único modo de comunicação que encontrei para continuar vivendo.
Flávia Junqueira - Não sei se consigo responder esta pergunta usando a palavra vocação, mas creio que me dei conta que a Arte (como um todo) me interessava muito antes de entrar na faculdade. Eu me interessava por filosofia, literatura, artes a outras matérias, isso sem necessariamente apresentar habilidades técnicas incríveis para arte, aliás acho que isso não é necessário para ser um bom artista. Durante o colegial fiz cursos de artes plásticas e música, tentando encontrar o que eu realmente gostava e fazia bem. Ainda assim, cursei três anos de direito e filosofia antes de optar finalmente pela faculdade de artes.
Rafael Carneiro - Eu gostava de desenhar desde criança, tinha uma coleção de livros de pintura, foi um caminho natural.
Sofia Borges - Eu sempre soube que trabalharia em alguma área ligada à criação. Durante o colegial cheguei a resolver que seria escritora. Mas quando, morando em São Paulo havia uns dois meses, eu visitei uma exposição de arte contemporânea, me dei conta de que havia uma área do conhecimento na qual eu poderia exercer aquele tipo de prática. Ao me dar conta disso decidi cursar artes plásticas.
Por que optou por fazer uma faculdade de artes plásticas?
Felipe Bittencourt - Era uma necessidade vital que eu trabalhasse com a área de criação. Já havia feito teatro, música e dança. Todas me encantaram, mas nunca me completaram. Resolvi prestar o curso de artes, não fui aprovado na prova de aptidão de duas escolas públicas, apesar de ter sido na particular que cursei. Acasos. Sorte que tive um curso do qual não me arrependo de nenhuma etapa do processo.
Jardineiro André - No ambiente intenso de criação em que me encontrava no final do colegial eu não conhecia outra possibilidade a não ser cursar uma faculdade de artes plásticas. Como todo bom aluno de artes, perdi um pouco a noção de realidade durante o curso e, particularmente, me aprofundei nas questões sobre a natureza da fotografia; incorporei mais algumas características da imagem fotográfica e me tornei mais estático e incapaz de me comunicar; me tornei o próprio contemporâneo. Durante a faculdade estive preso ao contemporâneo e só consegui sair do buraco com ajuda do meu querido orientador Felipe Chaimovich, que me ensinou a ler e escrever textos de modo claro e estruturado, para enfim conseguir me comunicar.
Flávia Junqueira - A decisão em optar pela faculdade de artes plásticas não foi fácil. Cresci em um ambiente familiar que sempre me deu liberdade de escolha, porém, por estar imersa em um contexto de valores mais tradicionais, me sentia pressionada a escolher profissões que proporcionassem aparentemente maiores garantias no mercado de trabalho. Como já mencionei, cursei direito e filosofia antes de assumir que o que eu realmente desejava era estudar artes. Precisei passar por esse processo para perceber que eu precisava de um meio mais eficaz para apresentar meu olhar sobre o mundo, algo que as artes plásticas me proporcionavam.
Rafael Carneiro - Eu não sabia exatamente do que se tratava arte contemporânea no momento em que fui fazer a faculdade. Mas esse curso na USP era claramente o que trataria dessas questões.
Os conflitos pós-11 de Setembro marcaram sua trajetória de alguma maneira? Como?
Felipe Bittencourt - Pesquiso relações de dor física e compartilhamento disto com o público. Assunto que considero delicado em uma situação de fragilidade social e com a possibilidade de ser mal compreendido, de não ser visto como uma comunicação expressiva e, sim, um certo ataque. Meu trabalho, entretanto, veio à tona em uma época posterior em que não convivia mais com estes riscos.
Jardineiro André - Os conflitos de 11 de Setembro não me influenciaram diretamente.
Flávia Junqueira - Diretamente, não, mas eu acho que é um fato importante para se dar conta de como a informação chega a nós. Se comparado com uma geração ligeiramente anterior à minha, houve um grande contraste na velocidade com que os meios de comunicação tem abarcado a vida das pessoas.
Quais outros fatos históricos (de ordem política ou social) foram marcantes em sua formação?
Felipe Bittencourt - Recepção da arte. Sempre recepção. Toda e qualquer ação artística, por assim dizer, que eu apresentava em uma instituição gerava uma multiplicação de opiniões e ações. Coisa essa que eu, ingênuo, só conhecia por alguns documentários e relatos em livros e publicações. Os anos 1970, 1980, o ativismo vienense, as indagações sobre o que provocava tanta reverência em relação a Oiticica e Clark na boca da classe, compreender a causa, Abramovic e suas palestras, ser assistente de Abramovic por um mês, a constante crítica de que minha produção não renderia dinheiro, o benefício disto quando resolvi produzir somente pela arte e não pelos seus fins financeiros.
Jardineiro André - Puxa, talvez o aquecimento global.
Flávia Junqueira - Acredito que a eleição de Lula para presidente do Brasil no ano de 2002 foi um dos fatos mais marcantes para minha formação, isso porque, na minha opinião o país pôde presenciar historicamente um momento de conclusão na trajetória de uma figura que representou um valor político vindo de uma persistência simbólica para uma parcela muito grande do povo. Independente do que ele fez ou deixou de fazer como presidente, presenciar este momento, para mim, foi presenciar a construção e conclusão de um mito.
Rafael Carneiro - Acredito não ter o distanciamento necessário para perceber o processo histórico de maneira realmente crítica.
Sofia Borges - Acho que a construção da história do ponto de vista político e social é um processo contínuo, dinâmico e complexo. Não vejo como a tentativa de destacar alguns fatos (mais ou menos explorados pela mídia) conseguiria definir, para mim, a forma como esses processos me influenciam.
A internet, para você, é uma ferramenta de pesquisa, trabalho e contato social separada da vida cotidiana ou um contexto da vida como outro qualquer?
Felipe Bittencourt - Qualquer pesquisa, trabalho e contato social, é impossível de ser dissociada da vida cotidiana.
Jardineiro André - A internet funciona para pesquisar os acontecimentos da arte, como salões, exposições, prêmios etc. Faz parte do dia a dia profissional de alguém que trabalha no campo das artes. Ajuda também em alguns contatos sociais.
Flávia Junqueira - Para mim, a internet é uma ferramente de pesquisa totalmente atrelada ao trabalho, contato social e à vida cotidiana. Na minha opinião, a internet se tornou um contexto como outro qualquer na vida das pessoas, além de ser um instrumento de comunicação e informação talvez mais importante que a televisão e o próprio telefone. É praticamente impossível trabalhar e viver sem essa ferramenta.
Rafael Carneiro - É um contexto como outro qualquer na minha vida, tanto para pesquisa como para os contatos.
Sofia Borges - A internet é um contexto da minha vida cotidiana, ainda que um bastante significativo.
Como a Bienal de São Paulo afetou sua formação? Pode indicar outras exposições ou experiências de igual ou maior importância?
Felipe Bittencourt - Trabalhar na mostra como educador e ter um olhar mais preciso para observar trabalhos de arte fez surgir uma pergunta: Quando minha mãe me levava para ver a Bienal na minha infância, aquilo parecia monumental; a Bienal está menor... ou eu que cresci? Hoje sei que cresci. E foi de suma relevância ver uma grande mostra coletiva para compreender a comunicação global que uma exposição tem a potência de realizar. Não somente falando, agora, em termos globais, penso neste coletivo também presente nos Panoramas da Arte Brasileira no MAM. Também quero afirmar que minhas decepções com exposição foram, sem dúvida, fatores importantes. Mostras em algumas galerias, por exemplo, salões de que não compreendo a seleção ou a premiação. Alguns exemplos.
Jardineiro André - Quando se é aluno de artes plásticas, a Bienal é sinônimo de boa arte que se produz na atualidade; mas com o passar do tempo seu sentido de vanguarda se enfraquece e ela se torna mais um lugar de pesquisa. As boas exposições de arte deixam de ser as grandes exposições de arte e passam a ser aquelas que possuem obras realmente impressionantes. Por exemplo, a sala de neblina do Olafur Eliasson recentemente exposta no Sesc Pompéia me impressionou e nutriu meu entendimento sobre arte. Ou as fotos de Michel Wessely que vi em uma SP-Arte. É uma obra ou outra, e não uma exposição inteira que me afeta.
Flávia Junqueira - Viver em uma cidade como São Paulo é um privilegio pela quantidade de exposições que acontecem em instituições e galerias, tendo a oportunidade de conhecer muito bem o que se produz no Brasil. Por outro lado, a exposição da Bienal é uma ponte entre São Paulo e o restante do mundo, pois ela nos coloca em contato direto com o que está em evidência na arte contemporânea. Freqüentar a Bienal desde muito jovem, ainda que sem saber qual o tamanho de sua influencia, possibilitou esse contato e me despertou interesse pela arte. Pontualmente outras instituições conseguem fazer o papel da Bienal em proporções menores, por exemplo, o Panorama da Arte Brasileira do Adriano Pedrosa, a mostra de Louise Borgeois no Tomie Ohtake, a exposição de Olafur Eliasson no Festival Videobrasil, para citar as mais recentes.
Rafael Carneiro - A minha formação como artista se deu sobretudo através de livros, seja de literatura ou de reproduções de obras.
Sofia Borges - Por ser de Ribeirão Preto e ter morado lá até os 18 anos, as vezes em que visitei a Bienal (antes de decidir cursar Artes Plásticas) foram sempre em caráter excursional, com o colégio. Ainda assim, me lembro de ter sido impactada por várias obras. De todas as bienais que visitei nesse contexto, me marcou especialmente a 24ª, em especial a obra Desvio Para o Vermelho, do Cildo Meireles, que ficou gravada na minha memória.
Como você vê a sua geração (vamos considerar a turma de artistas com quem você se formou), que inquietações você diria que compartilham?
Felipe Bittencourt - Pensando em idade, vejo que existo uma geração ativa e que de fato se preocupa e pensa arte. Cada vez menos vejo “qualquer coisa” sendo feita no circuito de novos artistas. Já minha turma de formação foi um núcleo que se esforçou para conseguir um TCC e depois foram para outros rumos. Inclusive não os vejo mais. Um ou dois, talvez.
Jardineiro André - Aos poucos percebo que as questões de arte dessa geração deixam de ter qualidades contemporâneas (preocupações com o mundo do entorno e atual, vontade de inventar uma nova linguagem para quebrar algum paradigma, entender o presente etc.) para começarem a ter uma qualidade de tempo (arte como educação, arte como cultura cotidiana, arte como experiência de vida e tipos de arte que só têm sentido com o passar do tempo).
Flávia Junqueira - Na minha geração, vejo uma emergência de inserção no mercado e na instituição, além de uma necessidade de busca de qualificação, seja em uma pós-graduação ou em cursos informais, residências, grupos de estudos ou orientação de projetos. Não sei ao certo se é compartilhado pela totalidade dos artistas da minha geração, porém noto que muitos jovens artistas propõem para sua pesquisa plástica uma única questão particular e não conseguem sair dela e explorar caminhos mais inseguros, próprios de um processo ainda em amadurecimento: algo que deveria ser curioso e trazer conteúdos ao trabalho passa a ser redutor e limitador. Não sei quais são as inquietações que compartilhamos como artistas, o que noto é que cada artista apresenta sua "questão" muito particular com conexões bem distantes.
Rafael Carneiro - Não enxergo algo que oriente as práticas numa mesma direção.
Sofia Borges - Acho que tentar definir inquietações compartilhadas por "gerações" de artistas (do ponto de vista do ano em que se formaram ou ainda da faculdade que cursaram) é algo fadado ao desastre. Também não acredito que o recorte temporal seja uma forma eficiente para se definir afinidades ou características em um grupo de artistas.
E a geração imediatamente anterior à sua (a geração da Lia Chaia, André Komatsu, Marcelo Cidade, por exemplo), qual sua opinião sobre ela? São gerações marcadamente diversas ou vê mais pontos em comum?
Felipe Bittencourt - Não sei se posso afirmar isto de forma muito precisa, mas penso nesta leva como um passo que fomentou novas discussões sobre corpo e recepção e criou um cenário que hoje abriga muitas manifestações e performances. Acho que mais que uma manifestação com assuntos em comum - artísticos, sociais e políticos - são artistas que consolidaram uma trajetória e poética pessoal mais do que uma situação de época em si. Uma recolocação de mercado surgiu, instigou produtivamente novos artistas. Hoje vivemos em um boom de galerias. Coisa que vejo como muito positiva, mas espero que nossa geração não comece a fazer uma arte pervertida, somente de fundo comercial ou interesse mercadológico. Acho que não estamos fazendo isso.
Jardineiro André - Acho que não há uma diferença clara entre essas gerações; os novos trabalhos do Marcelo Cidade, Lia Chaia, André Komatsu ainda poderiam integrar salões de arte jovem (a diferença é que são artistas mais maduros com uma prática mais profissional).
Flávia Junqueira - Noto mais pontos em comum do que divergências, porém não tenho tempo e distanciamento suficientes para dar uma resposta concreta. A minha opinião sobre essa geração é que muito dos problemas e realizações que falamos aqui em outras perguntas são compartilhados também pela geração anterior.
Rafael Carneiro - Não sei ao certo qual seria a geração realmente anterior à minha. Acho que há uma ansiedade em querer discernir diferentes gerações em um curto espaço de tempo. Provavelmente o que muitos consideram uma geração anterior à minha eu considero como artistas da minha geração também.
Sofia Borges - Para definir como um grupo compartilha das mesmas influências ou dos mesmos universos de reflexão, é preciso levar em conta um série de outras questões, por isso não me interesso muito por iniciativas que tentam segmentar um conjunto de artistas simplesmente por serem de uma mesma "geração", ou por compartilharem uma mesma linguagem artística. Uma forma possível para criar segmentos em arte é considerar o conteúdo ou tipo de reflexão que um conjunto de trabalhos ou de artistas propõem, mas mesmo assim é difícil eu encontrar, no contexto da arte contemporânea recente, recortes que considere significativos ou elucidativos. Acho que existe uma ansiedade nisso tudo.
Como foi a sua entrada no circuito das artes visuais?
Felipe Bittencourt - Bem torta. Sou carioca e quase sempre morei em São Paulo. Para minha surpresa, fui convidado para participar de uma primeira mostra coletiva em minha cidade natal. Meu trabalho foi extremamente desrespeitado, assim como o de muitos outros, por um edital enganoso e um espaço precário que não atendeu a nenhuma exigência dos artistas. Fiquei decepcionado. Não produzi por um tempo até levar um pé na bunda um ou dois anos depois. Minha primeira performance de limite físico surge aí (clichê, mas foi assim). Fui convidado para expor em Belém, Espírito Santo, Goiânia e, somente então, comecei a me inserir em espaços de arte independentes em São Paulo. Depois de perambular por alguns destes, comecei a ser convidado para espaços institucionais e festivais internacionais, ainda que aqui na capital.
Jardineiro André - Acredito que ela se deu de fato com a exposição Ecológica, no MAM-SP. Depois dessa exposição as pessoas dizem que entenderam mais o que eu tento falar há muitos anos. Entretanto, meu trabalho é um longo cultivo; a poética do meu trabalho não está pronta, não há um livro que indique conceitualmente o que significam as flores que fotografam ou que indique teoricamente o que pode vir a ser a Arte Florescentista. Sei que meu trabalho e minhas ideias precisam de tempo, e que alguns curadores ainda não encontram sentido naquilo que faço, assim como encontram sentido em um trabalho que, por exemplo, reorganiza os objetos do cotidiano. Em 201, fiz duas exposições em Nova York, uma na Bonni Benrubi Gallery e outra em um prêmio internacional de jovens artistas no Brooklyn. De qualquer forma, cultivo constantemente tanto aqui quanto no exterior para um dia aquilo que chamo de “Arte Florescentista” possa brotar com vivacidade.
Flávia Junqueira - Comecei a trabalhar profissionalmente há mais ou menos 2 anos, antes de terminar a faculdade, em 2009. A maior dificuldade que encontrei foi entrar no mercado muito jovem, pois, apesar de ser uma grande alegria para quem está começando ver interesse no trabalho, também tive que aprender a dividir o tempo entre dar continuidade em meu processo criativo e administrar tarefas que estavam além do que simplesmente produzir. Isso é muito difícil pois estou em um processo inicial de construção e descoberta do trabalho, e eu percebo que muitos jovens artistas também acabam tendo essa dificuldade, que é pouca experiência aliada à demanda comercial, o que pode comprometer a produção.
Rafael Carneiro - No final de 2006 participei da exposição de formatura da ECA no CCSP. Nesta ocasião, o artista Paulo Climachauska ao visitar a exposição se interessou por minhas obras. Após trocarmos trabalhos, ele me indicou para a Galeria Artur Fidalgo no Rio de Janeiro. Paralelamente, comecei a enviar meus trabalhos para salões. Em 2009 eu entrei na Galeria Luciana Brito, em São Paulo.
Sofia Borges - Mesmo já tendo participado anteriormente de salões e exposições coletivas, acho que a minha entrada no circuito das artes em São Paulo se deu quando, ainda cursando a faculdade, fiz minha primeira individual, em 2008, no Centro Universitário Maria Antônia. Coincidentemente, foi durante a abertura desta exposição que fui convidada para entrar na Galeria Virgílio.
Quais as suas expectativas em relação à carreira de artista no mundo atual? Você faz planos de longo prazo ou trabalha no presente e ponto?
Felipe Bittencourt - A longo prazo penso que não quero (e não vou conseguir) parar de produzir. Trabalho sim com o pé mais fincado no hoje, até pela natureza de minha produção, de trabalhos de caráter efêmero. Tenho planos maiores olhando para meus trabalhos. Quero me manter fiel ao que penso e quero que minhas performances sejam, pelo menos, verdadeiras para mim. Quero que certas verdades cresçam, percam cada vez mais certa timidez de serem expostas e que se consolidem como uma arte melhor ao longo do percurso que ainda desconheço. Então, como expectativa de carreira, me contenta o reconhecimento que meus trabalhos recebem e me articulo com esta recepção conforme ela vai se apresentando. No longo prazo, mas construída com um olhar preciso e atento aos dias atuais.
Jardineiro André - Planejo cultivar, cultivar, cultivar sem parar. E espero durante minha vida conseguir tornar a Arte Florescentista autônoma, para que continue viva no futuro sem minha presença.
Flávia Junqueira - Apesar de muitos sintomas que a nossa geração apresenta, e eu me incluo nessa posição, noto positivamente que vivo um momento promissor dentro da área. Sei que precisamos ter o cuidado de direcionar o trabalho para que ele não caia numa sugestão apenas voltada a nós mesmos ou ao mercado, mas de modo geral noto expectativas muito boas e também possibilidades interessantes de dar continuidade à produção no longo prazo.
Rafael Carneiro - Eu trabalho para desenvolver a minha pesquisa da melhor maneira possível. Minha expectativa de longo e curto prazo é produzir trabalhos que me interessam.
Sofia Borges - Sinceramente, acho que a forma mais eficiente de um artista se preocupar com sua carreira é pela qualidade e relevância de sua produção. Por isso procuro me comprometer com o andamento da minha pesquisa, a longo e a curto prazo, a fim de criar trabalhos que sejam significativos para mim dentro do universo de coisas por que me interesso no campo da arte.
Arquiteturas improváveis por Nina Gazire, Istoé
Arquiteturas improváveis
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na seção de Artes Visuais da Revista Istoé em 30 de março de 2012.
ANA HOLCK- ENSAIOS NÃO DESTRUTIVOS/Galeria Anita Schwartz, RJ/ até 12/5
Formada em arquitetura, mas atuante como artista plástica, Ana Holck transforma estruturas da construção civil e da paisagem urbanística em esculturas e instalações. Sua mais nova série de trabalhos denominada “Ensaios não Destrutivos” faz parte de sua pesquisa recente com acrílico e concreto pré-moldado. O diferencial dessa nova exposição está na grande dimensão das esculturas, que chegam a até três metros de altura. “Meu trabalho tem uma ligação muito forte com a arquitetura, me aproprio de elementos da calçada e do urbanismo que, de certa forma, procedem da tradição duchampiana da apropriação de elementos prontos do cotidiano”, explica Ana Holck, referindo-se aos readymades de Marcel Duchamp.
Entre esses elementos destacam-se dois instrumentos empregados na construção civil, que aqui são reconfigurados: o prumo de nível e o corpo de prova. O prumo de nível, também conhecido como pêndulo de pedreiro, é usado para verificar a verticalidade de uma parede. Já o corpo de prova serve para testar a resistência do concreto. As ferramentas se converteram na série “Passarelas-Pêndulos”, que constituem a principal metáfora para a ideia de indestrutibilidade das formas abstratas, proposta pela escultora. “Fiz os pêndulos usando os corpos de prova. O nome “Ensaios não Destrutivos” tem a ver com essa ferramenta, que testa a resistência do concreto, mas ganha uma nova função dentro da proposta escultural”, diz a artista.
A exposição traz nove trabalhos inéditos. Algumas obras são pré-moldadas em concreto e privilegiam a forma hexagonal, com a qual a artista vem trabalhando desde 2010 e que são tão comuns em lajotas usadas para pavimentar ruas. Este é o caso de uma série de esculturas que partem do concreto, formando arcos ou torres. A artista também trabalha essa mesma estrutura em esculturas feitas especialmente para o chão, nas quais o acrílico é articulável e modificável. Na ocasião da abertura, Ana Holck também lançou um catálogo com fotos das obras e textos da crítica Lígia Canongia.
O desenho como ideia por Paula Alzugaray, Istoé
O desenho como ideia
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de Artes Visuais da Revista Istoé em 30 de março de 2012.
Em sua primeira individual no Brasil, o colombiano Nicolás Paris propõe exercícios para "aprender a ler desenhos"
DESAPRENDER – NICOLÁS PARIS/ Galeria Luisa Strina, SP/ até 28/4
Antes de se tornar artista, o colombiano Nicolás Paris formou-se em arquitetura e trabalhou como professor de escola primária, no município de Macarena, na Colômbia. Foi como professor multidisciplinar, dando aulas de física, química e matemática, que Paris descobriu o desenho como uma ferramenta transversal a todas as matérias. Assim, fez do desenho um método de ensino. Hoje, na condição de artista promissor da nova geração – com apresentações recentes na Trienal do New Museum, em Nova York, e na 54ª Bienal de Veneza, em 2011 –, Paris continua utilizando o desenho como método. Agora, porém, não mais um método envolvido em um projeto de educação formal, mas como ferramenta para construir diálogos no âmbito da arte. “Uso o desenho como sistema de pensamento, mais que como técnica”, afirma Paris. “Minha responsabilidade como artista é produzir conhecimento.
E conhecimento se produz entre duas pessoas ou mais. A arte é então um corredor para construir esses processos de diálogo e comunicação”, diz ele.
Em sua primeira individual no Brasil, na galeria Luisa Strina, Nicolás Paris deixa transparecer o talento interdisciplinar e cognitivo de seu desenho. Em papéis, em pequenas esculturas e em uma instalação que conecta todo o edifício da galeria, há remissões à química, à arquitetura, à poesia. Entre os trabalhos figuram também “exercícios de desenho”.
“Me interessa aprender a ler desenhos”, diz. Esse aprendizado, no entanto, não é didático. Um exercício pode estar mimetizado na forma de um poema, por exemplo. Por isso, o título da exposição, “Desaprender”. Afinal, para se assimilar o novo é preciso se desvencilhar de velhos hábitos.
Nicolás Paris esteve no Brasil para a 7ª Bienal do Mercosul, em 2009, quando construiu um arquivo de exercícios de desenho para escolas públicas de Porto Alegre. O artista voltará em agosto para a 30ª Bienal de São Paulo.
