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Como atiçar a brasa

 


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julho 3, 2006

Entrevista de Cildo Meireles e Moacir dos Anjos a Fernando Oliva, Bravo Online

Entrevista de Cildo Meireles e Moacir dos Anjos a Fernando Oliva

Entrevista, originalmente publicada na Bravo Online

BRAVO!: De que maneira a matemática se faz presente em sua produção?

Cildo Meireles: A matemática me serve não apenas para a arte, mas para a vida. Uma das preocupações da minha geração era produzir trabalhos que de alguma maneira o espectador pudesse, em algumas situações até matematicamente, reconstruir. Ou seja, que eles não repousassem puramente em uma patologia do artista. Por exemplo, o caso de Cantos, e das principais criações de um artista como Raimundo Colares. Neste sentido, o conhecimento da matemática, e particularmente da geometria, é fundamental. Para mim, o uso da matemática na arte pode ser exemplificado por uma viagem de trem ou ônibus elétrico, a situação em que você está sempre e necessariamente plugado em algo, mas pode ir pra lá e pra cá, tem mobilidade, mais possibilidades e hipóteses. Portanto, mais aparências. Os Cantos são isso, mudam de aparência dependendo de como você os vê. Tudo isso que estou dizendo, aliás, está ligado a um conceito da física, a idéia de "ordem implícita". Em outras palavras: às vezes, o trabalho é construtivista, mas não devido a seu resultado final, mas porque está presente uma ordem interna, este fator permanente de coerência que permite que coisas aparentemente dicotômicas se estruturem de maneira precisa. E em função dessa característica elas possam ser reproduzidas ou invocadas, sempre que for necessário, por qualquer pessoa. Há trabalhos que radicalizam isso, como é o caso do projeto Inserções em Circuitos Ideológicos, que na verdade só existe no momento em que alguém o realiza. As pessoas têm de fazê-lo. Essa é a natureza da peça, que, ainda, carrega em si uma reflexão sobre a dissolução da autoria. Em Inserções, também está em discussão a questão da escala. A idéia é que o indivíduo possa exercer seu poder sem o controle das macroestruturas institucionais. E deve ser preservado o privilégio do anonimato, que diz respeito, se nos deslocarmos para o universo da arte, à questão da autoria. A minha aspiração é que o autor deste trabalho, enquanto sujeito, seja o maior número possível de pessoas.

A noção de uso de um circuito alternativo, como alternativa aos canais de poder e como ação de fundo político, é fundamental para se aproximar de sua obra. Neste sentido, você já pensou em fazer algum trabalho para a internet?

Ainda não, mas acho que vou chegar lá. Contudo, minha dúvida em relação a um trabalho desta natureza, caso de Inserções em Circuitos Ideológicos, é que se trata justamente de uma obra fundamentalmente sobre circulação e controle de informação. E o problema é que, seja em um jornal impresso ou na internet, são necessárias poucas pessoas para controlar um número muito grande da população. A proposta de utilizar cédulas ou garrafas, como em Inserções..., é obviamente fugir a este tipo de ação controladora. Eu desconfio um pouco da internet. Assim como na época da arte postal, eu acho que existe uma certa ingenuidade no sentido de que, se este sistema é de alguma maneira suscetível ao controle, ele certamente será exercido. Por isso nunca me interessei muito por arte postal. E hoje eu duvido da eficácia de ações na internet, por exemplo, especialmente em situações adversas, quando o controle precisa ser exercido pelos sistemas de poder da sociedade.

Como um artista que sempre atuou politicamente [responsável nos anos 70 pela popularização da frase "Quem Matou Herzog?", uma ação de protesto pelo jornalista torturado e morto pela repressão militar], como você viu a censura à obra da artista Marcia X no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro recentemente?

Tenho três pontos a colocar:
Primeiro: a ingerência é indevida e indesejável por ser incompetente e também intolerável por constituir-se em censura. Segundo: o Senhor Ministro da Cultura deve solicitar ao funcionário do Banco do Brasil responsável pela medida a revogação da mesma e um pedido público de desculpas. Caso isso não aconteça, deve exigir do Senhor Presidente da República o afastamento do funcionário responsável pelo ato arbitrário e se não for atendido deve entregar o seu próprio cargo ou estará compactuando com a reinstalação da censura no Brasil, atitude inadmissível e intolerável para qualquer pessoa ligada à área cultural. Terceiro: quanto ao grupo autor da denúncia contra o trabalho da artista, deveria, em primeiro lugar, cuidar dos graves problemas internos nos quais está atolada até a alma a Igreja Católica Romana, ou em último caso ir se queixar ao Bispo, Sua Santidade o Papa Bentinho Malvadeza.

LEIA OS PRINCIPAIS TRECHOS DA ENTREVISTA COM MOACIR DOS ANJOS, CURADOR DA EXPOSIÇÃO BABEL, DE CILDO MEIRELES

BRAVO!: Por favor, você poderia comentar a concepção do projeto Babel para o Museu Vale do Rio Doce? Curatorialmente, o que orientou a escolha das obras e a formação deste conjunto?

Moacir dos Anjos: Os pólos organizadores da mostra são as instalações Marulho e Babel. Elas reiteram a discussão crítica sobre a idéia convencional de espaço que Cildo Meireles empreende desde o início de sua trajetória, quer em uma dimensão física, quer em uma dimensão geopolítica. Essas obras sugerem uma idéia de espaço mais fluida e, por isso, mais complexa e avessa a delineamentos precisos e permanentes. Quatro outras obras na mostra apresentam, justamente, o modo como essas questões aparecem e se cruzam já no início da trajetória do artista, tanto como uma crítica à geometria euclidiana (Espaços Virtuais: Cantos e Mebs/Caraxia), quanto na forma de disputas políticas e territoriais (Cruzeiro do Sul e Sal sem Carne). As outras duas obras (Malhas da Liberdade e Glove Trotter) se articulam a essas questões chamando atenção — formal e metaforicamente — para o fato de que o entrelaçamento entre contrários que os processos de transculturação contemporâneos engendram se dão em um território extenso, denso e, contudo, descontínuo.

Neste contexto, que leitura seria possível fazer da obra que empresta seu nome à exposição, Babel?

O título e a formalização desse trabalho são, obviamente, uma remissão ao episódio bíblico da Torre de Babel, que teria sido, segundo o mito, a causa primeira de todos os conflitos entre agrupamentos humanos. O uso de rádios como elementos construtivos da torre parece contradizer, em um primeiro instante, essa referência ao caráter necessariamente contencioso do convívio entre povos que não partilham os mesmos códigos e crenças. Rádios foram, afinal, a partir da década de 1920, instrumentos fundamentais para a comunicação instantânea, entre lugares os mais diversos. Tanto quanto a televisão, a presença disseminada de rádios no cotidiano de quase todos levou à formulação, no início da década de 1960, da idéia de que o mundo teria se tornado uma "aldeia global" e soldado a fratura no sentido de comunidade que a aguda divisão social do trabalho provocara desde há muito. O fato de os aparelhos estarem, nessa instalação, todos juntos e sintonizados em estações variadas reforça, ademais, a noção de que seria possível, mesmo em um contexto de crescente inter-relação entre povos, a geração e a afirmação da diferença. Em oposição à entropia social preconizada na narrativa do Gênesis, a desconstrução de uma língua universal — e o conseqüente fim da presumida transparência de significados de tudo o que falam os habitantes do mundo — poderia ser mesmo associada à interrupção de um domínio colonial que impunha a todos o idioma e a cultura de uma só nação e constrangia, portanto, a emergência da alteridade. Conectados, mas diferentes, os membros dessa rede não podem, assim, ser associados a interesses exclusivos ou reduzidos a um amálgama uniforme, sendo melhor entendidos como partícipes de uma "multidão" que produz e compartilha o que imagina possuir em comum. Outros elementos constitutivos de Babel problematizam, contudo, essa utopia comunitária, indicando que a emissão de opiniões diversas não é condição suficiente para a repartição mais eqüitativa de poder entre agrupamentos humanos distintos. Desde a primeira visada do trabalho, fica evidente ao visitante que os rádios que o artista amontoa para formar a torre são portadores de tecnologias as mais diferentes — da quase obsolescência ao excesso de recursos —, diversidade que pode ser tomada como índice do desigual acesso das nações (e também dos muitos extratos sociais no interior de cada uma delas) ao poder de se comunicar com o que está distante e, por meio disso, de afirmar o que julgam importante. Ainda que ocupem o mesmo espaço na sala expositiva e façam uso das mesmas vias de transmissão, esses tantos rádios diferentes aludem à presença simultânea, entre povos diversos ou no interior de uma mesma nação, de tempos sociais distintos. Simbolizam, dessa maneira, a distribuição assimétrica do poder que permite afirmar soberanias e o comando descentralizado, mas efetivo, dos mecanismos que estruturam permutas entre lugares distantes. O zumbido que, conjuntamente, todos os aparelhos produzem sugere também que a incomensurável quantidade de informação transmitida por rádios no mundo contemporâneo — bem como pela televisão e, mais ainda, pela rede mundial de computadores — termina por obscurecer o conteúdo daquilo que se pretende comunicar, esvaziando-o de significados claramente discerníveis. Em qualquer freqüência de transmissão, o número de estações é grande o bastante para que elas ocasionalmente se sobreponham, se misturem e até se anulem. O ouvinte é alienado da fala do outro, então, menos por escassez do que por excesso de informação que a ele se destina, provocando um "êxtase negativo do rádio". Êxtase que reduz diferenças não por tornar mais transparente o que é comunicado, mas, ao contrário, por fazer indistinto cada discurso que se deseja afirmar como único. Apagamento de alteridade que é tanto maior quanto, paradoxalmente, mais disseminados forem os meios de comunicação necessários à sua locução. A enunciação de pontos de vista diversos e o controle ou a diluição daquilo que é singular são, portanto, fenômenos que co-existem fisicamente em Babel e que podem ser tomados como metáforas da interação intrincada entre nações ou comunidades distintas, em que diferenças são produzidas por cada uma delas em meio à desigualdade do poder de estabelecê-las diante dos demais agrupamentos. Não são apontadas nesse trabalho, porém, resoluções para as tensões que ele apresenta. Sem implicar o apaziguamento dos conflitos que marcam o estado do mundo contemporâneo, Cildo Meireles parece advogar a necessidade da adoção de paradigmas explicativos que sejam relacionais e centrados, por isso, no reconhecimento da existência de um território de fronteiras incertas, o qual abriga embates múltiplos e produz a contaminação mútua de expressões culturais antes apartadas por injunções geográficas e históricas. Território que, em Babel, é não somente evocado, mas oferecido ao visitante como experiência a ser vivida em tempo real, a partir da densa teia sonora que as transmissões radiofônicas tecem em conjunto.

De modo geral, qual o papel do som, das "questões sonoras", para esta mostra?

Vários dos trabalhos fazem uso do som: Marulho, Babel, Sal sem Carne e Mebs/Caraxia, sendo certamente um elemento comum importante. Em Mebs/Caraxia há a idéia da representação do espaço (uma fita de moebius e um caracol) por meio de sons, dessa maneira deslocando a forma usual de percebê-lo (pela escuta, e não pela visão). Embora o interesse pela visualidade seja mantido nos demais trabalhos (principalmente nos dois que "ancoram" a mostra: Marulho e Babel), o som também exerce um papel fundamental para a sua elaboração conceitual e formal, pois desloca, continuamente, o foco de atenção do visitante, estimulando o estabelecimento de relações cognitivas novas do espaço onde eles se encontram (nisso, se aproximam de Mebs/Caraxia). Essas instalações promovem, ademais, o encontro entre aquilo que é por vezes pensado como domínio apartado (territórios, línguas, culturas) sem que isso implique síntese ou resolução dos conflitos que marcam a sua proximidade no mundo. Nesse sentido, elas não somente promovem relações sinestésicas entre os campos do olhar e da escuta como afirmam o caráter híbrido da cultura contemporânea.

Por favor, comente os possíveis significados desta antologia de obras de Cildo Meireles acontecer em uma cidade fora do eixo das capitais da arte no Brasil (a meu ver formada pelo percurso que vai de Porto Alegre a Fortaleza e passa por São Paulo, Rio e Recife).

Acho importante, em primeiro lugar, por dar a conhecer um conjunto significativo de obras de um dos mais importantes artistas brasileiros (embora apenas um recorte específico das questões que animam o seu trabalho) a uma audiência que ainda não as conhece em primeira mão. A mostra também reitera o importante papel que o Museu Vale do Rio Doce tem exercido, já há dez anos, no Espírito Santo, em termos de formação de público para a arte contemporânea. Por fim, existe uma total sintonia entre a visão crítica da obra de Cildo Meireles acerca de fronteiras e limites rigidamente definidos (ver Marulho e Babel) e o fato de essa mostra estar acontecendo numa cidade que, supostamente, estaria fora do chamado eixo da arte do Brasil. As coisas são mais fluidas e complexas do que, muitas vezes, gostaríamos que fossem.

Você poderia citar alguns projetos seus para o futuro próximo?

Acho importante mencionar duas exposições para as quais fiz curadoria: a continuidade da itinerância da exposição do artista português José Pedro Croft (após o MAMAM, em Recife, e o Museu da Pampulha, em Belo Horizonte, ela inaugura no MAM-RJ em 6/7/06), e a exposição da obra de Rosângela Rennó no MAMAM, ocupando todo o museu, inaugurando no dia 14/9/06.

LEIA ABAIXO DEPOIMENTO DE CILDO MEIRELES SOBRE O PROJETO INSERÇÕES EM CIRCUITOS IDEOLÓGICOS (1970)

Eu me lembro que em 1968, 1969 e 1970, porque se sabia que estávamos começando a tangenciar o que interessava, já não trabalhávamos com metáforas (representações) de situações. Estava-se trabalhando com a situação mesmo, real. Por outro lado, o tipo de trabalho que se estava fazendo, tendia a se volatilizar e esta já era outra característica. Era um trabalho que, na verdade, não tinha mais aquele culto do objeto, puramente; as coisas existiam em função do que poderiam provocar no corpo social. Era exatamente o que se tinha na cabeça: trabalhar com a idéia de público. Naquele período, jogava-se tudo no trabalho e este visava atingir um número grande e indefinido de pessoas: essa coisa chamada público. Hoje em dia, corre-se inclusive o risco de fazer um trabalho sabendo exatamente quem é que vai se interessar por ele. A noção de público, que é uma noção ampla e generosa, foi substituída (por deformação) pela noção de consumidor, que é aquela pequena fatia de público que teria o poder aquisitivo.

Na verdade, as Inserções em Circuitos Ideológicos nasceram da necessidade de se criar um sistema de circulação, de troca de informações, que não dependesse de nenhum tipo de controle centralizado. Uma língua. Um sistema que, na essência, se opusesse ao da imprensa, do rádio, da televisão, exemplos típicos de media que atingem de fato um público imenso, mas em cujo sistema de circulação está sempre presente um determinado controle e um determinado afunilamento da inserção. Quer dizer, neles a "inserção" é exercida por uma elite que tem acesso aos níveis em que o sistema se desenvolve: sofisticação tecnológica envolvendo alta soma de dinheiro e/ou poder.

As Inserções em Circuitos Ideológicos nasceram com dois projetos: o Projeto Coca-Cola e o Projeto Cédula. O trabalho começou com um texto que fiz em abril de 1970 e parte exatamente disso: 1) existem na sociedade determinados mecanismos de circulação (circuitos); 2) esses circuitos veiculam evidentemente a ideologia do produtor, mas ao mesmo tempo são passíveis de receber inserções na sua circulação; 3) e isso ocorre sempre que as pessoas as deflagrem.

As Inserções em Circuitos Ideológicos surgiram também da constatação de duas práticas mais ou menos usuais. As correntes de santos (aquelas cartas que você recebe, copia e envia para as pessoas) e as garrafas de náufragos jogadas ao mar. Essas práticas trazem implícita a noção do meio circulante, noção que se cristaliza mais nitidamente no caso do papel-moeda e, metaforicamente, nas embalagens de retorno (as garrafas de bebidas, por exemplo).

Do meu ponto de vista, o importante no projeto foi a introdução do conceito de "circuito", isolando-o e fixando-o. E esse conceito que determina a carga dialética do trabalho, uma vez que parasitaria todo e qualquer esforço contido na essência mesma do processo (media). Quer dizer, a embalagem veicula sempre uma ideologia. Então, a idéia inicial era a constatação de "circuito" (natural), que existe e sobre o qual é possível fazer um trabalho real. Na verdade, o caráter da "inserção" nesse circuito seria sempre o de contra-informação.

Capitalizaria a sofisticação do meio em proveito de uma ampliação da igualdade de acesso à comunicação de massa, vale dizer, em proveito de uma neutralização da propaganda ideológica original (da indústria ou do Estado), que é sempre anestesiante. É uma oposição entre consciência (inserção) e anestesia (circuito), considerando-se consciência como função de arte e anestesia como função de indústria. Porque todo circuito industrial normalmente é amplo, mas é alienante(ado).

Por pressuposto, a arte teria uma função social e teria mais meios de ser densamente consciente. Maior densidade de consciência em relação à sociedade da qual emerge. E o papel da indústria é exatamente o contrário disso. Tal qual existe hoje, a força da indústria se baseia no maior coeficiente possível de alienação. Então as anotações sobre o projeto Inserções em Circuitos Ideológicos opunham justamente a arte à indústria.

(...)

Porque tem uma transação em artes plásticas que se baseia ou na mística da obra em si (embalagem: tela, etc.) ou na mística do autor (Salvador Dalí ou Andy Warhol, por oposição, são exemplos vivos e atuais): ou parte para a mística do mercado (o jogo da propriedade: valor de troca). A rigor, nenhum desses aspectos deveria ser prioritário. No momento em que há distinções nessa ou naquela direção, surge a distinção de quem pode fazer arte e quem não pode fazer. Tal como eu tinha pensado, as Inserções só existiriam na medida em que não fossem mais a obra de uma pessoa. Quer dizer, o trabalho só existe na medida em que outras pessoas o praticam. Uma outra coisa que se coloca, então, é a idéia da necessidade do anonimato. A questão do anonimato envolve por extensão a questão da propriedade. Não se trabalharia mais com o objeto, pois o objeto seria uma prática, uma coisa sobre a qual você não poderia ter nenhum tipo de controle ou propriedade. E tentaria colocar outras coisas: primeiro, atingiria mais gente, na medida em que você não precisaria ir até a informação, pois a informação iria até você; e, em decorrência, haveria condições de "explodir" a noção de espaço sagrado.

(...)

Enquanto o museu, a galeria, a tela, forem um espaço sagrado da representação, tornam-se um triângulo das Bermudas: qualquer coisa, qualquer idéia que você colocar lá vai ser automaticamente neutralizada. Acho que a gente tentou prioritariamente o compromisso com o público. Não com o comprador (mercado) de arte. Mas com a platéia mesmo. Esse rosto indeterminado, o elemento mais importante dessa estrutura. De trabalhar com essa maravilhosa possibilidade que as artes plásticas oferecem, de criar para cada nova idéia uma nova linguagem para expressá-la. Trabalhar sempre com essa possibilidade de transgressão ao nível do real. Quer dizer, fazer trabalhos que não existam simplesmente no espaço consentido, consagrado, sagrado. Que não aconteçam simplesmente ao nível de uma tela, de uma superfície, de uma representação. Não mais trabalhar com a metáfora da pólvora — trabalhar com a pólvora mesmo.

LEIA EM BRAVO! DE JULHO DE 2006 (NAS BANCAS) TEXTO SOBRE A EXPOSIÇÃO BABEL

Posted by João Domingues at 10:13 AM