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março 8, 2010
História em branco por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 5 de março de 2010
Com livro sobre fotografias furtadas da Biblioteca Nacional, Rosângela Rennó contribui para o debate sobre a manutenção do patrimônio cultural
Rosângela Rennó chama a atenção para crimes não resolvidos
Em plena folia do Carnaval 2006, quando o bloco das Carmelitas agitava o bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, quatro homens armados com granadas invadiram o Museu Chácara do Céu, no ponto mais alto do bairro, e levaram telas de Pablo Picasso, Henri Matisse, Salvador Dali e Claude Monet. Até hoje sem solução, o crime está, segundo o FBI, entre os dez maiores roubos de obras de arte do mundo. Alguns meses antes, 946 peças foram furtadas da Divisão de Iconografia da Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Entre elas, 751 fotografias de autores como Marc Ferrez, Juan Gutierrez e Henschel & Benque, doadas por dom Pedro II após a Proclamação da República, em 1889. Passados quatro anos, essa investigação criminal tampouco foi concluída e apenas 101 fotografias foram recuperadas. De acordo com dados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), há hoje 1.558 bens culturais desaparecidos. Mas, como o Iphan só leva em conta os bens tombados – o que não era o caso das fotos furtadas da FBN –, calcula-se que os números sejam bem mais expressivos.
“Entre 2005 e 2007, houve vários roubos consideráveis. Todos ainda sem solução e milhares de fotos não recuperadas”, afirma a artista Rosângela Rennó, que acaba de editar o livro “2005-510117385-5”, título que se refere ao número do inquérito policial do caso da Biblioteca Nacional. Em vez de reproduzir as imagens que documentavam a capital imperial no século XIX, o livro reproduz apenas os versos das 101 fotografias recuperadas, juntamente com a legenda descritiva de cada imagem que não é mostrada para o leitor. São páginas de imagens “em branco”, que, metaforicamente, remetem ao desaparecimento de boa parte do patrimônio nacional e ao esquecimento a que esse tipo de crime é relegado no Brasil. “Para mim, apontar os brancos e as amnésias é mais interessante que falar em memória”, diz Rosângela, que desde os anos 1980 desenvolve uma obra a partir de imagens descartadas e esquecidas pela sociedade. Seu livro de fotografias em branco ecoa, por exemplo, o documentário “Vera Cruz” (2000), premiado no 13º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil. Baseado na carta escrita por Pero Vaz de Caminha, o projeto se fundamenta na impossibilidade de um documentário sobre o Descobrimento do Brasil: em vez de imagens representativas da história, o espectador tem acesso apenas à imagem de uma película desgastada, que teria sofrido um processo de apagamento.
Diante da inoperância policial em crimes sobre o patrimônio cultural, resta-nos a contribuição de artistas com a verve investigativa de Rosângela. Ela aponta que, alguns meses antes do furto, outro setor da FBN foi vítima de um golpe de outra natureza: do Laboratório de Fotografia e Digitalização da FBN foram furtados os principais discos rígidos dos computadores, nos quais vinham sendo arquivadas todas as reproduções digitais do acervo da Divisão de Iconografia. “Os dois crimes nunca foram oficialmente relacionados. Mas tudo parecia muito bem orquestrado”, afirma. Com uma tiragem infelizmente limitada a 500 exemplares, o livro “2005-510117385-5” foi um dos projetos ganhadores do edital Arte e Patrimônio 2009. Já que todos os exemplares serão doados a bibliotecas brasileiras, é como se parte desse imenso patrimônio perdido nos fosse restituída.
Galeria expõe obras de artista vetadas por família de Oiticica por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 8 de março de 2010.
Venezuelano Jorge Pedro Núñez faz trabalhos com imagens do brasileiro
Um dos artistas selecionados para o polêmico Panorama da Arte Brasileira "sem brasileiros", com curadoria de Adriano Pedrosa, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, no ano passado, não mostrou as obras previstas para a mostra.
O venezuelano Jorge Pedro Núñez apresentaria colagens e fotomontagens que se apropriam de trabalhos de Hélio Oiticica (1937-1980), como os Metaesquemas e as Cosmococas, mas a família de Oiticica não autorizou sua apresentação por considerá-los plágio.
O MAM optou então por não comprar uma briga. No catálogo da mostra, contudo, estará a carta em que Núñez tentou convencer, em vão, os Oiticica a autorizar a exibição. As obras "não autorizadas", além de várias outras que se apropriam de outros artistas, como os quadrados de Josef Albers, estarão expostas, a partir de amanhã, na galeria Luisa Strina.
Apropriação é uma das modalidades mais praticadas na produção contemporânea. Ela pode ser vista nas colagens e gravuras de Rauschenberg, até recentemente em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, e mesmo no trabalho de Oiticica, que para criar suas Cosmococas utilizava fotografias, capas de discos, jornais e livros, como "Notations", de John Cage.
Em sua carta, Núñez explica que se trata de uma "homenagem" ao artista e que sua série de Cosmococas foi feita a partir do catálogo "Quasicinemas", da retrospectiva de Hélio Oiticica organizada pelo argentino Carlos Basualdo no New Museum, em Nova York. "Nem consultei a família Oiticica porque acho que esses trabalhos não têm nada a ver com plágio", disse Luisa Strina na montagem da mostra, anteontem. A Folha tentou falar com Cesar Oiticica, mas não obteve resposta. Além de Núñez, Strina apresenta também a série de 12 desenhos do argentino Matías Duville, "Esto Fue Otro Lugar".
Feitos em grande escala e apresentados no térreo da galeria, os desenhos lembram imagens de ficção científica criadas no início do século 20.
Evento terá "terreiros" entre a exposição por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 6 de março de 2010.
Em 1998, com a antropofagia como tema central, o curador Paulo Herkenhoff, da 24ª Bienal de São Paulo, tornou o tema uma referência internacional. Para a 29ª edição, Agnaldo Farias, o cocurador brasileiro da mostra, diz que já encontrou o mote que vai marcar essa Bienal: a noção de terreiro.
"Essa é uma bienal que pretende celebrar a política, mesmo enquanto os políticos a desmoralizam. Não poderíamos organizar uma mostra que fosse simplesmente contemplativa e, por isso, vamos ter seis terreiros, que é o lugar da festa, do sagrado e do profano, como espaços para encontro em meio à exposição", conta Farias.
A ideia surgiu na primeira reunião do time curatorial, a partir da canção de Assis Valente, "Brasil Pandeiro", que se popularizou com os Novos Baianos, e tem o verso "Brasil, esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros/ que nós queremos sambar". Segundo Farias, "foi no morro que o Oiticica criou os parangolés, e o terreiro é uma construção essencialmente brasileira, o que faz todo sentido para o caráter que queremos dar à mostra".
Assim, no pavilhão do Ibirapuera, em meio à mostra, serão dispostos seis terreiros, cada um organizado por um artista, de acordo com os temas usados na 29ª Bienal. Ernesto Neto, o único até agora confirmado, será o criador do terreiro da "Lembrança e Esquecimento", uma reflexão sobre o papel do monumento. Os demais temas são "Dito, Não Dito e Interdito", uma tribuna para debates, inspirada em Guimarães Rosa; "Pele do Invisível", o espaço para projeção de filmes; "Longe Daqui, Aqui Mesmo", que irá abordar as utopias; "Eu Sou a Rua", espaço para palestras e debates; "O Mesmo, o Outro", o lugar das performances, a partir de um texto de Jorge Luis Borges. "Durante a Bienal vamos ter entre 200 e 300 ações acontecendo nesses espaços, seja a apresentação do coro da Osesp, seja uma peça de dança contemporânea", diz Farias.
Na próxima quarta, um ciclo gratuito de palestras dá início à programação da 29ª Bienal. Organizado por Helmut Batista, coordenador do projeto Capacete, o primeiro debate será com o artista albanês Anri Sala, no teatro Arena. No dia seguinte, o brasileiro Amilcar Packer e o britânico Jeremy Deller irão abordar suas trajetórias artísticas, no mesmo local. "O Arena foi cedido ao Helmut pela Funarte e toda a programação dele, durante esse ano, terá apoio da Bienal. Creio que essa é uma forma de mostrar o que entendemos por política, adensando o debate e colaborando com outras instituições, em vez de ficarmos apenas no Ibirapuera", conta Farias.
Fundação já possui verba para Bienal por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 6 de março de 2010.
Instituição captou R$ 23 milhões para 29ª edição da mostra, em setembro; situação rompe com crise iniciada em 2000
Presidente da Bienal espera chegar a R$ 30 milhões; evento passou a ter grande investimento da iniciativa privada em vez da União
Não se ouviu o espocar de rolha saltando de uma garrafa de champanhe, mas o clima da reunião da diretoria da Fundação Bienal de São Paulo, na última segunda, era próximo à felicidade entorpecente provocada pelo espumante francês.
Nela, Heitor Martins, presidente da instituição, anunciou que já havia captado R$ 23 milhões para a organização da 29ª Bienal de São Paulo, com inauguração prevista para 21 de setembro, quando a estimativa mínima para o evento era R$ 20 milhões. Só em caixa, Martins já conta com R$ 11 milhões, o equivalente ao que foi gasto na última edição, em 2008, a chamada "Bienal do Vazio", que deixou um rombo de mais de R$ 4 milhões, também já pagos pela nova direção.
Essa situação rompe uma histórica crise, que teve início em 2000, quando a Bienal passou a ter dificuldades de captação e levou Ivo Mesquita a renunciar ao cargo de curador, quando se propôs o adiamento do evento. "A Bienal nunca se recuperou daquele choque. Creio que as últimas duas edições foram interessantes, mas não se comparam às anteriores", diz o curador costarriquense Jens Hoffmann, que dirige o Instituto de Arte Contemporânea Wattis, em São Francisco, e pretende visitar também a próxima edição.
Outros curadores estrangeiros, que não visitaram a última edição, como Agustín Perez Rubio, do Museu de Arte Contemporânea de Leon (Espanha), estão comprando suas passagens para SP. "Curadores como Chus Martínez e Yuko Hasegawa ajudam a dar prestígio à nova Bienal", diz Rubio.
Retomada
Assim, ao que tudo indica, é o momento da retomada da Bienal. "Creio que nos últimos anos, a Fundação era mais hermética, e nós conseguimos nos aproximar mais da sociedade, pois temos um projeto bem estruturado e estamos fazendo um esforço de comunicação", diz Martins, à Folha, que espera chegar aos R$ 30 milhões, valor considerado como ideal para organizar a 29ª Bienal.
Itaú Unibanco, Fiat, Oi, Deutsche Bank, Votorantim e Klabin são algumas das empresas que estão investindo na Bienal, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, revertendo o perfil da última década, marcada basicamente por investimento direto da União, um dos fatores que gerava atrasos. "Conseguindo endosso do patrocinador, criamos um engajamento e um maior controle de qualidade. Nossa perspectiva é criar agora vínculos de longo prazo", explica Martins. Pode parecer incrível, mas até agora a Bienal sequer tinha uma setor de captação. "Nós revertemos o perfil da Fundação, que até agora tinha mais funcionários envolvidos com funções administrativas do que com a preparação da própria Bienal", conta o presidente. Assim, foi terceirizada, por exemplo, a contabilidade e criadas três novas áreas, captação, design e relações institucionais, além de ter reforçada a produção. "Creio que tudo isso está sendo possível, pois a instituição nunca teve uma diretoria como essa, com perfis muito distintos. Temos advogados, financistas, professores e até organizadores de outras bienais. Posso ser o que mais aparece, mas não sou o que mais trabalha", diz Martins.
Apoio
O clima de otimismo, não vem só do parque Ibirapuera. Desde que foi lançado candidato a presidente, numa situação de vácuo enquanto a Bienal se afundava em dívidas, Martins já tinha o apoio das entidades culturais da cidade. "Nós o apoiamos, pois ele tinha uma história de relação com a arte contemporânea e acredito que fazia parte do projeto dele o contato com as outras entidades", conta Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca do Estado.
Essa mobilização inicial, concretizada numa carta de apoio, foi motivada pelo Ministério Público (MP), que chegou a indeferir a posse de Martins, já que sua mulher, Fernanda Feitosa, promove a SP Arte no prédio da Bienal. Mas o MP voltou atrás, após a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que proíbe ingerências de Martins no contrato de Feitosa com a Bienal.
Reunidas agora no "São Paulo Polo de Arte Contemporânea", um fórum que visa programar as atividades paulistanas durante a Bienal, as instituições museológicas da cidade, cujas reuniões contam até com o secretário estadual de Cultura, João Sayad, recolocam a instituição como figura central na cultura visual da cidade.
Em algumas edições recentes, é bom que se lembre, as mostras paralelas eram mais elogiadas do que a própria Bienal. "A Bienal agora tem a capacidade ser novamente o polo articulador dessa ação", diz Araújo.
