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abril 28, 2010
Perspectivas sugestivas do Recife, Diario de Pernambuco
Matéria originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 26 de abril de 2010.
Exposição fotográfica que entra em cartaz hoje, na Casa Rosada, traz a impressão de 16 profissionais sobre a cidade
A exposição fotográfica Olhares sobre o Recife inaugura hoje o projeto Casa Rosada Cultural, na Casa Rosada Recepções. "Tem foto para todos os gostos, do Mercado de São José, pontes, praias, Torre Malakoff, das pessoas. São perspectivas bem peculiares, pois todos ficaram bem livres para escolher", garante o coordenador técnico da exposição, Ivan Alecrim.
A definição do tema se deu quando os organizadores perceberam que os fotógrafos recifenses têm retratado pouco a cidade. Foram pedidas a cada convidado duas imagens que representassem bem o Recife para eles. Alguns selecionaram do acervo, outros tiveram de produzir novas fotos. O resultado são olhares voltados para diferentes pontos e situações da cidade, ficando quase impossível não se identificar com alguma delas.
A coordenadora de fotografia do Pernambuco.com, Annaclarice Almeida, por exemplo, retratou os barqueiros que transportam turistas do Marco Zero ao Parque das Esculturas de Francisco Brennand, numa fotografia que mistura a imensidão do rio com as mãos e pés calejados de um homem cujo rosto não é mostrado. "Para mim, a expressão dele estava na mão, calejada, que trabalha. Eu quis mostrar o Marco Zero através dos pescadores, que vivem daquilo. O sustento desse pessoal", revela Annaclarice.
Além dela e de Ivan Alecrim, participam da exposição outros 14 profissionais, entre veteranos e iniciantes: Alexandre Belém, Ana Lira, Arnaldo Carvalho, Christian Cunha, Cristiana Dias, Edmar Melo, Gustavo Bettini, Heitor Cunha, Jarbas Jr., Joanna Calazans, Miva Filho, Priscila Buhr, Renata Victor e Sérgio Bernardo.
O lançamento, aberto ao público, será às 16h, com apresentação da banda Dom Angelo Jazz Combo e presença dos fotográfos. A mostra fica em cartaz até o dia 28. O horário de visitação é das 16h às 21h e a entrada é franca.
O projeto Casa Rosada Cultural foi idealizado por Raphael Cireno, diretor de projetos especiais da casa de recepções, e tem como objetivo estimular e divulgar a produção cultural da cidade. Outros projetos a serem lançados este ano são o Casa Rosada Sustentabilidade e Casa Rosada Social. (Luiza Maia, especial para o Diario)
Uma relação além da arte por Pollyanna Diniz, Diario de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 20 de abril de 2010.
Marchand Carlos Ranulpho inaugura hoje mostra com obras do amigo Vicente do Rego Monteiro
O bilhete foi deixado por baixo da porta do apartamento do edifício Holliday, em Boa Viagem. Era fim da década de 1960. Do outro lado, ao ler o recado, Vicente do Rego Monteiro quis logo saber quem era o homem que o procurava. "A primeira coisa que ele me disse foi: 'o que é que o senhor quer comigo?'", recorda Carlos Ranulpho de Albuquerque. Dois anos mais tarde, em 1970, o pintor pernambucano faleceu, vítima de enfarte, mas a relação de amizade travada desde aquele encontro inicial foi fundamental na carreira do mais antigo marchand pernambucano.
Naquela conversa, Ranulpho, como se tornou conhecido no mundo das artes, convenceu Monteiro a fazer uma exposição no Recife, inicialmente com 20 quadros. "Ele achava que ninguém iria comprar as telas dele aqui. Depois de dizer o quanto ele era importante, avisei que não queria consignação. Iria comprar as telas. Ele disse que não queria me fazer perder dinheiro, mas começou a trabalhar", conta.
Dias depois, o pintorchegou à galeria, na Rua da Aurora, com três quadros. Mais alguns dias se passaram e, na próxima visita de Vicente do Rego a Ranulpho, os quadros já estavam vendidos. "Ele chegou com aquela 'boinazinha' e me olhou com muita incredulidade. Como era um sábado, fiz o convite para ele almoçar na minha casa. Depois daquela tarde, ficamos amigos". Antes mesmo que a exposição fosse aberta, em 1969, todos os 20 quadros já estavam vendidos. Monteiro pintou outros cinco, que foram comercializados logo na abertura da exposição.
"Gilberto Freyre fez um belo artigo no Diario de Pernambuco; na inauguração, a casa estava cheia, muitos amigos. Ele se sentiu revigorado", relembra Ranulpho. Depois dessa, o pintor aceitou o convite de Walmir Ayala, então crítico de arte do Jornal do Brasil, para fazer uma exposição numa galeria no Rio de Janeiro, em 1970.
Participou ainda de uma coletiva das dez exposições mais representativas do ano, também no Rio; nessa, um colecionador trocou um quadro por um apartamento modesto no bairro da Barra da Tijuca. "Ele então ficou com um ateliê lá e outro aqui. Nessa época, ele produzia muito, com muita rapidez. Já tinha idade avançada e queria que a família pudesse ficar com os quadros. Em 1970, fizemos a segunda exposição aqui no Recife. Ele tinha uns 70 anos, mas veio do Rio de Janeiro para o Recife, dirigindo um carro. Amarrou os quadros em cima do carro e veio. Uma loucura!". Uma semana depois da inauguração da exposição, o artista faleceu. O último trabalho do pintor, um São Francisco, fez parte dessa individual.
Exposição - Desde a morte do artista, Ranulpho é representante da família de Vicente do Rego Monteiro. Algumas das obras que ele deixou de herança, pintadas principalmente na década de 1960, quando ele voltou definitivamente de Paris ao Brasil, estão na mostra Revivendo Vicente, que será aberta hoje, às 19h, na Galeria Ranulpho (Rua do Bom Jesus, 125, Bairro do Recife).
São quadros que mostram a influência do cubismo e da arte indígena de Marajó. "No trabalho dele, o desenho é fundamental. Ele dizia que era um pintor que economizava, gastava pouca tinta", brinca o marchand. As telas compõem quase um degradê de cores térreas, marrom, vinho, nude, azul.
Além de Vicente, Ranulpho consolidou a sua carreira trabalhando com importantes pintores pernambucanos, como Wellington Virgolino, de quem foi representante por 20 anos. Nas paredes da sua galeria, obras de João Câmara, Francisco Brennand, Reynaldo, Virgolino, Mário Nunes.
Vicente do Rego Monteiro
Revivendo Vicente
Até 07 de maio
Ranulpho Galeria
Rua do Bom Jesus 125, Bairro do Recife, Recife - PE
81-3225-0068
Segunda a sexta-feira, 10-12h e 14-18h
Fomento às artes // Chuva de editais irriga cultura do país, Diario de Pernambuco
Matéria originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 24 de abril de 2010.
São Paulo - Uma série de editais de fomento à cultura está irrigando fortemente a área neste semestre. A Funarte lançoiu esta semana 34 editais de fomento às áreas de teatro, dança, circo, artes visuais, fotografia, música, literatura, cultura popular e arte digital. São R$ 54 milhões (o orçamento da Funarte para 2010 é de R$ 101,6 milhões, sete vezes maior que o de 2003, e o maior em vinte anos de história da fundação). Serão concedidos mil prêmios e bolsas de até R$ 260 mil, para projetos de produção, formação de público, pesquisa, residências artísticas, apoio a festivais e produção crítica sobre arte. As inscrições estão abertas em todo o país. Os editais, fichas de inscrição e mais informações estão disponíveis em www.funarte gov.br.
A Caixa Econômica Federal também vai destinar R$ 33,1 milhões para quatro editais de patrocínio cultural em 2011. Os projetos englobam as áreas de teatro, dança, artesanato, artes plásticas e patrimônio. A presidente da instituição, Maria Fernanda Ramos, disse que os recursos da instituição financeira destinados à cultura em 2010 deverão totalizar R$ 53 milhões, mesmo montante do ano passado. Se somados a esse volume, os R$ 48 milhões que serão absorvidos na instalação de novos espaços Caixa Cultural em Fortaleza, Recife e Porto Alegre, os investimentos ultrapassam R$ 100 milhões este ano. O montante é exclusivo da Caixa, sem uso de incentivos fiscais.
Entre os editais para 2011, o Programa de Ocupação dos Espaços da Caixa Cultural investirá R$ 26 milhões na seleção de projetos para ocupação dos espaços em Brasília, Curitiba, Rio, Salvador e São Paulo. O valor máximo de patrocínio por projeto será de R$ 300 mil.
''Vejo minha obra como otimista'' por Maria Hirszman, Estado de S. Paulo
Matéria originalmente publicada no Caderno 2 do do jornal O Estado de S. Paulo, em 27 de abril de 2010.
Grande nome da pintura americana, Alex Katz estreia em São Paulo
Chega a parecer estranho que Alex Katz, apontado como um dos grandes nomes da pintura norte-americana e com mais de 200 exposições individuais e 500 coletivas no currículo, tenha esperado mais de meio século para fazer sua estreia no Brasil. O artista, que atribui essa longa ausência ao fato de sua obra ser considerada "muito americana", acredita que as coisas acontecem em seu devido tempo. Reunindo 24 obras gráficas, a seleção feita por Katz e seu filho Vincent - que assina a curadoria da mostra, é modelo de vários dos retratos apresentados e publica uma série de poemas no catálogo da exposição - pode ser vista pelo público a partir de hoje na Luciana Brito Galeria. Mesmo enxuta, a mostra tem um caráter de retrospectiva, contemplando obras desde 1968 até nossos dias. Estão lá presentes os principais temas (retratos, paisagens) e evidenciados o caráter ao mesmo tempo experimental e elaborado de sua produção.
A crítica comumente aponta que seu trabalho se situa em campos opostos, entre a presença e a ausência, realidade e artificialismo, familiaridade (usando sua família e amigos como modelos) e distância (suas paisagens são marcadas pela neutralidade). Você acredita que essas tensões estão na origem de uma certa melancolia, do clima nostálgico que sentimos em alguns de seus trabalhos?
Algumas vezes me surpreendo ao ver como as pessoas percebem o meu trabalho. Acho que minhas pinturas são líricas, sempre as vejo como algo otimistas. Mas pessoas diferentes veem coisas diferentes. A visão de um lago vazio, sem ninguém, pode parecer melancólico para alguns, mas para mim é uma imagem poderosa. Na verdade estou interessado em capturar a luz particular de um determinado momento do dia. Se consigo isso, as pessoas farão suas próprias associações a partir daí.
Pode-se considerar essa mostra como uma retrospectiva de sua carreira?
Mesmo sendo em primeiro lugar um pintor, é possível ter uma visão bastante ampla de meu trabalho por meio das gravuras exibidas na Galeria Luciana Brito. A gravura é uma parte importante de minha produção e muitas vezes uma última visão refinada de uma mesma imagem. Na minha obra gráfica, a motivação fundamental é a experimentação no processo. Quero sempre experimentar algo novo a cada vez.
Você acredita na existência de uma "escola americana de pintura"? É possível identificar nos escritos sobre seu trabalho um leque amplo de referências, indo de Matisse, a Pollock e Hopper. Como você explica essa diversidade?
A pintura deve indicar o lugar em que foi feita. Alguns pintores trafegam por outras culturas, outros não. Eu diria que meu trabalho eventualmente faz esse transcurso. Realmente esses nomes que você citou tem relevância. Mas há muitas outras referências em meu trabalho: cartazes, TV, cinema, Utamaro, Thutmose, Monet, Manet, Cézanne, Bonnard. E um monte de pintores mais contemporâneos, como Kline e Rothko. Na verdade trata-se de uma base realmente ampla.
Você disse certa vez que gostaria de pintar mais rápido que o pensamento. Qual a relação entre esse comentário e seu uso de enquadramentos e cortes pouco usuais? Há algo bastante cinematográfico em seu trabalho não?
Eu queria tentar fazer uma nova pintura num contexto em que a visão das pessoas está dominada pela TV, pelos filmes e pela fotografia. Meus estudos pictóricos iniciais vêm da parte não consciente do cérebro. Se pinto tão rápido quando penso, então é o inconsciente que realiza a pintura. Isso me liberta da rigidez do meu passado. A visão é algo cultural, que muda a cada 20 ou 30 anos. Para ver algo novo, é necessário sair e trabalhar em cima disso. A visualidade de uma cultura diz às pessoas como ver e a maioria vê o mundo através de um monitor de TV; eles aceitam aquilo como realidade. No entanto, não existe uma realidade absoluta. A realidade é variável e continua mudando. E o que eu estou tentando é dominar a visão das pessoas, fazê-los ver algo diferente; estou tentando dizer às pessoas como olhar para as coisas.
SP Arte começa hoje com 80 galerias e cerca de 2.500 obras por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de São Paulo em 28 de abril de 2010 de 2010.
Feira venderá trabalhos raros de Maria Martins, Antonio Bandeira e Portinari
Faltam cinco meses para a Bienal de São Paulo, mas o pavilhão no parque Ibirapuera já está lotado. Na sexta edição da feira SP Arte, que começa hoje, 80 galerias vão brigar pela atenção de colecionadores e convidados com cerca de 2.500 obras de arte até o próximo domingo.
Depois da crise, o mercado anda eufórico, turbinado por vendas expressivas em leilões e demanda cada vez maior por peças raras. "Todo mundo quer uma obra importante", diz a galerista Luisa Strina, que leva pinturas de Cildo Meireles avaliadas em US$ 300 mil à feira.
Se as cinzas do vulcão islandês atrapalharam o desempenho do Brasil no leilão de arte dos Brics no último fim de semana em Londres, nada impede agora que galeristas vendam o que ficou no país a preços bem avantajados. Ou seja, tudo o que for importante parece ter batido a marca de R$ 1 milhão.
É o caso de "Tamba Tajá", obra da escultora Maria Martins feita nos anos 40, avaliada em R$ 1,5 milhão, a peça mais cara da SP Arte, que pode voltar ao país depois de pertencer à coleção do Malba, em Buenos Aires. "Constellation Noire, Paris", de Antonio Bandeira, pintor abstrato morto nos anos 60 e agora tema de uma retrospectiva na França, custa R$ 1,1 milhão, e "Morto", de Portinari, tem etiqueta de R$ 1 milhão.
Entre os contemporâneos, Adriana Varejão parece seguir os passos de Beatriz Milhazes, que teve a obra mais cara da SP Arte em 2008, vendida a R$ 1,5 milhão. Na atual edição da feira, um trabalho de Varejão, avaliado em mais de R$ 1 milhão, já tem fila de compradores.
"Quanto mais holofotes voltados para a arte brasileira, mais altos ficam os preços", diz Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte. "Mas ainda assim brasileiros são baratos perto de estrangeiros do mesmo calibre." Desta vez, aliás, dez galerias estrangeiras, entre elas a poderosa Stephen Friedman, de Londres, participam da feira.
Uma cultura de direito por Naara Vale , O Povo
Matéria de Naara Vale originalmente publicada no caderno Vida & Arte do jornal O Povo em 22 de abril de 2010.
Em discussão no Brasil desde 2003, o Sistema Nacional de Cultura é o tema central do livro que o advogado e professor universitário Humberto Cunha Filho lança hoje, às 17 horas, na sede da AGU
Inspirado nos resultados do Sistema Único de Saúde (SUS), desde 2003, o Ministério da Cultura (MinC) vem discutindo a estruturação e implantação de um Sistema Nacional de Cultura (SNC), cujo objetivo é ``formular e implantar políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da federação e a sociedade civil``. Sete anos após o início das discussões, o sistema ainda não um formato definido, muito menos previsão para começar a funcionar no Brasil.
Algumas das principais questões que cercam o Sistema Nacional de Cultura são temas do livro Federalismo cultural e Sistema Nacional de Cultura: contribuição ao debate (Ed. UFC), que será lançado hoje, às 17 horas, na sede da Advocacia Geral da União (AGU). A obra é de autoria do advogado e professor Francisco Humberto Cunha Filho, cujo início dos estudos sobre o SNC data de 2003 e hoje já é referência nacional para o MinC, como um dos principais debatedores do assunto.
Compilados em 155 páginas, os textos do livro são adaptações de palestras e estudos realizados pelo autor entre 2003 e 2009. A obra está dividida em duas fases: na primeira, ao longo de quatro capítulos, o autor faz uma espécie de sondagem do que poderia ser o sistema integrado de políticas culturais no Brasil; já na segunda, em dois capítulos, o escritor discute o "o que está submerso nos discursos e análises até agora feitos sobre o Sistema Nacional de Cultura".
Segundo Humberto Cunha, entre as principais discussões da obra estão a própria implementação do SNC; o papel dos entes públicos e da sociedade civil nesse processo; as formas de conquistar verbas estáveis para que as políticas que venham a ser traçadas; e a implementação de políticas públicas que ultrapassem as políticas de Governo.
Uma das defesas do autor é de que o sistema cultural brasileiro não se espelhe em sistemas formatados para áreas que não têm o mesmo dinamismo da cultura, como é o caso do SUS, que rege as políticas públicas de saúde. "O SNC não pode ser uma simples cópia dos sistemas já existentes, dadas as peculiaridades da cultura", sustenta o autor. Parte dos estudos encontrados no novo livro de Humberto Cunha serviram de base para o MinC elaborar a Proposta de Estruturação, Institucionalização e Implementação do Sistema Nacional de Cultura, em 2009.
O documento adota a sugestão do pesquisador de se criar uma estrutura mista para o SNC, constituída por "um núcleo estático - instituído por uma legislação (Projeto de Emenda Constitucional e/ou lei) - e uma dimensão dinâmica - disciplinada por pactuações formalizadas pelas devidas instâncias de negociação, com período de tempo determinado, decorrentes das necessidades impostas pela organização e implementação das políticas culturais, nos entes federados".
Como o próprio título sugere, Federalismo cultural e Sistema Nacional de Cultura é uma contribuição às discussões sobre o SNC, com o objetivo de ``provocar, durante o tempo que for conveniente, o debate sobre o tema``.
Novo museu quer expor um Rio mais cosmopolita por Luiz Fernando Vianna, Folha de S. Paulo
Matéria de Luiz Fernando Vianna originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 22 de abril de 2010.
Projeto de Carlos Lacerda, que tinha ambições políticas e intenção de levantar a autoestima da cidade, é recuperado
Instituição conta com 22 coleções particulares, como as de Elizeth Cardoso e Jacob do Bandolim; espaço terá novelas de rádio e TV
O primeiro Museu da Imagem e do Som do país nasceu em 1965 sobre um interessante paradoxo. Na ressaca por perder o status de capital para Brasília, o Rio queria ressaltar suas características peculiares e mostrar o quanto era uma cidade nacional e cosmopolita.
Na locomotiva do movimento, um governador que planejava grandes realizações no recém-criado Estado da Guanabara -substituto do Distrito Federal e fundido em 1975 com o Estado do Rio de Janeiro- para se tornar presidente da República. No entanto, o regime militar suspendeu as eleições diretas e cassou os direitos políticos de seu ex-defensor Carlos Lacerda.
"Não somos uma capital decaída, somos uma cidade libertada", discursou Lacerda em 1960, no LP de campanha "A Redenção da Cidade", também acenando para o país. "Sabem esses brasileiros que somos uma região sem regionalismo, pensamos os nossos problemas em termos mundiais além de continentais, e continentais além de nacionais."
O MIS era fundamental neste projeto, pois documentaria o que é ser carioca, sem deixar de fornecer "o deslumbramento dos olhos, a diversão para os ouvidos", como destacou Lacerda na inauguração, no ano do quarto centenário da cidade.
A nova versão do museu quer restaurar o projeto inicial, já que na maior parte de sua história, por razões políticas e financeiras, o MIS se limitou a reunir documentos. Mas Rosa Araujo relativiza o protagonismo de Lacerda. "O MIS foi criado por uma geração, que viu a necessidade de se manter a memória do Rio", diz ela, embasada pela historiadora Cláudia Mesquita, que fala no livro "Um Museu para a Guanabara" no "empreendimento coletivo de políticos e intelectuais cariocas, voltados para a reafirmação do Rio como capital cultural do país".
O museu começou com os acervos do colecionador Mauricio Quadrio, do cantor, radialista e pesquisador Almirante e dos fotógrafos Augusto Malta e Guilherme Santos. Hoje, tem 22 coleções particulares, como as de Elizeth Cardoso, Nara Leão e Jacob do Bandolim, além de 1.600 da série depoimentos para a posteridade.
Um terço de seu acervo vem da rádio Nacional. No novo prédio, as novelas de rádio estarão na mesma sala das telenovelas, cedidas pela TV Globo -assim como os programas humorísticos, reunidos no ambiente do "espírito carioca".
Narrativas como uma que parte do filme "Rio 40 Graus", de Nelson Pereira dos Santos, para contar a história da rebeldia no Rio do século 20 serão outros destaques. A bossa nova terá sala semelhante a um apartamento, com vista para o mar e fotos do Rio projetadas.
Nos níveis mais baixos do edifício estarão a boate Noites Cariocas, que durante o dia contará a história da noite do Rio, e uma área de convivência em que as pessoas poderão ver as "manchetes" daquela data, extraídas do acervo.
O centro de documentação passará a ter 300 metros quadrados, com terminais de consulta e salas de pesquisa. Mas a maior parte do acervo não ficará em Copacabana, por razões de segurança e porque estará quase todo disponível digitalmente, inclusive pela internet.
Futurista, MIS do RJ olha para o passado por Luiz Fernando Vianna, Folha de S. Paulo
Matéria de Luiz Fernando Vianna originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de abril de 2010.
Novo museu foca em maior público, interatividade e no legado cultural carioca
Operação é orçada em R$ 76,5 milhões; instituição terá prédio em Copacabana e Carmen Miranda como principal personagem
A arquitetura e os recursos tecnológicos apontam para o futuro, mas o novo Museu da Imagem e do Som carioca cumprirá uma missão do passado após sua inauguração, planejada para novembro de 2012.
Embora seja um grande centro de documentação, o MIS não conseguiu realizar de modo constante e consistente duas tarefas que tinha em 3 de setembro de 1965, quando o então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, abriu suas portas: ser um lugar de produção de bens culturais e de exposição do acervo, não ficando restrito a pesquisadores.
"Ele agora será um museu total, exibindo seu acervo com um conceito e de forma interativa e atraente", diz a presidente da Fundação MIS, Rosa Maria Araujo.
Foi após visitar o Museu da Língua Portuguesa e o Museu do Futebol, em São Paulo, que o governador do Rio, Sérgio Cabral, convidou a Fundação Roberto Marinho para fazer algo semelhante com o MIS, dividido hoje entre dois prédios do centro da cidade carentes de reformas e poder de sedução.
Decidiu-se que ele seria o primeiro edifício público da orla de Copacabana, substituindo a boate Help, associada à prostituição e desapropriada por R$ 18,3 milhões -toda a operação do MIS está orçada em R$ 76,5 milhões, sendo R$ 20 milhões de empresas privadas.
Abriu-se um concurso, e o escritório norte-americano Diller Scofidio + Renfro venceu com um projeto que remete às curvas do calçadão que margeia a praia, criado por Burle Marx.
Onze conselheiros passaram três meses destrinchando o acervo para avaliar seu potencial e suas lacunas. Há um ano, o jornalista Hugo Sukman, curador do projeto, vem concebendo as 11 salas -ou "experiências" ou níveis, já que a divisão não é convencional- com Daniela Thomas e Felipe Tassara, responsáveis pela museografia do Museu do Futebol.
"É um museu do Rio de Janeiro, mas não é carioca no sentido bairrista", afirma Sukman, que tem Ruy Castro, Hermínio Bello de Carvalho e Sérgio Cabral, o pai, entre seus conselheiros. "O Rio é caracterizado por sua produção artística, que contribuiu para muito do que chamamos de cultura brasileira, com samba, choro, bossa nova, chanchadas etc., e chegou a outros países."
É o Rio como "capital da identidade do Brasil" que sustenta o conceito do MIS. "Os paparazzi do Leblon sabem do que eu estou falando", brinca Sukman, citando artistas que se radicaram no Rio para explicar melhor: "A música baiana não me interessa, mas Dorival Caymmi sim. O coco da Paraíba não me interessa, mas Jackson do Pandeiro sim".
Carmen Miranda
A principal personagem do novo MIS é Carmen Miranda. O acervo do já existente museu dedicado a ela foi incorporado e será ampliado. Carmen poderá ser vista em três etapas: a importante cantora que surge no Rio, sempre com imagens em preto e branco; o tipo que nasce no filme "Banana da Terra" (1938), no qual veste sua primeira baiana estilizada, já em cores; e a versão exacerbada que faz sucesso em Hollywood.
O público poderá folhear digitalmente esse álbum de imagens, muitas delas em movimento. "Ele escolherá qual momento da vida dela quer ver", diz Tassara, que criou com Daniela uma sobreposição dos figurinos de Carmen e das cenas em que ela aparece com eles.
A tecnologia será marcante em outras salas, como na do choro e do samba. O primeiro gênero, tido às vezes como chato e obsoleto, ganhará uma animação com imagens abstratas que procurará encantar o visitante, um tanto à maneira do clássico "Fantasia", da Disney. A mesma sala se transformará para a exibição de um filme sobre a história social do samba.
Já a história do Carnaval será narrada em forma de enredo de escola de samba. As imagens, raras como as feitas aqui por Orson Welles, serão projetadas nas paredes em 360º.
Rosa Araújo ainda quer seguir um exemplo que viu em Londres e permitir que o visitante leve para casa, num pen drive, a parte da visita que não fira direitos autorais, como algumas ações interativas.
Exposição traz capital como museu ao ar livre por Johanna Nublat, Folha de S. Paulo
Matéria de Johanna Nublat originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 20 de abril de 2010.
A estátua "A Justiça", uma mulher vendada encravada na praça dos Três Poderes, parece ter sido colocada na frente do Supremo Tribunal Federal para servir de cenário em dez entre dez protestos que clamam por justiça feitos em Brasília.
Também é ótimo pano de fundo o painel disposto no Salão Verde do Congresso Nacional, usado frequentemente nas entrevistas com políticos.
Longe de figuração, essas obras -a primeira, de Alfredo Ceschiatti, e a segunda, de Di Cavalcanti- fazem parte do vasto acervo em área livre ou em prédios públicos da capital que poderá ser (re)descoberto na exposição "Brasília -Síntese das Artes" a partir de hoje, no CCBB Brasília (leia quadro nesta página).
"As pessoas não têm a menor ideia do que são as obras com as quais elas convivem todos os dias", diz Denise Mattar, curadora da mostra, que ocorre em meio aos festejos do cinquentenário da cidade.
A curadora entende a capital como um "museu a céu aberto", composto por obras como as de Volpi, Maria Martins, Burle Marx, Franz Weissmann e Athos Bulcão, entre outros. "[Oscar] Niemeyer recuperou o ideal grego, com as artes integradas à arquitetura", afirma.
Mattar optou por apresentar essas obras ao público por meio de fotografias inusitadas e legendas explicativas sobre o autor, na primeira parte da mostra, que ainda traz uma tela inédita do próprio Niemeyer. Há outros dois núcleos: um com artistas contemporâneos e outro que fala da curta, porém inovadora, trajetória do Instituto Central de Artes, da UnB.
O ICA, como ficou conhecido, reuniu artistas de renome, como professores, entre 1962 e 1965, ano em que a universidade perdeu parte significativa do quadro numa demissão em massa em plena ditadura.
Segundo Mattar, o experimentalismo do ICA continuou influenciando os artistas de Brasília e do Rio de Janeiro, com a ida de integrantes do instituto para o MAM-RJ.
Ainda no rol das festividades dos 50 anos da capital, Brasília receberá a exposição "Lúcio Costa -Arquiteto", com estreia apenas em maio, no Museu Nacional da República.
A intenção da mostra é desvendar a trajetória de Costa, não só como urbanista mas também como arquiteto, para além de seu trabalho mais conhecido: a nova capital.
Para tanto, serão apresentados projetos de arquitetura (como as casas de duas filhas de Costa), de urbanismo (como a proposição para a nova capital da Nigéria) e de intervenções paisagísticas no Rio de Janeiro (Outeiro da Glória, monumento a Estácio de Sá no Aterro).
A concepção de Brasília, tornada possível a partir da bagagem do urbanista, também será esmiuçada. "Como qualquer pessoa, ele acumulou no seu "HD" interno a soma das experiências anteriores, muitas das quais afloraram na concepção de Brasília. O projeto do parque Guinle, por exemplo, está na origem das superquadras", diz Maria Elisa Costa, filha do urbanista e curadora da mostra.
"O corpo é tudo; o artista precisa estar presente" por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 19 de abril de 2010.
Marina Abramovic está presente. Todos os dias, desde que começou sua retrospectiva em março, ela vai ao Museu de Arte Moderna de Nova York para um encontro com estranhos. Fica sentada à espera de quem quiser dividir com ela um momento de silêncio no meio do furacão da ilha de Manhattan.
"Queria algo pequeno", diz ela. "A cidade é ruidosa, inquieta, mas, como todo furacão, tem um olho de calma no meio. Estou tentando criar essa calma."
Isso porque já soube incitar o caos até agora. Um dos maiores nomes da performance, Abramovic já se cortou, se congelou e se descabelou em obras passadas. Chegou a dar ao público instrumentos de tortura durante uma dessas ações -o trabalho terminou quando alguém apontou um revólver carregado para a cabeça da artista.
Mas este momento é outro. Antes de começar a mostra atual, em que 36 artistas refazem suas performances clássicas, Abramovic ficou cinco dias sem falar. Entregou telefones e computadores a seus assistentes e esqueceu a vida pessoal. "É preciso começar a viver dentro da performance; tudo desmorona", conta. "Crio uma infra-estrutura sem me mexer."
Ela quer formar uma galeria de performances, expor suas ações efêmeras como se fossem quadros. Quem for ao museu durante a mostra verá tudo acontecendo ao vivo. Mas como Abramovic é uma só, recrutou atores para repetir seus trabalhos -ela mesma já homenageou obras consagradas do gênero no MoMA, como a ação de Vito Acconci em que se masturbava sob o piso de uma galeria.
Na tentativa de garantir que tudo saísse do seu jeito, levou os performers atuais a um retiro no norte de Nova York, onde tem uma casa de campo. Lá, também ficaram sem seus telefones e qualquer tipo de acesso ao mundo real. Não podiam falar e acordavam todos os dias às seis da manhã para tomar banho no rio, nus e sem sabão.
"Performance tem a ver com foco, apagar o que está ao redor", afirma. "Você precisa encontrar seu centro na solidão."
No fim, é uma estética despojada a dela: corpos nus, ornamentos ausentes, o embate escancarado. Abramovic gosta de encarar o público, provoca pela dor que sente diante da plateia, pelo constrangimento que arquiteta no espaço. É a afirmação, segundo ela, de uma arte que não se vende num mundo em que tudo virou commodity.
"Aquele crânio de diamantes do Damien Hirst mostra esse excesso", diz Abramovic. "Na performance, não tem isso. É um momento refrescante."
E se faz performances mais longas agora, atos de resistência, é para enfatizar justo isso, a desaceleração em meio à voracidade do mercado. "O corpo agora é mais importante do que nunca", resume. "Isso é tudo que temos, o artista precisa ser real, precisa estar presente."
Abramovic se reinventa na retrospectiva de suas performances no MoMA por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 19 de abril de 2010.
Com 40 anos de carreira, artista passará cerca de 600 horas sentada de frente para visitantes do museu sem dizer nada
Desde a década de 1970, Marina Abramovic é uma das principais referências da performance. Com ações radicais, que investigam os limites do corpo, como gritar até perder a voz, em "Freeing the Voice" (liberando a voz), de 1975, contribuiu de forma decisiva para estender a compreensão e o papel da arte no final do século 20.
Nos últimos anos, a artista sérvia tem estabelecido novas formas de pensar a performance, superando as próprias regras iniciais, baseadas na tríade: não ensaiar, não repetir, não prever o fim. Foi assim em 2007, quando reencenou seis performances históricas, de artistas como Vito Acconci, Joseph Beuys ou dela mesmo, no Guggenheim de Nova York.
"Marina Abramovic, a Artista Está Presente", em cartaz até 31 de maio, no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), representa sua mais recente e mais radical reflexão sobre como levar antigas performances ao museu, já que se trata de uma ampla retrospectiva de sua carreira.
Ao longo da mostra, cerca de 50 trabalhos são apresentados sob diversas formas: documentações por fotos, objetos usados, vídeos, desenhos e, a parte mais surpreendente, a reencenação de cinco de suas ações por jovens artistas, além de uma nova dela própria.
No átrio superior do MoMA, dois pisos abaixo da própria mostra, Abramovic realiza "A Artista Está Presente". Durante os três meses da exposição, num total de 600 horas, sempre que o museu estiver aberto, ela estará sentada à frente de uma pequena mesa, com uma cadeira vazia do outro lado, na qual os visitantes podem se sentar. Por todo esse período, ela não sai da cadeira, não fala.
Do outro lado, o mesmo ocorre e há filas constantes, provocadas por aqueles que querem dividir parte de seu tempo com a artista. A ação pode ser vista ao vivo no site do museu (www.moma.org).
Como performance significa que espectador e artista precisam compartilhar tempo e espaço, uma das boas estratégias da exposição, com curadoria de Klaus Biesenbach, é a reencenação de performances sem negar o fato de que são reencenações. É o que ocorre com "Relação no Tempo", realizada por Abramovic e Ulay Frank Uwe Laysiepen, em 1977.
Na original, os dois ficavam de costas, com seus cabelos entrelaçados por cerca de 17 horas. No MoMA, os artistas que reencenam são vistos por um retângulo cortado na parede, transformando a performance numa visão bidimensional, o que remete a uma das formas de documentação desse tipo de ação. A exposição joga com o caráter ambivalente da reencenação. Como se trata de uma retrospectiva de uma artista da performance, não há dúvida que a presença física de outros artistas de fato consegue ativar o espaço, como ocorre com "Imponderabilia", de 1977.
Na original, Ulay e Abramovic ficavam nus na entrada da galeria e só poderia nela entrar quem por eles passasse. No MoMA, há dois percursos, um similar ao original e outro, por onde passa a maioria, sem ninguém. A presença dos artistas nus tem não só surpreendido visitantes quanto estimulado outros a tocarem nos artistas, gerando polêmica no museu.
Contudo, a polêmica e a provocação são de fato inerentes a esse tipo de ação e, com "A Artista Está Presente", Abramovic, após mais de 40 anos de carreira, consegue se reinventar, estendendo ainda mais a compreensão da performance.
Lygia Clark é destaque de leilão na Inglaterra por Júlia Bolliger, Folha de S. Paulo
Matéria de Júlia Bolliger originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 27 de abril de 2010.
Obras brasileiras arrecadaram 1 milhão em evento com peças de países do Bric
Fechamento de espaço aéreo europeu desfalcou lote e impediu chegada de trabalhos de Nelson Leirner e Artur Barrio, entre outros
A escultura "Bicho", da série de Lygia Clark, foi a mais disputada e a quarta maior venda do leilão de peças dos países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), que aconteceu na sexta e no sábado em Londres.
Os lances superaram rapidamente o preço máximo de 220 mil (aproximadamente R$ 591,8 mil) em que foi avaliada, fechando em 367,2 mil (R$ 987,7 mil), um dos mais altos da primeira noite.
O evento aconteceu na Saatchi Galery e foi organizado pela casa russa Phillips de Pury. Com o salão lotado para a primeira venda, dezenas de assistentes disputaram ao telefone lances em nome de grandes colecionadores.
De todo o leilão, o maior arremate foi o do quadro russo "Entrance-No Entrance", de Erik Bulatov, vendido por 713,2 mil (R$ 1,9 milhão), seguido por "Meeting Between Solzhenitsyn and Böll at Rostropovich's Country House", de Komar & Melamid, arrematado sob aplausos por 657,2 mil (R$ 1,76 milhão), cerca de quatro vezes o preço estimado.
No total, os rendimentos foram de cerca de 7,1 milhões (R$ 19 milhões).
Os outros destaques brasileiros da primeira noite foram "Maria, Esmeraldo, Pomela, Nacimento, Valdelios e Amildala", da dupla Osgemeos, e um dos "Metaesquemas", de Hélio Oiticica. O quadro dos grafiteiros foi arrematado por lance de 37,2 mil (R$ 100 mil) e o de Oiticica, por 103,2 mil (R$ 276,5 mil), ambos acima do valor esperado.
No sábado, quem queria ver obras de Lygia Pape, Cildo Meireles ou Wesley Duke Lee foi prejudicado, pois as cinzas do vulcão Eyjafjallajokull impediram o embarque de lotes brasileiros. Trabalhos de Artur Barrio, Nelson Leiner, Carmela Gross, Mira Schendel e Miguel Rio Branco ficaram de fora.
Quanto aos outros, um dos mais disputados foi "Sideboard", do designer Giuseppe Scapinelli, avaliado em até 5 mil (R$ 13,5 mil) e vendido por 21,2 mil (R$ 57 mil). A maior venda dos lotes brasileiros (a sexta de todo o evento) foi "Mulatas", de Di Cavalcanti, arrematada por 265,2 mil (R$ 713,4 mil), recorde para um trabalho em papel do artista.
Beatriz Milhazes teve o quadro "Sábado" vendido por 11,2 mil (R$ 30,3 mil) e o maior arremate por uma obra de Vik Muniz foi de 20 mil (R$ 54,2 mil), por "Pelé" -da série "Jogadores de Futebol".
Prejudicada pela ausência de obras, a venda das peças brasileiras teve renda total de 1,1 milhão (R$ 3 milhões). A China rendeu 2,9 milhões (R$ 7,8 milhões); a Rússia, 2,3 milhões (R$ 6,2 milhões), e a Índia, 806,2 mil (R$ 2,2 milhões). Os lotes ausentes serão leiloados em data a definir.
JÚLIA BOLLIGER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LONDRES
Exposição esconde artista ousado por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 23 de abril de 2010.
Lado transgressor e polêmico de Flavio de Carvalho, que marcou sua carreira, fica ausente de retrospectiva no MAM
A retrospectiva "Flavio de Carvalho", em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com curadoria de Rui Moreira Leite, não faz por merecer o caráter ousado e transgressor de seu artista homenageado.
Flavio de Carvalho (1899-1973), que causou a ira dos fiéis católicos com sua "Experiência nº 2" (1931), ao caminhar sem chapéu e no sentido contrário de uma procissão; que desenhou retratos da mãe em seu leito de morte, na "Série Trágica" (1947); e andou de saia por São Paulo, na "Experiência nº 3" (1956), entre algumas de suas polêmicas ações, tem na mostra maior espaço para suas pinturas e desenhos.
Não que seu trabalho material não seja importante, mas não há dúvida que, na história da arte brasileira, é sua atitude que o coloca como uma das principais figuras e, nessa exposição, essa característica acaba por ser minimizada. A montagem asséptica, de paredes brancas e com vitrines para alguns de seus objetos, reforça ainda mais esse "enquadramento" de Flavio de Carvalho à instituição.
Agora, em 2010, previa-se um ano que poderia revelar um novo olhar sobre a obra de Carvalho, já que, além da retrospectiva no MAM, ele é figura central de uma mostra no Museu Reina Sofia, em Madri, e um dos destaques da 29ª Bienal de São Paulo. Contudo, a enfadonha mostra "Flavio de Carvalho", no MAM, não acrescenta nada ao que já se conhece sobre o artista.
Uma nova cidade
Por conta dessa fragilidade, ganha destaque "A Cidade do Homem Nu", mostra paralela que se utiliza de ideias de Flavio de Carvalho, na sala menor do MAM, com curadoria de Inti Guerrero. Com apenas 12 obras, o curador colombiano explora a ideia de Carvalho para uma nova cidade, onde existiria um homem "sem deus, sem propriedade, sem matrimônio... e sem tabus escolásticos, livre para o raciocínio e o pensamento".
Assim, ganha novo sentido a performance de Ney Matogrosso, enquanto estava à frente dos Secos e Molhados, nos anos 1970, e as imagens captadas de forma escondida em salas de cinemas pornô na Colômbia, de Miguel Angel Rojas, já que ambos colocam em prática os preceitos de Carvalho.
Outro destaque da pequena mostra é a série denominada "Rua Direita", de Claudia Andujar, que retrata a mesma via por onde o polêmico artista caminhou de saia. Para a série realizada nos anos 1970, Andujar postou-se no chão, capturando um olhar surpreso dos passantes. Ao menos na sala menor, Carvalho segue inspirando transgressão.
Masp exibe colagens de Max Ernst por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 23 de abril de 2010.
"Uma Semana de Bondade", série do artista publicada em livros nos anos 30, é um dos marcos do movimento surrealista
Obra com 188 colagens mostra construção do mundo em chave grotesca, denunciando os horrores do início do nazifascismo
É feito de barro, água, fogo e sangue o mundo de Max Ernst (1891-1976). Pelo menos a parte desse mundo que o artista retratou nas colagens da série "Uma Semana de Bondade", nome um tanto irônico para esse marco surrealista construído no levante do nazifascismo. No lugar da bondade, "a desgraça e a violência flutuavam no ambiente", escreveu Ernst. Ele passou três semanas de 1933 num castelo medieval recortando figuras de livros, jornais e revistas franceses para fazer as 188 colagens que publicou um ano depois em esquema de folhetim para donzelas.
Algumas delas não passaram pela censura da época e cortes da editora. A série inteira só foi exposta há dois anos em museus da Europa e está, também na íntegra, na mostra que o Masp abre hoje ao público. Se na Bíblia o mundo surge de ações épicas ao longo de sete dias, a separação da luz e das trevas, da terra e do firmamento, Ernst cria uma novela de costumes para expor numa semana grotesca os horrores da burguesia, mortes violentas, cenas de tortura e registros fantásticos de mazelas da psique.
Não descansa no domingo, dia associado ao barro. Mostra seus homens com cabeça de leão torturando pobres moças. Mulheres amordaçadas viajam em trens ao lado de figuras amarradas. Uma delas oferece os seios à língua do algoz. E elas não param de sofrer no segundo dia, quando um dilúvio arrasa Paris. No dia da água, elas afogam em seus quartos, morrem enforcadas em cascatas que invadem a cidade. É o retrato de uma sociedade impotente diante da natureza.
Ernst ironiza a futilidade da belle époque na terça-feira de sua semana, com homens e mulheres com asas e rabos de dragão. Senhores e senhoras viram répteis em palacetes burgueses, chorando dramas cotidianos, discutindo a relação. Nos retratos nas paredes, dragões observam a rotina. É o absurdo para revelar a violência domesticada, tragédia latente. Na cola desse horror, Ernst revisita o mito de Édipo no dia seguinte. Homens com cabeça de pássaro revivem o drama do filho do rei que não consegue escapar do destino: mata seu pai e se casa com a mãe.
Sonhos e pesadelos
Mesmo que as imagens pareçam inteiriças, com aspecto de gravura, esses homens-pássaro e mulheres-dragão denunciam a construção das colagens e se firmam como ponto alto do movimento surrealista, a reinvenção de um mundo fantástico com fragmentos do real, um tanto como fazem os sonhos.
Isso fica mais claro nos dias finais de sua semana. Vira a anatomia do avesso, desmembra corpos, alça suas mulheres histéricas a um voo libertário. Foi sua tradução em chave de sonho e pesadelo para um mundo de horrores com os pés plantados no chão.