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abril 10, 2010
Exposição ressalta potência visual de Ferrari e Schendel por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 09 de abril de 2010
Ao trazer à tona semelhanças e diferenças entre artistas, mostra apresenta organização complexa dos trabalhos
"O Alfabeto Enfurecido" é uma exposição provocativa. Ela apresenta dois artistas que formalmente possuem semelhanças: o argentino León Ferrari e a suíço-brasileira Mira Schendel, que nasceu em 1919 na Suíça e morreu no Brasil em 1988, após 40 anos no país.
Ambos, de fato, trabalham com letras e palavras inseridas em suas obras, mas, se ficasse apenas aí, essa seria apenas uma bela exposição, já que os dois são visualmente potentes.
Contudo, há uma ótima tese por trás dessas semelhanças: ao contrário dos artistas conceituais norte-americanos e europeus, que, nos anos 1960 e 1970, usavam letras e palavras apenas pelo conteúdo, os latino-americanos iam além disso, trabalhando com as letras também como construção visual.
Organizada por Luiz Pérez-Oramas, curador de arte latino-americana do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), onde a exposição teve a primeira estação, no ano passado, a mostra, assim, procura levar a produção de Ferrari e Schendel a um novo patamar.
No catálogo da exposição, uma coedição do MoMA e da editora brasileira Cosac Naify, Pérez-Oramas chega a afirmar que os dois artistas nem sequer deveriam estar situados dentro do rótulo "arte conceitual".
Mas, pelo que se vê na mostra, tal afirmação chega a ser um tanto exagerada.
"O Alfabeto" ocupa dois pisos inteiros da Fundação Iberê Camargo, além do hall de entrada e de alguns dos polêmicos corredores vazios projetados por Álvaro Siza, o que cria uma nova dinâmica na instituição, já que esses espaços cortam as mostras de forma drástica.
Ao longo da exposição, fica claro que, se há semelhanças, há diferenças fundamentais também. Enquanto Ferrari tem uma militância anticlerical em suas obras, Schendel faz o oposto. Mas o fato de ambos serem obsessivos na construção de seus trabalhos, usando do acúmulo uma de suas estratégias, é outro ponto de aproximação visível na mostra, o que faz com que o formalismo da primeira vista seja superado pela complexidade de sua organização.
León enfurecido por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 09 de abril de 2010
Mostra de León Ferrari é aberta hoje em Porto Alegre; polêmico artista argentino, vencedor do Leão de Ouro em 2007, ironiza mercado de arte e ataca Jesus Cristo
O nome da exposição "O Alfabeto Enfurecido", que é inaugurada hoje, na Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre), não trai a personalidade do argentino León Ferrari que, com a suíço-brasileira Mira Schendel, protagoniza a mostra. Em entrevista à Folha, na segunda, Ferrari, 89, não só chamou Jesus Cristo de fascista e ironizou o mercado de arte, como questionou o próprio local da exposição. "Eu não gostaria de entrar em um museu para um artista que matou alguém", afirmou, referindo-se a Iberê Camargo que, em 1980, matou um homem após uma discussão na rua.
Ferrari, que viveu em São Paulo entre 1976 e 1991, está acostumado a polêmicas. Em 2004, uma mostra sua em Buenos Aires provocou a fúria da Igreja Católica, sendo fechada e aberta diversas vezes, por conta de medidas judiciais. A mesma exposição, quando veio a São Paulo, em 2006, seria vista na Estação Pinacoteca, mas Ferrari não aceitou, argumentando que lá era um local de tortura de presos políticos. A mostra acabou realizada, então, na Pinacoteca do Estado. "Para nós, o passado está para trás. Estamos muito felizes em ter Ferrari conosco pela segunda vez. Em 2003, ele fez aqui uma gravura, exposta ano passado", disse Fabio Coutinho, superintendente cultural da Fundação Iberê Camargo. A atitude polemista de Ferrari, contudo, certamente lhe ajudou a conquistar o Leão de Ouro em Veneza, em 2007. Afinal, no mundo das artes plásticas, são raros os artistas com opiniões fortes, como se pode conferir a seguir.
FOLHA - O senhor tem obra e atitude muito políticas. Não é estranho que nessa mostra esse componente não esteja tão presente?
FERRARI - Eu também faço obras inofensivas [risos]. Agora mesmo, estou em meu ateliê fazendo obras inofensivas. Mas em relação à mostra, talvez seja culpa minha, eu deveria ter defendido mais essa parte. Mesmo a questão religiosa, que para mim não pode ser desvinculada da política, não está presente. Em 2004, aqui em Buenos Aires, provoquei uma grande polêmica por conta de minhas obras que abordam o catolicismo. Para mim, Jesus foi um intolerante. Quando ele disse "Quem não está comigo, está contra mim" revela-se um fascista, o que, aliás, foi mesmo usado pelo próprio Mussolini.
FOLHA - Em 2007, o senhor ganhou o Leão de Ouro, em Veneza, talvez o mais importante prêmio de artes plásticas atualmente. Isso mudou algo em sua vida?
FERRARI - Veneza é uma cidade especial para mim. Estive lá muitas vezes, a última para receber o prêmio. Meu pai, que era artista e arquiteto, trabalhou lá e fez muitas obras. Estamos organizando uma exposição de fotos do período, nos anos 20. Quanto ao prêmio, antes dele, minha obra não valia quase nada, era muito barata. Agora, ela vale muito mais do que eu mesmo acho. Aliás, pelos valores que estão aí, nunca compraria um quadro meu.
FOLHA - O sr. viu sua mostra com Mira no MoMA ou no Reina Sofia?
FERRARI - Não vi, não tenho viajado muito; é muito cansativo para minha idade. Em Porto Alegre, creio que três netas devem estar presentes.
FOLHA - Mas Buenos Aires é tão perto de Porto Alegre...
FERRARI - Olha, existe outra razão para não ir aí. Eu não gostaria de entrar em um museu para um artista que matou alguém. Não se pode ocultar isso. Eu sou contra isso. Saí da Argentina para São Paulo por conta da ditadura.
FOLHA - Mas o senhor permitiu a mostra.
FERRARI - Eu não sabia que ela iria para lá. No começo, era só Nova York e Espanha. Depois encontrei o diretor da Fundação Iberê Camargo, e disse a ele que não iria por essa razão.
FOLHA - O senhor conviveu com Mira Schendel, quando vivia em São Paulo?
LEÓN FERRARI - Participei, em 1980, de uma exposição organizada pelo Julio Plaza, na Pinacoteca do Estado, chamada "Gerox", um nome criado por ele, e ela também participou. Foi quando a conheci. Mas foi um contato rápido e nunca mais a encontrei...
FOLHA - E o senhor acha adequado serem vistos juntos?
FERRARI - De fato, acho que temos muitos pontos em comum.
FOLHA - No texto do catálogo, o curador da exposição aponta que ambos começaram com textos nas obras, no mesmo período (a década de 1960), sendo que o senhor teria motivação a partir da perda da audição e da fala de sua filha, em 1952.
FERRARI - É linda a comparação, mas não tinha pensado nisso.
FOLHA - Aos 90 anos, o senhor já deve ter ouvido muitas leituras surpreendentes de suas obras, não?
FERRARI - Sim, você não imagina quantas. Mas eu mesmo nunca digo minhas motivações justamente para permitir essas leituras e não cercear a imaginação dos outros.
abril 9, 2010
A arte de dizer a si mesmo por Carolina Marquis no Jornal do Comércio
Matéria de Carolina Marquis originalmente publicada no caderno Panorama do Jornal do Comércio em 09 de abril de 2010
Palavras têm corpo; têm peso e forma. A ausência ou presença delas constitui o discurso. O dito e o não dito estão presentes na exposição O alfabeto enfurecido: Leon Ferrari e Mira Schendel, que inaugura para convidados hoje à noite na Fundação Iberê Camargo (Padre Cacique, 2000) e fica aberta para visitação até o dia 11 de julho. Hoje também haverá uma mesa-redonda no auditório do museu para discutir as obras de Mira Schendel e Leon Ferrari. Luiz Pérez-Oramas, Andrea Giunta e Rodrigo Naves compõem a mesa em que o livro homônimo à exposição será lançado.
O compilado de obras do argentino e da sueco-brasileira, dois dos artistas visuais latino-americanos mais aclamados da segunda metade do século XX, teve sua retrospectiva organizada por Luiz Pérez-Oramas, curador de arte latino-americana do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA).
Depois de ter iniciado no MoMA e passado pelo Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofía, na Espanha, a exposição tem Porto Alegre como destino. “Por se tratar de uma mostra de dois artistas latino-americanos, fizemos questão de que as quase 200 peças chegassem até o Sul do continente americano”, disse o venezuelano Oramas. “Porto Alegre tem um significado especial para O alfabeto enfurecido”, completa. Esta foi a cidade que Mira Schendel, quando saiu da Suíça, escolheu como morada. As peças que estão expostas são acervo de colecionadores paulistas, argentinos, americanos e ingleses, e outras pertencem ao MoMA.
Mira e Ferrari iniciaram sua caminhada nas artes visuais na Itália da segunda metade do século XX, após a 2ª Guerra Mundial. Mais tarde, durante a ditadura militar na Argentina, Ferrari se exilou no Brasil e eles tiveram suas obras pensadas e executadas sob a bandeira verde e amarela. Ambos viviam na cidade de São Paulo, mas, mesmo assim, não chegaram a ter suas peças expostas entre as mesmas quatro paredes.
É justamente nos anos 1960 que os dois desenvolveram de forma mais concisa seus trabalhos de linguagem. Eles usam letras, palavras e até frases inteiras. Interpretam o corpo e o peso da palavra escrita e a miram como objeto artístico que ultrapassa seu significado. “Juntar esses dois artistas é incrível por diversas razões. Ambos viveram momentos históricos de violência política e suas obras giram em torno de dois pontos nevrálgicos: no caso de Mira, a linguagem e Deus, e no caso de Ferrari, a linguagem e o anti-Deus”, conta Oramas
Mira, com suas monotipias, e Ferrari, com as suas obras iconográficas, vivenciaram o mesmo problema sob diferentes prismas: pode-se pensar um problema através de sua afirmativa, ou sua negação. “O positivo e o negativo estão olhando sempre o mesmo ponto, mas sob diferentes ângulos.” Ferrari aborda as questões teológicas a partir do problema político, enquanto Mira olha sobre o ponto de vista filosófico.
O que faz a obra desses dois artistas universal é a maneira como, desde dois lugares diferentes, eles são capazes de compreender uma arte visual baseada na linguagem, em que o importante não é o que se diz, senão o ato de dizer. “Através dos quadros as coisas são ditas não apenas pelo que está escrito, mas pela composição do ato”, diz Oramas.
NY, Madri e Porto Alegre Por Fernanda Zaffari no Zero Hora
Matéria de Fernanda Zaffari originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal Zero Hora em 09 de abril de 2010
Mostra de León Ferrari e Mira Schendel será aberta hoje na Fundação Iberê Camargo
Quem não viu em Nova York, no MoMA, e quem perdeu em Madri, no Reina Sofía, pode visitar a partir de amanhã, em Porto Alegre, na Fundação Iberê Camargo, O Alfabeto Enfurecido – mostra de León Ferrari e Mira Schendel. A exposição abre a temporada do terceiro ano do museu com as respeitáveis credenciais listadas acima – acrescente-se que esta é a primeira grande mostra do MoMA (Museu de Arte Moderna) no Brasil –, e o mais relevante: traz à Capital generosa representação. São 180 obras de dois artistas venerados entre os mais importantes da América Latina.
– É um momento muito importante trazer à cidade o trabalho de uma das maiores artistas brasileiras e um dos maiores artistas argentinos – diz Fábio Coutinho, superintendente cultural da Fundação Iberê. – Agora estamos nos inserindo no circuito internacional.
Expor a obra de León Ferrari, argentino que aos 90 anos continua produzindo em seu ateliê em Buenos Aires, e Mira Schendel, suíça-brasileira morta em 1988, envolveu negociações de mais de dois anos e a integração de uma equipe internacional: curador, museóloga e restaurador vindos de Nova York.
Mostrar em conjunto as retrospetivas dos artistas foi ideia do venezuelano Luis Pérez-Oramas, curador de arte latino-americana do MoMA.
– Tem sido uma experiência desafiante instalar a mostra na arquitetura de Siza (Alvaro Siza, português autor da Fundação Iberê). O edifício é concebido para sua própria contemplação e destinado a abrigar uma coleção de pinturas permanente – explicou Oramas.
O Alfabeto Enfurecido é apresentada de maneira cronológica pelo átrio, segundo e terceiro andares do museu, provocando que o visitante encontre as semelhanças de linguagem e temática entre os artistas. Ambos começaram nos anos 1950. León, formado em engenharia, produziu cerâmicas na Itália. Mira, recém-chegada ao Brasil vinda da Europa pós-Guerra, desembarcou em Porto Alegre, onde permaneceu de 1949 a 1953, e seus primeiros trabalhos são naturezas-mortas.
León e Mira moraram em São Paulo na mesma época. Mira mudou-se em busca de maior visibilidade e integração com outros artistas, e León chegou em 1976, como exilado político durante a ditadura argentina – regime que vitimou um dos seus três filhos.
– Fui muito bem recebido e fiz bons amigos artistas, como a Regina Silveira – relembrou o argentino, na segunda-feira, durante entrevista a ZH em seu ateliê em Buenos Aires. – Conheci Mira rapidamente, mas não posso dizer que tivemos contato.
O encontro ao qual León se refere é uma coletiva de 1980. A exposição a ser aberta traz obras referenciais, como a série de esculturas Droguinhas (1966), na qual Mira enlaça delicados pedaços de papel japonês em cordões, e as esculturas abstratas de Léon, ao exemplo de Torre de Babel (1964), feitas em arames de aço inoxidável soldados. Os escritos produzidos por ambos, ora legíveis ora em grafias inventadas e/ou deformadas (foto), demonstram o uso da linguagem mais como uma matéria visual do que como meio de comunicação. Entre os temas recorrentes de León e Mira, uma forte visão crítica de política e religião.
Duas publicações acompanham a mostra, a do catálogo do MoMA, que recebe edição em português, e a do catálogo da exposição na Capital, parceria de Cosac Naify, MoMA e Fundação Iberê. Hoje, às 18h, haverá debate com o curador e convidados. A entrada é franca.
Fúria das letras ganha exposição, Correio do Povo
Matéria publicada originalmente no caderno Arte & Agenda do jornal Correio do Povo em 08 de abril de 2010
Obras de dois dos mais importantes artistas latino-americanos do século XX, León Ferrari e Maria Schendel, estarão reunidas na mostra "O Alfabeto Enfurecido", com abertura, a partir de amanhã, na Fundação Iberê Camargo (Padre Cacique, 2.000). Hoje, os participantes do catálogo da mostra, o curador Luis Pérez-Orama, a crítica argentina e historiadora da arte Andrea Giunta, e o crítico brasileiro Rodrigo Naves participam de mesa-redonda, com entrada franca, às 18h, no auditório do museu.
Pela primeira vez, uma mostra contrapõe o conjunto da obra da suíço-brasileira Mira Schendel (1919-1988) e do argentino León Ferrari (nascido em 1920), constituindo uma dupla retrospectiva. As 180 obras exibidas com exclusividade na Fundação chegam ao Brasil após temporadas no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e no Reina Sofia, em Madrid. As peças estarão distribuídas no átrio, terceiro e segundo piso do museu gaúcho.
"O Alfabeto Enfurecido" é uma oportunidade para apreciar a perspectiva comparativa que Luis Pérez-Oramas, curador de arte latino-americana do MoMA, depositou sobre a obra dos dois artistas. Donos de uma linguagem repleta de pontos em comum, Schendel e Ferrari viveram em São Paulo durante a mesma época e chegaram a colaborar um com o outro em uma exposição coletiva na Pinacoteca de São Paulo em 1980. Fizeram da palavra a sua prioridade, menos por seu significado imediato do que pela aparência visual. Pérez-Oramas descreve essa preocupação: "são artistas que nunca abandonam a palavra. Fazem-na centro da obra - a palavra como substituto ilimitado da voz humana. Ferrari e Schendel nos dão textos opacos como campos visuais; signos feridos, fragmentados, obsessivos; letras solitárias, abandonadas e delirantes".
Brasileiros por opção, Mira Schendel nasceu em Zurique em 1919, León Ferrari no ano seguinte, em Buenos Aires. Batizada como católica pelos pais judeus, foi expulsa da Università Cattolica del Sacro Cuore em Milão, onde estudava filosofia. O Estado fascista havia proibido a matrícula de "não italianos". Após um périplo pela Europa Oriental em plena Segunda Guerra, voltou para a Itália com o primeiro marido. O casal decidiu partir para a América do Sul. Aos 30 anos, em Porto Alegre, ela assistia a cursos de desenho e escultura. Por conta própria, lia filosofia e teologia. Segundo Geraldo Souza Dias, autor de "Do Espiritual à Corporeidade" (Cosac Naify), "apesar das dificuldades financeiras comprava tintas baratas e pintava apaixonadamente". Naquele momento, para ela, pintar "era uma questão de vida ou morte".
León Ferrari veio ao Brasil em 1976. Estudou engenharia em Buenos Aires. Na faculdade, desenhava e esculpia em cerâmica. Em 1953, mudou-se para Roma, onde conheceu o cineasta Fernando Birri, que se tornou amigo e colaborador. Enquanto buscava uma linguagem própria no desenho e na escultura, passou a fazer da escrita a matéria-prima dos desenhos.
abril 8, 2010
Os antropófagos não comem macarrão por Yiftah Peled, Carta resposta
Os antropófagos não comem macarrão
Carta resposta de Yftah Peled originalmente publicada no fórum SC artes visuais em 28 de março de 2010.
*** Leia e assine o abaixo-assinado "Repúdio ao governo do estado de Santa Catarina pela implantação em Joinville da Escola de Belas Artes de Florença da Itália" ***
Este texto é uma resposta ao artigo do Sr Vinícius Lummertz, secretário de Articulação Internacional do atual Governo do Estado de Santa Catarina, publicado no Diário Catarinense no dia 27 de março. O tema é relacionado com a proposta de implantação de uma Escola de Belas Artes de Florença no nosso estado.
O titulo acima é, claramente, uma provocação relacionada à citação que o Sr. Lummertz inseriu no seu texto quando relacionou, de forma equivocada, a antropofagia do modernismo brasileiro para promover um discurso de receptividade ao que vem de fora. Mas o seu discurso não tem nada a ver com o experimentalismo moderno e, além disso, existe uma diferença fundamental na idéia da antropofagia moderna que contradiz e torna vulnerável o texto supracitado.
Os modernistas brasileiros importaram estilos inovadores alimentando-se do espírito de modernidade radical, de agitação e de revolução cultural. Eles ansiavam por digerir os mais fortes da sua época e tinham aversão ao passado. O que o Sr. Lummertz quis induzir com a idéia de digerir a escola italiana é totalmente o contrário da operação do movimento moderno brasileiro. Hoje essa necessidade não existe mais. Não é mais preciso importar revoluções culturais.
Em tempos contemporâneos de valorização e resgate do local, o titulo da carta do Sr Lummertz, “Venha a nós a Europa ‘decadente’”, é um insulto a classe artística e ao povo do Estado. Sua forma exemplifica a atitude imponente e insensível que os dirigentes vêm praticando. Falta apoio para o que está embaixo de seus narizes. Existe atualmente uma produção de artes no Estado que vem rompendo com as ultrapassadas barreiras geográficas; são artistas sintonizados e comprometidos com o fazer artístico sem fronteiras e que poderiam representar o Brasil em qualquer lugar no mundo. Mas isso só pode acontecer se for acionado um profundo sistema de mudanças na formação cultural no estado e na valorização dos artistas catarinenses.
Seria um prazer estreitar relações com escolas européias e de todo o mundo e promover intercâmbios com nossas instituições culturais e acadêmicas. Queremos sim trocar, mas não precisamos de outra escola de artes importada que se torne referência das artes visuais, produzidas aqui com qualidade e potencial de diálogo com qualquer instituição do mundo. Temos uma universidade estadual de artes de qualidade, com especialistas e jovens artistas ávidos por recursos, espaços expositivos e oportunidades. Esses artistas não vivem mais as margens da cultura estrangeira. Estão sintonizados com o que acontece em todo lugar do mundo. As fronteiras do saber não mais isolam. O momento agora é de troca, de inteiração e, acima de tudo, de reconhecimento e apoio.
É também importante mostrar ao público catarinense qual o real custo desta implantação e o que isso representa em termos do valor do orçamento total destinado as artes visuais e aos artistas locais. É preciso ter transparência quando se trata de um empreendimento desse porte, especialmente em uma área que é recorrentemente lesada e abusada. Se o recurso destinado para a implantação de uma escola Italiana fosse investido nos parcos espaços de arte e no estímulo a produção artística local, teríamos de verdade uma revolução cultural.
O manifesto vindo de um representante dessa Secretaria mostra claramente o que está por trás da implantação de uma escola italiana no Estado. A proposta parece, acima de tudo, uma questão de promoção e articulação internacional que desconsidera a opinião da classe artística do Estado. Só que o produto em questão não é uma mercadoria de exportação ou importação para ampliar fronteiras comerciais. É cultura e diz respeito ao povo catarinense.
O fato de tal posição não vir de um órgão da área de artes e cultura mostra a desarticulação da política de produção cultural do Estado e é um reflexo da política arbitrária que o governador Luiz Henrique vem praticando durante seu mandato. O texto reverbera na proposta de um governo pouco democrático e minimamente consultivo que promoveu a escuta do meio cultural apenas como exercício demagógico. Isso ocorre na contramão do que vem sendo colocado em prática em nível federal, onde as necessidades do meio cultural e as criticas ao modelo de política cultural vigente foram acolhidas. Esse processo de participação tem gerado mudanças reais, como por exemplo, a modificação da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e a realização de Conferências Nacionais de Cultura e de Fóruns Setoriais reunindo especialistas das diferentes áreas de artes.
Os artistas e o povo querem participar do banquete. Que seja servido. Mas que a carne seja fresca e que favoreça primeiramente aos mais próximos.
Yiftah Peled
Artista plástico, doutorando no Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da Escola de Comunicação e Artes da USP. Representante do estado de Santa Catarina nas Câmaras Setoriais de Artes Visuais.
Venha a nós a Europa “decadente” por Vinicius Lummertz, Diário Catarinense
Venha a nós a Europa “decadente”
Matéria de Vinicius Lummertz originalmente publicada no caderno Cultura do jornal Diário Catarinense em 27 de março de 2010.
*** Leia e assine o abaixo-assinado "Repúdio ao governo do estado de Santa Catarina pela implantação em Joinville da Escola de Belas Artes de Florença da Itália" ***
Santa Catarina mantém relações com mais de 180 países e a sua política cultural internacional é eclética e ampla
“Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente”.
(Manifesto Antropofágico, Oswald de Andrade – maio de 1928)
Nada melhor para a democracia do que o fomento ao debate e o espaço na mídia para o controverso. Saudei, portanto, com alegria o artigo do professor Nildo Ouriques, da Universidade Federal de Santa Catarina, no Diário Catarinense do dia 20 de março, sob o título O governador europeu. Nele, o professor diz o que pensa sobre a política cultural dos governos de Luiz Henrique da Silveira e a acusa de ser “eurocentrista”, ou seja, “uma política a serviço do universalismo europeu contra a indústria cultural dos EUA”, com clara preferência pela França.
Ao recomendar que deveríamos ser mais cuidadosos com a divulgação da arte europeia entre nós, o autor diz que esta ação preferencial pela Europa – que em muitos domínios da arte e da ciência é claramente decadente (sic) – tem a marca de um exclusivismo inaceitável e, na forma, representa uma opção provinciana. A concluir pelo que diz o professor Nildo Ouriques, o balé Bolshoi, a Academia de Artes de Florença, o Museu de Saint-Exupéry, o ENA, a Escola Nacional de Administração, francesa e europeia, a Grande Escola de Engenharia de St. Etiénne, a Lusofonia com os Açores, representam conhecimentos e culturas que nos transformariam em apêndice de uma conspiração dos europeus para nos condicionar como “subprodutos” da cultura francesa.
Talvez por desconhecimento, o autor não fala da Escola Polonesa Mazowsze, do projeto do novo Centro Cultural França Brasil, da nova parceria que se desenvolve com a Ferrari. Na verdade, os países europeus têm um papel central na mais ousada estratégia de cooperação internacional que Santa Catarina empreendeu em toda a sua história. Seria isso ruim, como sugere o autor?
Na prática, temos cooperação com muitos outros países, além dos órgãos multilaterais; cooperação em segurança e alta tecnologia com os EUA, em especial com o MIT (Sapiens Parque); cooperação nas áreas agrícolas com Nova Zelândia; intensos esforços de integração com a Argentina e o Mercosul apoiando o ensino da língua espanhola em nossas escolas; e com o Japão, onde, diga-se de passagem, Santa Catarina vai assinar, nesta transição de governo, um empréstimo para obras de saneamento da ordem de R$ 343 milhões. Isto tudo sem mencionarmos o fato de Santa Catarina manter hoje relações com mais de 180 países, onde comercializamos US$ 18 bilhões anuais contra os US$ 3 bilhões de sete anos atrás. Foi esse sistema multilateral de comércio que maior impacto teve na alavancagem do PIB catarinense – de R$ 65 bilhões, em 2003, para os R$ 104 bilhões atuais.
Minha dúvida é saber se devo ou não relatar a “tese conspiratória” do professor Nildo Ouriques ao ministro do Turismo de Zimbábue, que recebemos, novamente, para tratar de bolsas na Udesc, cooperação com o Epagri e turismo, obviamente. Ou aos iraquianos e indianos com quem estamos discutindo investimentos, ou aos marroquinos que tratam conosco da parceria com o porto de Tanger e o Festival de Mágica de Marrakesh, realizado no ano passado e que já nasceu como o maior da América Latina – a mesma Marrakesh que recebeu tão bem nossa Copa Lord, e que ganhou o Carnaval com este tema. Cederei à tentação ? Como se vê, a política cultural internacional do governo de LHS é muito mais eclética, ampla, do que pensam – ou sabem – os que a criticam.
Voltemos à Europa, que o autor define como “claramente decadente” em “muitos domínios da arte e da ciência”. Não consigo, em primeiro lugar, entender o que é decadência da arte ou da ciência. A arte é de boa qualidade ou de má qualidade. A boa qualidade em arte não decai. Admitir a decadência da arte seria como dizer que a poesia de Baudelaire, produzida há 150 anos, não será mais capaz de nos sensibilizar ou que a França seria incapaz de gerar novos poetas da mesma qualidade, quando sabemos que o útero que gerou Baudelaire ainda é muito fértil. Já a ciência, todos sabemos, é transportada pela pesquisa – e o que faria um país como a França reduzir inversões para pesquisa no apogeu de seu enriquecimento?
Em defesa da Europa, certamente o professor Nildo Ouriques vai-me permitir ampliar o debate, alargando o entendimento para o sentido de cultura ocidental. A Europa, que já foi o centro do mundo, chegou a tal condição pelo Renascimento e pela Era das Luzes, que a tirou do sono da Era Medieval e do dogmatismo cristão, como ilustrado por Umberto Eco, em seu O Nome da Rosa. As culturas grega e romana, estocadas no Bizâncio, explodiram em Florença sob os Médici – e seguidas as revoluções científicas, comerciais, e a revolução industrial, a reforma protestante –, além das revoluções dos comuns na Inglaterra e dos burgueses na França, transformaram o mundo. Mesmo o socialismo e o marxismo são invenções claramente europeias. Freud e Einstein, também.
Assim, não se pode entender cultura como uma expressão estanque, que nasce e morre numa redoma. A cultura ocidental começa em Atenas, que, por sua vez, tem passado que remonta ao Egito, ao norte da África, à Mesopotâmia e às relações com o Oriente. A Grécia, por sua vez, está presente nos Estados Unidos, não só na ideia seminal de democracia, mas avulta na arquitetura neoclássica. Washington é uma cidade jefersoniana, neogrega, como são praticamente todas as universidades e escolas norte-americanas – o que não é grego reflete o gótico europeu, como em Nova York. Tudo é perene e, ao mesmo tempo, passa por grande transformação. Temos de admitir, professor Nildo, que os Estados Unidos não estariam transformados em potência não fossem essa continuidade e essa oposição. Isto é puro Hegel, lembra-se? Veja ainda o caso da Espanha: é europeia, mas é também moura. E assim são os EUA do folk e do jazz.
As escolas de gestão de economia e de engenharias dos EUA e da Europa estão mais lotadas de chineses, hoje, do que estiveram de japoneses e coreanos no passado. A mesma coisa ocorre nas escolas de música da Inglaterra e da Áustria, e de artes em toda parte. Os orientais não têm medo de levar o Ocidente para lá – toda esta ideologia começou com a revolução Meiji em 1880, quando o imperador japonês repetiu Pedro, o Grande, e foi buscar a cultura ocidental. A síntese das potências culturais de Índia e China com os elementos ocidentais é o maior fator vivo de transformação planetária, do qual esperamos muito. Das artes à tecnologia, o cerne de tudo é a busca da mais alta excelência. Assim a celebrada engenharia tem o DNA de Aachen, como a USP nasceu francesa.
Estamos nos homogeneizando com o Brasil, para o bem e para o mal, nas palavras de Ignacy Sachs – que, como Domenico de Masi afirma, apontam nosso Estado como o mais preparado para a era pós-industrial. Somos parte do Brasil Novo, do Sul, como diferenciou Darcy Ribeiro, e não nos envergonhamos de nossas raízes europeias, ao contrário. Nosso festival de dança, o maior do mundo, nossa Oktoberfest, quase uma Oktober-Carnaval, são manifestações culturais com grande legitimidade catarinense.
Ao final da apresentação do Bolshoi do Brasil na inauguração do Teatro Oscar Niemeyer em Ravello (Oscar, o amigo de Lecorbusier, o francês, que juntos projetaram o prédio das Nações Unidas) – um templo branco e curvo, brasileiro, incrustado em dois mil anos de história arquitetônica amalfitana –, com a técnica russa, nossas crianças dançaram Cazuza e arrancaram aplausos de pé de uma das mais cultas plateias da velha Europa. Bravo!
Não estamos, portanto, a fortalecer bandos em disputa. Nem queremos ser recolonizados por nós mesmos. Damos as cartas. Por fim, não estamos, enquanto defensores da linha dominante na política cultural do Estado, pretendendo evitar o debate, como argumenta o professor Nildo Ouriques – nem virar apêndice de ninguém.
Talvez seja mais fácil entender esta parte da política cultural do governo de LHS lendo o Manifesto Antropofágico. Nada fica impune nem imune à força cultural de transformação do Brasil.
O governador europeu por Nildo Ouriques, Diário Catarinense
O governador europeu por Nildo Ouriques
Matéria de Nildo Ouriques originalmente publicada no caderno Cultura do jornal Diário Catarinense em 20 de março de 2010.
*** Leia e assine o abaixo-assinado "Repúdio ao governo do estado de Santa Catarina pela implantação em Joinville da Escola de Belas Artes de Florença da Itália" ***
Eurocentrismo marca a política cultural posta em prática por Luiz Henrique da Silveira nos seus dois mandatos
Não pode existir dúvidas do apreço do governador Luiz Henrique da Silveira pela cultura europeia, pois ele é, muito provavelmente no país, seu mais importante promotor. Há poucas semanas, o governador anunciou que a Academia de Belas Artes de Florença promoverá aqui o Liceu de Arte Florentina e também a construção do museu do aviador e escritor francês Antoine de Saint-Exupéry. Antes dela, também desembarcou em nosso Estado, a convite do governador, a Escola de Mineração e a Escola Nacional de Administração Pública da França. Já deu frutos a Escola do Teatro Bolshoi, de Joinville, outro projeto de extração europeia.
Todas estas iniciativas em favor da cultura europeia possuem certo valor, não se pode negar. Mas essa predileção deveria ser objeto de debate público, antes que contemplação passiva ou aceitação domesticada. Deveríamos ser mais cuidadosos – e um governante brasileiro muito mais zeloso – com a divulgação da arte europeia entre nós, especialmente se a política cultural e científica do Estado não possui semelhante esquema de promoção da arte e da ciência catarinense no Brasil e no exterior. Como explicar esta ação preferencial pela cultura europeia senão como expressão do eurocentrismo, esta ideologia contemporânea que ainda julga a Europa como centro cultural do mundo moderno, de onde, supostamente, a cultura catarinense e brasileira encontraria as luzes para a afirmação de nossa identidade? Esta ação preferencial pela Europa – que em muitos domínios da arte e da ciência é claramente decadente – merece uma avaliação crítica. No contexto atual, ela tem a marca de um exclusivismo inaceitável e, na forma, representa uma opção provinciana! Por que exclusivismo? Porque não conheço um convênio semelhante realizado pelo governo do Estado com qualquer país africano; a marca do governo de LHS é, em relação à África, de desencanto e desconhecimento, a despeito de fato de que mais de 10% da população catarinense é negra. Tampouco existe uma ação cultural consistente em relação à América Latina ou mesmo limitada ao Mercosul. Após oito anos de governo, simplesmente nenhum projeto ambicioso, digno de registro nos artigos de imprensa do governador, surgiu entre nós por iniciativa do Estado.
Por que o governador ignora olimpicamente a cultura latino-americana e africana? Descarto, de imediato, a afirmação preconceituosa segundo a qual não existiriam projetos que justificassem um forte intercâmbio cultural com estes continentes. Neste contexto, como ignorar o trabalho extraordinário do Icaic cubano no cinema, escola em que Gabriel García Márquez ensinou produção de roteiro? Por que não aproximar a experiência mexicana no trato do patrimônio histórico e na construção de museus, áreas da cultura em que eles são simplesmente excepcionais? Acaso podemos desconsiderar as potencialidades culturais com a vizinha Argentina, um país que recebe mais de 1 milhão de turistas brasileiros por ano, cifra superior ao número de brasileiros que visitam os Estados Unidos? Como é possível que a ação estatal na área da cultura mantenha tal distância dos argentinos quando, inclusive, as cifras do nosso turismo indicam clara preferência pelo país vizinho?
Durante muitas décadas, a elite brasileira sonhou em transformar o Brasil numa extensão da Europa. Esta tentação colonial, sempre travestida de modernidade, criou o mito de que em Santa Catarina – em função da migração alemã e italiana ocorrida no século 19 – se produziu uma espécie de pequena “comunidade europeia”, destinada a reproduzir aqui a promessa das “luzes europeias”. Nada mais perverso e limitado culturalmente.
Um projeto cultural criador, aberto aos ventos do mundo, não pode ficar restrito às iniciativas europeias; não pode desconsiderar a cultura árabe – que também tem raízes em nosso Estado –, ignorar a presença africana e a comunidade latino-americana a qual, sem dúvida, pertencemos. O governo do Paraná, aqui ao lado, desenvolve com êxito a Mostra cultural de integração dos povos latino-americanos.
Além do eurocentrismo que marca a ação cultural do governador, é preciso insistir no fato de que a ação cultural do Estado precisa enfrentar a indústria cultural e não figurar como um organismo dela. Os países metropolitanos produzem a cultura como um instrumento de poder, ou seja, de hegemonia. Ignorar este dado elementar de nosso mundo é ignorar o essencial. Mais grave ainda se não esquecermos – e jamais poderemos esquecer – o fato de que nossos países sofreram três séculos de colonialismo (1492-1825). Este longo período é superado com as independências; mas estas, como também sabemos, consolidaram a característica mais importante de nossa formação social: a dependência, o subdesenvolvimento. Também por esta razão, a elaboração da política cultural nos países subdesenvolvidos como o Brasil possui um grande desafio, ou seja, aquele de desenvolver nossa própria cultura, alimentá-la com todas as tendências contemporâneas e não exclusivamente com a europeia e, especialmente, promovê-la “no mundo”. A falta de compreensão desta questão elementar, presente em toda política cultural produzida na periferia do capitalismo, reduz o entusiasmo pessoal do governador e a política cultural do Estado ao reforço do colonialismo e não, como pretensamente aparece, como abertura para o mundo. A manutenção desta orientação não fará menos do que reforçar nossas limitações culturais e representa política alienante que necessita severa reorientação. Enfim, antes do que viver das migalhas culturais da Europa é preciso que a política cultural do Estado experimente efetivamente os “ares do mundo”.
De maneira geral, os defensores desta política de corte colonial apresentam as virtudes francesas como expressão de uma “cultura universal”. No período recente, a cultura nacional francesa está a serviço do “universalismo europeu”, projeto cultural destinado a afirmar o poderio supraestatal europeu contra a indústria cultural estadunidense. A simples importação de projetos europeus – e muito especialmente franceses – fortalece um dos bandos em disputa e, talvez, somente marginalmente, somaria para a elaboração de um projeto cultural catarinense digno deste nome, com alcance de massa, articulado nacionalmente. Enfim, ainda que os defensores da linha dominante na política cultural do Estado pretendam evitar o debate sobre esta questão reduzindo nossas opções, estamos diante de duas possibilidades: nosso Estado se transforma num apêndice reprodutor da cultura francesa ou abre as portas para um projeto cultural de novo tipo, efetivamente universal, cujo objetivo não pode ser outro do que o fortalecimento de nossa própria cultura.
Florença vem para Joinville por Renato Igor, A Notícia
Florença vem para Joinville
Matéria de Renato Igor originalmente publicada no jornal A Notícia em 26 de janeiro de 2010.
*** Leia e assine o abaixo-assinado "Repúdio ao governo do estado de Santa Catarina pela implantação em Joinville da Escola de Belas Artes de Florença da Itália" ***
Filial da Academia de Belas Artes da cidade italiana será instalada em SC, segundo acordo assinado ontem
Até o final do ano, Santa Catarina deve ter uma filial da Academia de Belas Artes de Florença. A assinatura para formalizar o acordo aconteceu ontem na Itália, onde o governador Luiz Henrique lidera missão internacional.
O projeto-piloto será na Piazza Itália, em Joinville. O imóvel será alugado pelo governo estadual. A ideia é levar outras unidades da Escola Secundária de Belas Artes para mais cinco regiões catarinenses. O projeto será coordenado pelas universidades ligadas ao sistema Acafe. Alunos, prioritariamente de escolas públicas, vão estudar no contra-turno escolar, pintura, escultura, gravura, desenho e história da arte.
“Vamos copiar o modelo do Balé Bolshoi. Aqui, estudou Michelangelo e isso diz tudo. É como ter o Bolshoi da arte e da escultura no nosso Estado”, disse LHS.
O projeto vai atender a estudantes de nove a 15 anos. Um edital vai formar um comitê internacional para selecionar os candidatos. A Academia de Belas Artes de Florença começou em 1480, como escola de desenho. O pintor italiano Michelangelo ingressou nela quando tinha 15 anos. O projeto vai permitir também intercâmbio cultural com professores catarinenses, que terão aperfeiçoamento continuado.
A presidente da Fundação Catarinense de Cultura, Anita Pires, acredita que, pelo fato do Centro de Artes da Udesc ser de graduação, a Escola Secundária de Belas Artes de Santa Catarina vai trazer um avanço à produção artística: “Os nossos talentos são produtos de si mesmo. Vamos ampliar a arte aos jovens”, concluiu.
A professora da Universidade de Florença e coordenadora do projeto catarinense, Ambra Trotto, ressalta que a intenção é revelar talentos. Os alunos catarinenses poderão ir a Florença em projetos de intercâmbio. “Daremos a base e a técnica e, depois, a pessoa cresce com a sua identidade regional. Não queremos uma globalização cultural”, destaca a professora.
abril 5, 2010
Arte e mercado: uma estratégia de inserção por Guy Amado, Istoé
Matéria de Guy Amado originalmente publicada na Istoé em 27 de março de 2010.
1º Salão dos Artistas Sem Galeria/ Casa da Xiclet e Matilha Cultural, SP/ até 18/4
ZONA DE CONFORTO
Artistas sem galeria expõem na Casa da Xiclet
Iniciativa autônoma capitaneada pelo jornalista Celso Fioravante, o 1º Salão dos Artistas sem Galeria surge sob a premissa de proporcionar visibilidade e inserção comercial a artistas que, por motivos diversos, estão à margem do mercado de arte contemporânea. O formato é simples: a partir de um edital aberto, artistas que preenchessem o requisito – único – de não manter quaisquer vínculos oficiais com galerias inscreviam seus trabalhos, mediante o pagamento de uma taxa de R$ 100. O valor arrecadado com as inscrições seria a fonte de viabilização do salão. De um total de 258 inscritos de todo o País, foram selecionados dez artistas, que ganharam o direito de expor sua produção. A seleção foi feita por um júri composto por dois galeristas e um crítico/curador, que também premiou três artistas: Bartolomeo Gelpi, Amanda Mei e Bettina Vaz Guimarães, numa decisão sem surpresas. As exposições trazem conjuntos de trabalhos corretos, que chamam a atenção tanto pela boa média de qualidade como por certa, digamos, falta de ousadia.
Em sua maioria, as obras parecem situadas numa “zona de conforto” em suas formalizações – o que, se por um lado condiz com a premissa embutida de atrair galeristas, por outro decepciona em se tratando de uma iniciativa de caráter independente, da qual se poderia talvez esperar mais experimentação. Seja como for, a proposta do evento traz à tona questões relevantes no que tange às relações entre salões e mercado de arte, bem como a aspectos por vezes perversos na dinâmica que rege o sistema de arte contemporânea. Qualidade do trabalho, tempo de trajetória e comprometimento com a fatura nem sempre se traduzem em garantia de inserção ou aceitação no mercado; os critérios para tal podem ser mais pragmáticos, como sintonia da produção com tendências em voga e outros atributos mais friamente objetivos. A iniciativa deste salão, de resto bem-vinda, tem o mérito de explicitar alguns destes aspectos e propor com franqueza alternativas de inserção em um circuito onde as regras nem sempre estão ao alcance de todos. Já como se dará a transição do lado dos “excluídos” para o lado dos “aceitos”, se efetivada, bem, isso é com os artistas.
Guy Amado é crítico de arte e pesquisador em arte contemporânea
Museus brasileiros na era digital por Nina Gazire e Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Nina Gazire e Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 23 de março de 2010.
Ajude IstoÉ a avaliar os sites das nossas instituições de arte
Quando foi a última vez que você visitou um museu de arte? Uma pesquisa recente realizada pela Fecomércio-RJ, publicada em 22 de fevereiro, revelou que apenas 4% dos brasileiros visitaram museus ou espaços culturais ao longo de 2009. E um museu online, você já visitou alguma vez? As instituições de arte do Brasil dão os primeiros sinais de entrada na era digital. Seguindo a tendência de grandes museus do mundo – como o MoMA, de Nova York, que reformulou todo o seu site em 2009, criando um núcleo próprio de mídias digitais –, os principais museus e acervos nacionais começam a firmar presença em redes sociais e a criar seus próprios canais on-line.
Entre os acontecimentos que marcam os avanços na área, está o lançamento da rede wireless do Instituto Inhotim, de Minas Gerais, em parceria com a Embratel. Neste mês, o Masp (Museu de Arte de São Paulo) lançou um novo site no qual disponibiliza para consulta cerca 800 fichas técnicas de obras importantes e permite que o internauta localize cerca de 20 mil livros e catálogos de sua biblioteca física. Outro foco de atuação do museu é o seu canal no Twitter, que possui mais de 5 mil seguidores. Além desses eventos, o Projeto Era Virtual, a ser lançado no dia 26 de março, promete unir, através da rede, cerca de doze museus brasileiros de quatro Estados diferentes, que poderão ser visitados pela internet de forma gratuita.
Mas qual é a real situação dos sites dos museus brasileiros? Como eles estão utilizando as tecnologias digitais para estabelecer novos canais de produção, formação e circulação com artistas e o público?
O uso de ferramentas digitais em sites de diferentes instituições, como, por exemplo, o Museu da Imagem e do Som de São Paulo, permite a criação de novas experiências online, com as quais o museu passa a ser não apenas um mero lugar de armazenamento de informações sobre acervos ou exposições, mas também um veículo de troca de conhecimento e participação ativa do público. “Não basta que os museus se concentrem na visitação física”, comenta Patrícia Canetti, responsável pelo site do MIS-SP, que possui diversos canais online, como a Rede MIS, rede social própria do museu, criada para promover práticas artísticas e discussões teóricas.
Porém outros museus importantes, tanto no contexto nacional quanto no regional, nem sequer possuem um site próprio. É o caso do Museu de Arte da Pampulha, que oferece uma das principais bolsas para estudantes de arte do País e tem apenas uma página dentro do site da Secretaria de Cultura de Belo Horizonte.
Mas a presença dos museus na rede é um fato irreversível, que ganha cada vez mais interesse. Uma prova é o simpósio Museum and The Web 2010, que neste ano chega à sua 13ª edição e acontece em abril, no Colorado, EUA. Vai reunir profissionais de museus e especialistas de todo mundo para discutir a presença dos museus na internet e o uso de novas tecnologias de comunicação em seus projetos curatoriais.
Um tema que prevalece nesses debates é o crescente uso de estruturas do tipo wiki. Por meio delas, os usuários editam e compartilham as informações. Tecnologias como essa poderiam ajudar no fomento da participação ativa do público no âmbito digital e no aumento das visitações aos museus brasileiros.
Depois de saber tudo isso, fazemos duas perguntas a você, que lê este texto: como um museu online pode ajudar a mudar (melhorar) o museu real? Qual sua opinião sobre os sites dos museus brasileiros?
Veja a lista de sites que escolhemos e avalie o uso que eles fazem dos intrumentos online – acesso ao acervo, programação, história, redes sociais (blogs, Twitter, Facebook) e visita virtual – e responda na área de comentários do site:
1. O que falta aos sites de museus brasileiros?
2. O que eles tem de bom?
Lista de sites:
• Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM SP)
• Museu de Arte de São Paulo (MASP)
• Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC)
• Museu de Arte Moderna do Rio (MAM RJ)
• Museu de Arte Contemporânea de Porto Alegre
• Pinacoteca de São Paulo
• Museu Dragão do Mar
• Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS SP)
• Museu da Imagem e do Som Rio de Janeiro (MIS RJ)
• Museu Nacional de Belas Artes (MNBA)
• Paço das Artes
• Museu de Arte de Santa Catarina
• Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM BA)
• Fundação Iberê Camargo
• Itaú Cultural
• Instituto Inhotim
• Fundação Inimá de Paula
• Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM)
• Museu Victor Meirelles
Críticos analisam obras da Pinacoteca em livro por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 27 de março de 2010.
Rodrigo Naves e Aracy Amaral são dois dos autores
Não se incomoda com o sol o caipira picando fumo de Almeida Júnior. Na tela de Anita Malfatti, uma negra, "caso teratológico em anatomia", faz contraste com abacaxis "bem-acabadinhos". Tarsila do Amaral aplica os contornos reluzentes de um Rolls Royce à sua visão de um vale do Anhangabaú deserto.
Em "Arte Brasileira na Pinacoteca do Estado de São Paulo", livro lançado hoje neste museu, críticos como Rodrigo Naves, Tadeu Chiarelli, Aracy Amaral e Luiz Camillo Osorio analisam a fundo algumas das obras mais emblemáticas do acervo.
Naves vê em "Caipira Picando Fumo", tela de Almeida Júnior feita em 1893, mãos e pés que "se deformaram, adquirindo um aspecto erodido e arredondado dos elementos submetidos à força dos elementos". Também compara técnicas de luz e sombra do brasileiro a obras do impressionista francês Claude Monet.
"Tropical", de Anita Malfatti, exemplifica, no texto de Chiarelli, um momento em que a artista refreou seu "ímpeto expressivo". Cita as críticas de Monteiro Lobato e Nestor Pestana às obras da artista, que oscilava entre a vanguarda e sua fase mais conservadora.
Contemporânea de Malfatti, Tarsila do Amaral e sua "São Paulo" entram como pontos de partida para uma reflexão sobre a urbanização da cidade em texto escrito por Aracy Amaral.
Também nesse texto, a autora conclui que, no lugar da "pauliceia desvairada" de Mário de Andrade, a artista quis uma modernidade mais neutra, o "espaço citadino desvestido da presença humana".
Uma geração depois, Flávio de Carvalho é visto por Luiz Camillo Osorio como um dos poucos brasileiros com a "rebeldia poética dos movimentos dadaísta e surrealista", numa obra alicerçada sobre a aliança entre estética, ética e política.
ARTE BRASILEIRA NA PINACOTECA DO ESTADO
Organizadora: Taisa Palhares
Editora: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Cosac Naify e Pinacoteca do Estado de São Paulo
Quanto: R$ 60 (240 págs.)
Ofício enviado pelo MASP ao Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo
O MASP enviou um ofício ao Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Antônio Ferreira Pinto, no qual aponta os transtornos causados por uma série de manifestações ocorridas no vão livre do Museu. O documento, assinado pelo Superintendente Administrativo e Financeiro, Fernando Pinho, e pelo Curador Coordenador, Teixeira Coelho, relata o enorme prejuízo financeiro, material e até mesmo emocional causado ao seus visitantes e colaboradores - impedidos do direito constitucional de ir e vir - com a concentração de eventos dessa natureza no vão livre.
São Paulo, 31 de março de 2010.
Ao Exmo.
Sr. Secretário de Segurança Pública, Antônio Ferreira Pinto,
Inúmeras vezes por ano, e freqüentemente várias vezes ao mês, o vão livre do MASP e, por conseguinte este mesmo Museu, são alvos de manifestações de caráter político, reivindicatório ou outro, de grandes proporções.
Alvo é bem a palavra a empregar, uma vez que, pelo menos no que diz respeito ao Museu, seus funcionários e seu público vêem restringido seu direito de entrar livremente nas dependências do edifício.
Esse lamentável episódio foi novamente vivido pelo Museu na última sexta-feira, dia 12 de março de 2010, quando uma multidão tomou conta do vão livre e tornou praticamente impossível a entrada nos espaços
expositivos e naqueles reservados aos funcionários do museu.
A situação assim criada é de risco para as pessoas que trabalham no museu ou nele estão e para as obras nele guardadas. Qualquer emergência pode colocar umas e outras em sérias dificuldades, com previsíveis danos a lamentar nas esferas pessoal e patrimonial.
Na impossibilidade de impedir-se a realização de tais atos, por não serem compatíveis com o local e sua situação numa cidade que já enfrenta sérios problemas de circulação, é fundamental que pelo menos a área fronteiriça à entrada do museu seja devidamente resguardada pelas forças de segurança, com o objetivo de fazer-se valer o direito constitucional de ir e vir.
Com nova manifestação anunciada para o local, nesta quarta-feira, solicitamos às autoridades públicas todo o empenho necessário para que a entrada no museu seja devidamente garantida, nos termos da lei.
Agradecendo a atenção que puder ser dispensada ao presente ofício,
Cordialmente,
Fernando Pinho
Superintendente Administrativo e Financeiro do MASP.
Teixeira Coelho
Curador Coordenador do MASP.
Mostra exibe seis vertentes de trabalho de Beuys por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 2 de abril de 2010.
Exposição aborda a produção italiana do artista alemão e será realizada em paralela à Bienal, em setembro, no Sesc
As instalações são apenas uma das seis vertentes da exposição; haverá também pôsteres, vídeos, fotos e ciclo de conferências
Em 1971, Joseph Beuys foi convidado pelo galerista Lucio Amélio a organizar sua primeira mostra na Itália, em Capri. Nessa exposição, ele criou o slogan "La Rivoluzione Siamo Noi" (A revolução somos nós), para abordar as mazelas da democracia italiana. Na abertura, um jovem estudante ficou fascinado com o que viu. "Havia tanta gente que nem todos conseguiram entrar na galeria, e eu mesmo nem compreendi direito o que vi, mas fiquei impressionado com o carisma do Beuys", disse Antonio D'Avossa à Folha, por telefone.
Quase 40 anos depois, D'Avossa prepara "A Revolução Somos Nós", que irá abordar a produção italiana de Beuys. "Depois da Alemanha, foi na Itália onde ele produziu a maior parte de obras. Vamos mostrar desde o pôster de 1971 até sua última instalação, "Terremoto", de 1985, criada quatro meses antes de ele morrer", diz o curador e autor de "Joseph Beuys - Difesa della Natura".
Além de "Terremoto", inspirada num terremoto real, ocorrido em Palermo, abordando assim o conceito de catástrofe, a mostra terá também a instalação "Arena", de 1972, realizada em Verona, outra obra que aborda a democracia.
Contudo, as instalações são apenas uma das seis vertentes da exposição. "Beuys é como um diamante. Ele tem muitas faces, mas todas estão conectadas: a pedagógica, a política, a ecológica e a escultura são algumas das mais importantes", diz D'Avossa.
As demais vertentes da mostra são: os múltiplos, numa seleção dos 600 que Beuys criou como forma de democratizar sua obra; os pôsteres, cerca de 200, apresentando a coleção do italiano Luigi Bonotto, que possui o conjunto completo; os vídeos, divididos em três sessões (documentação, discussão e documentários); fotos e ciclo de conferências.
Uma das curiosidades da mostra é a comparação que D'Avossa faz entre as viagens de Beuys pela Itália com as andanças de Goethe pelo mesmo país, entre 1786 e 1788, quando usou um pseudônimo para se misturar à população.
Beuys esteve na Itália muitas vezes -em Veneza, Roma, Milão, Nápoles e Verona, entre outras. "Assim como Goethe, quando ele estava em Nápoles, por exemplo, se transformava num napolitano. Por isso, todos os seus trabalhos italianos abordam questões locais, como a agricultura, onde criou o slogan "Defesa da Natureza", em 1977", diz o curador.
Durante a mostra, será ainda instalada em São Paulo a Universidade Livre, criada por Beuys e mantida por seu aluno Jochen Stuttgen. "O ciclo de debates e a Universidade Livre são fundamentais na mostra, pois duas das questões centrais no trabalho do Beuys eram a difusão e o debate de ideias", diz ainda D'Avossa.
Beuys vem aí por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 2 de abril de 2010.
Fora da 29ª Bienal, obra de Joseph Beuys, o mais importante artista alemão do século 20, ganha exposição no Sesc Pompeia
A 29ª Bienal de São Paulo, programada para ser aberta ao público em 25 de setembro, não vai apresentar a obra do artista alemão que melhor sintetizou a relação entre arte e política, Joseph Beuys (1921 - 1986), apesar de seu nome ter sido considerado pela curadoria, segundo apurou a Folha.
Faria todo sentido, afinal a Bienal tem por tema central justamente as aproximações entre arte e política, e Beuys abordou esse tema especialmente nas décadas de 1960 e 1970, período que vai receber atenção especial no Ibirapuera.
Mesmo assim, Beuys estará presente na cidade, na maior mostra já dedicada a ele no país, em exposição paralela à Bienal, organizada pela Associação Videobrasil e pelo Sesc São Paulo.
"Essa exposição é nosso aporte à Bienal, dentro da ideia do "São Paulo, Polo de Arte Contemporânea", em fazer com que instituições da cidade contribuam para adensar as propostas da curadoria da Bienal", diz Solange Farkas, diretora do Videobrasil.
Ela organiza a exposição dedicada ao artista alemão no Sesc Pompeia, mesmo local que abrigou "Cuide de Você", instalação de Sophie Calle, no ano passado.
Com o título "A Revolução Somos Nós", nome de um dos mais famosos pôsteres do artista, reproduzido à direita, a mostra terá curadoria de Antonio Davossa, da Academia de Arte de Milão, que acompanhou Beuys em muitas de suas viagens à Itália. A produção italiana do artista, aliás, será o foco da mostra.
Mostra de Warhol aponta esvaziamento de conteúdo por Paula Pasta, Folha de S. Paulo
Matéria de Paulo Pasta originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 2 de abril de 2010.
Exposição com obras do artista americano, um dos principais de nossa época, revela "espécie de terror" de um mundo que pode ser convertido em mercadoria
Visitar a exposição de Andy Warhol na Estação Pinacoteca me fez pensar muito na assim chamada pintura metafísica italiana. Na grande maioria dos trabalhos ali expostos, encontra-se, como na referida pintura, uma sugestão de tempo parado, de estranhamento, como se houvesse sido retirada do mundo parte da sua natureza vital. Não se trata propriamente de nenhuma novidade. É conhecido o fato de De Chirico ser um dos pintores preferidos de Warhol. Claro, existem diferenças enormes entre a escola metafísica e o pop genuíno do artista americano.
Por exemplo, o universo de De Chirico ainda é assombrado pelo peso simbólico da herança cultural das civilizações. Já a arte de Warhol, como se sabe, gostaria de dar ao museu o mesmo status de uma loja de departamentos.
Tornar a temporalidade evidente é uma das qualidades da escola metafísica. Ao assistir ao filme "Empire", no qual Warhol filma um conhecido edifício nova-iorquino e faz coincidirem o tempo do filme e o tempo real, a impressão é a de que o artista, além de sofrer sua influência, ampliou e atualizou o alcance daquele movimento.
Nesse filme, existe apenas essa fruição. A certa altura da projeção, nos perguntamos sobre o que estamos vendo. E então entendemos que, enquanto espectadores, estamos, na verdade, nos observando como sujeitos mergulhados no tempo. Tais estratégias se encontram presentes na exposição das mais variadas maneiras.
Um dos recursos mais caros a Warhol seria justamente este: o do esvaziamento dos conteúdos -pela repetição ou pelo apelo à impessoalidade das fotografias-, para recolocar a pergunta sobre a real natureza deles. Somos, assim, sempre tentados a nos perguntar pela existência do oposto da superficialidade posta ali.
Escrevendo sobre o movimento metafísico italiano, Giulio C. Argan alude ao fato de o cubismo possuir um "tempo de vida". Mas ressalva que a grande novidade, depois das descobertas de Picasso e Braque, ficava por conta da contraposição do "tempo de morte", da pintura de De Chirico.
Partindo dessa relação, uma outra associação poderia também ser feita entre o expressionismo abstrato americano dos anos 50 e alguns trabalhos da escola pop. Penso que poucas pinturas sugerem mais a ideia de vida do que as de Pollock, por exemplo. Se existe morte nelas, essa sugestão nasceria justamente do ímpeto de estar plenamente vivo.
Morte
O caso oposto ocorre com o pop de Andy Warhol: de todos os seus trabalhos exala um bafio de morte. A criação é detonada somente quando ele se manifesta. Seriam muitos os exemplos. As pinturas com as imagens de Marilyn Monroe e Jacqueline Kennedy são realizadas quando a primeira acabara de morrer e a segunda perdera, em um atentado, seu famoso marido (que também fez parte do repertório do artista).
Cadeiras elétricas, acidentes de carro, suicídios: esses temas são todos expostos ao lado de outros banais, como as conhecidas latas de sopa Campbell. E tudo feito por meio da fotografia, que ele serigrafava e na qual aplicava tinta à base de polímero sintético. Aliás, o próprio uso predominante da fotografia como linguagem nos levaria à percepção de um mundo congelado, já também esvaziado e convertido em pura imagem. Algo como um "ready-made" do mundo. Uma espécie de náusea começa a nascer a partir dessa constatação: tudo se repete e se esvazia, tudo se iguala, tudo é imagem e superfície.
Aquela vontade de livrar a arte de subjetivismos, que existiu em boa parcela da modernidade, ganha em Warhol uma inflexão particular, na medida em que ele o faz por meio do uso das imagens, de uma figuração, e não mais da abstração. E essa imagem -que parece nascer do seu próprio esvaziamento- faz repercutir e amplificar-se cada vez mais este último. Esta parece ser também a única verdade no universo glamouroso dos astros e estrelas ali retratados. O mundo pode ser convertido em pura mercadoria, e uma espécie de terror nasce daí.
Nessa operação, ao ser capaz de revelar isso, coerentemente com a linguagem empregada, onde "o que" e "o como" não se separariam, Warhol torna-se um dos principais artistas da nossa época. Dizia querer ser como uma máquina, e parece que, nessa sua declaração, para além do seu sarcasmo, existe uma vontade de tornar sua vida tão esvaziada como a das suas imagens. Algo como "tal vida tal obra", diferentemente do "uma vida para uma obra".
Para o crítico David Silvester, o que existe de magnífico na câmera fotográfica de Warhol é que ela é descerebrada e não organiza aquilo que registra: não o explica nem limita. Penso que o uso da cor por Warhol obedece a um sistema parecido. Suas cores, como as de Matisse, possuem autonomia e não expressam mais uma essência. Mas as semelhanças, acredito, param por aí. Podemos falar de otimismo e alegria em Matisse. É possível afirmar o mesmo das pinturas de Warhol?
PAULO PASTA é pintor, desenhista e professor.
Andy Warhol
Mr. America
Curadoria de Philip Larratt-Smith
20 de março a 23 de maio de 2010
Estação Pinacoteca
Largo General Osório 66, Luz, São Paulo - SP
11-3335-4990
www.pinacoteca.org.br
Terça a domingo, 10-18h
Arquitetura do som por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 5 de abril de 2010.
Anri Sala, albanês que é um dos principais nomes da próxima Bienal, questiona a política a partir de reverberações sonoras
Um casal se separa. As perguntas dela são murmúrios que se perdem no espaço. As respostas dele são solos violentos de bateria. Tambores abafam o discurso verbal e o som embaralha forma e conteúdo.
O casal no vídeo "Answer Me" (Responda-me), do artista Anri Sala, 36, tenta desfazer o romance dentro do domo erguido pelo arquiteto Buckminster Fuller sobre as ruínas da Berlim arrasada pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Era a antiga estação de espionagem dos Aliados, que tentavam decifrar o tráfego radiofônico vindo do outro lado do muro.
Toda a obra desse artista albanês, um dos maiores nomes escalados para a próxima Bienal de São Paulo, que começa em setembro, se estrutura em torno do som e de sua relação com a arquitetura na tentativa de aferir mudanças políticas.
Seu vídeo sobre a separação entre rajadas de tambor não estará na mostra paulistana, mas dá ideia do que será seu próximo trabalho, ainda em preparação. "É uma forma de fugir de simbolismos de linguagem, de escapar dos grandes temas, já que o som é menos construído, não pode ser emoldurado", afirma Sala em entrevista à Folha num hotel em São Paulo.
Essa moldura impossível do som é sempre um prédio ou um contexto explorado por seu tipo de acústica, mas nunca vazio de história. Se não o domo geodésico de Buckminster Fuller, pode ser, então, uma sala de música aposentada em Bordeaux ou a Casa de Vidro de Lina Bo Bardi, que o videoartista visitou no Brasil.
Ele não deve usar os projetos da arquiteta no trabalho que vai mostrar em São Paulo, mas garante que a nova obra tem a ver com o contexto da cidade e o tema de arte e política desta edição da Bienal. Sala antecipou à Folha que seu próximo filme também gira em torno de um prédio agora interditado, mas ainda "rico em memórias".
Filme mudo
"A música ressuscita o passado desse prédio; as novas melodias fazem o som do passado parecer mais atual do que o do presente."
Do mesmo jeito que explorou o eco dos domos em Berlim, Sala agora busca resquícios da sonoridade punk que encheu nos anos 60 a casa de concertos da Cité du Grand Parc, em Bordeaux, cenário do filme que estará na Bienal em setembro. "Estou interessado na ideia de fricção que o som pode criar."
Num de seus primeiros trabalhos, Sala buscou a mesma fricção. Encontrou um filme mudo de um discurso de sua mãe, uma militante comunista, feito na época do regime. Mandou então legendar o filme com as palavras perdidas, reinterpretadas por leitura labial. Diante das novas imagens, Valdet, a mãe do artista, não acredita na tradução das palavras e nega ter pensado daquele jeito.
Mais do que o resgate de um discurso perdido, a tradução da obra exalta a passagem linguística entre dois momentos históricos, a Albânia antes e depois do comunismo. "Mudanças políticas trazem uma mudança de sintaxe, o que parecia articulado nos anos 60 e 70 já não é mais hoje", diz Sala.
Também herança de um regime obsoleto, há mais distinções entre branco e negro na língua nativa do Senegal, país africano dominado pela França até os anos 60, do que para outras cores, como azul e vermelho. Sala explora isso num filme em que três crianças repetem os nomes dos tons entre o preto e o branco até virar uma espécie de melodia abstrata.
"Há algo muito importante nesse espaço intervalar, quando a língua se transforma em som puro", diz.
"São tão sensíveis à cor da pele que resistiram às cores tradicionais. Não havia motivo para brigar pelo vermelho, pelo amarelo. É essa linguagem desconhecida repetida até o ponto em que acaba se tornando melódica."
