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março 26, 2010
Regina Silveira refaz o céu em mostra por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 24 de março de 2010.
Artista se apropria de imagens de nuvens e estrelas para criar vídeos e instalações que expõe agora no Maria Antonia
Também estão no museu em São Paulo individuais dos artistas Décio Vieira, Carla Guagliardi, Fábio Flaks e fotografias de Karina Zen
Foi domesticado o céu. Está estampado numa cortina translúcida e projetado sobre um volume que salta da parede. Regina Silveira subjuga a escala celeste nas obras que mostra agora no Maria Antonia, em paralelo a outros quatro artistas. Estão sobrepostos numa instalação o céu da noite e o do dia, um véu de nuvens cortado em três partes contra um fundo escuro, tipo uma pele que se despega do ar e revela falhas como elemento construtivo.
No vídeo, desenha um movimento pendular. Adensa e rarefaz luz e ar para abrir e fechar o cerco à sucessão dos dias, como se encontrasse blocos de cor no passar das horas. Trava um diálogo sutil com as abstrações de Décio Vieira, na sala ao lado. São emaranhados de linhas, um tecido nervoso que se opõe à disposição rígida das manchas de tinta. Seus volumes dependem da cor para avançar ou recuar no espaço, contraste entre cheio e vazio que lembra a noite e o dia.
Esse mesmo jogo de oposições também define o trabalho de Carla Guagliardi. São tábuas equilibradas sobre balões de ar, embalagens infladas que sustentam o peso da madeira. É uma estrutura passageira, já que os balões definham com o tempo, uma decomposição da forma como expressão. Numa parede, Guagliardi monta uma estrutura de barras metálicas articuladas por fitas elásticas. Vai da simetria a ângulos tortos quase até o chão, num equilíbrio movediço.
Outros exercícios formais ganham contornos definidos na obra de Fábio Flaks, no mesmo andar. Aparecem nas telas caixas de papelão desdobradas, atravessadas de luz, garrafas de vidro de um realismo atordoante e amplificadores retratados em chave minimalista -o preto no branco não fossem as letras escritas e movimentos das linhas no meio do negro. São manchas gráficas que tensionam o espaço, como se existisse o som dos alto-falantes, ondas para desembalar as caixas, fazer tremer os vidros.
Também deslocam o real as fotografias de Karina Zen, que retrata imagens religiosas e animais empalhados, como que flagrados em atos de surpresa, comoção, ataque.
março 24, 2010
João Sayad se diz "feliz" por não trabalhar com secretaria da Educação por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 24 de março de 2010.
Para quem estava na plateia do debate ocorrido no Sesc Belenzinho, a sensação era de que os tradutores tinham dado algum tropeço. Mas não. O ruído não era de linguagem. E sim de visões culturais.
Após o discurso do diretor regional do Sesc, Danilo Santos de Miranda, que traçou uma linha histórica do trabalho da instituição, que busca atar esporte e cultura, o secretário de Estado da Cultura, João Sayad, desfez esse laço.
"Na secretaria de Cultura nosso foco são as artes. Não estamos preocupados com educação, que é um sistema congestionado, complicado. Estamos felizes pelo fato de estarmos separados dele", afirmou, fazendo alguns dos presentes se remexerem nas cadeiras.
"Também não queremos fazer turismo. Somos pressionados para atrair o turismo, mas nosso foco é a arte. Também não estamos preocupados nem com economia nem com emprego. Nossa preocupação é com o que não está na moda, com o que não chega às pessoas. Nos interessa tanto a Pinacoteca quanto o hip-hop."
Ao suceder o colega ao microfone, o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil, não pôde deixar de referir-se à fala de Sayad. Ao tentar explicá-la, acabou por reforçá-la.
"A baixa institucionalização é um grande problema na administração pública brasileira. O João [Sayad] talvez tenha sido um pouco melancólico, mas tem razão. É praticamente impossível fazer qualquer coisa com a educação. Simplesmente, não conseguimos", queixou-se Calil que, como Sayad, é professor da USP.
Não sem uma ponta de ironia, o secretário municipal também jogou um balde de água fria sobre as ações culturais "do bem". "Não adianta criar orquestras com jovens que não querem tocar música", disse, provocando risos na plateia. "A cultura não vai tratar das mazelas sociais, do crime. Essas ações são, muitas vezes, uma maneira de compensar a má consciência, mas sempre com dinheiro público, é claro."
O papel do Estado foi outro tema central do debate. Sayad fez a defesa do modelo de Organizações Sociais, que entrega a entidades privadas a administração de instituições públicas. Calil, por sua vez, voltou a chamar as leis de incentivo de "abano com chapéu alheio".
"Política não é feita para os artistas" por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 24 de março de 2010.
Em visita a SP, diretor de departamento cultural da Inglaterra diz que Estado deve priorizar população e não produtores
Orçamento público para a cultura, no Reino Unido, é de 2 bilhões de libras, o equivalente a R$ 5,3 bi; MinC teve R$ 1,3 bi em 2009
Após passar por São Paulo, Michael Elliott, diretor de Cultura do Departamento de Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido, seguiu para o Rio, onde buscaria conhecer, sobretudo, projetos, como o Afro Reggae e alguns pontos de cultura, que mesclam ações sociais e culturais. "Temos uma política institucionalizada, mas nos interessa ver o que vocês têm feito no Brasil, até porque noto que há um debate em andamento, que divide regiões do país e também alguns tipos de produção."
FOLHA - O Brasil, há 20 anos, decidiu separar os ministérios da Cultura e da Educação. No Reino Unido essa hipótese alguma vez foi discutida?
MICHAEL ELLIOTT - É claro que vemos a cultura como algo, por si, importante, mas consideramos natural trabalhar em conjunto com nossos colegas da educação. Só assim conseguimos envolver as famílias e crianças em nossos projetos.
FOLHA - Ou seja, a criação de uma entidade autônoma para a cultura não é algo que se discuta.
ELLIOTT - Não, pela simples razão de que você só pode esperar o desenvolvimento cultural de uma sociedade se isso vier acompanhado de uma educação eficaz, que desperte, nas crianças, a apreciação pela arte.
FOLHA - Me dê um exemplo.
ELLIOTT - Neste momento, estamos trabalhando no direito de cada criança ter cinco horas semanais de atividades culturais. Elas vão aos museus, os museus vão às escolas, enfim, têm experiências com as instituições de cultura nacionais.
FOLHA - O programa é para as escolas públicas?
ELLIOTT - É para todas as escolas. Trata-se de dar oportunidades para que as crianças desenvolvam suas habilidades, seu gosto por literatura, música etc.
FOLHA - De que maneira esses recursos são distribuídos?
ELLIOTT - Temos programas diretos, como os de manutenção dos museus nacionais [como British Museum, Tate e Museu de História Nacional], e repassamos recursos para o Arts Council, que é agência responsável pelo desenvolvimento das atividades artísticas. Neste caso, damos os recursos e debatemos as prioridades, mas não interferimos nas decisões do Arts Council e no destino do dinheiro. Os membros do conselho definem que orquestra ou balé será beneficiado.
FOLHA - O senhor fala dessa relação como se ela fosse pacífica. Mas não há divergências sobre até aonde o Estado deve ir?
ELLIOTT - Nunca é uma situação preto no branco. Sempre houve, no Reino Unido, debates sobre a relação entre o governo e essas instituições. Mas a influência do governo sobre as decisões das instituições é cada vez menor, até porque os membros do Arts Council têm grande expertise, e temos investido na formação desses líderes no setor cultural. Como em todos os lugares, há pressões, mas tentamos estabelecer um diálogo para que as decisões sejam corretas e claras.
FOLHA - Como balancear demanda de artistas e interesse público?
ELLIOTT - Buscamos, o tempo todo, aumentar a participação da população nas instituições. O Arts Council procura entender as necessidades dos artistas, tanto em termos de criação quanto de dinheiro, mas o governo tenta estimulá-los a aproximar os seus trabalhos do público, a criar uma demanda pelo que fazem. A política não pode ficar excessivamente presa ao interesse dos produtores de cultura. O dinheiro governamental deve trazer benefícios reais para a população.
FOLHA - O lobby dos artistas e dos produtores é muito forte?
ELLIOTT - Muito. Mas não pensamos na cultura apenas como fruição, mas também como economia e educação.
Pra inglês não entender por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 24 de março de 2010.
Chefão da cultura do Reino Unido espanta-se com o excesso do uso de leis de incentivo fiscal no Brasil e a separação entre ministérios
Na terra natal de Shakespeare, o "ser ou não ser", ao menos na cultura, não é uma questão. Lá, cultura é, sim, uma questão de Estado, ou seja, cabe ao governo destinar uma verba para a manutenção das artes.
No Reino Unido, a cultura é, também, uma questão de educação, ao ponto de, institucionalmente, estar ligada a um departamento gigante que cuida de cultura, mídia e esporte.
Foi, portanto, com surpresa - mesmo que recoberta pela discrição - que a delegação de gestores culturais britânicos em excursão pelo Brasil ouviu, na última segunda-feira, o rosário de dificuldades desfiado pelos administradores brasileiros durante um debate realizado na sede do Sesc São Paulo.
O encontro, fechado para convidados, reuniu desde produtores e intelectuais até diretores das mais importantes instituições da cidade, como Marcelo Araújo, da Pinacoteca do Estado, e Carlos Magalhães, da Cinemateca Brasileira.
Do lado britânico, estavam, entre outros, a diretora-executiva do Arts Council, Andrea Stark, secretária de cultura de Liverpool, Claire McColgan, e o diretor de Cultura do departamento de Cultura, Mídia e Esporte, Michael Elliott, nome-chave da instituição. Elliott, que havia visitado unidades do Sesc, visto um show de Jorge Mautner e visitado o teatro Oficina antes do debate, confessou, à Folha, estar pouco seguro de sua contribuição. "São experiências tão distintas, não?", perguntou, erguendo as sobrancelhas num sorriso levemente perplexo.
Leis de incentivo
As duas características brasileiras que não se encaixaram em seu pensamento ordenado foram, primeiro, a própria existência de um ministério da Cultura e, depois, a lógica das leis de incentivo, que transferem para mãos privadas o poder de decisão sobre o destino do dinheiro de imposto.
"Se você quer que a sociedade se envolva com a cultura, tem de partir do sistema educacional. As duas coisas estão interligadas", disse, após ouvir dos secretários do Estado e do município, João Sayad e Carlos Augusto Calil, que é impossível trabalhar com as secretarias da educação.
Mas nada soou tão desafinado para Elliott quanto a cantilena das leis de incentivo - que, como sempre acontece nos debates culturais no Brasil, foi tema repetido. "O benefício fiscal acarreta uma perda de arrecadação. Sempre entendemos que é preciso ter um orçamento público para a cultura."
março 23, 2010
Aberturas de Oiticica e Warhol atraem multidões por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 22 de março de 2010.
Milhares de pessoas comparecem a estreias em SP
Vestindo os "Parangolés" de Hélio Oiticica, atores do Teatro Oficina dançaram no último sábado entre convidados e garçons servindo vinho branco e minicuscuz. Era a abertura da mostra dedicada ao artista.
Em clima de festa, a Estação Pinacoteca recebeu VIPs pela manhã e teve filas na porta à tarde para ver a maior mostra de Andy Warhol já feita no país.
Gigantes da arte do Brasil e dos Estados Unidos, hoje estrelas mundiais, Oiticica e Warhol mobilizaram o mundinho das artes no último sábado, com aberturas simultâneas.
No Itaú Cultural, onde a mostra de Oiticica fica em cartaz até maio, mais de 2.000 pessoas se espremeram no hall de entrada e percorreram os três andares da mostra. Mas poucos saíram à Paulista, em frente ao prédio, para ver os atores com "Parangolés" e batom rosa-choque dançando na avenida.
Sob o sol do meio-dia, duas passistas da Mangueira sambaram no asfalto quente. Alguns cariocas que passaram por lá reclamaram da falta de praia.
Um deles era a artista Anna Bella Geiger, que não achou estranho o "Parangolé" versão 2010 e quis sentir o gosto da tinta nos "Relevos Espaciais" para ver de que tipo era.
No centro, depois do "brunch" para os "amigos da Pinacoteca", a mostra de Warhol foi aberta ao público. Pelo menos 3.500 pessoas passaram por lá. A fila se estendia por toda a lateral externa do prédio.
Lá dentro, grupos passaram mais tempo lendo os textos nas paredes sobre o artista americano do que olhando para suas obras. Ainda assim, uma mulher diante da imagem de Marlon Brando, feita por Warhol, suspirava: "É um espetáculo, é o homem mais lindo que já vi". Nos elevadores, o comentário: "Alegre, né? Tudo é tão alegre".
Oiticica, no Itaú Cultural, e Warhol, na Estação Pinacoteca, estão fechados hoje, mas reabrem de terça a domingo.
