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agosto 30, 2004

As metamorfoses do império

Entrevista publicada originalmente no Mais, na Folha de São Paulo, domingo, dia 29 de agosto de 2004.

Expoente da filosofia japonesa, Naoki Sakai vem ao Brasil nesta semana para discutir o papel das universidades e a insuficiência do nacionalismo como forma de resistência.

Pedro Erber
Especial para a Folha

Naoki Sakai (1946), um dos principais expoentes da filosofia japonesa, vem ao Brasil pela primeira vez nesta semana [haverá conferências na quinta-feira, na Universidade Federal do RJ (tel. 0/xx/ 21/2598-9792) e, na sexta-feira, na Pontifícia Universidade Católica do RJ (tel. 0/xx/21/3114-1447)]. Autor de "Translation and Subjectivity" (1987), "Voices of the Past" (1992), entre outras obras e numerosos artigos, Sakai é professor na Universidade Cornell, onde leciona desde 1987 nos departamentos de estudos asiáticos e literatura comparada. É também idealizador e editor da "Traces", revista multilíngüe de teoria cultural e tradução.

Foi sobretudo a justificação filosófica do imperialismo japonês, tal como elaborada na obra de Hajime Tanabe (1885-1962), que despertou o interesse de Sakai pela vertente do pensamento japonês da primeira metade do século 20 conhecida como Escola de Kyoto. Contrapondo-se radicalmente à busca orientalista do exótico, Sakai descreve a Escola de Kyoto, famosa sobretudo por sua ligação com o pensamento zen-budista, como "uma típica escola filosófica européia".

A filosofia japonesa torna-se então um dos focos de seu questionamento das implicações políticas da dicotomia Ocidente-Oriente. Dicotomia essa que, segundo Sakai, resulta muito mais de um mecanismo de reconhecimento mútuo, denominado por ele de "esquema de co-figuração", que de alguma autêntica identidade cultural.

Na entrevista a seguir, Sakai fala de seu percurso intelectual, do imperialismo americano contemporâneo e de sua visão do papel fundamental das universidades no contexto político mundial. Animado com a perspectiva de sua primeira passagem pela América Latina, acentua a importância do estabelecimento de uma comunidade internacional de questionamento e resistência ao crescente viés conservador da política.

Gostaria de começar por um tema sobre o qual o sr. costuma manter certa discrição, mas que me parece intimamente relacionado à sua atividade atual no âmbito acadêmico: sua participação no movimento estudantil japonês no final dos anos 60. O sr. fazia parte de uma minoria muito influenciada por pensadores europeus, enquanto a maior parte dos estudantes se via muito mais próxima de marxistas japoneses, como Takaaki Yoshimoto...

Deixe-me reformular um pouco. Os estudantes japoneses daquela época -a geração de 1968, particularmente- liam muito sobre o pensamento europeu, sobretudo filósofos marxistas. Alguns já liam autores como [Jürgen] Habermas, e um pequeno grupo lia também Michel Foucault, que havia estado no Japão fazia pouco tempo. No entanto havia um problema entre aqueles estudantes. Embora reconhecendo a relevância de certos pensadores europeus para o movimento em que estavam engajados, eles não se sentiam de fato envolvidos no pensamento europeu. Após a dissolução do movimento estudantil, a maioria deles se tornou simplesmente nacionalista. Eu tinha uma visão inteiramente diversa da situação.

A conexão entre o que se passava no meio universitário japonês e a situação internacional lhe parecia especialmente importante?

A contemporaneidade daqueles movimentos era particularmente importante. Pela primeira vez no Japão aqueles estudantes realmente levaram a sério a questão da relação entre conhecimento e política. Para eles, o conhecimento não era simplesmente um instrumento por meio do qual o poder se impõe. O próprio conhecimento é o locus do poder. Por isso eles escolheram a universidade como local de sua luta.

E, você se lembra, essa tomada de consciência foi contemporânea à percepção dos estudantes franceses do conhecimento e da política.

O que soa muito próximo ao modo como o sr. costuma referir-se à sua própria atuação como professor universitário. Como o sr. vê essa conexão?

Sim, nesse sentido eu não me sinto culpado por não me envolver no chamado "mundo real". As universidades são muito reais no processo de formulação da sociedade contemporânea. Eu lido com o problema de como construir e como reformular o modo pelo qual o conhecimento é produzido. E, especialmente em relação ao imperialismo, a disciplina que escolhi -estudos regionais ("area studies")- é muito relevante nos EUA, por ser precisamente o lugar onde é gerado o conhecimento imperialista.

Quando se pensa na hegemonia dos EUA hoje em dia, não se pode em hipótese nenhuma ignorar o papel das universidades americanas, onde são educados alguns dos melhores estudantes de todo o mundo, que retornam a seus países e formam as elites locais. Nesse sentido, o próprio sistema universitário americano é um dos núcleos da hegemonia imperialista dos Estados Unidos.

Qual a sua avaliação dos estudos regionais e, mais especificamente, dos estudos japoneses na academia americana?

Para ocupar o Japão após a Segunda Guerra, os EUA precisavam de um enorme arsenal de especialistas na região. Essa foi a premissa original da disciplina dos estudos japoneses nas universidades americanas. De modo que o nacionalismo americano não foi jamais questionado seriamente no âmbito dos estudos japoneses.

Estruturalmente, há uma continuidade entre o imperialismo japonês dos anos 30 e o imperialismo dos EUA no pós-guerra.

Nesse sentido, alguém como Hajime Tanabe era muito semelhante aos atuais especialistas em estudos regionais, na medida em que se tornou o filósofo do Estado imperial japonês e se preocupava genuinamente com a prosperidade do império. Eu, no entanto, não tenho intenção de contribuir para a continuidade do programa de estudos regionais baseado nesse tipo de lealdade ao nacionalismo americano.

Parece haver atualmente um sentimento de crise na própria idéia de estudos regionais, devido precisamente às premissas políticas que a disciplina implica.

Houve diversas reações a essa formulação dos estudos regionais. Intelectuais em áreas como o Leste Asiático e, tenho certeza, também na América Latina foram bastante críticos à política dos EUA em tais regiões. Como resultado, há uma tendência entre esses intelectuais a se tornarem muito anti-americanos. Eles operam com base no nacionalismo local contra os EUA.

O sr., por outro lado, vem criticando freqüentemente os nacionalismos locais por não constituírem uma estratégia suficiente contra o imperialismo...

Mais uma vez, deixe-me usar o exemplo do Japão no pós-guerra. Estando o Japão ocupado pelos EUA, houve desde o início um forte sentimento anti-americano. No entanto esse anti-americanismo simplesmente reforçou o nacionalismo japonês. Algo que aqueles intelectuais, incluindo os intelectuais marxistas, não perceberam foi que de fato, após a Segunda Guerra, o nacionalismo étnico local deixou de ser um modo efetivo de resistir à dominação americana, que não era abertamente opressiva no Japão. Eles jamais refletiram seriamente sobre a razão pela qual a dominação americana no Japão, que não terminou em 1952, quando o país tornou-se oficialmente independente -como o Iraque em junho deste ano-, se tornou a mais bem-sucedida administração colonial da história.

A hegemonia mundial dos EUA é uma das questões centrais de seus escritos sobre a chamada Escola de Kyoto. O império japonês do período pré-guerra pode ser visto como um modelo do imperialismo americano atual?

Sim e não. Esse foi o desenho que a situação internacional forçou os intelectuais japoneses a aceitarem durante os anos 30, devido à resistência particularmente forte por parte dos chineses. No início, o Estado japonês reprimiu severamente o nacionalismo chinês.
Mas essa repressão acabou por torná-lo ainda mais forte e conspícuo. De modo que, ao fim da década de 30, alguns intelectuais, como Kiyoshi Miki [1897-1945] e outros, chegaram à conclusão de que era preciso acolher o nacionalismo chinês para controlá-lo. Mas essa tarefa foi muito mais bem realizada no pós-guerra, sob o controle americano da região.

O sr. afirmaria que tais mecanismos foram aprendidos do império japonês pelos oficiais da ocupação americana?

É difícil dizer se os especialistas americanos de fato aprenderam com as experiências do Japão, exceto em casos como o do imperador Hiroito. Nos anos 30, o Estado japonês tentou utilizar os imperadores da Manchúria como marionetes para controlar sua colônia, e os EUA apropriaram-se deliberadamente dessa política, poupando Hiroito para facilitar a ocupação do Japão. Por outro lado, o governo americano adotou as instituições coloniais japonesas para controlar a Coréia, Taiwan e mesmo a China, até a tomada do poder pelos comunistas. No mais, estruturalmente há uma continuidade entre o imperialismo japonês dos anos 30 e o imperialismo americano no pós-guerra. Essa é uma das razões pelas quais o estudo da Escola de Kyoto me parece importante.

Nesse sentido, sua abordagem da Escola de Kyoto é inteiramente diferente da maior parte dos estudos sobre o assunto, que se concentra em seu aspecto religioso e na herança do chamado "pensamento oriental".

A Escola de Kyoto é conhecida como uma escola de filosofia religiosa, especialmente ligada à tradição budista. Eu discordo inteiramente dessa caracterização.

Trata-se antes de uma típica escola filosófica européia, interessada em ciências humanas e naturais. Hajime Tanabe, que sucedeu Kitaro Nishida no departamento de filosofia da Universidade Imperial de Kyoto, era inicialmente um filósofo da ciência. Foi ele quem introduziu a leitura filosófica da teoria quântica no Japão. Além disso, tanto Tanabe como Nishida eram muito ligados ao cristianismo. De modo que é um engano tomar a Escola de Kyoto por uma escola de filosofia budista.

Qual a importância de Tanabe no contexto do pensamento político do século 20?

Tanabe sofreu profundamente uma combinação de nacionalismo e imperialismo. Ele estudou com Martin Heidegger durante os anos 20 na Alemanha. E, mais tarde, após retornar ao Japão, surpreendeu-se ao descobrir que Heidegger estava se aproximando do nacionalismo étnico alemão. Tanabe era extremamente crítico do nacionalismo étnico. Sua "Lógica das Espécies" [série de ensaios de ontologia política] foi desenvolvida como uma refutação do que ele percebia ser o fascismo. Porque o fascismo baseia-se geralmente na unidade de uma comunidade étnica, Tanabe atacou radicalmente a noção de etnia e se esforçou para demonstrar que não existe uma base étnica para a nação moderna.

No entanto ele não foi suficientemente crítico do desenvolvimento imperialista do multiculturalismo. E, como resultado, acabou fornecendo uma justificação multicultural ou multiétnica para o império japonês.

Em "Voices of the Past" [Vozes do Passado], o sr. aborda o problema da escrita fonética no contexto dos debates lingüísticos do século 18. É um tema que despertou o interesse de pensadores contemporâneos, como Lacan e Derrida, que vê no fonocentrismo uma das características fundamentais do que se denomina a "metafísica ocidental". Como se coloca essa questão no âmbito da lingüística japonesa?

Dentro do contexto da chamada escrita "japonesa" encontram-se formulações claras da questão do fonocentrismo. No Japão, especialmente no século 18, um pequeno grupo de intelectuais afirmava que a escrita japonesa era essencialmente fonética e tentava distinguir o Japão da China pelo fato de a escrita chinesa não chegar a ser fonética. Derrida, por outro lado, herdou de Heidegger expressões como "metafísica ocidental", e "teleologocentrismo". E desenvolveu seu argumento em torno de 1968 iniciado antes, com sua tradução da "Origem da Geometria", de Husserl, prosseguindo então com uma crítica geral da metafísica européia.

Ele afirma explicitamente que não existe um exterior positivo da metafísica ocidental, mas não explora o problema de como a metafísica pode ainda ser chamada "ocidental" se esta não possui um exterior.

Esse problema explode na "Gramatologia", particularmente no capítulo onde ele lida com as escritas chinesa e japonesa. Não se pode afirmar que a escrita chinesa seja decididamente não-fonética. E a escrita japonesa, como você sabe, não é tampouco não-ideográfica. Acontece que a leitura fonética dos caracteres depende em grande parte de uma ideologia...

O sr. estabeleceu uma ampla rede de colaboração entre intelectuais progressistas na Ásia, Europa e EUA e vem agora pela primeira vez à América Latina. Como você vê o potencial desse tipo de conexões intelectuais no âmbito político internacional?

Na última década, e particularmente desde a Guerra do Golfo, vimos o crescimento de uma tendência extremamente conservadora nos EUA. Estou certo de que as pessoas no Brasil vêm percebendo como o nacionalismo americano tem se tornado chauvinista. É necessário opor-se a essa formação reacionária.

No entanto não me parece possível transformar a situação dentro dos EUA e particularmente dentro da universidade americana, a não ser que estabeleçamos conexões em nível internacional.

E suponho que o projeto da revista "Traces" esteja diretamente ligado a essa tentativa. Como surgiu a idéia de uma "revista multilíngüe de teoria cultural e tradução"?

Eu acabei me interessando muito pelo tema da tradução. É uma das questões que abordo em relação ao pensamento japonês do século 18. Não afirmo que a tradução seja um tipo de ligação universal, de modo algum. Na verdade, a tradução é precisamente o esquema por meio do qual as regiões são confinadas. Assim, ela desempenha papel muito importante na criação do moderno Estado-nação.

Ao mesmo tempo, eu vejo a tradução como um modo de lidar não apenas com diferenças regionais, mas também com diferenças de classe, diferenças étnicas, de gênero etc. A partir daí, eu pude formular uma noção de comunidade, muito inspirada no filósofo francês Jean-Luc Nancy. Trata-se da possibilidade de uma comunidade que não esteja confinada a identidades nacionais, étnicas ou religiosas. Isso me permitiu desenvolver esse projeto, "Traces". Soa um pouco derridiano, mas não é inteiramente derridiano...

Há quanto tempo e em que países vem sendo publicada a revista "Traces"?

Há mais ou menos quatro anos; em chinês, coreano, inglês e japonês, e estamos tentando publicá-la também em outros idiomas. Ela é vendida nos EUA, Inglaterra, Austrália, Cingapura, Índia, Canadá, Japão, China, Taiwan e Coréia. Os próximos números estarão disponíveis também na França, e estamos negociando para publicá-la em espanhol. E, é claro, consideraremos seriamente a possibilidade de uma versão em português.


Pedro Erber é doutorando em filosofia política e literatura na Universidade Cornell, estudou filosofia japonesa na Universidade de Tóquio e é autor de "Política e Verdade no Pensamento de Martin Heidegger" (Loyola).

Posted by Patricia Canetti at 10:23 AM