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março 29, 2018

Só se for para o fundo do Mar por Hugo Fortes, Marcos Martins, Yiftah Peled

O corpo foi sempre um objeto visado. Situado na encruzilhada das lutas ideológicas, ele vem sendo submetido às instâncias jurídicas e religiosas, sob apelativos conceitos morais que interferem na estruturação dos formatos das interações humanas. Porém, culturas diferentes e épocas distintas apresentam acordos dicotômicos sobre seu uso. Se observamos essa condição, dela surge a desejada impossibilidade de universalização e de um acordo sobre esse objeto.

Como ponto de tensão entre o social e o particular, o corpo é um instrumento expressivo para as poéticas artísticas contemporâneos que buscam polemizar e lançar uma pluralidade de seu uso e de desestabilizar as tentativas de seu adestramento ou padronização.

A arte questiona o grau de liberdade que possuímos para usar o corpo e os formatos permitidos para sua representação, fazendo surgir sua materialidade avassaladora, questionando a validade do seu empréstimo e provocando o direto de manipulá-lo e transformá-lo, para além do formato recebido como ‘natural’.

A época atual tumultua a relação do direito sobre o corpo em sociedades que assumem premissas controladoras e preconceituosas típicas de religiões fundamentalistas e de regimes autocráticos, resultando em privação de direitos, perseguição de minorias e espetáculos de destruição de histórias outras.

No Brasil, a crescente e assustadora influência de setores religiosos na política está transformando o país gerando impactos, uma campanha contra a classe artística manifestada em tentativas de censura e leis com objetivo de transformação de direitos lançada via discursos pseudo morais.

O ataque contra a liberdade da/na arte e contra várias instituições de cultura por todo o país encarna-se no Espírito Santo através do projeto de lei do Deputado Euclério Sampaio com objetivo de censurar o corpo nu em exposições de arte.

No 35. Panorama de Arte Brasileira no MAM de São Paulo o artista Wagner Schwartz apresentou a performance “La Bête” deslocando a ideia da obra da Lygia Clark para seu corpo. A obra foi alvo de polêmica e censura gerada por setores conservadores em São Paulo.

Em outubro de 2017, a expo “Queer Museu” foi fechada sob pressão do Movimento reacionário de extrema direita Brasil Livre (MBL) no Instituto Santander Cultural em Porto Alegre.

O diretor do Museu de Arte do Rio (MAR) ofereceu-se para abrigar a mostra, sob intensa e oportunista polêmica da mídia e da comunidade religiosa e sob a reação das classes artística e intelectual. O evangélico Marcelo Crivela, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, opôs-se a receber a exposição sob apelos de “conteúdos impróprios”. Na ocasião Crivela declarou que a exposição não viria ao Rio: “Saiu no jornal que vai ser no MAR. Só se for no fundo do mar”.

A exposição aqui proposta denominada Só se for no fundo do MAR surge então como reação a essa declaração; uma tentativa de inverter o afogamento da arte, propondo um mergulho exploratório.

A mostra faz surgir as estranhas e maravilhosas criaturas alienígenas submarinas, polemiza o lugar do corpo e desestabiliza o adestramento.

Um investimento artístico que crê na possibilidade de inverter um jogo perverso de poder e acariciar coletivamente o carrasco.

Nesse sentido, os organizadores dessa mostra expressam, primeiramente, uma eterna gratidão ao prefeito Marcelo Crivela por impulsionar esse mergulho em águas profundas de incerteza e possibilidades.

Posted by Patricia Canetti at 8:38 AM

março 26, 2018

A magia visual dos balangandãs de Carolina Ponte, por Shannon Botelho

A magia visual dos balangandãs de Carolina Ponte

SHANNON BOTELHO

Balangandã é, antes de tudo, uma palavra sonora. Dotado de uma magia capaz de proteger o indivíduo que o possui, este objeto é sedutor. O signo mágico que, por ora, Carolina Ponte elege como foco de interesse povoa suas colagens e se inscreve como novidade nos trabalhos em crochê. Exerce um fascínio sobre o observador, atuando em um misto de sensualização e festa. Proteção e atração.

Neste último ano, com a experiência de explorar ornamentos e o interesse pelo fazer manual, Carolina passou a trilhar novos caminhos conduzida pela vocação mística dos balangandãs. Amuleto ancestral, o balangandã possui uma força capaz de atrair energias semelhantes e repelir qualquer negatividade. No fluxo de sua produção, a artista seguiu adiante com sua pesquisa e se deixou envolver por esta novidade, produzindo seus próprios amuletos.

As peças que Carolina Ponte apresenta em Balangandã são fruto de duas residências artísticas realizadas em 2017– uma na França, onde pesquisou a ornamentação da joalheria vitoriana; e outra na Dinamarca, onde desenvolveu padronagens que definiriam suas gravuras. No atual momento de sua pesquisa, a artista passa a explorar outros caminhos nos quais seus crochês são mais afetados pela gravidade e as colagens revelam novas experiências com transparências, sobreposições de padronagens e cores.

Estes objetos populares, originalmente produzidos em prata, ganham maleabilidade e leveza nas esculturas em crochês. A trama da lã assume uma nova função: a de ser uma corrente para os balangandãs. Amarrações e pendimentos surgem mais opulentos nestes trabalhos, possibilitando que os amuletos fiquem fixados em pencas sem perder o seu gingado.

Assim como os balangandãs que ganham significação ímpar quando incorporam os elementos de nossa cultura, as obras desta exposição carregam traços do repertório de Carolina Ponte formado por suas memórias, vivências e saberes.

Mais sintéticas, as colagens constroem uma ambiência mais leve. Suas cores nos atraem por seu apelo sensorial e pela relação íntima que estabelecem com as formas opulentas em profusão e movimento. Os elementos pendentes, presos às correntes multicoloridas, bailam no espaço emitindo uma sonoridade festiva, tal qual o tilintar dos balangandãs nas ladeiras do Bonfim. Sem uma atmosfera realista, os balangandãs de Carolina reverberam som e movimento, enquanto pendem para baixo numa dança sensual e calma.

Como amuletos, as colagens de menores dimensões concretizam uma ideia de mobilidade. As formas pendulares estão potencializadas nelas. Emergem das padronagens que compõem o fundo e se oferecem num apelo tátil. Herdeiros das tradições populares, estes trabalhos possuem um traço identitário capaz de atualizar uma discussão que busca valorizar os elementos culturais brasileiros. Assim como Djanira celebrou as festividades e objetos votivos, Carolina Ponte valoriza seus signos mágicos. Nas festas de Djanira, a cor que fulgura sem ofuscar projeta-se para fora do trabalho, contagiando o entorno com um clima de celebração. O cenário emite um som festeiro. O retinir dos balangandãs de Carolina Ponte também é assim: festivo, mágico, contagiante.

Pelo esforço demandado para sua realização, cada obra segue uma lógica peculiar de fazer para refazer. Construir para reconstruir. Ao escolher produzir seus trabalhos a partir de gravuras meticulosamente acabadas e posteriormente aquareladas, a artista afirma uma escolha de cumprir obrigatoriamente as etapas de construção, produção, reconstrução e pós-produção. Para cada colagem ou crochê, o processo é duplicado. Todas as obras foram tocadas em dois momentos por Carolina. No primeiro para sua confecção. No segundo, para seu reordenamento e conformação final.

Poderíamos, por fim, afirmar que hoje Carolina Ponte atua como uma operária de sua própria criação. Ela parece atender ao chamado de William Morris, líder do movimento Arts and Crafts, quando nega delegar sua criação à lógica industrial e reafirmar a ‘insubstituibilidade da arte enquanto processo de experiência’ [1]. Portanto, gravar, pintar, cortar e colar tornam-se, para ela, os únicos meios de transformar suas ideias em formas e objetos múltiplos, capazes de carregar consigo, assim como os balangandãs, um sentido mágico.

Shannon Botelho [2]

NOTAS
1 Argan, G. Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. pg 182
2 Shannon Botelho é crítico de arte, curador e professor. Doutorando em História e Crítica da Arte pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes/UFRJ. Mestre em Artes Visuais, na linha de História e Crítica da Arte, pelo PPGAV - EBA/UFRJ, possui Bacharelado em História da Arte (EBA/UFRJ) e Licenciatura Plena em Artes Visuais (Centro Universitário Metodista Bennett). Pesquisa a Arte Brasileira e suas instituições. É Professor efetivo no Departamento de Desenho e Artes Visuais do Colégio Pedro II.

Posted by Patricia Canetti at 9:57 AM

março 21, 2018

Pantera Serpente e outros amuletos por Ana Prata

Pantera Serpente e outros amuletos

ANA PRATA

Intitulada Pantera Serpente e outros amuletos, Camile realiza sua primeira exposição individual. O título acrescenta um sentido enigmático ao trabalho, pois amuletos costumam ser peças de esfera íntima, que guardamos e confiamos por nossa conta e risco. De certa forma nos cabe buscar entender e formular internamente um sentido para o que vemos, de maneira similar ao modo como atribuímos significado a um objeto tornando-o um amuleto.

Camile de fato não é o tipo artista cheia de intenções previamente construídas, portanto é necessário olhar e entender o que ela busca comunicar na construção de linguagem que ela organiza dentro da tela, ou seja, como ela associa os elementos de sua gramática, não pré-condicionada ao discurso, mas ainda assim urgindo por nos dizer algo. Este último aspecto me interessa de um modo geral ao olhar para arte, a capacidade que uma coisa feita tem de nos dizer algo e nos tocar de fato.

Na introdução de seu livro de ensaios, How To See, David Salle ressalva que ao olhar um trabalho devemos buscar de fato entender o que aquilo nos leva a pensar e sentir, e não o que supostamente deveríamos pensar baseados em algum discurso externo ao trabalho, em última instância, sermos mais honestos conosco. Como ele mesmo diz, às vezes o texto na parede nos fala sobre as mil estratégias do artista e você se encontra pensando em outra coisa qualquer, talvez até onde fique a cafeteria. Ele busca uma leitura mais ensaística, sendo um artista e não um crítico ou historiador, e é nesse caminho que busco olhar para o trabalho de Camile, uma artista que está iniciando sua trajetória.

Me lembro quando em uma das primeiras visitas que fiz ao atelier-casa de Camile, sem saber muito bem o que me esperava, uma pequena pintura pendurada na parede de fato me capturou, essa pintura se chama Colibri Astral, de 2017, e nela está escrito ARISE DEAD BIRD. Acho que ao falar deste trabalho, e como o senti neste primeiro encontro, consigo expressar o que sinto em relação ao seu trabalho de um modo geral.

Uma coisa escrita costuma exercer muita força sobre nosso pensamento, o verbo costuma ser dominante, ARISE DEAD BIRD é uma frase carregada de poesia: me remete à fala de uma criança, que clama por alegria, por ação, por um lindo vôo – ignorando a morte que existe neste mundo, a tristeza - a criança naquela pulsão de vida com a qual somos natos. O que acontece é que apesar da força desta frase, não foi ela que me chamou a atenção, e sim a própria pintura enquanto objeto. A própria pintura carrega em si uma pulsão de vida, celebrativa, urgente, viçosa. Porém o seu aspecto infantil nos leva a uma espécie de nostalgia, uma tristezinha guardada, que não nos deixa enganar; o mundo é duro, é luta, se a criança não sabe disso ainda, nós sabemos, Camile sabe. Com suas cores extravagantes, sua tinta massuda assentada de maneira sensual, uma mancha se encaixando na outra, bem pertinho numa espécie de carência umas das outras, dividindo o mesmo espaço de forma amorosa, esta pintura tem simultaneamente um caráter combativo, porque os trabalhos de Camile parecem ser feitos com certa pressa, com certa urgência e ansiedade. A alegria e o amor como urgência nos fazem lembrar dos seus antônimos, afinal porque alegria e amor são importantes e urgentes?

O trabalho de Camile é um agregado de significados, as frases muitas vezes têm direções próprias, às vezes não lembramos o que lemos, elas não estão lá para totalizar ou resumir, mas para agregar, às vezes elas nem estão. Junto vemos manchas abstratas, gordas ou magras, junto de figuras, que muitas vezes parecem brinquedos, doces, artigos de sex shop, coisas de plástico. Trata-se de uma pintura meio gulosa, que parece dizer: pode vir que você também cabe nesse retângulo-maravilha.

Eu pensei que queria levar aquela pintura pra casa, como um objeto de sedução meio imediata. Mas o trabalho não se reduz a este traço, um segundo depois ela te recoloca no mundo real, como uma droga de efeito rápido, e nessa ambiguidade eu acho que mora o verdadeiro valor do trabalho.

Definitivamente ali não é um lugar de descanso, tudo flutua e você tem que olhar de novo para que não te escapem coisas, não se trata de uma pintura contemplativa, ainda que carregada de afeto. Por trás de uma aparente festa que se consome rapidamente, de certa euforia de cores e “coisas”, por trás dessa sensualidade melequenta de tinta, me parece haver uma necessidade ansiosa de dar conta deste mundo – missão impossível, talvez patética, talvez heróica, talvez palhaça, que é ao mesmo tempo engraçada e profunda. ARISE DEAD BIRD.

Posted by Patricia Canetti at 5:49 PM

março 20, 2018

Carbono Galeria: Maturidade aos 5 anos por Ligia Canongia

Carbono Galeria: Maturidade aos 5 anos

LIGIA CANONGIA

5 anos de Carbono, Galeria Carbono, São Paulo, SP - 27/03/2018 a 19/05/2018

A fotografia revolucionou o mundo da arte, criou um novo paradigma para o conceito de imagem e implicou, definitivamente, a imbricação da arte com a tecnologia. Mais ainda, engendrou, de forma complexa e problemática, a relação entre arte e indústria, e entre arte e mercadoria.

A questão da obra múltipla, ampliada com a invenção da foto e do cinema, nos primórdios do século XIX, tornou-se um fenômeno moderno e contemporâneo de larga escala, incitando proposições teóricas mundo afora e ao longo do tempo. A mais influente delas, escrita pelo pensador alemão Walter Benjamin, em 1936, e tida como a primeira teoria materialista da arte [1], tinha como eixo a perda da “aura” da obra de arte única, a partir do advento das técnicas mecânicas reprodutíveis. Seus estudos avançaram a questão da massificação da imagem, sua banalização nas sociedades e, a reboque, a perda de seu aspecto ritualístico e seu fetiche. Por outro lado, anunciava um novo espírito, associado ao funcionalismo, sinalizando a potência libertadora da máquina sobre a arte, em relação aos elos que ainda a ligavam ao Belo tradicional e à estética contemplativa. A ideia de que a arte poderia estar inserida no cotidiano da vida dos homens, com apoio da indústria e em conluio direto com o desenvolvimento tecnológico superava, em termos históricos, o problema de uma passível perda da identidade dos objetos e de sua fruição aurática. Benjamin acreditava que a reprodutibilidade da imagem, através dos processos mecânicos, acabaria por multiplicar e difundir o trabalho de arte a ponto de sua consagração, vinculada ao mito do original, ser irrecuperavelmente afetada.

O ápice dessa questão surgiria, porém, trinta anos depois do ensaio benjaminiano, com a Pop Art, que explorou ao extremo o caráter da repetição serial, reduzindo o objeto de arte a uma forma estandardizada. A Pop colou a produção artística à ideologia da reprodução, fazendo com que a arte sucumbisse à determinação da mercadoria. Não sem motivos, críticos como Giulio Carlo Argan consideraram o movimento norte-americano como o ponto terminal do ciclo histórico da arte. Paradoxalmente, porém, e apesar de sua aparente imparcialidade, a Pop criticava o destino patético dos indivíduos regidos pela máquina e pelas sociedades de massa, apontando para a neutralização do sujeito contemporâneo. Roland Barthes diz, inclusive, que os artistas pop realizavam, por baixo dos panos, uma crítica oblíqua ao consumo massivo, á alienação da coisa anônima e aos estereótipos. Para ele, a neutralidade pop traía um significado mais profundo, além de sua inocente superfície e, assim, salvaguardava a metáfora, raiz de toda poesia. E não se pode esquecer que Duchamp, pioneiramente, já antevira a preponderância das imposições mercadológicas, provocando a burguesia e as massas com o estatuto do readymade, um objeto ambíguo por excelência, por aderir e ironizar, ao mesmo tempo, o poder da máquina e a vulgarização dos objetos na modernidade.

Fato é que, passados os estudos de Benjamin, as provocações de Marcel Duchamp e o distanciamento da Pop, decorreram-se oito décadas de debate constante sobre a identidade, a persistência e o valor da obra múltipla, sem que, em momento algum, o original tivesse perdido a eficácia de sua aura. Ao invés, e muito possivelmente, foram os múltiplos que adquiriram uma discreta evidência aurática, contrariando as expectativas do filósofo alemão, e sustentando um discurso denso e autônomo. Mais do que um processo de dessacralização da arte e um abalo na autoridade do “original”, a grande questão do múltiplo continua sendo de caráter político, ao tentar alargar a circulação do objeto artístico, ampliar sua penetração no tecido público, e acionar o processo irreversível de democratização da arte.

Joseph Beuys, artista cuja importância na contemporaneidade é indiscutível, foi um grande fomentador da produção de múltiplos, tendo realizado, ele mesmo, dezenas deles. Nada mais pertinente para quem acreditava que a função da arte era “esculpir” a sociedade. Um ser político por natureza, poética e literalmente, Beuys disse:

“Interesso-me pela distribuição de veículos físicos sob a forma de edições, porque tenho interesse na disseminação das ideias” [2].

O múltiplo, portanto, não elimina a experiência espiritual da obra única, mas não possui substrato poético menor do que o dito “original”, e ainda guarda a prerrogativa de dar acesso aos trabalhos artísticos a um leque maior de camadas sociais.

Nos últimos cinco anos, a Galeria Carbono, com o empenho e o entusiasmo de Ana Serra e Renata Castro e Silva, sedimentou-se na cidade de São Paulo como um empreendimento devotado a edições, defendendo a obra múltipla como uma prática independente, regida por suas próprias especificidades e livre do servilismo ao gosto dominante e ao mercado. Atuando para dar ao múltiplo a dignidade e o valor merecidos, e já legitimados historicamente, a galeria se impôs pela seriedade no lidar com as linguagens contemporâneas, pelo tratamento dado aos artistas e aos curadores e, sobretudo, pela forma como respeita e contribui para a “disseminação das ideias”. A Carbono tem a consciência de que a obra de arte múltipla é tema explorado na iconografia e no pensamento universal desde a Revolução Industrial, e que jamais poderia se equipar a uma mera mercadoria. Dedicando ao múltiplo a mesma reverência do sistema exclusivista da obra única, assume a multiplicidade como mais um desafio para o criador e suas inquietudes conceituais. A galeria celebra, portanto, cinco anos de êxito e de resistência às posturas conservadoras, que insistem em ver a criação do múltiplo com visão anacrônica e olhos castrados.

Os números não mentem. Nesses cinco anos, a Galeria Carbono promoveu duzentas edições exclusivas, de cento e cinquenta artistas brasileiros, além de ter realizado vinte exposições, e de ter estabelecido intercâmbio com diversas casas de edições internacionais. Renomados artistas e curadores do Brasil e do mundo participaram de suas mostras, numa adesão que traduzia o reconhecimento consciente de seus valores. Desde o início, ficaram claros os padrões profissionais e a seriedade da galeria, a ponto de se poder mesmo dizer que ela, praticamente, já nasceu madura. E aqui não se trata de precocidade, mas, sim, de respeito e compromisso permanente com os processos, veículos e conceitos contemporâneos.

NOTAS
1 Benjamin, Walter - in “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, Teoria da Cultura de Massa, Saga, Rio de Janeiro, s/d.
2 Beuys, Joseph – citado por Hilary Lane e Andrew Patrizio, in catálogo da exposição “Art Unlimited: Multiples from the 1960s and 1990s”, Arts Council Collection, Londres, 1994.

Posted by Patricia Canetti at 2:21 PM

março 16, 2018

CABELO = HAIR = CABELLO = HAAR = CAPELLO = CHEVEU = por Cabelo

CABELO = HAIR = CABELLO = HAAR = CAPELLO = CHEVEU =

Pra começar eu não me pertenço.
Sou cavalo do mundo.
Veículo da poesia.
E nessa condição sou muito mais um “que “do que um “quem”.
Isso que chamam Cabelo não é um só, mas vários,
como os cabelos que nascem na cabeça.
Sou possuído por entidades, energias,
que agem em conjunto ou separadamente.
Como um ou dois times de futebol.
A combinação dessas forças guia o corpo,
essa espécie de espaço-nave,
ou polvo, que podemos chamar de agoramóvel,
imerge em diferentes densidades,
navegando o instante.
Assim vai a flecha.
Ao longo de seu curso, sua tripulação, seus tentáculos,
coletam o que encontram
e dispõem sobre o convés:
presentes pescados no fluxo sem leito.

Cabelo - Luz com Trevas, Espaço Cultural BNDES, Rio de Janeiro, RJ - 21/03/2018 a 11/05/2018

Posted by Patricia Canetti at 9:01 AM

Luz com trevas (cinema expandido) por Lisette Lagnado

Luz com trevas (cinema expandido)

LISETTE LAGNADO

Luz com trevas pode ser defnido como antiexposição. À primeira vista, talvez corresponda à exuberância de um bazar saturado de mercadorias. Intitulada a partir de uma música do Cabelo, a mostra reúne uma variedade de objetos e utensílios sobre plataformas móveis, tecidos vibrantes e projeções de pequenos filmes com o argumento de atrair passantes dentro de uma experiência imersiva. De que maneira, no entanto, agregar o transe da população que atravessa o térreo de um edifício comercial e diluir o verniz que separa o olhar ilustrado de uma nação de excluídos?

Baixaram então as entidades presentes na obra do Cabelo num percurso de duas décadas: Cobra-coral, Exu e MCs. O artista tirou partido da localização estratégica da galeria, no Largo da Carioca, onde circulam milhares de pessoas por dia. Bem sabe que, em tempos de distopia, uma multidão não qualifca a massa de trabalhadores registrados mas, sobretudo, desempregados, mascates, mendigos etc. Contexto ideal para quem se apropria de quadros de guerra e da vida precária - donde o parentesco com toda uma mística que envolve a guerrilha do poeta marginal e a sedução do anti-herói no cinema (O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla).

Sofás, tapetes e TVs compõem "k-roças" equipadas de "ovos-bomba". São alguns dos dispositivos desenvolvidos pelo artista para catalisar manifestações. Cabelo, escoltado de convidados e cúmplices, interpela os errantes que desviam da rota. Com seu freestyle característico, invoca Rimbaud contra Rambo, a rebeldia, a magia e a força da poesia contra os poderes do Império, para cantar a beleza do caboclo em praça pública. Sem apego à pureza dos circuitos ofciais da arte, esse "mestre de cerimônias" vem construindo um campo ativo com capacidade de imantar o rumor explosivo de uma urbe desgovernada.

Posted by Patricia Canetti at 8:52 AM

março 14, 2018

Suzana Queiroga: Miradouro por Raphael Fonseca

Suzana Queiroga: Miradouro

RAPHAEL FONSECA

Ao se estudar a pesquisa de mais de três décadas de Suzana Queiroga, talvez a linguagem que pareça mais explorada seja a pintura. Mais do que isso, tenho a impressão de que poderíamos discorrer de maneira extensa sobre a habilidade da artista em estudar as variações cromáticas a partir de sua produção. Porém, como ela tem mostrado nos seus últimos dez anos de criação, não só a pintura em seu formato mais tradicional a interessa; objetos infláveis, esculturas, vídeos e instalações também são capazes de convidar o corpo do espectador pela sua cor e foram aprofundados em diversas de suas exposições.

A presente exposição chega ao público com um ponto de partida celebratório: há dez anos o projeto “Velofluxo”, desenvolvido no CCBB de Brasília, literalmente estava no ar. Tratava-se de uma dessas experiências que expandia a sua pesquisa para além do cubo branco – um balão que teve sua lona pintada pela artista podia tanto transportar o público em vôo cativo, quanto ser admirado por aqueles que seguiam em terra firme. Os volumes de cor do balão respondiam ao interesse da artista nas cartografias e nos desenhos de malhas urbanas. Eis a possibilidade de transformar os percursos da cidade e seus detalhes urbanísticos utilitários em linhas, cores e abstração.

Para além da discussão da história da pintura que o trabalho de Queiroga possa proporcionar, é o seu interesse em aproximar as imagens e a vida cotidiana que chama a atenção não só de “Velofluxo”, mas das obras reunidas aqui em Miradouro. Nos dez anos que separam os dois projetos, a artista se aproximou de diferentes maneiras de ambientes vitais da experiência humana como o ar, o mar e a terra. Essa exposição, portanto, é uma maneira de estabelecer algumas conexões poéticas em sua produção recente que permitem que o público siga a ampliar suas possibilidades de leitura.

Na sala central da exposição, vitrines trazem esboços e documentos acerca de “Velofluxo”. É um modo de compartilhar com o público algo sobre o processo criativo da artista e de trazer à tona imagens ainda não mostradas. Nas paredes da mesma sala, algumas de suas telas de grande formato trazem contrastes de tons entre o terroso e o verde, ao passo que outras se dedicam às nuances do azul. Frente a frente, essas obras recordam tanto as cartografias, quanto as últimas exposições da artista sobre o mar e o seu tempo mais lento. É essa mesma desaceleração que se faz essencial no processo de criação dessas pinturas em que acaso e projeto mental se confundem.

As experimentações da artista com o papel também estão presentes. Na primeira sala, dispostos de maneira mais informal, um grupo de desenhos apresenta ao público diferentes explorações das cores, da escala e das relações entre as imagens e as palavras. Já no salão central, há “Nuvem”, uma série de papéis vegetais imersos em banhos de tinta que, uma vez colocados lado a lado, ecoam as tonalidades dos reflexos da luz sobre a água.

Os três vídeos mostrados – “Atlas”, “Cais” e “Mar” – trazem de diferentes maneiras essa fricção entre as imagens de sua autoria e a contemplação do mundo. Nos dois últimos, desenhos são folheados e fundidos na edição a imagens do mar. Seja junto às palavras de um poema, seja junto às palavras cantadas de um fado, ambas se tratam de obras que refletem sobre o nosso lugar diminuto quanto perante a grandeza do oceano. Já em “Atlas”, essa relação de escala é invertida – o vídeo captura um olho que observa um globo terrestre em rotação. Tal qual uma fábula, fica o desejo para que pudéssemos nos julgar efetivamente gigantes perante as construções humanas.

Na última sala da exposição, “Topos” traz a mistura de diferentes cartografias cortadas em feltro. Sua pesquisa, então, sai do espaço da parede e toma o centro da sala assim como outras de suas instalações. O peso da cor ainda é importante, mas é o material em si que chama a atenção e que possibilita que o público estabeleça cruzamentos com outras utilizações do feltro no espaço público – e no próprio Centro do Rio de Janeiro.

Estamos, como diz o seu título, em um miradouro – ou seja, em uma espécie de construção erguida para se olhar desde cima e para um ponto distante. Trata-se, metaforicamente, de uma pausa no fazer de Suzana Queiroga que convida o público a percorrer essas três salas e estabelecer suas leituras poéticas e formais. Que a contemplação seja longa.

Posted by Patricia Canetti at 6:22 PM

Terra Prometida - Osvaldo Carvalho por Marisa Flórido

Terra Prometida - Osvaldo Carvalho

MARISA FLÓRIDO

Há alguns anos uma pichação em um muro de Nanterre correu as redes sociais: “Um outro fim do mundo possível”, dizia a frase que nos arremessa à angústia desta época, deste agora tão absoluto quanto suspenso, entre interrogações e cismas. Como fazer o luto de antigas esperanças? De antigos repertórios políticos, éticos, estéticos que não dão mais conta de responder às demandas e iniquidades que nos lancinam a cada dia, a cada minuto, a cada segundo? Onde buscar outros possíveis, outros porvires? Como produzir um acontecimento que ainda não se sabe sequer o que se é? Como fazer o luto das promessas e mitos, de nosso lugar comum no fim dos tempos, de nossa terra sem mal e nossas ilhas perdidas, do paraíso reencontrado? Como fazer o luto das utopias coletivas, do tempo linear e causal da história, da emancipação de nossa humanidade? A comunidade dos homens, essa tão improvável humanidade, nos soa cada vez mais como desejo e quimera, ilusão e espectro.... Como fazer o luto quando o futuro e as invocações redentoras foram substituídos pela compressão do tempo, a ubiquidade do espaço, a gestão das emoções, do medo e do ressentimento? Como fazer o luto até que a sombra que nos engole se converta em outras cintilações? Em outras emancipações? Em outras promessas? Como entender e responder à altura dos levantes que ardem pelo mundo, capitalizadas cada vez mais em distopias e ódios coletivos?

Terra prometida é sobre esse ponto de torção entre a sombra e a fulguração, sobre nossos impasses e insurreições, nossos muros e diásporas, nossos céus e suas quedas. Como pensar as imagens (e a imagem da arte, na arte) que circulam no mundo e nos inundam os dias em uma velocidade vertiginosa? Que guerras se travam entre imagens? Entre imaginários? Osvaldo Carvalho pinta a partir de imagens que lhes chegam das janelas midiáticas, das memórias perdidas, dos sonhos suspensos, dos pesadelos à espreita. Ele as mescla com repertórios imagéticos de fontes diversas: das imagens da arte às do cinema, das HQs a storyboards de filmes que jamais assistiu. A paleta acrílica, explosiva, brilhante, alude aos antigos letreiros e publicidades urbanas, mas também aos cartazes e faixas de agitprop, erguidas pelas multidões insurrectas pelas ruas de um mundo que explode entre gestos de potência e solidão, entre misérias e rebeliões.

Posted by Patricia Canetti at 5:54 PM

Marcos Abreu – Muroh por Guilherme Bueno

Marcos Abreu – Muroh

GUILHERME BUENO

Os trabalhos de Marcos Abreu aqui expostos não elegeram a gravura por acaso: lançar mão da repetição e da serialidade como modos de persistir em torno de dilemas que um meio pode lhe colocar; assimilar elementos casuais e residuais do processo, prosseguir testes sobre como uma cor reage a diferentes situações conforme sua espessura ou camadas de impressões são sobrepostas, estabelecem uma singular situação na qual ao mesmo tempo em que cada trabalho se individualiza, eles mutuamente estabelecem uma decidida relação de todo, como se o conjunto também fosse uma obra em si. Limite é uma palavra adequada para indicar a partir de onde ele articula sua poética, a espreitar onde a linguagem deixa uma brecha, podendo daí senão se reinventar, ao menos recomeçar seu jogo. No seu trabalho, alternam-se momentos de levar para a gravura elementos visuais pictóricos e em outros dela ser “radicalmente gráfica”, isto é, explorando o quanto a cor “gráfica” possui qualidades plásticas e espaciais significativamente diferentes daquela da pintura. Numa série de impressões feitas com spray a partir dos vestígios de outros trabalhos, a imagem não deixa de evocar uma familiaridade com os rayographs de Man Ray, levando-nos, por outro lado, a lembrar que a foto também é uma relação de contato e de gravação. Nenhum desses casos é planejado de antemão; eles se agregam na proporção em que os trabalhos criam sequências.

Há uma certa visualidade urbana presente nos conjuntos: o que a princípio pareceriam “cartazes abstratos”, fala também de uma experiência que não se restringe mais a experimentar um objeto individualizado, mas – como nas peças gráficas espalhadas por qualquer cidade – numa percepção que se estrutura na repetição (no seu caso, porém, numa repetição onde não há iguais). A recorrência a elementos como letras, frases soltas são uma espécie de provocação deste elemento comunicativo (a palavra, o texto) que mais do que se tornarem aqui uma forma abstrata, nos lembram do abismo entre a representação visual e a textual. Por fim, ainda nesse quesito, ele nos aponta também para uma percepção no cotidiano na qual é quase impossível haver coisas nas quais texto e imagens se nos apresentem separados.

Marcos Abreu - Muroh, Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ - 22/03/2018 a 27/05/2018

Posted by Patricia Canetti at 5:08 PM

Hilton Berredo no Paço Imperial por Hilton Berredo

Pondo fim a uma ausência de vinte anos desde minha última exposição individual, apresento nesta mostra - Dos anos 80 às obras recentes - meu trabalho recente ambientado no contexto de algumas das obras que guardei comigo.

Certo, minha trajetória estaria mais bem representada com outras tantas obras que se encontram em museus ou coleções particulares. Mas o objetivo aqui é mais modesto, trata-se de mostrar e situar o trabalho atual como a mais recente tentativa de dar forma às questões de arte que me interessam desde os anos 1980. Rodeadas da seleção que aqui reuni, as obras recentes encontram a ambientação ideal para que o espectador julgue por si mesmo.

Fosse uma tese, esta exposição poderia ter apenas duas obras, a pintura sobre tela O Quinto em PB (2018) e a borracha pintada Maré Vermelha (1988). A comparação dessas duas obras ajuda a responder à pergunta recorrente que me fazem: mas porque você parou de trabalhar com a borracha?

Por ambição estética, entre outros motivos menores. Pelo desafio de desenvolver uma linguagem independente dos materiais, pela angustia do abismo que seria colocar a carreira acima da obra e navegar no sucesso fácil da repetição. Creio que esta exposição deve esclarecer a fortuna (ou infortúnio) dessa ambição.

Meu entusiasmo com O Quinto em PB se deve ao efeito de profundidade que se pode comparar com o espaço real das borrachas. É um efeito de tridimensionalidade diferente do espaço recessivo da perspectiva linear, que se estende fugindo para o horizonte. Em O Quinto, o espaço avança sobre o espectador, como se inflado de dentro da tela para fora. Enquanto Maré Vermelha, como um grande alto-relevo, propõe uma visão frontalizada de um espaço com profundidade real e traz para a pintura assuntos da matéria e da gravidade, O Quinto assume a visão frontalizada da pintura, simula uma materialidade sem peso com formas flutuantes, imunes à gravidade, ainda assim criando um espaço robusto e expansivo.

Se assim for, esse espectador entenderá a alegria com que abro uma exposição que aponta para o futuro enquanto apresenta o momento presente como a realização de uma promessa do passado.

Hilton Berredo, fevereiro de 2018.

Posted by Patricia Canetti at 4:30 PM

A letra é a traça da letra por Glória Ferreira

A letra é a traça da letra

GLÓRIA FERREIRA

Letras e abecedários estão presentes em profusão nas diversas instalações da exposição A letra é a traça da letra, de Helena Trindade. Alfabetos latinos que não são segmentais, mas estão em processos de construção, destruição e reconstrução. Os trabalhos remetem-se uns aos outros e estabelecem um amplo campo de Poesia Visual – traço comum na poética da artista há mais de vinte anos.

Se o alfabeto contém, em princípio, todas as palavras, presentes, passadas e futuras, a artista afirma que elas “são flagradas antes de significarem.” Configurações que buscam uma topologia entre o enunciável e o visível, embora o enunciável não se configure como linguagem propriamente. Ou, como assinala Giorgio Agamben: “Lá onde acaba a linguagem, não é o indizível que começa, mas a matéria da língua”.

Adquirindo diversas formalizações, esses alfabetos constituem diferentes instalações. A (a)MURO, que abre a exposição, tem dois muros (des)construídos a partir de estênceis de letras. Eles abordam, segundo a artista, aspectos do funcionamento da linguagem e evocam Lacan, que se refere a um “muro de linguagem que se opõe à fala”. Remetem também ao neologismo lacaniano (a)mur, que conjuga as palavras “amor” e “muro”. Um destes muros fará parte da ação performática Nada terá tido lugar senão o lugar, que destacará, com suas torções, o vazio das letras. Nesta sala, estão também os Vírus, espécie de formas orgânicas, construídos com teclas e hastes de máquinas de escrever, que parecem ameaçadores.

Ainda nesta primeira sala, se fazem presentes alguns outros trabalhos, tal como uma série de fotografias de grande formato, o Alfabeto traço, onde a sobreposição de todas as letras também subtrai as palavras, gerando relevos, rastros, apagamentos etc. A seu lado encontra-se o objeto Tempo para compreender, que consiste em dois relógios com mostradores de letras, sendo que um deles funciona no sentido anti-horário. Em outra parede, é projetado o vídeo D’Écrits & Des Cris (Escritos & Gritos) no qual o corpo da performer, a atriz Ana Kfouri, se presentifica sempre aos pedaços ou por intermédio de sombras e gritos. Ao lançar estênceis de letras de metal, ela vai criando uma espécie de grande partitura formada no chão do galpão onde o vídeo foi realizado.

E, finalmente, ainda nesta primeira sala, temos Floresta de casulos, construída de papel branco e barbante de encadernação, que se relaciona com os Vírus e exige que, em sua passagem, o público sensorialmente nela roce, alterando suas formas. Os papéis têm as formas orgânicas dos que foram retirados de um dicionário etimológico, cujas fissuras foram incrustadas com pequenos tipos de máquina de escrever, dando origem a A letra é a traça da letra da última instalação.

Atravessando a Floresta de casulos, chegamos à instalação (A)MOR, que destaca as letras A, M, O, R, relacionando-se, assim, à primeira sala. O vídeo Afastamentos aborda o afeto amoroso através da ironia, o amor tomado por suas letras pode não ser o que parece... No meio da sala, em uma grande mesa de 3.00m de diâmetro, está Insular, uma escultura construída com os recortes retirados do trabalho A letra é a traça da letra, da última sala. Completa a instalação o díptico A-M-O-R, que coloca em questão alguns momentos diversos do afeto amoroso. São dois vídeos projetados no chão da sala. As pessoas poderão atravessá-los, projetando suas sombras e deixando-se “banhar” pelas imagens.

Em Medida de todas as coisas, na terceira sala, com cerca de 20 objetos, são várias as referências, a começar pelo sofista grego Protágoras, cuja frase “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são” circunda a instalação. Alguns desses objetos remetem aos objetos a de Lacan – a voz, o olhar, o seio e as fezes –, conceituados, grosso modo, como “objetos-causa de desejo” e “algo de que o sujeito, para se constituir, se separou como órgão”. Em Sob(re) o olhar, por exemplo, o Narciso de Caravaggio aparece numa banda de Moebius e sobre um espelho.

Outros trabalhos desta instalação remetem também ao corpo e à letra, e a diversos autores e artistas, como o poeta catalão Joan Brossa, Heidegger, Derrida, Poe, Courbet e Lygia Clark. Em Carta a Lygia, o Bicho se transmuta em letras articuláveis por dobradiças e demanda que o público construa sua versão da carta=letter=letra. A instalação também traz brinquedos, livros, utensílios e outras coisas que demonstram um vazio ativo, como Oráculo, uma máquina de escrever banguela.

Na quarta e última sala temos a instalação A letra é a traça da letra, com o já comentado trabalho de mesmo nome, o dicionário etimológico. Segundo a artista “existe no movimento que gera a linguagem um trabalho perpétuo de rearticulação que problematiza a questão da origem, uma vez que nesse processo nada se produz que não seja pela transformação”. Nas paredes o Alfabeto traça, realizado com teclas e hastes de máquina de escrever com as letras apagadas, é disposto como em um caderno de caligrafia. Inventado e sem código, dialoga com a destruição do muro da linguagem pelo Vírus, na primeira instalação, e com a apresentação das coisas do amor e do desejo, nas outras salas. Arremata, enfim, o encadeamento de todos os trabalhos.

Para a artista a letra é “um ‘pré-texto’ para um jogo poético”, em permanente arranjo e desdobramento, no limite do indizível. Romper a forma linear da escrita, tratar a letra como vetor de significados, num contínuo trabalho de rearticulação próprio do funcionamento da linguagem, é o que, a meu ver, Helena Trindade realiza em sua poética.

Glória Ferreira
Fevereiro 2018

Posted by Patricia Canetti at 3:50 PM

Pinturas de Fresnel por Felipe Scovino

Pinturas de Fresnel

FELIPE SCOVINO

No começo do século XIX, o físico francês Augustin-Jean Fresnel inventou uma nova lente que acabou recebendo o seu sobrenome. Criada originalmente para uso em faróis para situações de sinalização marítima, sua configuração e dinâmica mudaram os parâmetros da navegação. Seu desenho possibilitou a construção de lentes de grande abertura e curta distância focal, descartando o peso e o volume das lentes convencionais, usadas até aquele momento. As lentes de Fresnel eram mais finas e passaram a permitir a passagem de mais luz, fazendo com que a luz do farol pudesse ser visível a distâncias bem maiores. As lentes foram industrializadas em sete tamanhos padrão, cada uma com diferente distância focal e acabaram tornando-se usuais pela navegação seja em oceanos, mares ou rios.

Esse preâmbulo é o motivo condutor para essa exposição que revela uma das mais recentes pesquisas de Alexandre Vogler, as Pinturas de Fresnel (2014-18). Postas lado, elas constituem uma força irradiadora de luz e energia que transforma a sala e o corpo do espectador em massas vibráteis. Nas palavras do artista, “a pesquisa, embora sustentada pela física-ótica (de referência newtoniana), aponta para a criação de estruturas condensadoras de energia, de ordem metafísica e pretensões espirituais”. A ideia de um núcleo de energia em expansão sendo produzido por artistas remonta também às descobertas da física moderna no início do século XX. A relação entre os estudos de física quântica e a teoria da relatividade têm diálogo com as pesquisas dos orfistas Delaunay, Kupka, Picabia e Léger. Mudanças na vida moderna levaram esses artistas a conceber o mundo composto por forças mais dinâmicas do que por objetos estáveis em uma representação estável do espaço-tempo. Acreditavam que essa mudança era acompanhada de uma nova consciência, “a qual também era por eles concebida como dinâmica – como expansiva e universalmente abrangente, ou como imersiva e autoconcentrada” [1]. Importante para esse contexto são os estudos a respeito da hipnose feitos por Charcot no final do século XIX e depois resgatados pelo seu mais conhecido discípulo, Freud, poucas décadas depois. Sem dúvida, essa conexão entre arte, física e espiritualidade sempre interessou a Vogler, mas volto a esse tópico mais à frente. A imagem de um objeto reconhecível mas decomposto em estruturas dinâmicas não-naturalistas está no seio das experiências orfistas, como é o caso da pintura Sol, Lua. Simultâneo (1913) de Delaunay. O artista acreditava que a geração circular de luz era o princípio fundamental de todo o ser, e em termos concretos essa afirmação provavelmente vinha pela influência que deve ter tido do uso “que faziam os poetas da estação de rádio instalada no topo da Torre Eiffel, emitindo ondas invisíveis ao redor do mundo, como uma metáfora para a expansão infinita da consciência” [2].

Se nos voltarmos para uma perspectiva brasileira, a relação entre vanguarda no campo das artes visuais e experiências de ordem de expansão da consciência, a discussão se torna mais rarefeita. Por mais que, por exemplo, as linguagens construtivas no país tenham elaborado a profusão o conceito de expansão da forma para além do plano, os interesses dessas pesquisas invariavelmente se mantiveram no campo formalista. Exceções foram Lygia Clark que através da geometria chegou a um tipo de xamanismo ao final de sua vida ao tecer relações muito próprias entre psicanálise e arte, e Rubem Valentim, cujos arquétipos construídos por meio da linguagem geométrica tinham claro interesse e comprometimento com as religiões afro-brasileiras. No caso desse último podemos também associar, guardadas as suas devidas especificidades, os símbolos representados em seus trabalhos com os cultos de origem afro-brasileira e a sua capacidade imersiva e de alteração da consciência. Nesses dois artistas, contudo, percebemos uma potência implícita nos trabalhos – percebam a pulsação nos Objetos relacionais de Clark assim como nas pinturas e objetos de Valentim e o quanto esses feixes vibráteis são completamente distintos de uma pintura Op ou uma escultura cinética – travestida em energia pulsante ou num arquétipo de corpo em permanente vibração. Estas características também são perceptíveis na pulsação de luz e condensação de energia existentes nessa exposição. Escrevo o texto dessa forma para evidenciar, mesmo que de maneira incipiente, um interesse legítimo dos artistas em refletir através de suas obras, sob as mais diversas estratégias e em maior ou menor grau, o fenômeno de uma condensação muito própria de energia que pode levar à ampliação da consciência e a relação da arte com o espiritual [3].

A exposição em questão fica na fronteira entre ser ao mesmo tempo um conjunto de pinturas e uma instalação imersiva. Esta característica de mergulho do corpo em meio a uma profusão massiva de luz amarela, sendo o espectador banhado e irradiado por uma potência energética mesmo que estejamos falando de obras sobre papel, é uma experiência que transcende o caráter formalista de uma obra. Esse trabalho em grande escala promove uma recriação artificial de fenômenos naturais, reexaminando nossa percepção sobre a luz, o tempo, a gravidade e o movimento, com uso de materiais próprios do meio artístico mas extremamente elaborados. Diferente de artistas como Olafur Eliasson e se aproximando mais de James Turrell e Robert Irwin, Vogler não se rende ao lúdico nem ao prazer hedonista que esse tipo de experiência pode se converter mas na capacidade de entender o corpo do público como algo simultaneamente reativo e desejoso em tomar contato com um experiência transcendental. Parece-me que a ideia imersiva no trabalho de Vogler é bastante clara: as serigrafias têm uma altura próxima à estatura mediana do espectador. Em algumas serigrafias, a figura que se confunde em ser o núcleo gerador das ondas vibráteis, irradia a luz e causa um forte impacto visual que remete ao conjunto de símbolos de matriz africana, já aqui citados, produzido na pesquisa de Rubem Valentim. Por outro lado, me parece que os tamanhos padrão que foram desenvolvidos industrialmente para a lente de Fresnel são evocados constantemente nas serigrafias. A sensação de moto contínuo no deslocamento de feixes produzindo um jogo óptico transfere ao espectador uma sensação de transe. Percorrendo a exposição presenciamos não só o efeito óptico, e por que não mágico, das “lentes” que vibram intensamente a partir de seu núcleo, causando a sensação de deslocamento das ondas sobre o papel, mas também um magnetismo proporcionado pela luz que “sequestra” o espectador: estamos invariavelmente submetidos a lógica interna e transcendental da obra.

É importante apontar que Pinturas de Fresnel dão continuidade ao interesse de Vogler em discutir a relação entre arte e o espiritual. Um dos cernes da sua pesquisa – haja visto trabalhos como Fumacê do Descarrego e Gira ou mesmo o Tridente de Nova Iguaçu - o espiritual me parece ser colocado em sua obra como um estado de provocação. Em um momento de intensa produção da lógica do capital e em que a arte parece não dar conta da velocidade anormal de prisões, delações e desvios de verba pública, Vogler – sem deixar de ser político, até porque isso é algo que deveria ser imanente à arte – se volta para o corpo. Induzir o sujeito a atingir níveis de compreensão de si, do espaço e do tempo para além da matéria, do real ou da vida concreta é sem dúvida alguma um dos mais potentes discursos políticos sobre a sociedade. Este estado de invenção, por assim dizer, é uma contribuição única da arte à construção de subjetividade e mesmo à vida em forma coletiva.

NOTAS
1 SPATE, Virgina. Orfismo. STANGOS, Nikos. Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 67.
2 Idem, ibidem.
3 Para além dos artistas citados, lembro ainda as pesquisas de Kandinsky e Joseph Beyus que cada um a seu modo ativaram em suas obras essa ligação com o espiritual.

Posted by Patricia Canetti at 2:42 PM

março 13, 2018

ARRUDA, Victor por Adolfo Montejo Navas

ARRUDA, Victor

ADOLFO MONTEJO NAVAS

Victor Arruda - ARRUDA, Victor, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM RJ - 18/03/2018 a 17/06/2018

Talvez a quebra de classificações esteja destinada a alguns artistas de forma atávica, ou inclusive acidental, no caso, pela conjunção astral da natureza de uma poética com a biografia das circunstâncias – aquela confluência em jogo de identidade e história, respectivamente. No intenso itinerário de Victor Arruda (50 anos de trajetória artística e 70 anos de vida, como o próprio MAM), aliam-se, portanto, fatores que provêm da arte, da cultura por extenso, mas também da visualidade social, da comunicação ou do imaginário político. Outro sentido de obra mais porosa se reconhece nas formas e construções, nas figurações e apresentações, longe, assim, de uma representação burguesa, complacente, domesticada. Nisto, também, o exemplo do artista mantém ativada – energizada – sua obra como poética em curso, em aberto, como mostra seu atual You are still alive, série precatória que joga com o reconhecimento, a posteridade, a amizade, o mercado... com a própria morte como legado contra a eternidade.

Como pintura crítica, em sua dupla condição, de questionamento do mundo, de coisas que o merecem, e como arte instável, em situação de risco, o corpus ousado desta obra se origina no conflito das formas consagradas não só pela estética como pelo consenso geral. E, nesse sentido, o eros da linguagem se gera junto com a linguagem de eros: com uma onipresença do corpo, de suas pulsões tão internas como externas paralelamente à procura de outra figuração e alteridade. Imagens em dissenso que fazem parte da problematização do gosto.

Ao mesmo tempo, a sua iconografia desde os primeiros anos da década de 1970 se vai assentar por igual em questões conflitantes, de tensão não só estética, sobretudo quando a sociedade mais vigente pratica a hipocrisia como modus operandi, a dupla moral ou algum fundamentalismo que beneficie seus interesses ideológicos ou econômicos. De fato, resulta quase irônico que uma grande parte da obra de Victor Arruda venha a atualizar-se por recentes acontecimentos, fora da demarcação da arte; não só pela defesa insubornável da transexualidade como direito do sujeito do século XXI ou então o registro da decadência da história coletiva, como sobretudo pela denúncia pioneira há mais de quarenta anos da figura perversa do assédio sexual, aliado a outros jogos de costume e comportamento do patriarcado que a cultura ex-colonial promovia sem ninguém na época dizer nada (hoje, desde Hollywood até a publicidade, a denúncia virou assombro e depois notícia). Além dessas perspectivas colaterais, o interessante é que o aggiornamento crítico continua.

Por sorte, o ruído do mundo não conseguiu apagar a razão estética do artista, a pujança e o desconcerto de suas imagens, pois a trajetória conturbada de sua reconhecida e envenenada bad painting abriga sempre, paradoxalmente, uma proliferação de nuances e detalhes culturalistas, quase oximoros visuais (exemplo é sua série de homenagens, diálogos sempre heterodoxos com outros artistas). Não é de estranhar, então, encontrar nesta perspectiva/prospectiva séries fantasmáticas e compactas, composições ambiciosas, telas em grande escala ou então obras específicas (livros de artista, neons, fotografias, desenhos, objetos, projetos) que mostram o lado abissal além de sua pintura, o seu campo mais específico, e no qual não relutou em evidenciar um refinado lado conceitual: apresentar ideias (pinturas com palavras, com textos, pintura para ser pisada ou comida, por exemplo) ou originar estratégias (obras-ação) sem contraindicações. Aliás, a rigor, a mostra evidencia esse raro perfil humorístico e mordaz que chega até limites insuspeitados. Ou o alto valor dado à fragmentação como partilha do sensível e leitura do real ou o peso onírico, psicanalítico, das coisas, a transversalidade e ubiquação mútua dos espaços figurados, povoados, aliados a uma cromática exuberante.

Curiosamente, se a obra de Victor Arruda desafiou as coordenadas das catalogações da época, ou seja, os acervos dos dicionários de arte existentes, em troca, propugnou outra oferta imagética: contra tírios e troianos, inventou uma pintura e um imaginário visual tão sui generis e independentes que estava até deslocado das estéticas geracionais ou limítrofes, nacionais e internacionais (fosse a Geração 80 ou a transvanguarda italiana). Uma poética autônoma que criou sua própria margem – de visualidade e de atuação –, pois nunca fez “pintura para virar verbete”, para assim constituir seu próprio território e vocabulário.

ADOLFO MONTEJO NAVAS
Rio de Janeiro, fevereiro de 2018

Posted by Patricia Canetti at 10:37 AM

março 12, 2018

Esse Obscuro Objeto do Desejo por Philip Larratt-Smith

Esse Obscuro Objeto do Desejo

PHILIP LARRATT-SMITH

Esse Obscuro Objeto do Desejo explora as interseções entre abstração, percepção, desejo e memória através do trabalho de oito artistas que compartilham um interesse na morfologia do desejo: Miroslaw Balka, Tacita Dean, Iran do Espírito Santo, Félix González-Torres, Douglas Gordon, Roni Horn, Rivane Neuenschwander, Wolfgang Tillmans. O desejo produz uma ansiedade desenfreada, não menos poderosa por falta de um objeto específico. Às vezes, não sabemos o que queremos. Às vezes, o que queremos é instável e variável, ou opaco e elíptico, como uma forma que paira à beira do nosso campo de visão sem que possamos colocá-la em foco. Afinidades tênues e diferenças mínimas tornam-se importantes. Dúvida e ambiguidade são a moeda do reino.

A exposição leva seu título a partir do filme homônimo de Luis Buñuel de 1977, no qual um protagonista de meia-idade é repetidamente seduzido, frustrado e abandonado por uma mulher misteriosa e imprevisível. A personagem principal é desempenhada por duas atrizes de aparências e temperamentos contrastantes. A súbita passagem entre elas em cenas alternadas serve para reforçar a ambivalência e a confusão do protagonista. Minha proposta é tomar essa concepção poética como instrumento de organização do projeto, montando exposições concomitantes em São Paulo e no Rio de Janeiro. Desta forma, a exposição – assim como acontece nas obras e no próprio trabalho curatorial – se tornará uma forma emparelhada. Será impossível ver a mostra por completo de uma só vez, assim como há algo na natureza da mulher do filme, o objeto do desejo, que sempre escapa do alcance do protagonista.

Philip Larratt-Smith


That Obscure Object of Desire explores the intersections between abstraction, perception, desire, and memory through the work of eight artists who share an interest in the morphology of desire: Miroslaw Balka, Tacita Dean, Iran do Espírito Santo, Félix González-Torres, Douglas Gordon, Roni Horn, Rivane Neuenschwander, Wolfgang Tillmans. Desire breeds an unfocussed anxiety, which is no less powerful for lacking a specific object. Sometimes we do not know what we want. Sometimes what we want is unstable and changing, or opaque and elliptical, like a shape that hovers at the edge of one’s field of vision without ever fully coming into focus. Tenuous affinities and minimal differences become all important. Doubt and ambiguity are the coin of the realm.

The exhibition takes its title from Luis Buñuel’s 1977 film of the same name, in which the middle-aged protagonist is repeatedly seduced, frustrated, and abandoned by a mysterious and unpredictable woman. The female lead is played by two actresses of contrasting appearances and temperaments. The sudden slippage between them in alternate scenes serves to reinforce the protagonist’s ambivalence and confusion. My proposal is to take this poetic conceit as the organizing device of the project by staging concurrent exhibitions in the São Paulo and Rio de Janeiro galleries. In this way, like many of the works in the checklist, the exhibition itself, as a curatorial work, will become a paired form. It will be impossible to see the entire exhibition at once, just as there is something in the woman’s nature, the object of desire, that forever eludes the protagonist’s grasp.

Philip Larratt-Smith

Posted by Patricia Canetti at 11:03 AM

março 9, 2018

Coerência formal e discursiva por Manuel Neves

Coerência formal e discursiva

MANUEL NEVES

Claudio Tozzi - Emblema da Cultura Brasileira – Retrospectiva da Obra Gráfica, Caixa Cultural São Paulo - Praça da Sé, São Paulo, SP - 14/03/2018 a 20/05/2018

Surgido na convulsionada década dos 60, Claudio Tozzi é um artista fundamental na cena contemporânea brasileira. Sua obra, como a dos artistas mais importantes de sua geração, articula uma mudança radical no estatuto da imagem artística, tomando e reprogramando os modelos visuais projetados pelos meios de comunicação e a indústria do espetáculo, para produzir uma obra figurativa, chamada genericamente no mundo anglo-saxão de pop art.

Estas obras procuram, em sua estratégia formal, ser um reflexo do contexto social e político, dramático e convulsionado vivido pelo artista em meados dos anos 60, de começo da ditadura militar.

Este momento se traduziu numa perda das liberdades fundamentais, e na consequente violenta política de censura posta em prática em todos os âmbitos da cultura e da educação.

Assim, o jovem artista, reprogramando tanto a imagem dos meios de comunicação, como na estética pop de circulação internacional, produz uma obra de grande impacto visual, que projeta imagens dos protestos políticos e dos problemas sociais, nas séries fundamentais das Multidões e do Bandido da luz vermelha, e as imagens idealizadas dos avanços científicos promovidos pelos países centrais, como a série dos Astronautas.

Na década dos 70 sua obra processa uma reflexão conceitual radical que por um lado tentou mostrar essa realidade social e política, articulando uma estratégia visual com um forte caráter metafórico e também uma sedução estética que pudesse evitar a censura prevalecente na ditadura mas sem perder um discurso crítico e reflexivo desse dramático momento social e político. Nesse sentido, será emblemática a série dos Parafusos, e também a série de obras apresentadas na Bienal de Veneza em 1976.

Posteriormente, durante as décadas dos 80 e 90, o artista realizou uma investigação formal, onde pesquisou as imagens que sintetizavam a cultura brasileira, assim como reformulou o legado da geração de artistas concretos.

Serão importantes nesse momento as representações sobre a urbe de São Paulo, que refletiram as mudanças radicais produzidas em nível urbano na cidade durante esse período, como as obras pensadas para se realizar a nível urbano, em prédios, avenidas ou estações de metrô.

Nas últimas décadas, o artista continua pesquisando o legado concreto, mas refletindo seu impacto a partir da perspectiva do designer, produzindo obras onde não podemos reconhecer os limites entre pintura, objetos e escultura.

A obra produzida por Claudio Tozzi em mais de cinco décadas, que se desenvolve em pintura, escultura e mural, teve igual e complexo desenvolvimento na produção gráfica. Emblema da cultura brasileira reúne mais de noventa obras, produzidas com as mais diferentes técnicas reprodução gráfica, como serigrafia, litografia, gravura em metal e xerox, sendo a exposição mais completa realizada até o momento sobre a produção gráfica do artista.

Este corpus de obras não só demonstra a coerência formal e discursiva desenvolvida por Claudio Tozzi durante mais de cinquenta anos de labor na gráfica. Demonstra também como a edição gráfica foi uma ferramenta fundamental de investigação e experimentação formal e, ao mesmo tempo, uma reflexão política sobre o espaço da arte na sociedade atual e seus mecanismos de distribuição, dentro de uma consciência permanente do artista da importância da popularização da arte, como da ampliação constante de seu público.

Posted by Patricia Canetti at 12:28 PM

março 8, 2018

Arnaldo de Melo - Em Pleno Expressionismo Abstrato por Tereza de Arruda

Arnaldo de Melo - Em Pleno Expressionismo Abstrato

TEREZA DE ARRUDA

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A exposição de Arnaldo de Melo elaborada para a Cassia Bomeny Galeria é sua primeira individual no Rio de Janeiro. Suas obras foram apresentadas pela última vez nesta cidade na mostra A Arte que permanece. Acervo Francisco Chagas Freitas [1] de minha curadoria realizada de 28 de maio a 20 de julho 2014, no Centro Cultural Correios. Esta mostra tinha como ponto inicial o período pós-guerra alemão (1945) - quando o país foi dividido em duas distintas Alemanhas -perdurando até o período imediatamente posterior a unificação, com a queda do muro de Berlim (1989). Período este em que Arnaldo de Melo vivia em Berlim apoiado como bolsista deste governo através do programa DAAD. Foi neste contexto que a obra de Arnaldo de Melo chamou a atenção do colecionador Francisco Chagas Freitas, então Adido Cultural na Embaixada Brasileira em Berlim Oriental, o qual passou a colecionar obras deste jovem artista focadas e produzidas nesta Alemanha dividida – ora representações da Torre de Televisão na Alexanderplatz como símbolo do sistema vigente da ex RDA (República Democrática Alemã) ou dos gigantes espetos de Kebaps, representação da evolução sócio-política da República Federal Alemã (RFA). É nessa imersão artística berlinense que Arnaldo de Melo produz aproximadamente 200 obras sobre papel, além de muitas telas. Antes de retornar ao Brasil Arnaldo expos parte desta produção berlinense em uma mostra individual na Galeria Roepke de 3 de maio a 3 de junho de 1990 no contexto do projeto Art Brasil Berlin [2].

O Arnaldo de Melo pintor é incansável na exploração de meios, formas e suportes para sua representação artística. Suas referências vêm de observações, vivências e introspecção enraizadas em seu atento e curioso olhar desde os primórdios de sua carreira artística. Antes de desbravar Berlim entre 1987 e 1990, Arnaldo viveu entre 1984 e 1985 em Nova York. Lá predominava uma efervescência artística influenciada pelo início da arte de rua e o esplendor de carreiras em rápida ascensão através de linguagens e narrativas imediatistas e espontâneas como a pop-art, a action painting e a performance. Conforme relato do próprio artista sua vivência Nova Iorquina existiu „a partir do contato com as obras dos artistas norte-americanos do imediato pós-guerra ou da chamada New York School (Jackson Pollock, Franz Line, Willem de Kooning, Lee Krasner, Robert Motherwell, Joan Mitchell“. Entre as inúmeras exposições que visitou na época - o que resultou em um vasto arquivo de convites, panfletos, fotos e todo tipo de registro, que o acompanham até hoje - destaca-se a Words in Motion, a qual visitou no final de 1984 no World Trade Center enfatizando a relação entre a action painting e a caligrafia oriental cujo catálogo traz um texto da historiadora e crítica de arte norte americana Barbara Rose com relatos autênticos e inspiradores: „Foi na redefinição crítica do papel do desenho no expressionismo abstrato que a caligrafia parecia oferecer a resposta de como usar a linha sem representar a forma. A evitação de contornos fechados retratados criou imediatamente o dualismo entre o primeiro plano e o plano de fundo que os expressionistas abstratos em sua busca pela unidade procuravam evitar. A fusão de primeiro plano e fundo em um único plano ou em um fluxo contínuo, a abertura de contornos para permitir que o espaço flua dentro e fora da linha sem ser confinado por ele foi relacionado à busca de um novo tipo de espaço "pós-cubist“ que rompeu com a tradição ocidental de ilusão espacial ou recessão atrás do plano da imagem“. [3]

Relatos como o acima mencionado norteiam o universo pictórico de Arnaldo de Melo e o acompanham em seu processo artístico sendo enaltecidos em momentos significativos de sua carreira como o atual. Em meados do ano passado, após o sucesso de sua mostra individual West-Berlin 1987-1990: works on paper na Sé Galeria, em São Paulo, entre 2 de abril e 3 de junho de 2017, a qual tive a honra da curadoria - surge o ímpeto para atuação em um novo ateliê, localizado também na área da Catedral da Sé. Este novo espaço em um centro histórico marcado por apogeu, declíneo e revitalização sem perder a vitalidade deu precedência às obras aqui expostas realizadas entre setembro e dezembro de 2017.

Duas visitas ao atelie neste período, especificamente em 07 de outubro de 2017 e 15 de fevereiro de 2018 me proporcionaram o acompanhamento do surgimento da nova série exposta pela primeira vez aqui na Cassia Bomeny Galeria, para a qual foram selecionadas 15 obras desta produção atual.

Eis que surgem pinturas monumentais respaldadas no expressionismo abstrato, nada inusitado sendo que Arnaldo de Melo bebeu nas duas fontes que originaram esta vertente artística: a intensidade do expressionismo alemão banhado no antifigurativismo das Escolas abstratas da Europa, como o Futurismo, Bauhaus e Cubismo. Devemos considerar que este movimento surgiu nos Estados Unidos e especificamente em Nova York no iníco da década de 50. Ambos contextos foram vivenciados „in loco“ pelo artista no início de sua carreira, como mencionado acima, emanando tentáculos que o influenciam até a atualidade.

As telas e assemblages, por ele criadas como suporte através da junção e sobreposição de molduras e outros materias com que se depara, recebem um tratamento pictórico semelhante a uma camuflagem a tornar a superfície homogênea através da criação de formas e contornos que se complementam mantendo a abstração como gesto e intenção. Os traços, formas, corpos e campos criados a partir de seu ductus revelam uma escrita pessoal. Sua pincelada, esta muitas vezes criada com o uso de largas escovas e vassouras, ressoa à primeira vista grosseira, plana, homogênea. Esta é porém o resultando de uma dinâmica desordenada e espontânea que se complementa. Os campos variam entre pastoso ou translúcido repletos de contornos em contraposição com espaços transitórios formados pela matéria escorregadia aí aplicada. O uso de resina acrílica e óleo aguados ou densos em tons pastéis, ou mesmo do índigo blue são indícios do ímpeto e autenticidade deste artista que segue seu instinto gestual sem premeditações ou limitações no ato de pintar.

Após anos Arnaldo de Melo retoma a pintura abstrata sem timidez, sem preconceito, sem hesitar. Respaldada em sua própria caligrafia o artista nos revela novos campos pictóricos remanescentes de seu percurso artístico, pesquisa e vivência. Viva sua ousadia!

Tereza de Arruda, curadora
Berlim, março 2018

NOTAS
1 Os artistas participantes desta mostra eram Erika Stürmer-Alex, Carlito Carvalhosa, Klaus Dennhardt, Dalmir Ferreira, Alex Flemming, Jadir Freire, Eberhard Göschel, Moritz Götze, Bernd Hahn, Angela Hampel, Peter Herrmann, Veit Hofmann, Günther Hornig, Matthias Jackisch, Evelyn Krull, Andreas Küchler, Wolfgang KE Lehmann, Helge Leiberg, Gerda Lepke, Thomas Lohmann, Roberto Lúcio de Oliveira, Peter Makolies, Arnaldo de Melo, MichaelArantes Müller, Manfredo de Souzanetto, Cristina Pape, Osmar Pinheiro, Anton Paul-Kammerer, Stefan Plenkers, Neo Rauch, Hans Scheib, Wolfgang Scholz, Frank Seidel, José Spaniol, Max Uhlig, Enéas Valle, Falko Warmt, Jürgen Wenzel, Paulo Whitaker e Karla Woisnitza.

2 Os artistas participantes deste programa foram José Roberto Aguilar (Galerie Rudolf Schoen), Cristina Barroso (Edition Schoen), Hilton Berredo (Galerie Horst Dietrich), João Câmara Filho (Galerie Eva Poll), Mário Cravo Neto (Galerie Springer), Anísio Dantas (Goethe-Institut Berlin), Antonio Dias (Galerie Nothelfer), Adriane Guimarães (Galerie Messer-Ladwig), Sérgio Lucena (Ladengalerie), Roberto Lúcio de Oliveira ( Galerie Noé), Emmanuel Nassar (Galerie Nalepa), Rubens Oestroem (Edition Schoen), Cristina Pape (Galerie Messer-Ladwig), Osmar Pinheiro (Galerie Michael Schultz), Flávio Tavares (Ladengalerie) e Arnaldo de Melo (Roepke Galerie).

3 Tradução livre do artista em: Rose, Barbara. Japanese Calligraphy and American Abstract Expressionists. In: Words in Moption: Modern Japanese Calligraphy. An Exhibition by the Library of Congress and The Yomiuri Shimbun.


Arnaldo de Melo - In Full Abstract Expressionism

The Arnaldo de Melo´s exhibition elaborated for the Cassia Bomeny Gallery is his first individual in Rio de Janeiro. His works were presented for the last time in this city in the exhibition The Art that remains. Francisco Chagas Freitas Collection [1] under my curatorship held from May 28 to July 20, 2014 at Centro Cultural Correios. This exhibition had as its starting point the German post-war period (1945) - when the country was divided into two distinct Germanies - lasting until the period immediately after unification, with the fall of the Berlin Wall (1989). This period in which Arnaldo de Melo lived in Berlin supported as a scholarship holder of this government through the program DAAD. It was in this context that the work of Arnaldo de Melo caught the attention of the collector Francisco Chagas Freitas, then Adido Cultural at the Brazilian Embassy in East Berlin, who began to collect works of this young artist focused and produced in this divided Germany - representations of the Tower of Television on Alexanderplatz as a symbol of the current system of the former German Democratic Republic (DDR) or giants Kebaps keels representing the socio-political evolution of the Federal Republic of Germany (RFA). It is in this artistic immersion in Berlin that Arnaldo de Melo produces approximately 200 works on paper, in addition to many canvases. Before returning to Brazil Arnaldo exhibited part of this Berlin production in an individual exhibition at the Roepke Gallery from May 3 to June 3, 1990 in the context of the Art Brasil Berlin. [2]

The painter Arnaldo de Melo is untiring in the exploration of means, forms and supports for his artistic representation. His references come from observations, experiences and introspection rooted in his attentive and curious look from the beginnings of his artistic career. Before breaking Berlin between 1987 and 1990, Arnaldo lived between 1984 and 1985 in New York. There was an artistic effervescence influenced by the beginning of street art and the splendor of rapidly rising careers through instantaneous and immediate languages and narratives such as pop art, action painting and performance. According to the artist's own account, his experience of New York existed "from contact with the works of American artists of the immediate post-war period or the New York School (Jackson Pollock, Franz Line, Willem de Kooning, Lee Krasner, Robert Motherwell , Joan Mitchell)." Among the numerous exhibitions he visited at the time - which resulted in a vast archive of invitations, pamphlets, photos and all kinds of records that accompany him to this day - Words in Motion stands out, which he visited at the end of 1984 at the World Trade Center emphasizing the relationship between action painting and oriental calligraphy whose catalog brings a text by historian and American art critic Barbara Rose with authentic and inspiring accounts: "It was in the critical redefinition of the role of drawing in abstract expressionism that the calligraphy seemed to offer the answer of how to use the line without representing the form. The avoidance of portrayed closed contours immediately created the dualism between the foreground and the background which the abstract expressionists in their quest for unity sought to avoid. The merging of foreground and background into a single plane or a continuous flow, the opening of contours to allow space to flow in and out of the line without being confined by it was related to the search for a new type of ´post-cubist´ space that has broken with the Western tradition of spatial illusion or recession behind the plane of the image." [3]

Reports such as the one mentioned above guide the pictorial universe of Arnaldo de Melo and accompany him in his artistic process being extolled at significant moments of his career as the present. In the middle of last year, after the success of his individual show West-Berlin 1987-1990: works on paper at the Sé Galeria, in São Paulo, between April 2 and June 3, 2017, which had the honor of curatorship - arises the impetus for acting in a new atelier and this one located also in the area of the Sé Cathedral. This new space in a historic center marked by apogee, decline and revitalization without losing its vitality gave precedence to the works exhibited here between September and December 2017.
Two visits to the atelier during this period, specifically on October 7, 2017 and February 15, 2018, provided me with the follow-up of the new series exhibited here for the first time at the Cassia Bomeny Gallery, for which 15 works of this current production were selected.

Here are monumental paintings backed by abstract expressionism, nothing unusual in that Arnaldo de Melo drank in the two sources that originated this artistic aspect: the intensity of German expressionism bathed in the anti-figurativeism of the abstract Schools of Europe, such as Futurism, Bauhaus and Cubism. We must consider that this movement arose in the United States and specifically in New York in the early 1950s. Both contexts were experienced "in loco" by the artist at the beginning of his career, as mentioned above, emanating tentacles that influence him to the present.

The canvases and assemblages, which he creates as a support through the joining and overlapping of frames and other materials that he encounters, receive a camouflage-like pictorial treatment to render the surface omogeneous by creating shapes and contours that complement each other while maintaining the abstraction as gesture and intention. The traces, shapes, bodies and fields created from his ductus reveal personal writing. Its brushstroke, often created with the use of large brushes and brooms, resonates at first glance, coarse, homogeneous. This, however, is the result of a disordered and spontaneous dynamic that complements itself. The fields vary from pasty or translucent with contours in contrast with transient spaces formed by the slippery matter applied there. The use of watery or dense acrylic resin and oil pastels, or even the indigo blue are signs of the impetus and authenticity of this artist who follows his gestural instinct without premeditation or limitations in the act of painting.

After years Arnaldo de Melo resumes abstract painting without shyness, without prejudice, without hesitation. Backed by his own handwriting, the artist reveals new pictorial fields of his artistic journey, research and experience. Live your daring!

Tereza de Arruda, curator
Berlin, March 2018

1 . The artists participating in this exhibition were Erika Stürmer-Alex, Carlito Carvalhosa, Klaus Dennhardt, Dalmir Ferreira, Alex Flemming, Jadir Freire, Eberhard Göschel, Moritz Götze, Bernd Hahn, Angela Hampel, Peter Herrmann, Veit Hofmann, Günther Hornig, Matthias Jackisch, Evelyn Krull, Andreas Küchler, Wolfgang KE Lehmann, Helge Leiberg, Gerda Lepke, Thomas Lohmann, Roberto Lúcio de Oliveira, Peter Makolies, Arnaldo de Melo, Michael Arantes Müller, Manfredo de Souzanetto, Cristina Pape, Osmar Pinheiro, Anton Paul-Kammerer, Stefan Plenkers, Neo Rauch, Hans Scheib, Wolfgang Scholz, Frank Seidel, José Spaniol, Max Uhlig, Enéas Valle, Falko Warmt, Jürgen Wenzel, Paulo Whitaker and Karla Woisnitza.

2. The artists participating in this program were José Roberto Aguilar (Galerie Rudolf Schoen), Cristina Barroso (Edition Schoen), Hilton Berredo (Galerie Horst Dietrich), João Câmara Filho (Galerie Eva Poll), Mario Cravo Neto (Galerie Springer), Anísio Dantas Goethe-Institut Berlin), Antonio Dias (Galerie Nothelfer), Adriane Guimarães (Galerie Messer-Ladwig), Sérgio Lucena (Ladengalerie), Roberto Lúcio de Oliveira (Galerie Noé), Emmanuel Nassar (Galerie Nalepa), Rubens Oestroem , Cristina Pape (Galerie Messer-Ladwig), Osmar Pinheiro (Galerie Michael Schultz), Flávio Tavares (Ladengalerie) and Arnaldo de Melo (Galerie Roepke).

3. Free artist translation in: Rose, Barbara. Japanese Calligraphy and American Abstract Expressionists. In: Words in Moption: Modern Japanese Calligraphy. An Exhibition by the Library of Congress and The Yomiuri Shimbun. Yomiuri Shimbun, Japan, 1984, p. 38-43.

Posted by Patricia Canetti at 12:52 PM