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janeiro 31, 2018

Abre-Alas por Clarissa Diniz, Cabelo e Ulisses Carrilho

Trata-se da carne morna que recém morreu, da frieza dos corpos refrigerados, do ar viciado de uma sociedade enclausurada e vigiada, de um ar nonsense, de sentidos que não se revelam – como o fenômeno do número. Luvas de látex autocontidas e moedas deformadas em trilhos, formas dissimuladas nas ruas de uma encruzilhada e imagens projetadas não para a lembrança, mas na busca da transitoriedade que leva ao esquecimento: exemplos dos atritos que os artistas aqui apresentados propõem. Linguagens às voltas com formas diversas de curto-circuito, ou de esgotamento.

É preciso questionar o estatuto dos objetos, o lugar das coisas e a nossa disposição em conviver com elas. Questionar, por fim, os sujeitos e seus regimes de legitimidade. Assim como nas bandeiras dos movimentos sociais que, unidas, se transformam numa “tereza” (para a arte, inclusive), neste Abre Alas convergem fôlegos para a devoração coletiva da tradição – ou, pelo menos, sua ruminação.

Das mais radicais propostas de Glauber Rocha, pensar o estranho surrealismo tropical – a fome – deduz uma estética da violência que surge do intolerável. Na obra de Glauber, toda ordem ou indivíduo poderá ser submetida a um transe ou crise, pois nasce da violência. Com sorte e uma saudável e farta dose de utopia, a fome sofre transmutações e torna-se metáfora do desejo e do devir revolucionário. Da fome, da violência, da crise e, hoje, do golpe, revela-se aquilo que é “terrível demais, belo demais, intolerável”. Algo que excede nossa capacidade de reação. Como a fome, imagens que – muito embora podemos sentir e com as quais podemos nos relacionar – não podemos compreender.

Clarissa Diniz, Cabelo e Ulisses Carrilho

Posted by Patricia Canetti at 12:47 PM

janeiro 27, 2018

Palavra-Coisa por Daniel Rangel

Palavra-Coisa

DANIEL RANGEL

A expressão “palavra-coisa” foi utilizada pelo trio de inventores da poesia concreta brasileira: Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, em uma das definições no plano-piloto para poesia concreta, que publicaram em 1958.

poesia concreta: tensão de palavras-coisa no espaço-tempo. 1

A tensão descrita na sentença sugere fronteiras tênues, separadas apenas por hifens que unem ainda mais os vocábulos. A proposta é que a dimensão semântica assuma a identidade e torne-se a própria “coisa em si”.

O poema, originário da literatura, é então potencializado por um encontro de aspectos temporais, influenciados pela música, com outros espaciais, conectados sobretudo às artes visuais.

Esta fusão semântica, sonora e plástica é o cerne do termo verbivocovisual, traduzido pelos mesmos teóricos, a partir da obra do poeta irlandês James Joyce. O conceito verbivocovisual tornou-se frequente na produção dos três poetas paulistas desde dos anos 1950. Eles criaram uma nova forma de fazer poesia explorando diferentes suportes e linguagens para formalizar seus poemas, para além do livro tradicional.

Hoje, após exatos sessenta anos da publicação do referido plano-piloto, são inúmeros os que se apropriam do conceito verbivocovisual para criação de suas obras. Alguns mais semânticos que visuais, outros mais plásticos que verbais, contudo, os poucos aqui reunidos, denominamos todos de “artista-poetas”.

Tadeu Jungle, Walter Silveira e Fernando Laszlo possuem trabalhos que estão normalmente mais vinculados ao universo da poesia visual. Antoni Muntadas, Marcos Chaves, Almandrade e Lenora de Barros são artistas visuais estabelecidos no sistema de artes, mas que flertam constantemente com as palavras e a poesia. Arnaldo Antunes é conhecido como músico, compositor, poeta e mais recentemente artista visual que explora os limites da palavra em distintas linguagens.

A mostra PALAVRA-COISA reúne objetos, serigrafias, fotografias e instalações destes artista-poetas, que de alguma forma são herdeiros da hibridização de linguagens proposta pelos poetas concretos.

Obras criadas especialmente para a exposição que exploram as dimensões verbais, sonoras e plásticas que unem literatura, música e artes visuais. A serialidade das propostas é ainda mais pertinente neste tipo de trabalho fronteiriço uma vez que já são recorrentes as edições múltiplas nos universos literário e musical.

A mostra cumpre ainda, em outro espaço-tempo, um dos principais objetivos almejados pelos criadores da poesia concreta; a de se criar uma “arte geral da palavra”.

Daniel Rangel

Palavra-Coisa, Galeria Carbono, São Paulo, SP - 31/01/2018 a 17/03/2018

1. A frase foi escrita originalmente por Augusto de Campos em “poesia concreta (manifesto)” de 1956, e dois anos após foi integrada ao “plano-piloto para a poesia concreta” de autoria dos três poetas e considerado por eles como o principal marco teórico da poesia concreta.

Posted by Patricia Canetti at 11:51 AM

janeiro 19, 2018

Marília Bianchini - Matéria, paisagem por Gabriela Motta

Marília Bianchini - Matéria, paisagem

GABRIELA MOTTA

Geralmente é assim, uma fotografia se coloca diante de nós para que seja vista. Sabemos que nem tudo é visível, esse é o jogo, mas alcançar aquilo que vemos (e mesmo aquilo que não vemos), depende do quanto nos dispomos aos abismos das imagens. Profundidade de campo, cor, relações entre elementos, luz, temperatura, são alguns dos aspectos que vão sendo percebidos, colecionados pelo observador que deseja interpretá-las.

Alguém irá lembrar que não estou considerando a grande quantidade de meios e suportes da fotografia na arte contemporânea, que a imagem nem sempre é, sozinha, o assunto que se coloca. Sim, temos as imagens projetadas, como em alguns trabalhos de Elaine Tedesco; as fotografias impressas em tecidos, como na obra de Alexandre Sequeira; ou em transparências, como em Miguel Rio Branco; temos ainda, entre tantas outras possibilidades, as fotografias ampliadas em post-its ou papel higiênico, como em trabalhos de Iris Helena. Em todos esses exemplos, essas imagens compõem situações que lhes ultrapassam. Encontram suportes e circunstâncias que, muitas vezes, acentuam ou acrescentam significados à própria imagem fotográfica em questão. De todo modo, não há ‘um e outro’, imagem e suporte como duas forças independentes. São corpos sintônicos reverberando suas possibilidades de leitura.

E quando a imagem é e não é o que se oferece para ser visto? Quando as imagens, especialmente imagens de paisagem, de uma mesma paisagem e suas variações, parecem apontar sobretudo para o olhar do fotógrafo?

Em um primeiro momento, é para onde nos conduzem as fotografias da Marília Bianchini. Apontam para um olhar que insiste em re-olhar, em ver de novo e com a surpresa das experiências inaugurais. Já sabemos, intuímos pelas imagens, que um rio e seus trânsitos, o céu e suas nuvens, e um jardim, com suas folhas, pássaros, gravetos, são o assunto e a mirada insistente da artista. Agora, se muitas dessas imagens nos fazem pensar naquele que as registra, elas nos fazem também observar aquilo que se oferece ao olhar: um pássaro que nos encara, quase íntimo da câmera que o captura, uma nuvem e sua história. E é nesse jogo entre o que é visível e o que é imaginável, que elas, as imagens, revelam seus mais incisivos signos, seus posicionamentos.

Marília, mais do que navios e tempestades, imprime no papel a atenção que dedica à passagem do tempo e a sua condição transitória. São fotografias impregnadas de duração, de observação, e, por conseqüência, também de um partido, de uma partilha. Defendem e nos oferecem, mesmo nos fluxos acelerados do cotidiano, o espaço de uma relação com o mundo baseada na troca e na observação, algo que só pode ser construído com o tempo e no próprio passar do tempo.

Mas há na exposição um outro conjunto de trabalhos, de imagens que, simultaneamente, reforçam e contradizem alguns desses comentários. São aquelas fotografias ampliadas em papel artesanal. Folhas, veleiros, revoadas de biguás, disputam nossa atenção com o suporte absolutamente manifesto em que se encontram impressas. Contradizem-nos porque são imagens cuja importância, pode-se dizer, é equivalente ao papel do suporte. Poderiam ser encaradas, como sugerido em relação aos meios e suportes da fotografia na arte contemporânea, como corpos sintônicos, que atuam juntos na construção de sentidos.

Ainda que, de fato, possamos nos deixar levar pela contaminação recíproca entre as sensações provocadas por um e por outro – a fragilidade do papel artesanal e sua transparência com o apagamento das memórias e a melancolia de imagens aquáticas, o vôo das aves e as folhas esvoaçantes em uma composição temporária –, com o tempo (sempre ele!), vem à tona outro tipo de aproximação entre suporte e imagem. Um tipo de aproximação que irá nos conduzir, novamente, reiteradamente, para um lugar de partilha.

Através de alguns desses trabalhos, é possível reconhecer que imagem e papel são, afinal, feitos da mesma matéria. A folha-imagem é a própria folha-fibra, que foi cozida, moída, lavada, processada, até se transformar na trama-folha de papel. E a passagem do tempo, que eu defendia estar impressa nas imagens de navios e intempéries, é também a matéria necessária da transformação dessas fibras e folhas.

Assim, além de uma mirada insistente – variações de uma mesma paisagem –, e de um assunto que revelam – a passagem do tempo e a permanente transformação de todas as coisas –, essas imagens assumem agora a sua materialidade. E assumir sua materialidade aqui é tornar-se acessível, possível de ser alcançada e, sobretudo, partilhada.

Na medida em que esses trabalhos expõem tanto sua potência de imaginação quanto sua organicidade, papel e imagem parecem assumir-se como igualmente desimportantes em suas especificidades, aproximando sem nenhum pudor ou pedantismo, o artesanal e o artístico. E é justamente através dessa indiferenciação que o trabalho de Marília nos convoca outra vez, agora a rever nossos conceitos sobre essas classificações. Se não há respostas para as provocações do trabalho, há, nele mesmo, uma vontade de seguir conversando e expondo abertamente suas engrenagens.

Em nossas conversas, durante o desenvolvimento dessa exposição, reconhecemos que o conhecimento dos processos de produção, tanto das imagens quanto do suporte, no caso dos trabalhos da Marília, mas também dos processos de produção em geral, está relacionado a uma maior autonomia dos sujeitos frente as relações de poder estabelecidas nos mais diversos campos sociais, econômico, político, cultural. Nesse sentido, o compartilhamento de saberes, de técnicas, de processos, pode ser encarado como um modo de contribuir para esta independência. Assim, como parte fundamental da exposição, serão realizadas cinco oficinas de produção de papel artesanal, atividades que darão conta de todo o processo produtivo da fabricação doméstica de papel.

Gabriela Motta
Curadora da mostra

Marília Bianchini - Matéria, paisagem, Galeria de Arte Mamute, Porto Alegre, RS - 30/09/2017 a 27/01/2018

Posted by Patricia Canetti at 9:40 AM

janeiro 18, 2018

Antonio Bokel - Ver Rever por Vanda Klabin

Antonio Bokel - Ver Rever

VANDA KLABIN

Observa-se nas obras de Antonio Bokel um constante cruzamento entre a arte e o tecido da vida urbana, como partes constitutivas do seu universo simbólico. Recorre a essa experiência da cidade como sequências existenciais - ali constrói o seu espaço referencial, ali parece inventar um território, ali pretende constituir uma extensão estética e espacial em uma dimensão mais ampla.

Nessa zona de interseção, está presente uma capacidade de improvisação poética a partir da assimilação dos mais variados materiais e suportes, tais como objetos enigmáticos, utensílios urbanos, inserção de letras, jogos de palavras ou fragmentos literários, que transitam nas pinturas murais, nas superfícies das telas, nas fotografias, nas esculturas ou nas instalações espaciais. Mas é na sua pintura que encontramos os acordes do seu campo de ação, indicativos de uma força integradora de suas inquietudes estéticas, ao equilibrar cores, formas e volumes em um mosaico de pinceladas rítmicas que trazem à tona as assimetrias do mundo.

Nesse conturbado território, o artista evoca uma reflexão sobre o espaço urbano contemporâneo. A sua produção artística não é um fenômeno isolado no ateliê, mas realiza a sua inscrição no mundo, em uma esfera pública, ao corporificar sua emergência nos muros da cidade – ambos acolhem simultaneamente sua prática pictórica e criam uma fusão entre a obra e o mundo.

Antonio Bokel reivindica um estar no mundo, aglutinar experiências, deixar traços visíveis no olhar público e não apenas entre quatro paredes. As suas obras são verdadeiros manifestos visuais e apesar de apresentarem uma rica diversidade, se agrupam através de uma linguagem comum, ao reivindicar um sentido plástico vinculado às imagens e dissonâncias da vida urbana.

A sua estratégia de leitura da figuração se manifesta através de aspectos provenientes da linguagem da arte pop, de uma visível influência de Andy Warhol, Jean Michel Basquiat e Keith Haring; no uso de elementos da cultura popular, como as ilustrações de revistas, jornais e suas expressivas composições - são portadores de uma impetuosidade emocional, trazem símbolos e motivos aleatórios com fortes conteúdos críticos, que são confrontadas com a crueza e rudeza dos muros urbanos. O artista converteu a pintura desenhada na sua principal técnica, ao dissolver os sistemas figurativos e redefinir as formas no espaço, produzindo uma nova geração de imagens. O desfazer progressivo passa a ser um exercício constante e a coexistência de formas díspares anuncia um pensamento de descontinuidade e ruídos visuais incorporados à sua cultura visual.

Sua pintura gestual, instintiva, espontânea, encontra suas raízes na sua admiração por certos artistas que pontuaram a vanguarda da contemporaneidade e passa a observar o vocabulário ligado à tradição construtiva. Entre as sua afinidades eletivas estão Amílcar de Castro e Mira Schendel. As formas, agora dispostas através de um jogo de derivações geométricas, estão associadas a uma natureza controlada, mais ordenada, diversa da urgência da pichação. A construção composicional traz uma matéria opaca, protagonizada pelo acréscimo de uma espiral de sucessivas camadas que criam uma superfície convertida na densidade de um muro, um interminável palimpsesto de cores acrescido pela presença de formas geometrizadas, que se avolumam através de tensões dinâmicas.

Antonio Bokel atua no contexto da fotografia e adota um procedimento que acumula uma espécie de olhar memorialista, ao capturar o instante primeiro da pichação direta nos muros da cidade. Bokel recupera a imagem por ele criada e a reinscreve através da recuperação fotográfica. Uma espécie de desconstrução de imagens que não parecem interessadas em se definir, como se fossem fragmentos em constante desconstrução, sempre no ambíguo limite da efemeridade e da permanência. Na sequência, o artista utiliza experiências gráficas ou a própria serigrafia e finaliza com a intervenção pictórica na conclusão do seu processo artístico.

Antonio Bokel - Ver Rever, Centro Cultural Correios, Rio de Janeiro, RJ - 25/01/2018 a 18/03/2018

Posted by Patricia Canetti at 11:53 AM

janeiro 14, 2018

Ma por Luisa Duarte

“Se a gente prestar atenção e fizer silêncio
– se a gente prestar atenção e fizer
silêncio –
pode ser que ouça
alguma mensagem
perdida no ar.”
[1]

Ma surge como a continuação de uma pesquisa cuja ênfase encontra-se na escuta dos murmúrios, no olhar para as entrelinhas, na escolha por manifestações que trazem uma presença discreta no mundo, pensando a incorporação do vazio, do intervalo e do silêncio não como representações do nada, mas como o que existe e afeta. Em meio a uma época marcada pela hiperinflação de imagens, pela compulsão à ocupação, Ma toma o partido de manifestações caracterizadas pela discrição, por uma economia de gestos que não significa fragilidade, renúncia ou passividade, mas sim escolha deliberada. Espécie de aposta: quem sabe em meio a cacofonia generalizada, aquele que fala mais baixo possa ser melhor escutado.

Me deparei com a expressão Ma em um texto da crítica e curadora Kiki Mazzuchelli sobre a obra de Paloma Bosque. Nas suas palavras: “A artista conta que interessou-se pela ideia de Ma, palavra japonesa que adquire sentidos múltiplos em contextos diversos, mas que pode ser aproximadamente traduzida como a experiência do espaço que inclui elementos temporais e subjetivos. As definições deste conceito, embora inúmeras e às vezes divergentes, deixam claro que não se refere ao espaço criado por elementos compositivos, mas aquilo que acontece na imaginação de quem se relaciona com esses elementos. Portanto, o Ma pode ser definido como um espaço da experiência cuja ênfase é no intervalo.” [2]

Em seguida, a reencontrei em “A Preparação do Romance, Volume I”, de Roland Barthes: “Tudo isso mostraria como o haicai anda na ‘corda bamba do Tempo’. Naturalmente, esse jogo é possível porque ele é preparado e determinado por um conceito propriamente japonês – e que nós, precisamente, não conceitualizamos porque, entre nós, não há palavra correspondente: Ma, o Intervalo do Espaço-Tempo”. [3] Tal citação surge no bojo da reflexão barthesiana sobre a noção de nuance: “Pode-se dizer que a civilização das mídias se define pela rejeição (agressiva) da nuance”. [4] Ou seja, pela rejeição àquilo que se mostra de maneira matizada, parcialmente velada. Passados trinta e oito anos da afirmação de Barthes, nos vemos mais do que nunca em um ambiente marcado pela recusa à nuance.

Os trabalhos reunidos nessa exposição habitam, justamente, essa zona avessa tanto à percepção ansiosa quanto ao enquadramento discursivo cristalizado. Na medida em que nos solicitam uma demora, uma atenção para suas incompletudes, evocam, quem sabe, uma outra forma de perceber o mundo, distante do pragmatismo e da pressa reinantes. Assim, a busca que irriga Ma tem como alvo cartografar gestos poéticos que caminham na contramão do regime do espetáculo, ou, atualizando os termos, do regime da “sensação”. Tais gestos, por sua vez, podem nos endereçar a uma preciosa paciência do olhar em tempos marcados por uma constante “atenção distraída”. [5]

Luisa Duarte, novembro 2017


PS: gostaria de agradecer a todos os artistas que aceitaram participar dessa exposição, especialmente a Manoela Medeiros, Paloma Bosque, Rodrigo Cass e Vivian Cacuri, que realizaram obras especialmente para a mostra. E, ainda, a Fernanda Brenner e Ricardo Rego, pelos generosos empréstimos de trabalhos de Leticia Ramos e Mira Schendel, respectivamente.

Notas

1 “Hola, spleen”, In Câmera Lenta, de Marilia Garcia. São Paulo: Companhia da Letras, 2017.
2 Kiki Mazzuchelli, texto para a exposição “Campo”, de Paloma Bosque. Mendes Wood DM, 2016.
3 Roland Barthes, “A Preparação do Romance, Volume I”, Martins Fontes, 2005. P. 113
4 Roland Barthes, “A Preparação do Romance, Volume I”, Martins Fontes, 2005. P. 93
5 Ver Sociedade Excitada – filosofia da sensação, de Christoph Türcke. Editora Unicamp, 2010. Livro no qual Turcke sinaliza para um presente marcado pela sociedade da sensação, em oposição à sociedade do espetáculo enunciada por Guy Debord,. Nesse contexto impera uma forma de percepção batizada como “atenção distraída”. Como se estivéssemos sempre absortos em algo, mas, permanentemente, de algum modo, dispersos.

Posted by Patricia Canetti at 7:38 PM

Sucessão de Muros por Marcelo Amorim

Sucessão de Muros

MARCELO AMORIM

Júnior Pimenta - Vá em frente, volte pra casa!, Sem Título Arte, Fortaleza, CE - 18/01/2018 a 22/02/2018

Naquela cidade o vento era forte demais. A ventania trazia a areia e mudava dunas de lugar. Ali, muitos anos atrás, um padre e sua comunidade lutaram contra a areia mas foi em vão. A igreja foi soterrada. Os fiéis perderam a fé. Para conter os ventos todos decidiram que o sensato era criar muros de contenção cercando a cidade. Cada vez que o vento escapava era preciso criar mais um muro. Até que eles se cansaram e passaram a viver dentro dos muros. Passados cinqüenta anos a igreja reapareceu. Ela tinha outra cor e as inscrições nas paredes se tornaram completamente ilegíveis.

Um homem mudou-se para uma outra cidade em um outro país. Registrou-se em uma pensão e saiu para almoçar. No caminho foi roubado todo seu dinheiro e seu passaporte. Ao saber que o hóspede estava impossibilitado de arcar com a despesas do aluguel o dono da pensão ofereceu-lhe um emprego no estacionamento. O emprego era noturno. Era simples, bastava ficar em uma sala olhando para uma televisão ligada em uma câmera de vigilância que apontava para um portão. E com o único intuito de provar que se encontrava desperto na jornada de trabalho era preciso apertar um botão de ponto de meia em meia hora. Passados quatro anos o homem pediu demissão por problemas de saúde. Por alguma razão ele não conseguia dormir em momento algum. A cada meia hora ele tinha o reflexo de acordar.

Uma mulher foi até a mercearia comprar um pacote de macarrão instantâneo. Deixou sua bicicleta amarrada em uma corrente na porta. Na volta ela tinha sido roubada. A mulher reclamou ao segurança que ali vigiava. Ele respondeu que era impossível vigiar todas as coisas, que cada um cuidasse do era seu. Enfurecida a mulher deu encaminhamento à sua vingança. A princípio passava as noites a inserir cola nas fechaduras da loja impossibilitando assim sua abertura, tornando necessário que as fechaduras fossem trocadas todos os dias. Em seguida passou a colar todas as fechaduras da rua e depois todo o comércio do bairro. Ela foi identificada através das imagens das câmeras de segurança e foi presa.

O homem se despediu da mulher e foi comprar cigarros. No caminho notou que um casal visitava um imóvel em exposição. Era um apartamento grande com dois pavimentos. O casal dizia que era impossível alugar os dois pisos. O proprietário dizia que só alugaria o imóvel todo para um único inquilino. O valor era baixo e o homem em um impulso aceitou o acordo. No apartamento moravam fadas que mantinham um minúsculo escritório próximo ao rodapé da sala de estar. As fadas se alimentavam do seu tempo e o impediam de sair. Para sair da nova casa e voltar à antiga casa era preciso convencer outro homem a ficar em seu lugar e alimentar as fadas. Em dois dias se passaram vinte anos. Sua mulher cansou-se de esperá-lo e casou-se novamente.

Chegando à cidade a mulher foi recebida por um motorista no aeroporto com uma placa contendo seu nome. A caminho do hotel no centro velho ela comentava a beleza das construções que carregavam as marcas do tempo. Chamou sua atenção no entanto calçamento das ruas composto por pedras redondas, pequenas, polidas e perfeitamente arranjadas em fileiras. Fascinada a mulher perguntou ao motorista como era possível a existência de tal artesania. 'Através do sofrimento' respondeu o motorista sem olhar pra trás. As ruas eram muito antigas e foram os escravos que a calçaram. 'Cada pedra dessas é um sofrimento' disse o motorista.

O homem não conhecia aquela cultura, aquela arquitetura era muito diferente da sua cidade natal. Resolveu se perder. Caminhar a esmo é uma ótima maneira de conhecer um novo lugar. Muito repentinamente o sol se foi dando lugar a nuvens escuras e uma tempestade chegou sem aviso. Correu para se abrigar mas ele se encontrava em um estranho bairro sem casas ou prédios, apenas muros muito altos e nenhuma marquise, nenhuma beira. Avistou um telhado muito pequeno que cobria um pequeno recuo. Se espremeu ali tentando escapar da chuva. Ouviu uma voz dizendo: 'pois não'. Olhou para os lados procurando entender de onde vinha a voz que repetia: 'pois não'. Assustado correu pela chuva procurando outro abrigo. Recostou-se em outro vão. Por trás de um rasgo envidraçado no alto muro notou uma luz e o vulto de um homem armado. Ele entendeu que ali os cidadãos moravam dentro dos muros e que os visitantes eram invasores. E que ele não era bem vindo.

Posted by Patricia Canetti at 7:21 PM