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outubro 1, 2020
N. Date na Luisa Strina, São Paulo
Muito pouco se sabe sobre a vida de N. Date. Porém, um interesse recorrente na obra que deixou parece sugerir uma procura por diferentes concepções de realidade. Várias notas e esboços indicam que Date viajou pelo México seguindo o caminho de vários escritores estrangeiros, como Carlos Castaneda, Arthur Cravan e B. Traven. Segundo o curador da exposição Strange How Things Work Out, o artista mexicano Mario García Torres, “as viagens de Date pelo México parecem apontar para vilas menores e percursos pelo interior do país. Há uma única referência à Cidade do México em um documento, que acreditamos ser o antigo endereço de William Burroughs no México, que já havia partido há décadas quando Date poderia ter estado aqui. Por outro lado, vejo uma certa afinidade com ideias do movimento neoconcreto no que acreditamos serem os trabalhos mais antigos que temos de Date até agora. Existe uma certa intenção em frear a racionalidade e incorporar a geometria a uma compreensão mais complexa do mundo. Esta é a principal razão pela qual pensei que o Brasil poderia ser um lugar interessante para apresentar o trabalho de N. Date”.
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Esse grupo das obras mais antigas do artista consiste em pequenas pinturas geométricas de pastel a óleo sobre juta reminiscente de Joaquín Torres García e Mira Schendel. Um segundo conjunto de obras, possivelmente posterior à série geométrica, possui referências astronômicas. Acredita-se, por exemplo, que Elementi di Astronomia (data desconhecida) tenha sido feito anteriormente à viagem ao México, e possivelmente levado junto na travessia pelo México. O único dado certo é que esta obra pertence a uma série de peças —todas feitas em grafite, sobre uma espécie de gesso sintético sobre juta natural, retratando esboços pseudocientíficos de astronomia. Estranhamente, o título desta obra, que aparece no canto inferior esquerdo ao lado da assinatura, está escrito em italiano; o que torna esta peça única. O conjunto de obras astronômicas será apresentado integralmente na Galeria Luisa Strina.
Artista absolutamente desconhecido, Date foi descoberto por Mario García Torres em suas pesquisas sobre as narrativas periféricas da arte no México, e vai ter sua obra mostrada na galeria em primeira mão. García Torres é famoso por investigar as histórias esquecidas ou não contadas da arte, como fez ao redescobrir o local exato onde Alighiero Boetti se estabeleceu em Kabul, Afeganistão, no início dos anos 1970, seu One Hotel, que resultou no trabalho que MGT expôs na Documenta de Kassel de 2012. Acerca daquela obra, o artista mexicano afirmou: “Vejo como referência genealógica da obra a história da documentação de artista. Então, o trabalho realmente é a última parte, um registro dos atos de um artista, uma ação concreta. Agora, pode ser um pouco mais ambicioso do que registrar seus atos: pressupõe encontrar a razão para o ato, à medida que ele se desenvolve; explica por que alguém faria tal coisa e, em seguida, elucida suas descobertas”.
Esta metodologia de investigar a documentação histórica e enveredar não apenas pelos atos do artista pesquisado (no caso da obra Tea, 2012, mostrada em Kassel, o artista em questão era Boetti; no caso da exposição apresentada na Galeria Luisa Strina, o nome em questão é Date), mas pelas inquietações que possivelmente deram origem às obras, assim como a tentativa de elucidar seu significado oculto (porque ficou esquecido e não documentado pela história da arte) faz de García Torres mais que um curador da exposição de N. Date, mas um colaborador póstumo do artista. A série de peças têxteis presente na exposição, por exemplo, foi feita recentemente por MGT a partir dos projetos deixados por Date.
Mario García Torres (n. 1975, Monclova, México) recebeu um MFA do California Institute of the Arts em 2005 e atualmente vive na Cidade do México. Exposições individuais recentes de seu trabalho aconteceram no Hammer Museum, Los Angeles (2014); Project Arts Centre, Dublin (2013); Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madrid (2010); Fundació Joan Miró, Barcelona (2009); Kunsthalle Zürich (2008); e Stedelijk Museum, Amsterdam (2007). Ele também participou de exposições internacionais como a Bienal de Berlim (2014); Bienal do Mercosul, Porto Alegre, Brasil (2013); Documenta 13, Kassel, Alemanha (2012); a Bienal de São Paulo (2010); e a Bienal de Veneza (2007).
A Galeria Luisa Strina está funcionando novamente, com agendamento de horário e seguindo todos os protocolos de segurança. Marque sua visita através de um dos canais (formulário de visitas, email ou no telefone 11-3088-2471), para os seguintes horários de atendimento: Galeria, de segunda a sábado, das 11h às 16h; Anexo, de terça a sábado, das 11h às 16h.
Date is an artist who’s biographical data is largely unknown. Strange How Things Work Out presents the work of this enigmatic figure for the first time in a public setting.
Gathered here are three different bodies of work titled by this exhibition’s research: Geometric Coincidences (a prodigious stage represented by a number of oil pastel works that suggest a non-rationalistic approach to geometric forms); Lonely Pedestrianism (intimate drawings and sculptures that indicate an ordinary and somewhat poetic take on astronomy); and Other Realities (contemporary textiles produced after found sketches that insinuate a search towards parallel existences).
Both doing research for and experiencing this presentation, demand non-conformist notions of truth, geography and time. Date’s traces indicate the artist could have been, in fact, a wordly charachter; one that triggered an asynchronous and sometimes unbelivable story.
Influenced by radically dissimilar art movements, and shaped by the unsteady path of foreign writters that pass through Mexico during the 20th century, Date’s practice insinuate that ideas surrounding coincidence, incompletness, doubt and incoherence had become the leading principles of an extraordinary life.
Mario García Torres
About the curator
Mario García Torres (b. 1975, Monclova, Mexico) received an MFA from the California Institute of the Arts in 2005 and currently lives in Mexico City. Recent individual exhibitions of his work took place at the Hammer Museum, Los Angeles (2014); Project Arts Center, Dublin (2013); National Museum Centro de Arte Reina Sofia, Madrid (2010); Fundació Joan Miró, Barcelona (2009); Kunsthalle Zürich (2008); and Stedelijk Museum, Amsterdam (2007). He also participated in international exhibitions such as the Berlin Biennial (2014); Mercosul Biennial, Porto Alegre, Brazil (2013); Documenta 13, Kassel, Germany (2012); the São Paulo Biennial (2010); and the Venice Biennale (2007).
Lucia Nogueira na Luisa Strina, São Paulo
A Galeria Luisa Strina tem o prazer de apresentar uma mostra individual com desenhos e escultura inéditos no Brasil de Lucia Nogueira (1950-1998), artista brasileira que viveu em Londres dos anos 1970 até o final de sua vida. Ao longo de sua breve, mas notável carreira, Nogueira criou um potente corpo de trabalho multidisciplinar. Centrada principalmente em esculturas e instalações que se tornaram famosas pelo uso de materiais banais combinados de maneira única e assombrosamente precisa, sua trajetória é marcada pela prática constante do desenho. Segundo o curador da retrospectiva dedicada à artista no Museu Serralves, Adrian Searle, desenhos e esculturas/instalações são inseparáveis na obra de Nogueira, dada a natureza tátil e o sentido corporal – “strong sense of self”, como Searle o denomina – que definem o seu temperamento artístico.
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Organizada em colaboração com a Anthony Reynolds Gallery, Londres, esta exposição apresenta uma importante série que não integrou as retrospectivas realizadas após a morte prematura da artista [Drawing Room, Londres, 2005; Museu Serralves, Porto, 2007; Kettle’s Yard, Cambridge, 2011]: Inferno – Divine Comedy (1983), composta de 14 desenhos feitos com lápis, carvão e aquarela, que retrata a visão bastante particular da autora sobre um tema que mobilizou artistas ao longo da história, de Botticelli, Michelangelo, Delacroix, William Blake e Gustave Doré, até Rodin, Dalí, Robert Rauschenberg e Alfredo Jaar. Na versão de Nogueira, identificamos a Fortuna girando sua roda, o barco que conduz Dante e Virgílio na descida ao Inferno, tão etéreo e autocontido, em oposição ao romantismo encarnado e envolto em escuridão da Barca de Dante (1822) de Delacroix, vemos os tormentos da alma, e um cão cérbero mais minimalista e ambíguo do que o Cerberus (1824-1827) da ilustração de William Blake para a Divina Comédia.
De acordo com Alberto Manguel, quase todos os livros de Dante foram escritos no exílio, em casas que ele nunca poderia considerar suas porque não estavam em sua Florença. “O início de seu poema revela o duplo vínculo: ‘Aqui começa a Commedia de Dante Alighieri, florentino de nacionalidade, não de moral’. Sem dúvida, seus anfitriões – Cangrande, Guido Novello e os outros – foram gentis com ele e proporcionaram-lhe quartos confortáveis e conversas inteligentes, mas o lar era sempre em outro lugar, o lugar de ausência. Banido de Florença, ele deve ter sentido que o portão da cidade poderia ter sido uma paródia do portão do Inferno: sua mensagem não seria ‘Abandone toda esperança você que entrar’, mas ‘Abandone toda esperança você que sair’. E, no entanto, Dante foi incapaz de perder todas as esperanças de voltar para casa”, escreve o autor argentino, exímio leitor de imagens e de textos.
Talvez Nogueira se identificasse com Dante. Ela chegou ao Reino Unido vinda dos Estados Unidos em 1975, aos 25 anos. Recém-chegada ao país, viu-se entre duas culturas. Sobre as lacunas e o deslocamento provocados pela opção de deixar um lugar, a artista afirmou: “Há uma conexão ali; não só com o lugar onde você se encontra, mas também com o lugar de onde você vem – porque se você saiu não resolveu as coisas lá, não é? Então você está no meio. Eu acho que é muito saudável ser assim”. Considerada um marco no pensamento contemporâneo sobre a escultura no Reino Unido, referida como uma “artista de artistas”, Lucia era amiga de Tacita Dean, Liam Gillick, Rachel Whiteread e Damien Hirst. Estudou na Chelsea College of Art e na Central School of Art and Design e teve participação relevante na cena artística londrina dos anos 1990.
Segundo Gabriel Pérez-Barreiro, que dedicou à artista uma sala especial na 33ª Bienal de São Paulo (2018), defendendo que se pudesse criar dali em diante uma nova relação com a história da arte brasileira recente, “em suas obras, a artista usa objetos cotidianos para criar uma sensação inquietante de suspensão e estranheza. Ao combinar e confrontar móveis, engradados, tubos plásticos e vidros, provoca diálogos misteriosos e envolventes, que parecem oferecer mais perguntas que respostas. Como brasileira radicada em Londres, ela fala da noção de deslocamento e dos questionamentos que resultam de viver em uma cultura diferente, situação em que o cotidiano e o óbvio podem se tornar desconcertantes. Talvez por ser uma consequência desse deslocamento, a língua é uma referência central em seus trabalhos; os títulos em inglês geralmente jogam com duplos sentidos e com as idiossincrasias dos termos gramaticais da língua”.
A Galeria Luisa Strina está funcionando novamente, com agendamento de horário e seguindo todos os protocolos de segurança. Marque sua visita através de um dos canais (formulário de visitas, email ou no telefone 11-3088-2471), para os seguintes horários de atendimento: Galeria, de segunda a sábado, das 11h às 16h; Anexo, de terça a sábado, das 11h às 16h.
Sobre a artista
Lucia Nogueira estudou Jornalismo e Comunicação em Brasília e fotografia em Washington, D.C. Em 1975 ela visitou Londres, onde moraria e trabalharia pelo resto de sua vida. Ela estudou pintura primeiro no Chelsea College of Art (1976-1979) e depois na Central School of Art and Design (1979-1980). Recebeu uma bolsa-residência da Fondation Cartier em Versalhes, em 1993, e foi vencedora do prémio da Fundação Paul Hamlyn, em 1996. Uma exposição retrospectiva do trabalho de Nogueira foi apresentada no Museu Serralves no Porto, Portugal, em 2007, e foi apresentada uma seleção especial na 33ª Bienal de São Paulo, em 2018. Seus trabalhos estão em coleções como as da Tate, Londres, Reino Unido; Arts Council England, UK; Galeria de Arte de Leeds City, Reino Unido; Fundação Henry Moore, Reino Unido; Museu Serralves, Portugal; Museu Calouste Gulbenkian, Portugal; Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (MACBA), Espanha, entre outras.
Galeria Luisa Strina is pleased to present a solo exhibition with drawings and sculpture never shown in Brazil by Lucia Nogueira (1950-1998), a Brazilian artist who lived in London from the 1970s until the end of her life. Throughout her brief but notable career, Nogueira created a powerful body of multidisciplinary work. Focused mainly on sculptures and installations that became famous for the use of banal materials combined in a unique and amazingly precise way, her trajectory is marked by the constant practice of drawing. According to the curator of the retrospective dedicated to the artist at the Serralves Museum, Adrian Searle, drawings and sculptures / installations are inseparable in Nogueira’s work, given the tactile nature and the bodily sense – “strong sense of self”, as Searle calls it – that define her artistic temperament.
Organized in collaboration with the Anthony Reynolds Gallery, London, this exhibition presents an important series that did not integrate the retrospectives taken after the artist’s premature death [Drawing Room, London, 2005; Serralves Museum, Porto, 2007; Kettle’s Yard, Cambridge, 2011]: Inferno – Divine Comedy (1983), composed of 14 drawings made with pencil, charcoal and watercolor, which portrays the author’s very particular vision on a theme that mobilized artists throughout history, from Botticelli, Michelangelo, Delacroix, William Blake and Gustave Doré, up to Rodin, Dalí, Robert Rauschenberg and Alfredo Jaar. In Nogueira’s version, we identify Fortuna spinning her wheel, the boat that leads Dante and Virgílio on the descent to Hell, so ethereal and self-contained, in opposition to the incarnated romanticism and shrouded in darkness of Delacroix’s The Barque of Dante (1822), we see the torments of the soul, and a cerberus dog more minimalist and ambiguous than the Cerberus (1824-1827) of William Blake’s illustration for the Divine Comedy.
According to Alberto Manguel, almost all of Dante’s books were written in exile, in houses that he could never consider his own because they were not in his Florence. “The incipit to his poem reveals the double bind: ‘Here begins the Commedia of Dante Alighieri, Florentine of nationality, not of morals.’ No doubt his hosts—Cangrande, Guido Novello, and the others—were kind to him and provided him with comfortable rooms and intelligent conversation, but home was always somewhere else, the place of absence. Banned from Florence, he must have felt that the city’s gate might have been a parody of the gate of Hell: its sign would be not ‘Abandon all hope you who enter’ but ‘Abandon all hope you who leave.’ And yet Dante was unable to give up all hope of returning home”, writes the Argentine author, an excellent reader of images and texts.
Perhaps Nogueira identified with Dante. She arrived in the United Kingdom from the United States in 1975, at the age of 25. A newcomer to the country, she found herself between two cultures. Regarding the gaps and displacement caused by the option to leave a place, the artist stated: “There is a connection there; not only with the place where you are, but also with the place where you come from – because if you left you didn’t solve things there, did you? So you’re in the middle. I think it’s very healthy to be like that ”. Considered a milestone in contemporary thinking about sculpture in the UK, referred to as an “artist of artists”, Lucia was friends with Tacita Dean, Liam Gillick, Rachel Whiteread and Damien Hirst. She studied at Chelsea College of Art and at the Central School of Art and Design and had a relevant participation in the London art scene of the 1990s.
According to Gabriel Pérez-Barreiro, who dedicated a special room to the artist at the 33rd Bienal de São Paulo (2018), arguing that from then on a new relationship with the history of recent Brazilian art could be created, “in her works, the artist uses everyday objects to create an unsettling sensation of suspension and strangeness. When combining and confronting furniture, crates, plastic tubes and glass, she evokes mysterious and engaging dialogues, which seem to offer more questions than answers. As a Brazilian living in London, she speaks of the notion of displacement and the questions that result from living in a different culture, a situation in which the everyday and the obvious can become disconcerting. Perhaps because it is a consequence of this displacement, language is a central reference in her works; English titles usually play with double meanings and the idiosyncrasies of the grammatical terms of the language”.
About the artist
Lucia Nogueira studied Journalism and Communication in Brasília and photography in Washington, D.C. In 1975 she visited London, where she would live and work for the rest of her life. She studied painting first at Chelsea College of Art (1976-1979) and then at the Central School of Art and Design (1979-1980). She received a residence grant from the Fondation Cartier in Versailles, in 1993, and won the Paul Hamlyn Foundation award in 1996. A retrospective exhibition of Nogueira’s work was presented at the Serralves Museum in Porto, Portugal, in 2007, and a special selection of her works was shown at the 33rd Bienal de São Paulo, in 2018. Nohueira’s works are in collections such as those of Tate, London, United Kingdom; Arts Council England, UK; Leeds City Art Gallery, UK; Henry Moore Foundation, United Kingdom; Serralves Museum, Portugal; Calouste Gulbenkian Museum, Portugal; Museum of Contemporary Art of Barcelona (MACBA), Spain, among others.
setembro 28, 2020
Mostra online de Aldo Tambellini na Casanova
Casanova abre a primeira mostra online do artista Aldo Tambellini: Depois de uma sala solo na Tate Modern, em Londres, o artista experimental mostra um conjunto de obras exclusivas e inéditas
Aldo Tambellini é um artista americano-italiano, reconhecido internacionalmente por um trabalho pioneiro que explorou as novas tecnologias da década de 1960, combinando slides, fotografias, filmes e também pintura, áudio, arte cinética e performance.
Conversa ao vivo com a curadora Jane de Almeida e o galerista Adriano Casanova, no sábado, 3 de outubro de 2020, às 11h, no online.casanovaarte.com/live.
A exposição “No princípio era tudo negro”, realizada online, apresenta obras inéditas de Tambellini no Brasil, com grande variedade de mídias e elementos a serem explorados por uma audiência que vê pela primeira vez o conjunto pulsante da uma obra singular. Juntamente com esse acervo, proveniente da Harvard Filme Archive, mostra também cartões postais e cartas, apresentando internacionalmente uma relação pouco conhecida de Tambellini com São Paulo.
Nos últimos anos, Aldo Tambellini tem exibido seus trabalhos em importantes centros como a Tate Modern (2012 e 2020), MoMA (2013), ZKM (2020), Centre Georges Pompidou (2012) e a Bienal de Veneza (2015). Este reconhecimento recente reflete suas obras pioneiras no cenário artístico de Nova York durante 1950 e 1960, com peças dedicadas ao ativismo político e preocupações filosóficas sobre a comunidade artística.
Nesta exposição, produzida em parceria com a Fundação Tambellini e A galeria CASANOVA, estão sendo exibidos os filmes da série Black (1965-1969), bem como um conjunto de obras fotográficas e áudio-poemas, agrupados online para uma visão geral do trabalho prolífico do artista.
Tambellini interveio nos filmes em sua fisicalidade, para discutir a materialidade do meio, raspando a película e usando química e tinta para repintar os quadros. Partindo de questões filosóficas sobre a matéria negra, sua produção artística encontra um forte ativismo político do movimento negro com as vozes de manifestações dos anos 60 nos Estados Unidos. Seus filmes combinam sons variados como uma bateria africana e comentários sobre o assassinato de Bobby Kennedy, além de imagens abstratas de rostos de políticos e negros, além de imagens de televisão. O espectador se surpreenderá com a atualidade temática e visual de seus métodos na década de 1960, como o racismo, protestos, telas divididas, projeções com múltiplas telas. No entanto, as composições inquietantes de abstrações imagéticas e sonoras conferem à sua obra uma potência que transpõe a curiosidade histórica.
Acima de tudo, há uma referência importante nas obras de Tambellini: a junção do conceito de preto em diferentes nuances – o preto do racismo, o preto como um princípio da física atômica e o preto como o início da civilização humana. Os negativos e as imagens do filme articulam diferentes formas de abstração obsessiva do preto, evidenciando aquilo que Tambellini afirma a respeito de seus filmes como “pinturas em movimento”.
Além dos filmes, serão exibidas duas séries de fotografias abstratas, chamadas Videogramas e Lumagramas, trabalhos feitos com impressão direta da tela de vídeo sem uso de câmera. A exposição terá ainda o privilégio de apresentar as cartas e cartões postais do período em que Tambellini viveu em São Paulo, com vívida introspecção sobre a cultura de seus antepassados brasileiros. Seu avô paterno italiano, Paul, foi um plantador de café em São Paulo, local onde nasceu seu pai John. Em 1983, após a sua apresentação na Bienal de São Paulo, como representante do MIT (Massachusetts Institute of Technology), Aldo Tambellini explorou a região e escreveu cartas para sua companheira da época relatando as cores, os sons, as sensações que vivenciou nessa ocasião, assim como seus encontros artísticos com os pioneiros da arte “eletrônica” da época no Brasil.
A mostra estará disponível online de setembro até o final de dezembro de 2020. Durante este período, será atualizada com uma série de entrevistas em vídeo com curadores, e uma conversa especial ao vivo com a curadora Jane de Almeida e o galerista Adriano Casanova, no sábado, 3 de outubro de 2020, às 11h, no online.casanovaarte.com/live.
Até logo, até já na Casa do Pontal - Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro
Fechada desde o início da pandemia, instituição que é referência em arte popular brasileira ficará aberta de 3 de outubro até 28 de novembro, quando o público poderá ver obras emblemáticas da coleção. A inauguração da nova sede está prevista para o segundo trimestre de 2021.
O Museu Casa do Pontal (Estrada do Pontal, 3.295, Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro), referência em arte popular brasileira, com mais de nove mil obras de 300 artistas brasileiros – o maior e mais significativo acervo deste segmento no país –, estará aberto ao público de 3 de outubro a 28 de novembro de 2020. O motivo é o momento de despedida e de celebração, pois após dez anos de lutas constantes contra as inundações que passaram a assolar o raro acervo a instituição começa a transferir suas obras para a nova sede, na Barra da Tijuca, próximo à Cidade das Artes e do Barra Shopping, onde estarão em segurança. O Museu estava fechado desde março, por causa da pandemia do Covid-19.
Na exposição “Até logo, até já”, conhecida pelo público como “permanente”, pois contém destaques do acervo, estarão cerca de duas mil obras, que só serão transferidas para a nova sede na Barra da Tijuca em novembro, após o encerramento da mostra. As demais sete mil peças, guardadas na reserva técnica, ou em itinerância, já começam a seguir para o novo espaço em outubro.
Graças a campanhas de financiamento coletivo, a que aderiram entusiastas do Museu, foram retomadas as obras da construção da nova sede, que ficaram paralisadas por mais de dois anos. Lucas Van de Beuque, diretor-executivo do Museu diz que “este é um momento de agradecimento e de boas notícias”. A diretora-curadora do Museu, Angela Mascelani, destaca: “Estamos dedicando esta reabertura na sede histórica, que durará um mês, aos afetos e aos corações. Aos que aqui se apaixonaram, aos que seguiram as trilhas da cultura popular, aos que dançaram em nossos jardins e terreiros. Aos que querem continuar nessa aventura multicultural”.
Durante a pandemia, o Museu Casa do Pontal promoveu lives em seus canais digitais, fazendo viagens temáticas pelas Festas Juninas de Pernambuco; pelo Bumba-meu-Boi, do Maranhão; pelos territórios culturais do Vale do Jequitinhonha, em Minas, e do Cariri, região que abrange Ceará, Pernambuco, Piauí e Paraíba. Um “terreiro virtual” com arte e manifestações de todo o Brasil.
Ao longo de seus 44 anos de história, o Museu coleciona fãs por toda parte. Entre os vários depoimentos que já recebeu, de artistas, pensadores, colecionadores, dirigentes de instituições culturais, empresários, entre outros, estão os de José Saramago, Gilberto Gil, Edgar Morin, Marieta Severo, Bia Lessa, Paulo de Barros, Otto, Osgêmeos, Emanoel Araújo e Danilo Miranda. Em texto anexo estão alguns trechos desses depoimentos.
Leia alguns depoimentos e saiba mais sobre a mudança do Museu Casa do Pontal para a nova sede.
PERCURSO COM OITO TEMAS
O percurso da exposição está dividido em oito temas: Profissões, Mestre Vitalino, Vida Rural, Ciclo da Vida, Circo, Arte Incomum, Religião e Ex-voto, e Escolas de Samba.
As obras ocupam os dois andares da casa, e são acompanhadas por textos explicativos em português, inglês e francês, ampliações fotográficas com imagens dos artistas e de festas populares. Produzidas desde meados de 1940 até hoje, as obras são representativas do universo cultural brasileiro, com suas variadas culturas rurais e urbanas.
As galerias mais atingidas pelas inundações fazem parte do circuito, mas sem acesso ao público. Próximo a sua entrada, estará o vídeo/instalação “Retirantes” (2019), de Martha Niklaus. O vídeo de 9'4"criado pela artista carioca, para a exposição de arte contemporânea “Inundação”, realizada no museu e curada por Marcelo Campos, faz referência às muitas inundações sofridas pela instituição entre 2010 e 2019. Inspirado nas obras de Mestre Vitalino e Zé Caboclo, presentes na exposição, o trabalho fala do “desmoronamento das figuras de barro que cria uma atmosfera apocalíptica e germinal, como as experiências limítrofes vividas nas grandes catástrofes, guerras, enchentes e pandemias", explica Martha.
Obras que ficavam no mobiliário mais baixo foram retiradas para a reserva técnica, para não sofrerem riscos em eventuais enchentes.
MEDIDAS CONTRA O COVID
O Museu Casa do Pontal receberá em segurança o público. Não será necessário agendamento prévio, mas o uso de máscaras será obrigatório. Haverá aferição de temperatura, tótens com álcool gel espalhados pelo circuito expositivo, e controle de quantidade de visitantes na área interna. Os visitantes poderão usufruir da área externa, agrupados por núcleo familiar. A equipe de funcionários usará além de máscaras o protetor de rosto (face shield). Grupos prioritários terão atendimento especial.
MUSEU CASA DO PONTAL
Fundado em 1976 pelo artista e colecionador francês Jacques Van de Beuque (1922-2000), o Museu Casa do Pontal, instalado em um terreno de cinco mil metros no Recreio dos Bandeirantes, no Rio, é referência em arte popular brasileira, e considerado o maior e mais significativo acervo do gênero no país, com mais de nove mil obras de 300 artistas. As peças reunidas são resultado de pesquisas e viagens feitas por Jacques Van de Beuque pelo Brasil desde a década de 1950 até 1990. Novas pesquisas e aquisições foram realizadas nas últimas décadas sendo conduzidas por Angela Mascelani, diretora e curadora do Museu do Pontal. Coleções de outros pesquisadores e apaixonados pela arte popular foram também doadas à instituição, ampliando a abrangência e relevância desse importante acervo.
Em seus mais de 40 anos de atividades, o Museu Casa do Pontal se empenhou em construir alicerces que permitem que o seu acervo seja socialmente protegido e amplamente usufruído. Mais de 2 milhões de pessoas estiveram ou participaram de algumas das múltiplas ações realizadas. Foram exibidas 70 exposições parciais do acervo no Brasil e em mais 15 países. No programa social e educacional, mais de 500 mil estudantes, desde 1996, fizeram visitas musicadas e teatralizadas ao acervo, vendo e ouvindo as histórias que formam essa grande colcha de retalhos culturais que é o Brasil. O setor de pesquisa, produziu conteúdos sobre os artistas e mestres da cultura popular, foram filmes, livros, catálogos, seminários e um amplo material disponibilizado no site da instituição e nas redes sociais. Fazendo do Museu do Pontal uma instituição que vibra e se aprofunda nas variadas expressões culturais do Brasil.
Para o sucesso de todos estes esforços, estão sendo essenciais as parcerias. Hoje os patronos do Museu do Pontal são BNDES, VALE e ITAÚ, além da parceria do IBRAM e Secretaria Especial de Cultura.
ARTISTAS E OBRAS
Antonio de Oliveira (1912 - 1996)
Antonio de Oliveira é um artista que valoriza a memória. Sua obra nos permite viajar no tempo. E nos recorda das mudanças havidas tanto nos meios de transporte, nos estilos de vida, como nas práticas sociais e nas relações de gênero. Se, por um lado, ele acentua as diferenças entre meninos e meninas em suas brincadeiras, por outro, não é normativo. Seu olhar apenas registra a realidade vivida.
Antônio de Oliveira nasceu em 1912, em Belmiro Braga, no interior de Minas Gerais. Aos 6 anos, começa a esculpir carrinhos de bois e outras peças com as quais brinca. Na adolescência, trabalha consertando móveis durante o dia e esculpindo "bonecos" à noite. Empreendedor, realiza inúmeras atividades antes de dedicar-se prioritariamente à escultura em madeira, tendo inclusive fundado o primeiro cinema de sua cidade natal. Seduzido pela possibilidade de contar histórias com seus conjuntos de esculturas miniaturizadas, Antônio de Oliveira entregou-se com paixão à recriação de cenas reais ou imaginárias, que compunham o que chamava de "meu mundo encantado". Refletiu sobre seu processo de criação, deixando muitas observações escritas e gravadas. Morreu em 1996, na terra natal, sem conseguir realizar o sonho de ver sua produção reunida num museu, na cidade em que viveu e que pretendeu imortalizar nas obras. Atualmente, a maior parte de seu acervo integra a coleção do Museu Casa do Pontal.
Adalton Fernandes Lopes (1938-2005)
Nascido em Niterói, Adalton fez grandes obras, articuladas, nas quais os personagens se movimentam por acionamento elétrico. São suas criações: a vida de Cristo, a Folia de Reis no morro do Buraco do Boi, em Barreto, Niterói, o carnaval no sambódromo. Todas essas obras poderão ser vistas na exposição que se despede do público. E não apenas. Também criou um vasto repertório sobre a vida nas ruas e praças, com jogos e brincadeiras de adultos. Suas modelagens mostram que os moradores das áreas centrais e das periferias fazem das ruas a extensão de suas casas. E nos provoca a pensar: o que se transforma? O que permanece desse ethos, dessa forma de sociabilidade? São marcas importantes, que apresentam diferentes visões da cidade e destacam o perfil social da vida urbana carioca. Também poderá ser vista do artista a instalação “Escola de Samba”, de Adalton, com seus mais de 300 personagens articulados que se movimentam ao ritmo do samba.
Em 1938, nasce Adalton Fernandes Lopes, em Niterói, no Rio de Janeiro. Antes de se dedicar inteiramente aos trabalhos na cerâmica, foi pescador, soldado da Polícia Militar, motorista e funcionário da Companhia Costeira do Ministério dos Transportes. Dotado de rica imaginação, em suas obras evidenciam-se a observação perspicaz do cotidiano e das alegrias da vida mundana. Trabalha com extenso e variado leque temático: da arte erótica à vida de Cristo, passando por vendedores ambulantes, cenas de namoro, casamento e parto. Obcecado pelo desejo de "dar vida" a seus personagens, criou engenhocas imensas, onde centenas de figuras articuladas movimentam-se animadamente. Seus "bonecos" são inconfundíveis e apresentam uma visão especial da vida urbana. Ele faleceu em novembro de 2005.
Zé Caboclo (1921-1973)
Acima, a obra “Bom dia”, que inspirou o escritor e Prêmio Nobel de Literatura José Saramago a escrever o livro “A Caverna”. Neste livro, lançado em 2001, pela Cia das Letras, o argumento central discute a relação entre o mundo artesanal da olaria e suas relações com as questões contemporâneas, sobretudo as questões ligadas aos controles sociais, e ao novo mundo das relações não pessoalizadas.
Em 1921, nasce José Antônio da Silva, no Alto do Moura, PE. Aprende a trabalhar o barro nas brincadeiras infantis, observando a mãe e uma irmã que se dedicavam ao artesanato utilitário. Casou-se com Celestina Rodrigues de Oliveira, com quem teve oito filhos, vindo a constituir uma verdadeira oficina de cerâmica familiar, que deu origem a uma produção rica e diversificada. Conhecido pelo apelido Zé Caboclo, tornou-se um dos mais conceituados artistas de Caruaru. Contribuiu de maneira decisiva, junto com Vitalino e Manuel Eudócio, seu cunhado, para marcar um estilo na arte dos bonecos de barro daquela região. Em parceria com esse último, inovou técnicas e formas, adotando o uso do arame na estrutura das esculturas e a feitura do olho em alto relevo, ao invés de fazê-los furadinhos. São de sua autoria as alegres moringas antropomorfas de grandes dimensões, como "Lampião e Maria Bonita", as esculturas da Virgem Maria e as impactantes figuras do Bumba-meu-boi e do Maracatu. Também criou temas originais, oferecendo uma leitura singela e irônica dos profissionais liberais: dentistas, advogados etc. Na pintura de suas obras, utiliza cores vibrantes e decoração floral. Seus filhos, Antônio, Zé Antônio, Paulo, Horácio, Marliete, Socorro, Carmélia e Helena são artistas reconhecidos. Faleceu precocemente, em 1973, vítima de esquistossomose.
Noemisa Batista (1947)
Embora tivesse fascinação pela escola, pelos rituais festivos ligados ao catolicismo, como o casamento e os batizados, seu contato com a cidade era ocasional. Sua obra fala desse mundo admirado e desejado. E também do dia a dia, com a feitura de pães e bolos, no forno a lenha. Provavelmente foi a primeira artista do Vale do Jequitinhonha a criar com regularidade as noivas no dia de suas bodas. Suas criações, leves, bonitas e ousadas, nos contam sobre a riqueza de seu mundo interior, no qual as fronteiras do vivido são expandidas pelo imaginado.
Noemisa Batista dos Santos nasce nas cercanias de Caraí, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, em 1947. Muito jovem, aprende a modelar o barro com a mãe, que era paneleira. Criou estilo e temática próprios, com cenas de batizado e casamento de impactante beleza. Utilizando apenas a tabatinga branca, obtém efeitos contrastados sobre o tom do barro cozido. Em suas obras, as flores e outros detalhes disputam a atenção do olhar com o tema principal, o que particulariza seu trabalho. Apesar de muito conhecida, reputada como uma das mais criativas artistas de sua região, vive isolada e em condições econômicas difíceis.
Mestre Vitalino (1909-1963)
Vitalino criou uma narrativa visual expressiva sobre a vida no campo e nas vilas do interior pernambucano. Fez esculturas antológicas, que poderão ser vistas no Museu do Pontal como “Casal no boi”, “Noivos a cavalo”, “Caçador de onça”, “Encontro na feira”, entre outras. “Eu, além de analfabeto, criei-me trancado vivo”, contou um dia ao pesquisador René Ribeiro, um de seus mais abalizados biógrafos. Essa difícil realidade, compartilhada com a maioria dos lavradores/artesãos de sua região, não impediu que o trabalho nascido nas cercanias de Caruaru desse origem a um dos maiores polos produtores de artesanato figurativo popular no país, que tem revelado importantes artistas ao longo dos anos.
Em 1909, nasce Vitalino Pereira dos Santos, na pequena vila de Ribeira dos Santos, próximo a Caruaru (PE). Criado em ambiente oleiro, cedo começa a modelar boizinhos, louças em miniatura e outros brinquedos, para serem vendidos na feira local. Dotado de forte senso estético, produz obras que, na maturidade, atraem a atenção de críticos e colecionadores de arte. Em 1947, por iniciativa do pintor Augusto Rodrigues, de quem se torna amigo, tem algumas esculturas expostas no Rio de Janeiro, com sucesso. Esta exposição é hoje considerada um marco na história do interesse pela arte popular, não só por revelar ao grande público a obra de Vitalino, como também por chamar a atenção sobre a existência desse gênero de criação em diferentes regiões do país. É reconhecido como Mestre por sua virtuose e pela liderança que exerceu entre os ceramistas do Alto do Moura. Entre 1960 e a data de sua morte, em 1963, viajou por todo o Brasil, participando de exposições e mostrando sua técnica. Apesar de ter se tornado famoso, faleceu aos 53 anos, muito pobre, vítima de doença contagiosa. Sua memória continuou a ser cultivada depois da morte, não só pelo público em geral como pela família e os amigos, muitos dos quais ajudou a formar.
Vitalino virou lenda e personagem da cultura de massa, numa atualização do interesse que a temática sertaneja despertava no imaginário nacional desde o século XIX. De padre Cícero e Antonio Conselheiro ao fim do cangaço, com a morte de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, em 1938, os símbolos da cultura popular nordestina corriam o país e ganhavam as artes. Em 1953, o filme “O Cangaceiro”, de Lima Barreto, recebeu no Festival de Cannes, na França, o Prêmio Especial do Júri na categoria de melhor filme de aventuras. Até aquele momento, o filme foi a produção nacional de maior sucesso de bilheteria no Brasil e no exterior. Na literatura – que punha em xeque a erudição acadêmica, revelando a sofisticação presente na linguagem popular –, o exemplo paradigmático foi Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa (1956). A temática regional voltou a ter destaque no cinema em 1962, com a vitória em Cannes do filme “O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte.
Manuel Galdino (1929-1996)
Suas criações formam um repertório de obras delirantes e originais, consagrando os monstros autofágicos, e outros personagens de forte conteúdo onírico, como Lampião-Sereia e São Francisco Cangaceiro.
Manuel Galdino de Freitas nasceu em 1929, na cidade pernambucana de São Caetano, próximo ao Alto do Moura. Em 1940, se muda para Caruaru (PE), onde passa a trabalhar em olaria, fazendo telhas e tijolos. Casa-se com Maria Rendeira e tem três filhos. Torna-se funcionário municipal, trabalhando na construção civil. Nas horas vagas, se distrai modelando figuras de barro, entre elas a de Judas, para as brincadeiras de malhação da Semana Santa. Sua trajetória como artista tem início a partir de 1974, quando é destacado pela prefeitura para executar serviços no Alto do Moura, onde faz amigos que o introduzem na arte de "bonecos", principal atividade local. Apaixona-se de tal maneira pela modelagem em cerâmica, que se despede do trabalho público, vende a casa que possuía em Caruaru e se muda com a família, definitivamente, para o Alto do Moura. Tenta vários negócios alternativos, ao mesmo tempo em que se dedica febrilmente à produção de novos bonecos. Logo passa a ser reconhecido como um dos mais fecundos ceramistas do Alto Moura. Manuel Galdino morre no Alto do Moura, em 1996.
Maria Assunção (1940-2002)
Maria Assunção Ribeiro se dedicou à produção de esculturas em barro cru. Em suas obras, a artista criou um universo imagético inédito, documentando a vida cotidiana da população afrodescendente, pretos e pretas que viviam nas roças e pequenas vilas de sua região (Vale do Jequitinhonha, MG). Suas modelagens nos revelam a riqueza da vida cotidiana, com ênfase na em aspectos da vida familiar, a relação com as crianças, o trabalho e a religiosidade. Depois que ela faleceu, o artista João Alves deu continuidade ao seu trabalho e hoje, além dele, outros artesãos também se dedicam à mesma temática.
Maria Assunção Ribeiro nasceu em 08 de agosto de 1940, em Taiobeiras, Minas Gerais. Dedicou-se à produção de esculturas em barro cru, tendo aprendido a trabalhar a argila com a mãe, Anália de Oliveira. Em suas obras criou uma etnografia da vida rural. Suas esculturas de pequenos formatos, nas quais todos os personagens são negros, contemplou as atividades cotidianas: os afazeres domésticos, o trabalho na roça, as atividades espirituais e outras. Por meio do trabalho de outros artesãos em sua região, o estilo que a tornou famosa teve prosseguimento. Faleceu em 2002.
João Alves (1964)
Ceramista, produz peças coloridas, nas quais privilegia a representação do cotidiano de pessoas negras, que vivem no campo.
Em 1964, nasce João Alves na pequena Taiobeiras, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Chama a atenção a sensibilidade com que reconstrói a realidade, traduzida por cenas em que aparecem homens e mulheres flagrados no diaa dia: cuidando dos filhos, em família, no trabalho e na casa.
Celestino (1952)
Cena de forró, em Juazeiro do Norte, Ceará, foi um dos temas tratados nas lives produzidas pelo Museu do Pontal que abordaram o universo cultural e mágico do Cariri. O Cariri é uma região geográfica que, no dizer de Alemberg Quindins, fundador da Fundação Casa Grande, é uma espécie de síntese ou resumo do nordeste. Engloba quatro estados: Ceará, Pernambuco, Piauí e Paraíba.
José Celestino da Silva nasceu em 1952 na cidade de Juazeiro do Norte (CE). Cresceu vendo o trabalho de seu pai e de seu avô na produção de arapucas e apitos de pio. Embora mantivesse contato com a madeira desde a infância, seu primeiro trabalho foi como auxiliar de ourives. Só após sair da ourivesaria iniciou seu aprendizado com madeira produzindo artefatos junto ao avô materno. Mas foi sob a influência de um pernambucano, José Ferreira da Silva, que também trabalhava na oficina de seu avô, que Celestino começou a fabricar apitos em forma de mulheres. A partir desse novo estilo, no qual a figura humana ganha relevância, o artista amplia seu repertório de obras e passa a produzir também santos, mamulengos, cenas de reisado, detalhes das festas e obras de conteúdo social, como greves e reivindicações populares.
Dadinho (1931-2006)
Dadinho, com suas obras de grande porte, “Cidades Tentaculares”, chama a atenção para a arquitetura orgânica, não planejada, que marca a vida no Rio de Janeiro, sobrepondo arranha-céus, ruas e viadutos, com ênfase para o território montanhoso e a ocupação das encostas e morros. Espaços urbanos, que se tornam espaços afetivos e referenciais aos que os habitam ou os visitam. Que dão origem a cartografias marcadas pelas experiências comuns, pelos valores cultivados coletivamente, pelas alegrias vividas, pelas lutas e dificuldades, pelas relações que estabelecem com seus espaços públicos.
Em 1931, nasce Geraldo Marçal dos Reis na cidade de Diamantina, em Minas Gerais. Seus primeiros contatos com a madeira se dão por iniciativa do pai, Pedro, que o introduz no ofício de carpinteiro. Entretanto, a habilidade para a escultura inventiva é descoberta por acaso, ao entalhar pequenas figuras numa casca de laranja que atraiu a atenção de quantos a viram, encontrando inesperado comprador. Extremamente habilidoso, esculpe em pedra-sabão e em cera (ex-voto) antes de iniciar sua trajetória artística, que ganha impulso a partir de 1977, no Rio de Janeiro. Fascinado pelas formas de raízes e troncos, passa a esculpir cidades em conjuntos altamente sofisticados, inspirados em Nova Iguaçu, onde reside, na Baixada Fluminense, zona metropolitana do Rio de Janeiro. Sua criação é impactante e, na Casa do Pontal (RJ) podem ser vistas suas imponentes cidades tentaculares. Faleceu em 2006.
Nino (1920-2002)
Nino faz parte dos grandes escultores cearenses, cujas produções se deram ou se dão estimuladas pela grande circulação de pessoas que participam de romarias e peregrinações a lugares sagrados, como os estabelecidos em Juazeiro do Norte em torno da figura Padre Cícero.
João Cosmo Félix nasce em 1920, em Juazeiro do Norte, interior do estado do Ceará. Antes de talhar figuras em madeira, trabalhou nos engenhos de cana-de-açúcar e foi ferreiro. Voltando-se para o trabalho de escultura, desenvolve estilo original, cujo impacto reside na interpretação personalíssima do cotidiano e do imaginário ligado às festas e mitos populares. Em imburana e timbaúba, inicia-se produzindo brinquedos: macacos com rabo de corda, dos quais passa para a construção de grandes "bonecos", representando figuras humanas ligadas à história do cangaço. Depois passou a abordar temas diversificados, e em suas esculturas, feitas em troncos vigorosos, se destacam como formas recorrentes os animais (pássaros, peixes, cavalos, cabras etc.) assim como personagens e cenas do reisado. Pinta detalhes, ou a peça inteira, utilizando cores contrastantes em tinta a óleo. Faleceu em agosto de 2002.
Luiz Antonio (1935)
Suas obras são facilmente identificadas, pois inventou cenas e tipos até então inexistentes, entre os quais destacam-se: o fotógrafo, eletricistas consertando transformadores, automóveis, trem de ferro, fábrica de telha de canal etc.
Em 1935, nasce Luiz Antônio da Silva no vilarejo Alto do Moura, na cidade pernambucana de Caruaru. Com a mãe louceira, aprende a modelar o barro, mas atribui sua iniciação profissional a Mestre Vitalino, com quem aprimora a técnica. Casa-se com Odete, com quem tem nove filhos. Além de criar tipos regionais, especializou-se na representação de temas urbanos, especialmente ligados ao progresso e ao uso das máquinas.
Material de imprensa realizado por CWeA Comunicação
Museu Casa do Pontal anuncia transferência de seu acervo para a nova sede na Barra da Tijuca
Museu Casa do Pontal, referência em arte popular no país, se prepara para transferir seu acervo para a nova sede, na Barra da Tijuca
Após dez anos de lutas contínuas para manter em segurança suas quase nove mil obras, de 300 artistas populares brasileiros, serão levadas a partir de outubro para o novo espaço as sete mil obras guardadas atualmente na reserva técnica da instituição. As demais duas mil peças, reunidas na exposição permanente na sede histórica do Pontal, no Recreio, poderão ser vistas pelo público, gratuitamente, a partir de 3 de outubro até 8 de novembro, na exposição Até logo, até já, antes de também seguirem para a nova sede.
O Museu Casa do Pontal, referência em arte popular, com o maior acervo deste segmento no país, com cerca de nove mil obras de 300 artistas brasileiros, anuncia a transferência de seu acervo para a nova sede, na Barra da Tijuca. A mudança se dará em dois momentos: em outubro, começarão a seguir para o novo espaço cerca de sete mil obras que estão atualmente na reserva técnica do Museu ou em itinerância fora (SESC Santos). Enquanto isso, o público poderá ver na sede histórica do Pontal, dentro de todos os protocolos exigidos no combate ao Covid-19, as obras reunidas na exposição permanente. Em novembro, seguirão para a nova sede na Barra também essas obras do acervo que ficavam em exposição para o público, com cerca de duas mil peças. Na nova sede, as obras ficarão acondicionadas em um espaço seguro.
A nova sede do Museu Casa do Pontal será inaugurada no segundo trimestre de 2021, com uma grande exposição de longa duração, com os destaques de seu raro acervo. A finalização da obra, bem como todo o processo de mudança do delicado e histórico acervo são possíveis graças aos recursos do BNDES, do Itaú, da Vale e das pessoas que entenderam a importância de preservar este importante patrimônio brasileiro. Em um edifício projetado pelos premiados Arquitetos Associados, responsáveis pelas galerias de Inhotim, em Minas, com paisagismo assinado pelo escritório Burle Marx, a nova sede do Museu Casa do Pontal está localizada em terreno já consolidado, cercado de parques e reservas naturais, como o Bosque da Barra, próximo a três importantes escolas, e vizinho ao condomínio Alphaville, em local acessível, que concentra cerca de um milhão de habitantes.
Distante apenas quatro quilômetros do Barra Shopping e da Cidade das Artes, o novo espaço tem 14 mil metros quadrados de terreno, e 2.600 metros quadrados de área construída. Com brisa constante, e voltado para uma área verde, a nova sede do Museu possui ainda vista privilegiada para a Pedra da Gávea e para um trecho do Gigante Adormecido (o mitológico conjunto de montanhas que se estende por 20 quilômetros, da Barra ao Pão de Açúcar).
“Até chegar neste sonhado momento, já se somam mais de dez anos de lutas contínuas emuitas apreensões, desde que em 2010 o Museu sofreu a primeira das muitas inundações que colocaram em risco seu precioso acervo”, diz Lucas Van de Beuque, diretor-executivo da instituição. Fundado em 1976 pelo artista e colecionador francês Jacques Van de Beuque (1922-2000), o Museu Casa do Pontal até então nunca havia sofrido nenhum alagamento.
RITUAL DE PASSAGEM PARA O FUTURO
Angela Mascelani, diretora-curadora do Museu, comenta que “a sede construída por Jacques e animada por Guy (Van de Beuque) com tantos amigos, foi espaço de lutas, trabalho e de muitas alegrias. Inspirados pelos artistas populares, levaremos para a nova sede a tradição, transformada e viva”. “Estamos dedicando esta reabertura na sede histórica, que durará um mês, aos afetos e aos corações. Aos que aqui se apaixonaram, aos que seguiram as trilhas da cultura popular, aos que dançaram em nossos jardins e terreiros. É o axé das festas, é a energia dos artistas, é a farra das crianças e jovens que levaremos para o novo espaço. Com o principal acervo brasileiro de arte popular a salvo, tempos bons se avizinham! Vemos esta despedida como um ritual de passagem para o futuro. Um futuro que sonhamos: respeitoso ao meio ambiente, solidário e sustentado por muitas mãos!”, destaca.
Lucas Van de Beuque observa que “este é um momento de agradecimento, o que parecia ser o fim, com as constantes inundações, acabou virando uma grande campanha dos apaixonados pela arte e cultura popular do Brasil pela permanência do Museu do Pontal, demonstrando que nós, brasileiros, nos importamos com nosso patrimônio”.“Agora um novo futuro se desenha, e pretendemos antes do fim do ano ter a maior parte do acervojá na nova sede, para que esta e as próximas gerações continuem a ter um espaço importante de valorização da diversidade cultural brasileira”, afirma.
O estabelecimento da nova sede foi fruto de cinco anos de negociações com a Prefeitura. Um estudo realizado pela Coppe/UFRJ determinou como causa das inundações constantes os aterros para a construção de grandes condomínios na região. A Prefeitura reconheceu sua responsabilidade na questão, e cedeu, em 2015, um terreno na Barra da Tijuca por um período de 50 anos renováveis, e garantiu R$ 7,5 milhões – parte dos recursos de R$ 11 milhões necessários para a construção da nova sede – enquanto o Museu do Pontal arcaria com os R$3,5 milhões restantes. A empresa construtora Calper, que estava em dívida com a Prefeitura, seria responsável por destinar para a obra o valor referente à parte da administração municipal.
As obras começaram em junho de 2016 e estavam previstas para terminarem em julho de 2017, mas em maio daquele ano a construtora Calper quebrou o contrato, quando faltava destinar cerca de R$ 2 milhões de sua responsabilidade, e interrompeu o trabalho, sem finalizar a parte já construída, e sem edificar um terço do projeto.
NOVAS ESTRATÉGIAS: FINANCIAMENTO COLETIVO
A paralisação da construção da nova sede interrompeu todos os projetos do Museu. A direção do Museu então reduziu ao mínimo operacional os gastos e a equipe, e para seguir adiante lançou mão da reserva própria de R$1,5 milhão, usada criteriosamente desde 2016 para a manutenção do Museu, em seus constantes alagamentos.
Em abril de 2019, ocorreu a sexta e mais grave inundação, e um grande volume de água barrenta tomou os corredores do Museu, só não pondo fim ao acervo por conta da rapidez de funcionários e ex-funcionários que conseguiram retirar 300 obras que estavam prestes a serem atingidas pelo alagamento. O fato chocou cariocas e amantes do Museu e da arte em geral.
A direção do Museu Casa do Pontal decidiu desenhar novas estratégias, entre elas a de assumir a finalização da obra, lançando a campanha de financiamento coletivo, que criou uma rede de mais de 500 apoiadores e entusiastas.
Depois de quatro meses fechado, o Museu Casa do Pontal realizou no final de julho de 2019um lindo arraial, em agradecimento às pessoas que possibilitaram sua reabertura parcial da sede histórica.
No mês seguinte, a campanha de financiamento coletivo teve como foco os recursos para dar continuidade às obras da nova sede, e deste modo salvar definitivamente o maior acervo de arte popular do Brasil.
Em dezembro de 2019, a campanha já reunia apoio não só de pessoas, que contribuíram com um total de R$ 200 mil, como de empresas como o Itaú, que doou R$ 700 mil, e a Vale, que aportou R$ 800 mil. O Museu também entrou diretamente com R$ 850 mil de outras fontes.
Com esta verba, a direção está finalizando a parte já edificada – 2.600 metros quadrados –com previsão de que em outubro já estejam concluídas as instalações dos telhados, sistema elétrico e hidráulico, de segurança, dados e voz, esquadrias metálicas para portas e janelas, além do piso. Ações essas que já garantem as condições necessárias para levar o acervo para lá em segurança.
Os recursos do BNDES, de R$ 2 milhões, são destinados à transposição do acervo e na elaboração e realização da nova exposição de longa duração do Museu do Pontal, prevista para 2021. Colaboraram para o sucesso de todos estes esforços, as parcerias do IBRAM [Instituto Brasileiro de Museus] e da Secretaria Especial de Cultura.
DEPOIMENTOS
Ao longo de seus 44 anos de história, o Museu coleciona fãs por toda parte. Entre os vários depoimentos que já recebeu, de artistas, pensadores, colecionadores, dirigentes de instituições culturais, empresários, entre outros, estão a seguir alguns trechos desses depoimentos.
Gilberto Gil, compositor – “Todos os que fazem esse trabalho, que participaram dessa história extraordinária, reunida com carinho especial por Jacques van de Beuque e seu filho Guy, produziram ao longo do tempo, camada por camada, essa obra que é um orgulho para o país. A Casa do Pontal é hoje uma realidade que pertence a todos nós e nós todos temos que cuidar dela”.
José Saramago (1922-2010), escritor– “O Brasil deveria considerar este lugar um tesouro, mais importante que o Corcovado ou o Pão de Açúcar. Porque é realmente um assombro. Porque arte popular está em toda parte, o povo está lá, portanto cria, tem sua própria expressão artística. Eu venho aqui há bastantes anos e conheço razoavelmente. Alguns exemplares de arte popular brasileira tenho em minha casa. Mas como se reuniu na Casa do Pontal é inimaginável”.
Marieta Severo, atriz – “Quando fui lá pela primeira vez, não tinha nenhum prédio, nada em volta. Era só a casa original. Sinto uma identificação com esta arte, como se eu fizesse parte disso, com seus personagens. Olho cada rosto e vejo as diferentes expressões: ali tem um ser humano, tem uma pessoa, um personagem vivo que me diz alguma coisa. O Museu traz um painel da vida brasileira, das camadas mais populares. Ali tem tudo: as profissões, as festas, o cotidiano, a história, está tudo ali, está retratado. Sempre me comoveu essa necessidade da beleza, da arte no cotidiano. Então, além do valor estético, além de olhar e falar: "Nossa! Que peça linda", o fato das peças trazerem o cotidiano da vida das pessoas me encanta. O acervo que tem o Museu do Pontal é essa expressão da vida cotidiana ligada ao social, ao que estava acontecendo no momento no país, retratando isso tudo. Jacques van de Beuque foi um dos primeiros a olhar, a enxergar, a valorizar de uma forma sistemática, intensa! Pois foi capaz de ver o que aquilo significava dentro da nossa cultura, o valor artístico daquilo”.
Bia Lessa, diretora teatral – “O que acontece dentro do Museu do Pontal é que é um espaço sagrado; quando você entra é como entrasse numa igreja, no Teatro Municipal. Outro dia eu estava conversando com Paulo Mendes da Rocha, arquiteto que eu amo, e ele falou que a melhor definição para um museu é que ele ‘contém todas aquelas coisas que tinham que ser vistas por todos os homens’. Esta é a melhor definição de um museu, aquilo que tem que ser visto por todos, aquilo tem que fazer parte de nós todos”.
Otto, músico – “Aprendi muito e o mais importante: eu me vi e me identifiquei como brasileiro, como ser humano. Um sonho! Acredito que, das coisas que vi no Rio de Janeiro, uma das mais relevantes é o acervo desse Museu. Que o Museu do Pontal se fortifique e que todos os que têm espaços para opinar, para influir, conceber, saibam que a existência do museu é primordial, é essencial e divina”.
Edgar Morin, filósofo francês – “Estou encantado com a visita a este museu de arte popular, cuja ingenuidade e o refinamento fazem dele um tesouro artístico inestimável. É por isso que desejo que este Museu seja protegido. Soube que ele está ameaçado pela especulação imobiliária, como frequentemente as mais belas coisas são ameaçadas. Penso que é necessário fazer todo esforço para protegê-lo e permitir sua continuação, porque se trata da memória viva da arte popular do povo brasileiro e suas diferentes regiões. Parabéns para esse Museu! Vamos fazer tudo o que for possível para salvá-lo!”
OSGÊMEOS (irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo), artistas – “Aqui é uma escola! Ver as crianças chegando todo dia de ônibus, curtindo, participando, isso não tem preço! Isso é parte da cultura da história da arte do Brasil. Precisa ser preservado. E isso é história do Brasil, é história da arte brasileira, das gerações brasileiras. Tem coisas que se uma criança entrar lá, hoje em dia, não vai entender o que é. ‘Que tipo de câmera aquele bonequinho tá segurando? Eu nunca vi uma câmera dessas. Eu conheço a câmera do iPhone’. Tem até peças que reproduzem só brincadeiras de criança, inclusive brincadeiras que não se veem mais por aí. Cada pecinha, cada escultura que você vê ali... Tudo tem uma energia incrível. Até o fato de uma obra dialogar com a outra, meio assim, sem querer, já é um espanto. Nos chama atenção como vocês acreditaram nesse espaço, nesse Museu, na preservação disso, na continuidade disso. Não é qualquer um que acredita num negócio desse não! Vocês estão brigando com dragões. Isso não é para qualquer um! Reconhecemos o quanto é difícil fazer o que vocês fazem. O quanto é difícil manter isso, defender isso”.
Paulo Barros, carnavalesco – “Tive a felicidade de conhecer o Museu do Pontal através de um enredo que fiz na Unidos da Tijuca em 2012, sobre Luiz Gonzaga. Precisava me inspirar em alguma coisa e já tinha programado até uma viagem para Recife, mas, antes disso, algumas amigas me convenceram a ir ao Museu do Pontal. Chegando lá, tive a surpresa de encontrar aquele universo, de cuja existência não tinha a menor ideia. Ali tinha tudo: e foi o pontapé inicial para a gente falar do enredo, que tratava da cultura popular. Posso dizer que esse enredo nasceu ali, a partir da visita ao Museu, que trazia elementos de estética, de forma, de arte. Eu preciso das imagens para contar uma história. Então a visita ao Museu do Pontal foi exatamente isso; foi a primeira referência que tive do visual da arte popular, para poder falar de um tema que já tinha sido muito batido nas escolas de samba. Com o advento da internet, a gente tem uma proximidade das coisas muito rápida, a internet traz o mundo para a nossa casa. Mas é diferente de você estar de frente às coisas. Então eu acho que a minha obrigação de ter saído de casa para ir ao Museu do Pontal, ela foi extremamente necessária para eu realmente sentir, vivenciar a arte popular de perto”.
Danilo Miranda, diretor do SESC São Paulo– “Abriga-se atrás de uma proposta como essa do Pontal uma perspectiva utópica de uma sociedade melhor, de algo que possa ser mais importante, mais vital, que possa trazer elementos que tornem a sociedade mais capaz, digamos assim, de enfrentar os problemas que tem que enfrentar; de igualdade, respeito, valorização de todos; essa luta pela democratização permanente, essa possibilidade de termos realmente um país melhor para todos”.
João Maurício Pinho, colecionador de arte popular – “A grande qualidade do Pontal é ser um museu extremamente didático. Ele foi concebido para funcionar como uma escola. Não adianta eu chegar em um museu, vir aqui e ficar com a sensação de ‘não entendi nada, mas é bonito...’ Não, ao contrário! Ali é didático, ali é feito para ensinar. Aquilo tudo coloca sua cabeça no lugar. Muita gente não imagina o grau de dificuldade para fazer o museu se manter e funcionar. Parece fácil! O sujeito chega aqui, tá bonito, formidável! Ninguém sabe o que está para trás. O backstage ninguém vê. Eu acho que trabalhar com essas pessoas e situações foi uma sorte na minha vida. Foi o que me deu uma sobrevida. E espero que continue muito tempo!”
George E. M. Kornis, colecionador – “A coleção consolidada transcende a vida do seu criador. Ela torna rara uma coleção de arte transgeracional quando Guy (Van de Beuque) e sua mulher Ângela (Mascelani) assumem-na como projeto de vida. A vida do Guy foi, infelizmente, muito breve. No entanto a sua atuação foi ampla e consistente. Hoje, Ângela e o neto de Jacques, Lucas, conduzem esse percurso e protegem esse legado. Um desafio considerável”.
Emanuel Araújo, diretor do Museu Afro Brasil – “A primeira vez que estive com o Jacques van de Beuque foi em 1976. Ele estava fazendo a cenografia da exposição do Festac na Nigéria, e por conta disso tivemos uma convivência muito próxima”.
Alexandre Pimentel, criador do Museu Vivo do Fandango – “Como dizia Milton Santos, uma globalização que se apresenta como um rolo compressor visa a eliminação da diferença, ou vê a diferença de uma forma conservadora, em vez de a ver como possibilidade de outro mundo possível. Por isso a importância de termos a arte popular como referência, pois ela não perde a capacidade de refletir, de indicar, por meio do olhar de seus artistas, a complexidade da contemporaneidade”.
Paulo Knauss, ex-diretor do Museu Histórico Nacional – “O colecionador não é apenas um apaixonado que junta muita coisa, mas é sobretudo alguém que faz da prática de colecionar um motivo de estudo e pesquisa”.
Cafi (1950-2019), fotógrafo – “Quis fazer um trabalho fotográfico com Vitalino. Falei com um tio, o pintor Augusto Rodrigues (1913-1993), que tinha feito uma matéria com o Vitalino para a revista ‘Cruzeiro’, e ele me disse: ‘Procura o Jacques van de Beuque lá no Rio. Ele é um grande colecionador e pode te orientar’. Fui até o escritório dele na Rua São João Batista, em Botafogo. Ali já vi muita coisa. E, aos poucos, por causa da arte popular, fui ficando amigo do Jacques. Logo depois ele vendeu a casa da São João Batista e comprou a chácara no Pontal. Na época era no fim do mundo... muito longe, mas ir até lá era um passeio maravilhoso. Ele tinha uma relação de total amorosidade com a coleção, de uma total vontade de fazer um museu e saber que isso era a coisa mais importante que podia acontecer no Brasil. Era uma expressão do povo brasileiro. Assim Jacques formou um grande acervo nacional, pois não era uma coleção só de Pernambuco, nem só da Bahia, nem só do Rio de Janeiro. Era o Brasil inteiro”.
Luiza Trajano, empresária – “Imagine ver, em um só lugar, toda a história e desenrolar do Brasil através da arte popular. Mais de oito mil peças apresentadas de uma forma tão didática. É maravilhoso! Tenho falado para todas as pessoas: quero levar meus netos, porque conta a história do Brasil, de tudo o que aconteceu, de todos os segmentos, na área industrial, comercial, diversão... Fiquei muito feliz ao saber da mudança do Pontal para a Barra. Tenho certeza que no novo espaço vai ser possível mostrar essa maravilha toda para muito mais gente, especialmente para as crianças”.
Material de imprensa realizado por CWeA Comunicação
Livros e Arte na CRM, Rio de Janeiro
Mergulho gráfico: exposição reúne trabalhos de nove artistas contemporâneos em diálogo com obras gráficas artesanais de raro preciosismo, na Casa Roberto Marinho
A exposição Livros e Arte, que será inaugurada no dia 3 de outubro de 2020, na Casa Roberto Marinho, reúne 149 trabalhos de nove artistas, no andar superior do instituto. A curadoria de Leonel Kaz parte de livros de artista organizados pela UQ! Editions - parceria editorial entre Kaz e a designer Lucia Bertazzo - em publicações plásticas e/ou conceituais, acerca das obras de Antonio Dias, Ferreira Gullar, Frans Krajcberg, Leo Battistelli, Luiz Zerbini, Paulo Climachauska, Pedro Cabrita Reis, Roberto Magalhães e Wanda Pimentel. A mostra propõe um diálogo entre as obras gráficas e pinturas (sobre diferentes suportes), esculturas, desenhos, monotipias, fotografias, vídeos, instalação e outras linguagens. Sula Danowski assina o projeto cenográfico e o design.
De acordo com o curador, a exposição se desdobra em nove individuais: “Cada sala é consagrada a um artista e os livros exibidos evidenciam o envolvimento físico de todos eles, num processo extremamente artesanal. A mostra revela a reinvenção destes grandes criadores através da arte gráfica. Aliás, esta exposição celebra as mais diversas expressões da arte gráfica no Brasil”, afirma Kaz.
Lucia Bertazzo explica que os projetos da UQ! são adaptações da linguagem de cada artista em formato editorial: “O processo parte sempre de uma conversa, em que nada está pré-estabelecido, e os exemplares resultam dessa concepção parceira. É quase uma forma de pintar livros com os pincéis dos artistas”.
Livro-gaveta, livro-janela, livro-objeto, livro-escultura: os exemplares apresentados na mostra são, em si mesmos, peças de arte. O experimentalismo das publicações revela um percurso de linguagens artísticas muito variado, com técnicas múltiplas de impressão, encadernações artesanais primorosas e materiais que vão do bambu ao aço, passando pela cerâmica e pelo acrílico.
Extraídos da bananeira, vindos da China, de Nova York ou da Guatemala, os papeis são um capítulo à parte, de sofisticada artesania, que exalta a singularidade de cada edição. Os híbridos de livros e obras de arte desafiam a forma e se materializam em versões surpreendentes: são peças únicas, que se aproximam da obra original, com tiragem numerada.
Objetos de experimentação, com poéticas e discursos múltiplos, alguns livros poderão ser manuseados pelos leitores-espectadores em visita à exposição (a Casa Roberto Marinho vai oferecer luvas descartáveis). “Essa arte ao alcance das mãos permitirá ao público uma relação tátil e sensorial”, comenta Leonel.
Diretor da Casa Roberto Marinho, Lauro Cavalcanti observa que o instituto reabre seus espaços com a mostra alicerçada em duas grandes paixões de seu patrono: livros e arte. “Esta relação está no DNA da Casa”, revela.
VISITA GUIADA
Sala Luiz Zerbini
A sala de abertura de Livros e Arte, dedicada a Luiz Zerbini, ocupa o espaço que abrigava a antiga biblioteca de Roberto Marinho. Ao fundo, está o grande painel “Primeira Missa”, pintado em 2014, ladeado por 16 monotipias da série “Minhas Impressões” (56cm x 79cm), que originou o monumental livro de mesmo título. Com capa em bambu e uma profusão de intervenções e colagens manuais, o livro inclui pinturas originais do artista em tinta acrílica sobre papel.
O resultado da estreita colaboração entre o artista, os editores e o impressor João Sanchez, do Estúdio Baren, fez Zerbini mergulhar por cerca de dois anos no universo da arte gráfica. As técnicas vão da gravura em metal, xilogravura e monotipia ao recorte a laser impresso em papel marmorizado, passando pelo au pochoir (folhas pintadas manualmente e coladas no papel). O resultado é uma fusão entre natureza e artes gráficas. A sala inclui as matrizes originais de impressão.
Sala Antonio Dias (1944–2018)
Esta sala sintetiza as diversas faces de Antonio Dias, um artista múltiplo e inquieto: duas pinturas de galáxias, três guaches de sua “fase política” dos anos 1960, uma obra sobre papel do Nepal e um díptico sanguíneo, criado quase ao final de sua vida. É o mesmo artista multifacetado que emerge no vídeo de Antonio Carlos da Fontoura, também em exibição na mostra.
O múltiplo “galáxias” (50cm x 70cm), assinado por Haroldo de Campos e Dias, e idealizado pela dupla ainda nos anos 1970, é tema do livro realizado pela UQ! Editions, a partir de 100 protótipos. Trata-se de um sofisticado estojo em fibra de vidro revestida em tecido pintado pelo artista, contendo dez caixas menores, de onde saem 32 peças gráficas criadas simultaneamente com o famoso poema concretista ‘Galáxias’, escrito por Campos no início dos anos 1970.
A produção do livro envolveu uma série de artesãos que ajudaram a confeccionar os objetos que compõem o múltiplo concebido por Dias, como poemas em leque, jogos de espelho, plásticos com algodão e talco dentro, entre outros.
Sala Ferreira Gullar (1930–2016)
As delicadas peças plásticas de papel feitas pelo poeta Gullar eram por ele chamadas de “relevos”. Elas encenam o momento em que o papel, até então bidimensional, salta no espaço, tornando-se tridimensional. A sala expõe parte dos 60 originais em papel e os 17 relevos a que deram origem, em finíssimas chapas de aço com tinta automotiva, tão finas e bem acabadas que lembram o próprio papel em que foram produzidas.
Cada relevo de “A revelação do avesso - Colagens em relevo de Ferreira Gullar”, da UQ! Editions, vem numa bela caixa de madeira, acompanhado por um livro com as obras interpretadas pelo olhar da fotógrafa Nana Moraes. Uma vitrine exibe os “Poemas Espaciais”, da década de 1960, e, no texto de parede, o poema “Pintura”, presente no livro, sintetiza o ardor com o qual Gullar exprimia sua estética e sua poética.
Sala Pedro Cabrita Reis
Em visita ao ateliê de Pedro Cabrita Reis, numa antiga fábrica no bairro de Marvila, em Lisboa, os editores da UQ! propuseram ao artista português um desafio: interpretar o poema “Cântico Negro” (63 x 50 cm), de José Régio. Exultante, Cabrita aceitou: “Este sou eu; esta é a minha obra”. Artista de gestos grandiloquentes, entregou aos editores a missão de encontrar um papel para obras imensas que coubessem em livro. Um papel produzido a partir de fibra de bambu permitiu que 70 pinturas originais em acetona e pigmentos atingissem 2m de altura. Como o bambu dobra mas não quebra, as pinturas foram dobradas e acomodadas num estojo feito em Paris, pelo Atelier Dreieck, com tecido de linho e algodão em tom laranja (paixão do artista) e, no Rio, pela Palmarium. Ao lado das pinturas no estojo, o poema de Régio surge impresso em tipografia manual por João Sanchez, do Estúdio Baren, com relevo a frio e serigrafia. Nas paredes, há quatro cânticos emoldurados e duas pinturas a óleo sobre tela, características do artista.
Sala Wanda Pimentel (1943–2019)
A sala com obras de Wanda Pimentel foi montada na casa da artista, a partir de sua coleção pessoal. As telas foram colocadas lado a lado por ela mesma, poucos meses antes de partir. A ideia era recriar, na exposição, o ambiente de suas pinturas, borrando as fronteiras entre o espaço dentro e fora dos quadros.
Quatro esculturas da série Bueiros, de 1970, ocupam o centro da sala. Nas paredes, 17 trabalhos da série Envolvimento se relacionam com uma pintura da série Portas (1978). Bem em frente, outro conjunto, também da série Bueiros, forma um imenso painel dos chamados “anos de chumbo”.
Wanda realizou os nanquins da celebrada série Envolvimento na década de 1960, ano em que despontou na Nova Figuração brasileira. São desenhos que retratam ambientes domésticos, em estilo pop, com fragmentos de pernas e braços que nos sugerem a intimidade do corpo feminino com as coisas ao seu redor. Paredes, janelas, móveis e os objetos industriais que se tornaram parte desse idílio particular, indicam o aprofundamento da sociedade de consumo nos anos 1960: maços de cigarro, copos, chaleiras, chinelos, ventiladores… quase podemos ouvir o som da vitrola tocando.
Cada livro-objeto da UQ! traz um desenho desta série impresso sobre tela, com uma intervenção única realizada pela artista, em tinta acrílica colorida. O livro “Coleção Wanda Pimentel” (60m x 68cm) vem em caixa de acrílico que pode ser pendurada na parede, como um quadro. Abre-se a caixa como se abre uma janela…
Sala Frans Krajcberg (1921–2017)
Além de esculturas, a sala consagrada a Frans Krajcberg exibe obras que atestam a variedade de suas intervenções. Pinturas a óleo dos anos 1950 dialogam com a série Ibiza e seus magníficos papéis japoneses entrecortados. Uma “pintura” realizada com pedras de Minas Gerais ressalta a convivência do artista entre a tridimensionalidade da escultura e o universo plano de uma pintura, sempre plena de relevos. A mostra expõe também um raro conjunto de 12 fotos coloridas, feitas pelo artista em seus últimos anos de vida. As mesmas fotos estão no livro “Outra Natureza” (50cm x 60 cm), da UQ!, apresentado em caixa de bambu que tem a função de moldura ou estojo, cada uma trazendo uma foto diferente. Além das imagens feitas por Krajcberg, há outras seis que o fotógrafo Walter Carvalho fez do artista, nos anos 1980. Nelas, Frans aparece pleno de vitalidade, correndo com seus cães nas areias de Nova Viçosa, sul da Bahia, onde vivia recluso, próximo daquilo que mais amava: a natureza. O conjunto se completa com a foto feita por Nana Moraes, na qual Krajcberg surge assinando um exemplar do livro (as fotos emolduradas são assinadas com seu FK a fogo).
Sala Leo Battistelli
Um fio de contas desce do teto até quase tocar o chão, como uma chuva. Formas maiores e menores de cerâmica esmaltada, lembrando plantas de barro com gotículas de água, esparramam-se pelas paredes como se tivessem sido arremessadas nelas, respingando no espaço ao redor. O arranjo é orgânico e as cores são vivas, brilhando pela luz refletida que atravessa o esmalte. Mesmo estáticas, as peças nos transmitem a impressão de movimento e elasticidade. São tão visuais quanto táteis. Parecem úmidas e viscosas, estão grudadas na parede da mesma forma que as rãs grudam nas folhas. Assim é o site specific criado pelo ceramista e escultor argentino Leo Battistelli, para a exposição Livros e Arte.
“As esferas da percepção” (50 x 70 cm), editado pela UQ, é composto de uma base de acrílico que sustenta esferas em cerâmica colorida. Cada objeto é parte da estrutura molecular de plantas alucinógenas que, segundo o artista, expõem a similitude de estruturas químicas de plantas e humanos. Indo além, Battistelli imaginou, baseando-se no espectro de luz, quais seriam as cores de cada átomo — algo que nem os cientistas sabem. Completa o conjunto um livro com fotos de Nana Moraes e um fragmento de texto do físico Marcelo Gleiser.
Sala Roberto Magalhães
É preciso ativar a imaginação para ouvir o que as cabeças retratadas por Roberto Magalhães, nas mais diversas técnicas (guache, aquarela, grafite, lápis de cor, aguada de nanquim, ecoline ou pastel oleoso), têm a nos dizer. A sala reúne 34 trabalhos do artista carioca que, em março, completou 80 anos.
A edição da UQ! foi concebida com base em alguns desenhos. Para contemplar o universo de Magalhães foram criados objetos lúdicos e manipuláveis, como um convite à curiosidade: caixas de acrílico colorido que se abrem como gavetas e remetem a pinturas de Mondrian, em seu design geométrico. Em cada moldura de “Sem pé nem cabeça” (50cm x 70cm), um original e dois estojos: um deles abriga o livro; o outro, um “pergaminho” místico, escrito numa língua inventada pelo artista, sublinhando a proximidade de Roberto Magalhães com o esoterismo. Não há uma moldura igual à outra na combinação de cores. A sala se completa com uma vitrine que exibe os manuscritos imaginosos do artista e, ainda, um vídeo de Antonio Carlos da Fontoura.
Sala Paulo Climachauska
Encerrando o percurso, a sala do paulistano exibe o conjunto de objetos que saíram do livro “Galpão Gaveta” (40cm x 50cm), realizado por Climachauska e pela UQ!, com a colaboração de Anastacia Hatziefstratiou. São esculturas e pinturas em pequeno formato, fac-símiles, rascunhos gráficos, gravuras e desenhos de galpões em perspectiva. Todos os objetos são ligados por um fio comum, em que a ideia do “galpão”, que dá nome à peça, remete ao mundo da fábrica, da produção e da mercadoria.
O livro foi criado a partir de uma caixa laranja em aço inox, que o artista decidiu habitar com “uma compilação de trabalhos ligados ao universo da economia”, em suas palavras. As perspectivas maiores baseiam-se na série de desenhos feitos sobre galpões industriais de estocagem e na ideia de construção por subtração. Já as pinturas coloridas (cada livro-galpão inclui uma) são baseadas em gráficos econômicos. Completa o conjunto o ‘Livro de Areia’, revestido em tecido, com rascunhos gráficos do artista, que tem a obra do argentino Jorge Luis Borges como fonte de inspiração; e o ‘Livro dos espelhos’, que se entreabre num firmamento de números, com espelhos evocando a ideia da multiplicação vertiginosa das coisas e revelando o fascínio de Climachauska pelas relações entre arte, economia e sociedade. Na sala, há também pinturas, um vídeo do próprio artista e uma escultura: um ovo em mármore.
VISITAÇÃO
Link para ingressos (o agendamento prévio é obrigatório): www.casarobertomarinho.org.br
Visitação: terça a domingo, das 12h às 18h (entrada até às 17h15)
(Aos sábados, domingos e feriados, a Casa Roberto Marinho abre a área verde e a cafeteria a partir das 9h.)
Ingressos: R$ 10 (inteira) / R$ 5 (meia entrada)
Às quartas-feiras, a entrada é franca.
Aos domingos, “ingresso família” a R$ 10 para grupos de quatro pessoas. A CRM respeita todas as gratuidades previstas por lei.
Material de imprensa realizado por Mônica Villela Companhia de Imprensa
Carlos Vergara, Luiz Aquila e Roberto Magalhães na CRM, Rio de Janeiro
Com curadoria de Lauro Cavalcanti, mostra reúne obras produzidas por Carlos Vergara, Luiz Aquila e Roberto Magalhães durante a quarentena
No dia 3 de outubro de 2020, sábado, a partir do meio-dia, a Casa Roberto Marinho vai inaugurar a exposição “Enquanto”, que reúne a produção inédita de três artistas consagrados realizada durante o período de quarentena: Carlos Vergara, Luiz Aquila e Roberto Magalhães. Com curadoria de Lauro Cavalcanti, a mostra exibirá 50 obras de vertentes variadas (pintura, desenho, fotografia, colagem e livro) no térreo do instituto.
O espaço expositivo inclui vídeos curtos, editados pela equipe da Casa, acerca da produção de cada artista e do dia a dia no ateliê, durante o isolamento social. As imagens surgem da série “Conversas da Casa”, um acervo de 27 entrevistas com artistas, críticos, curadores, galeristas e historiadores realizadas por Lauro Cavalcanti. O conjunto de depoimentos de nomes como Beatriz Milhazes, Angelo Venosa, Anna Bella Geiger, Regina Silveira, Paulo Sergio Duarte e Felipe Chaimovich, entre outros, integra o catálogo da “Enquanto”. A mostra oferece um espaço interativo dedicado a estas entrevistas, com tecnologia QR Code (o conteúdo também pode ser acessado através do site do instituto).
Cavalcanti comenta que organizar um acervo de entrevistas esteve sempre entre os projetos da Casa Roberto Marinho: “A memória oral constitui um precioso documento que revela trajetórias e afinidades entre artistas. Esses relatos, colhidos entre março e junho de 2020, permitem-nos entrever o processo criativo de cada um que, de outro modo, teriam sido deixados no abrigo dos ateliês. Inevitavelmente, em algum ponto das conversas, surgia o assunto da tragédia pandêmica. Os depoimentos registram essa época ainda vivida, infelizmente, e mostram como a arte nos ajuda a sobreviver melhor”.
“Enquanto” celebra a reabertura da Casa, ocorrida no último dia 5 de setembro, após cinco meses de fechamento em decorrência da pandemia de Covid-19. Este período inicial de retomada das atividades serviu como um teste do protocolo sanitário adotado pelo instituto. Aprovados por funcionários e visitantes, os procedimentos incluem uso obrigatório de máscara, totens de álcool 70%, distanciamento orientado e acesso restrito de público à área expositiva.
De acordo com as Regras de Ouro da Prefeitura do Rio, a bilheteria do instituto segue fechada. Para visitá-lo é necessário fazer o agendamento on-line através do site (http://www.casarobertomarinho.org.br).
Carlos Vergara - Prospectiva e Quarentena
Viajante convicto, Vergara busca mundo afora vestígios de diferentes tempos e espaços. Em 2019, visitou a gruta mística de Sainte-Baume, no sul da França, onde morreu Maria Madalena, a apóstola de Cristo. Diante da recente impossibilidade de sair de casa, o artista gaúcho conta que cumpre serenamente a quarentena, mas tem roteiros na gaveta à espera de serem percorridos: “Quero visitar o Oráculo de Delfos, na Grécia”.
Durante o período de isolamento, Vergara montou um pequeno ateliê em seu quarto onde criou a série Quarentena, presente na mostra “Enquanto”. São envelopes com colagens, aquarelas e desenhos iniciados por ele, que convida outros artistas a completarem a obra: “Foi a forma poética que encontrei de conversar à distância com amigos, estabelecendo um contato produtivo”, comenta. Entre os convidados estão Adriana Varejão, Waltercio Caldas, Iole de Freitas, Leda Catunda, Jose Bechara, Raul Mourão, Daisy Xavier, Barrão, Jac Leirner, Cabelo e Jose Resende.
Também integram a exposição as monotipias e pinturas da série Prospectiva (que teve início em 2019), criadas esse ano, a partir de pigmentos naturais trazidos de lugares tão díspares, que vão de Minas Gerais à Turquia. “Uso um pigmento púrpura vindo do Marrocos, extraído de um caramujo, muito usado no século XVII para tingir as roupas dos nobres”, revela. As obras, de notável força plástica, registram o entorno do ateliê em Santa Teresa, que o artista segue frequentando três vezes por semana.
Luiz Aquila – Pasteis, trabalhos sobre tela e sanfona
Aquila conta que não alterou tanto a rotina: seu ateliê fica em casa, no centro histórico de Petrópolis, com todos os materiais ao alcance das mãos. Passado o choque inicial da pandemia, o artista tirou partido do ócio propiciado pela quarentena e, sem as dispersões de um cotidiano externo, tornou-se mais concentrado. “Diante do limite psicológico imposto pelo isolamento, senti vontade de hibernar. Experimentei um tempo mais lento, mas logo depois comecei a desenhar e segui bastante produtivo”, relata.
Foi um incidente cotidiano, durante um café da manhã, que imprimiu ritmo à quarentena do artista. Sua caneca preferida – “muito bonita, meio bojuda e maternal” – quebrou. Num gesto de lamento, Aquila pôs-se a olhá-la e viu beleza nos cacos de cerâmica. Reuniu todos sobre um papel, jogou café por cima, fotografou e imprimiu. A experimentação resultou em 16 trabalhos interferidos com pastel colorido. “Terminando essa série, que funcionou como um aquecimento pra mim, voltei a pintar sobre telas grandes”, comenta.
A curadoria reúne também três pinturas, pasteis com colagens, desenhos sobre páginas do livro Luiz Aquila: Quase Tudo - A Never Ending Tour e um curioso caderno sanfonado com pastel, bico de pena e colagem. “Apesar da tragédia sanitária e política que vivemos, consegui estabelecer um ambiente muito favorável à criação e a imaginação voou alto”, conclui o artista carioca.
Roberto Magalhães – Guaches e universo onírico
Roberto Magalhães, pioneiro da Nova Figuração brasileira, celebrou seus 80 anos no último dia 29 de março, início do período de quarentena no país. Em Visconde de Mauá, onde vive e trabalha, o artista realizou uma série inédita de guaches que exploram elementos emblemáticos de sua obra, atravessada pelo humor, com aproximações surrealistas.
Vê-se que o mergulho propiciado pelo período de isolamento acentuou as pesquisas de cor e forma, reforçando o imaginário deste artista carioca habituado a friccionar os limites da razão. O universo onírico, o despojamento infantil e o realismo fantástico, marcas da poética de Magalhães, estão presentes em trabalhos como ‘Formas Flutuantes’ e ‘Sonho’. Além de 13 guaches, a mostra “Enquanto” inclui o desenho a nanquim ‘Introspecção na Quarentena’.
Lauro Cavalcanti comenta que selecionou os três grandes artistas “como exemplos da transcendência, da necessidade básica e importância da arte para nos ajudar a entender e superar tempos tão difíceis”. E completa: “A leitura, o fazer artístico e a solidariedade reencontram-se mais fortes nesta mostra de reabertura da Casa Roberto Marinho”.
VISITAÇÃO
Link para ingressos (o agendamento prévio é obrigatório): www.casarobertomarinho.org.br
Visitação: terça a domingo, das 12h às 18h (entrada até às 17h15)
(Aos sábados, domingos e feriados, a Casa Roberto Marinho abre a área verde e a cafeteria a partir das 9h.)
Ingressos: R$ 10 (inteira) / R$ 5 (meia entrada)
Às quartas-feiras, a entrada é franca.
Aos domingos, “ingresso família” a R$ 10 para grupos de quatro pessoas. A CRM respeita todas as gratuidades previstas por lei.
Material de imprensa realizado por Mônica Villela Companhia de Imprensa
