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setembro 15, 2016

Rochelle Costi por Bernardo Mosqueira

Rochelle Costi

BERNARDO MOSQUEIRA

Rochelle Costi - Contabilidade, Anita Schwartz Galeria de Arte, Rio de Janeiro, RJ - 22/09/2016 a 03/12/2016


(ao meu amor)

A produção da artista gaúcha Rochelle Costi teve início em meados dos anos 1980 e, desde então, a artista vem produzindo fotografias, vídeos, objetos e instalações que normalmente integram séries para as quais Rochelle se dedica de forma plena e intensa. Mesmo que grande parte de sua obra pertença ao campo da fotografia e que sua produção demonstre interesse sobre as questões da memória, seu trabalho está longe de se restringir à relação com fotografias de arquivo.

Apesar de ter participado de diversas mostras importantes como o Panorama da Arte Brasileira (1995), VI e VII Bienal de Havana (1997, 2000), II Bienal de Fotografia de Tókio (1997), XXIV e XIX Bienal de São Paulo (1998 e 2010), II Bienal do Mercosul (1999), Bienal de Pontevedra (2000) e Bienal de Cuenca (2009), e mesmo tendo realizado grandes individuais entre dezenas de outras exposições, Rochelle participou relativamente de poucas exposições no Rio de Janeiro.

Na exposição “Contabilidade”, sua primeira individual na Anita Schwartz Galeria de Arte, Rochelle Costi optou por retomar a instalação homônima elaborada no início de 2016 para a 20ª Bienal de Arte Paiz, na Cidade de Guatemala, além de reunir um conjunto de trabalhos inéditos formado por um tríptico fotográfico, um vídeo, um GIF e uma instalação de parede formada por mais de 200 corações de diversos materiais e origens, coletados pela artista nos últimos 23 anos.

De algum modo, a forma como Rochelle desenvolve seu trabalho está ligada a como uma criança se relaciona com objetos encontrados. Por constantemente construir e reconstruir uma ética própria, e por ser uma forma de relação encantada e mágica com a realidade, o brincar da criança é o experimentar de entendimentos sobre o mundo e está relacionado com a descoberta de como se construir e se expressar dentro dele. O brincar é uma importante via de subjetivação e de experimentação da ética, da liberdade e da construção de si em relação ao outro e ao entorno.

Os próprios temas de infância e identidade são recorrentes no trabalho de Rochelle. Na obra “Intimidades”, de 1984, a artista reuniu suas primeiras coleções da infância feitas de caquinhos e fitas numa caixa de madeira e vidro, dentro da qual podemos ver também a fotografia de duas meninas. Talhadas de forma amadora na madeira vemos a palavra “intimidades” e a expressão “a vesga sou eu”. Costi, aos dois anos de idade, acordou repentinamente estrábica, e os exercícios ópticos para corrigir o estrabismo são parte importante das memórias de seus primeiros anos. A relação com a imagem através daqueles aparelhos oftalmológicos, constituinte de seu interesse pelos exercícios do olhar, se transformou na relação com o mundo através do mecanismo da câmera.

Certamente, o tempo passa para os objetos e para as pessoas, sempre de maneiras distintas. A obra “Intimidades” continua dizendo “eu sou a vesga”, mesmo que a Rochelle de hoje possa não ser aquela menina estrábica. Os indivíduos envelhecem, e suas aparências e identidades se transformam. O vídeo inédito presente na exposição, intitulado “Dezesseis”, também trata de identidade, representação, infância e transformação: é uma animação a partir de centenas de fotos, que mostra o crescimento de Lola, filha de Rochelle, que completou 16 anos neste ano. Se na série “Contabilidade” as fotografias mostram a numeração sequencial de objetos no espaço, o vídeo “Dezesseis” conta o tempo, evidenciado no acompanhamento do crescimento da criança.

Ao investigar seu trabalho desenvolvido durante as últimas três décadas e meia, é possível perceber a constância de um interesse pelo ambiente doméstico, pela intimidade, pelas pequenas narrativas e pelas situações e objetos do cotidiano. A obra de Rochelle Costi nos aponta maneiras alternativas de perceber a realidade: opera transformações em nossas capacidades de atenção e interpretação com uma afirmação irrefutável: a banalidade não existe.

Numa sociedade em que as relações ainda estão cada vez mais costuradas pelas lógicas do mercado e do capital, aquilo que não aparenta ser útil e eficaz é comumente entendido como desinteressante, se torna invisível. A percepção, mais do que uma forma de receber a realidade, é uma atividade de criação do mundo e das formas que escolhemos para estar nele. O trabalho de Rochelle nos oferece a capacidade de nos relacionarmos com o mundo de uma maneira mais poética, encontrando ou construindo rimas e dissonâncias.

Tudo o que o humano produz se origina de necessidades básicas (alimentar-se, abrigar-se, relacionar-se, compreender-se etc.) e é criado a partir de uma configuração específica de habilidades e possibilidades. Isso, que é entendido por Técnica, acontece sempre dentro do que chamamos de Cultura. Nos trabalhos de Rochelle vemos um fascínio por aquilo que escolhemos para nos cercar, e é a partir desses fragmentos materiais do mundo, ou da cultura, que Rochelle complexifica leituras e investiga o humano. Não apenas os objetos que guardamos ou descartamos, mas também as fotografias de arquivo ou encontradas, quando usadas, inspiram interesse em Rochelle dessa mesma maneira. E é por isso que algumas vezes seus trabalhos podem ser vistos através de um prisma antropológico ou sociológico.

A instalação “Contabilidade”, que é composta por um vídeo, cinco fotografias em grande formato e dezenas de bolas de borracha feitas artesanalmente, nasce exatamente da fascinação da artista pela cultura popular. Nesse caso, a instalação foi desenvolvida a partir de uma vivência na Cidade de Guatemala para a 20ª Bienal de Arte Paiz. Nos trabalhos de Rochelle podemos perceber um interesse recorrente sobre a diversidade das “formas de mostrar” da cultura popular. Muitas vezes, suas obras são a transposição para o contexto institucional da arte contemporânea das soluções expositivas do repertório popular. No caso de “Contabilidade”, não apenas a diversidade dos objetos da cultura tradicional local pode estar fadada ao fim ou à adequação ao gosto dos turistas consumidores diante da globalização, mas também a forma singular de expor os objetos pode ser transfigurada. Mais uma vez, está presente a pesquisa da artista sobre a relação entre a representação e a ação do tempo sobre as identidades, mas essa série de fotos nos faz lembrar, também, que o trabalho de Costi é muito ligado ao interesse na experimentação das formas de expor e de ocupar o espaço.

Em momentos do passado, a artista fotografou quartos de dormir de pessoas de São Paulo, registrou pratos de comida de indivíduos de origens diversas, retratou imóveis cujas portas e/ou janelas haviam sido muradas, espalhou variadas casas de cachorro pelas ruas do México, criou toalhas de mesa impressas com imagens de cinzeiros sujos, plantas mortas, frutas podres e pés de galinhas, fotografou objetos no interior de uma casinha de bonecas, organizou peças esquecidas dentro de um antigo hospital e registrou os encontros incomuns entre objetos e plantas encontrados pelos caminhos e cantos da cidade. Em todas essas séries, são as rimas e dissonâncias, diferenças e semelhanças entre cada um dos trabalhos, que tornam sensível o invisível; são obras que nos apontam para o que está além das bordas do trabalho. A representação é necessariamente uma não-presença, e o fato de o homem estar quase sempre obscenamente ausente das fotografias de Rochelle acaba por evidenciá-lo como o principal, (quase sempre) oculto e incontornável objeto de investigação da artista.

O interesse de Rochelle Costi pelo humano, e por aquilo que ele escolhe para lhe cercar, se manifesta não apenas nos resultados de seus trabalhos, mas, também, na importância do colecionismo para a dinâmica de seu processo criativo. A artista, desde a infância, coleta objetos do mundo, organizados em conjuntos definidos por complexidades das mais variadas, e permite que eles a cerquem até o dia em que se transformam em outras coisas, outros grupos, ou em trabalhos. Foi assim que nasceu a coleção de corações presente na exposição “Contabilidade”, nomeada “Coleção de artista”, em construção há mais de 23 anos. Há algo muito singular sobre este trabalho: o coração, que todo humano carrega dentro de si, é provavelmente o símbolo mais prolífica e diversamente representado. A força dessa coleção está no fato de que, ao mesmo tempo em que cada um deles pode representar a unidade humana, pode representar também aquilo que nos une uns aos outros.

O colecionar se relaciona com a ação de contar, procedimento principal da maior parte dos trabalhos dessa mostra, mas também com a forma pela qual Rochelle organiza suas séries. As fotografias em “Contabilidade” apresentam elementos organizados em um mesmo conjunto e que, por isso, apresentam uma mesma semelhança-critério e algumas diferenças. É dessa mesma forma, por exemplo, que foi organizada a série de fotos “Quartos”, que Rochelle apresentou na Bienal de São Paulo, em 1998, a Bienal da Antropofagia: um conjunto de fotografias que tinham em comum o fato de retratarem quartos de dormir na cidade de São Paulo (semelhança-critério), mas de pessoas completamente diversas (diferenças).

Manipulando e/ou assinalando frações da cultura com a intenção de compartilhar sua forma de percepção, Rochelle parece lutar contra o desencanto do mundo e querer alterar a durabilidade de suas experiências de percepção poética. Há, no interesse de Costi pelos fragmentos do mundo, um certo elogio à diversidade e uma angústia pela manutenção da coexistência com o diverso. Rochelle Costi, inconformada, parece entender que tudo pode se transformar, mas nada precisa acabar.

Bernardo Mosqueira, setembro 2016.

Posted by Patricia Canetti at 1:36 PM