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janeiro 29, 2014

Arroz sem Sal por Kiki Mazzucchelli

Arroz sem Sal

KIKI MAZZUCCHELLI

11ª Exposição de Verão: Arroz sem Sal, Galeria Silvia Cintra + Box 4, Rio de Janeiro, RJ - 28/01/2014 a 28/02/2014

No capítulo Cidades e Campos de Tristes Trópicos, Claude Lévi-Strauss descreve o processo de ocupação das regiões Norte e Oeste do estado de São Paulo. Precariamente povoado no início do século XVIII, esse território passou a atrair um maior número de colonos apenas na virada do século, com o declínio da produção do café nas terras exauridas na fronteira com o estado do Rio de Janeiro e a construção das novas estradas de ferro que penetravam a zona central do estado paulista. Assim, as aglomerações que iam se estabelecendo na medida em que avançava a nova franja pioneira passavam a ser batizadas segundo alguns critérios específicos.

No caso das estações de trem, que eram instaladas arbitrariamente a distância regular, por exemplo, foi utilizada uma ordem alfabética: Adamantina, Gália, Marília, e assim por diante. Quando os fazendeiros decidiam entregar suas terras a uma paróquia, eram criados patrimônios sob a proteção de um santo; enquanto os que mantinham um caráter laico eram algumas vezes batizados com o nome de seus proprietários (Paulópolis, Orlândia) ou, por cálculo político, escolhia-se o nome de um personagem histórico (Presidente Prudente, Cornélio Procópio, Epitácio Pessoa). Lévi-Strauss observa como a designação dessas aglomerações é reveladora de seus curtos ciclos de transformação, sendo que muitas delas mudavam de nome na medida em que sofriam mudanças estruturais.

A relação mais explícita entre a denominação de determinado local e suas características pode ser observada sobretudo nos primórdios de seu processo de ocupação:

“No início, simples localidade identificada por sua alcunha, seja por causa de uma pequena plantação no meio do mato – Batatais -, seja em razão de uma carência de combustível para aquecer a marmita num local ermo – Feijão Cru -, seja, enfim, porque faltam provisões quando se chega a uma paragem distante, que passa a ser Arroz sem Sal.”

Assim, os nomes das localidades mais próximas aos centros reflete um maior entusiasmo em relação a seu potencial, exaltando a fertilidade de suas terras, sua beleza natural, ou a abundância de sua natureza e, de certa forma, lhes projetando um futuro próspero. Contudo, na medida em que o deslocamento geográfico cresce, os espíritos arrefecidos dos pioneiros, já cansados e famintos, conseguem pensar apenas em suas necessidades imediatas.

A exposição Arroz sem Sal toma a narrativa de Lévi-Strauss como ponto de partida para pensar a passagem do registro do desejo, entendido como uma pulsão que inclui aspirações e ideais para além da mera sobrevivência, para o registro da necessidade. No caso dos colonizadores do interior paulista essa passagem se dá em virtude de um deslocamento geográfico. Aqui, o foco é o deslocamento temporal que separa o momento de reorganização da ordem mundial epitomado pela queda do Muro de Berlim em 1989, com o estabelecimento do capitalismo neoliberal em escala global, e a situação atual de perda dos valores humanistas representados pela crescente erosão do estado do bem estar social. Ao mesmo tempo em que as velhas nações do capitalismo avançado eliminam gradualmente os benefícios sociais em prol da liberdade de mercado e do consumo de uma diversidade cada vez maior de bens a preços irrisórios, a China – onde o arroz de todo dia é o arroz sem sal - se afirma como a grande potência econômica contemporânea.

O conjunto de obras reunidas nesta exposição não pretende ilustrar a proposta curatorial, estabelecendo cruzamentos e diálogos tanto com a narrativa de Lévi-Strauss quanto com os comportamentos e a cultura material da sociedade de consumo no século 21. Manuela Ribadeneira e Mayana Redin apresentam trabalhos que se aproximam do texto do etnólogo francês ao se referirem, respectivamente, a ideia de conquista ou a designação dos territórios. As peças de Ribadeneira integram a série Objetos de certeza, objetos de dúvida (2013), esculturas em pequeno formato nas quais reproduz aproximadamente alguns instrumentos de navegação utilizados pelos colonizadores das Américas a partir do século XVI. Segundo a artista, esses instrumentos científicos foram desenvolvidos para responder às seguintes perguntas: “Onde estou? Para onde vou? Como posso retornar a meu ponto de origem?”. Destituídas da função primeira desses instrumentos, as esculturas de Ribadaneira conferem um sentido metafísico a essas perguntas, inquirindo sobre a realidade presente e seus possíveis caminhos futuros. Por sua vez, os desenhos da série Geografia de Encontros (2009-2013), de Mayana Redin, criam sobreposições entre dois territórios distintos, formando cartografias fictícias. No caso dos trabalhos apresentados em Arroz sem Sal, essas aproximações são ora de ordem semântica – Ilha da Decepção encontra Ilhas Desolação, Ilha do Príncipe encontra Ilha do Governador -, ora de ordem política – as fronteiras geométricas de Novo México encontra Al Kufrah, ou o passado colonial do país em Foz do Rio Tejo encontra Foz do Rio Amazonas.

Este último estabelece um diálogo com a obra Rio de Janeiro Noturno (2013), de Laércio Redondo, desdobramento da discussão acerca da persistência das relações coloniais na sociedade brasileira contemporânea que o artista explorou em sua exposição individual na Casa França Brasil no ano passado. O painel de grandes dimensões reproduz um panorama da Baía de Guanabara executado por Debret em seu Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834-1839), sendo que a imagem é inteiramente coberta por uma camada de pigmento vermelho. É certo que o Brasil jamais gozou da efetivação plena de um estado do bem estar social, mas a estabilidade econômica conquistada na última década reacendeu – principalmente entre a imprensa internacional – a crença de que chegaria a ser o “país do futuro”. Em meio à euforia que antecede os grandes eventos internacionais sediados pela cidade e as polêmicas medidas tomadas pelo governo para “limpar” áreas indesejadas, Laércio nos oferece a paisagem contemporânea de uma violência histórica que se manifesta ainda nos dias de hoje.

Outro paralelo histórico pode ser encontrado - desta vez de ordem distinta e maneira mais transversal - no trabalho de Pia Camil. Espectacular Telón (2013), igualmente uma obra de grandes proporções, oscila entre o estatuto de objeto utilitário e pintura: uma grande cortina elegantemente decorada com padrões abstratos geométricos coloridos. No contexto da narrativa da arte ocidental, a grande corrente moderna do abstracionismo geométrico está ligada a ideais utópicos que libertariam o espectador da ilusão da representação figurativa e aproximariam arte e vida. Essa vertente que floresceu com vigor no país a partir da década de 1950, e que produziu desdobramentos radicalmente inovadores na obra de alguns artistas associados ao Neoconcretismo carioca- os quais seriam os primeiros artistas brasileiros a serem incorporados na historiografia da arte contemporânea hegemônica -, ficaria portanto associada a um período de otimismo e crescimento econômico. Espectacular Telón absorve o legado abstrato-geométrico como estilo, parte como homenagem, parte como comentário sobre sua transformação em bem de consumo valioso no contexto de um mercado superaquecido.

Desde meados do século passado, podemos dizer que a indústria não se limita à atividade manufatureira. Pelo contrário, cada vez mais uma grande parte de sua energia e recursos são empregados na criação e no desenvolvimento de uma determinada imagem para os produtos, especificamente desenhados para atender aos desejos e aspirações de determinados nichos da sociedade. A extraordinária variedade de formas e cores das mercadorias oferecidas pela indústria contemporânea é a matéria prima do trabalho de Samara Scott. Em suas esculturas, pinturas e objetos, a artista emprega materiais comprados em supermercados ou lojas populares. Sua paleta de cores inclui os azuis cintilantes das pastas de dente, os rosas perolados dos amaciantes de roupa, ou os pratas metálicos das sombras de olhos. Seu interesse reside sobretudo nos processos “criativos” de decisão envolvidos no design desses objetos, o modo como filtram e incorporam referências originariamente artísticas, transformando-as em verdadeiras tendências populares.

Alexandre da Cunha, artista conhecido por sua obra tridimensional, apresenta aqui duas fotografias inéditas de uma série realizada durante uma residência artística na China, em 2012. Na nação do arroz sem sal da superprodução industrial contemporânea, cujo baixo custo depende de condições de trabalho exploratórias, Alexandre observou um curioso fenômeno: em algum momento do dia, onde quer que estejam, os trabalhadores simplesmente se debruçam sobre os balcões das lojas ou em assentos disponíveis para ganhar alguns minutos de sono. Os registros desses momentos peculiares em que os indivíduos sucumbem à exaustão são particularmente pungentes devido ao contexto em que estão inseridos e à abundância excessiva de mercadorias que os cercam. Parecem abatidos, derrotados pela contínua necessidade de produzir bens descartáveis que alimentam o desejo de consumo infinito estimulado pela doutrina neoliberal vigente.

Posted by Patricia Canetti at 10:29 AM