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fevereiro 6, 2012

CAPACETE anuncia os novos diretores

CAPACETE anuncia os novos diretores

Amilcar Packer
Manuela Moscoso


assumirão a direção artística. A escolha reflete a intenção de ampliar as trocas e os laços no continente americano. Ambos estarão, a partir deste momento, colaborando e desenhando seu programa para 2013.

Ao longo deste ano, o Capacete Entretenimentos iniciará uma série de ações para captar recursos e viabilizar a implantação da nova diretoría e a continuidade do projeto.

Aproveitamos também para anunciar a nova comissão do Capacete, composta por: Jorge Lucas, Helmut Menna-Steegmann, Carla Rolnik, Daniel Mangrané Barreto, Renata Zaccagnini e Suely Batista (sic)*. A comissão, que tem vigência de 18 meses, terá um papel fundamental nesta nova étapa.

O que é o CAPACETE

www.capacete.net


Amilcar Packer

Amilcar Packer nasceu em Santiago do Chile em 1974 e mudou-se para o Brasil em 1982. Formado em filosofía pela Universidade de São Paulo, desenvolve uma prática de trabalho na qual desloca, subverte e re-contextualiza objetos do cotidiano, arquitetura e o corpo humano, em ações, muitas vezes realizadas pelo próprio artista e geralmente apresentadas em fotografias, vídeos e instalações. Seu trabalho se baséia em idéias sobre a organização do mundo como linguagem e construção onde as práticas artísticas apontam para a possibilidade de renovação e invenção de modalidades de apreensão, de comportamento e de subjetivação, de resistência e fricção para confrontar estruturas históricas, políticas e sociais hegemónicas e homogeneizantes que rígidamente determinam os indivíduos. Nos últimos anos, vêm também desenvolvendo e organizando apresentações e encontros que envolvem formatos de leitura, ações coletivas e conversas, caminhadas e comidas.

Dentre algumas exposições que participou, destaca-se:
2011 - “Modify as needed”, Museum Of Contemporary Art, Miami, E.U.A. / 2010 - “Electrified: Hacking the public space”, S.M.A.K., Ghent, Bélgica. / 2009 - “Praxis : Art in Times of Uncertainty” - Thessaloniki Biennale, Thessaloniki, Grécia.
2008 - “Third Guangzhou Triennial: Farewell to Post-Colonialism", Guangzhou, China. “Interrogating Systems”, Cisneros Fontanals Art Foundation, Miami, E.U.A. / 2006 – “Polissemiose”, Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo, Brasil. / 2005 - “L’autre Amérique: Art Contemporain du Brésil”Passage de Retz, Paris, França / 2004 - “On reason and emotion” – Biennale of Sydney, Museum of Contemporary Art, Austrália. / 1999 - “Panorama da Arte Brasileira 1999”, Museu de Arte Moderna, São Paulo, Brasil.

Manuela Moscoso

Manuela Moscoso é originária do Equador e da Colômbia, e atualmente reside em Nova Iorque, onde trabalha como Curatorial Fellow no Queens Museum of Art e como co-curadora da Queens International Biennial 2012, Three Points Make a Triangle. Ela também faz parte da equipe curatorial para a seção de projetos na ARCO 2012 (Madrid).

Ao longo dos últimos 10 anos, Manuela tem se especializado em comissionamento de novos projetos de arte e curadoria de exposições coletivas. Colaboraçõão a curto e longo prazo são essenciais para a sua prática. Em 2010, juntamente com a curadora Sarah Demeuse, fundou Rivet, um escritório curatorial baseado em Nova Iorque, projeto este direcionado à pesquisa que conjuga a organização de exposições a colaborações a longo prazo e publicações com profissionais contemporâneos. Mais recentemente, Moscoso curou exposições como Even in the Quietest Moments at Vogt Gallery (Nova Iorque) e The Action of Things na CCS Bard Galleries Nova Iorque), ambas que que envolveram aspectos específicos das pesquisas de Rivet.

Antes de trabalhar nos E.U.A., Manuela residiu em Madrid, Espanha, onde desenvolveu diversos projetos, exposições e eventos. Recentemente, organizou Before Everything, uma exposição de grande formato em co-curadoria com Aimar Arriola no CA2M (Madrid), que incidiu sobre a arte produzida na Espanha nos últimos 20 anos. Sua experiência e prática cresceram a partir do projeto curatorial auto-organizado em Madrid, los29enchufes, que co-fundou com Patricia Esquivias, em 2001, e que continua existindo como uma esporádica colaboração curatorial. Focada na proximidade ao processo de trabalho dos artistas, Manuela desenvolve a sua compreensão e envolvimento com práticas específicas. Além disso, ela também tem organizado projetos que visam fortalecer o intercâmbio curatorial em seu próprio contexto. Foi neste sentido que dirigiu a primeira residência curatorial em Madrid, em 2008, em colaboração com o SMAK (Ghent, Bélgica).

Manuela é Mestre em Estudos Curatoriais pelo Centro de Estudos Curatoriais do Bard College, E.U.A. e se formou(possui um BFA) em Belas Artes pela Central Saint Martins School of Art and Design, em Londres, na Inglaterra.

* Os nomes desembaralhados são: Jorge Menna-Barreto, Helmut Batista, Carla Zaccagnini, Daniel Steegmann Mangrané, Renata Lucas e Suely Rolnik.

Posted by Patricia Canetti at 1:47 PM

fevereiro 2, 2012

Desejo Expandido: Sobre o trabalho de Nan Goldin por Adon Peres

Desejo Expandido: Sobre o trabalho de Nan Goldin

Introdução:

O trabalho de Nan Goldin é sobre história. Ele revela sua própria história assim como a daqueles que estavam ou estão ao seu redor. Histórias que ela compartilhou ou compartilha com outras pessoas, momentos, ideias, alegrias e dores. Sua obra é um registro da Goldin Age(1). Utilizando a fotografia, diferentes imagens podem ser apresentadas separadamente ou juntas criando slide shows ou montagens que revelam um retrato estendido de pessoas e situações nas quais o desejo pela liberdade, por experiências e por preservar a história como ela é, sem manipulação, é a sua principal característica. Goldin capta essa imensa quantidade de informação sem filtrar, analisar ou categorizar. Suas imagens vêm de relacionamentos, não de observações. Elas também funcionam como uma tentativa de manter as pessoas vivas, pelo menos na lembrança, além de deixar um registro sobre uma vida que ninguém mais pode mudar.

Sobre fotografar amigos:

O que é claramente peculiar no trabalho de Nan Goldin é a percepção de comunidade, a visão, a honestidade e a crueza que flui de suas imagens. Isso está ligado à sua particular abordagem de captar imagens e à sua técnica. Desde sempre, Goldin tem fotografado seus amigos. Ela precisa criar uma intimidade com as pessoas que estão na frente de sua câmera. Ela precisa estar perto o suficiente para isso. Certa vez ela afirmou: “Para mim, tirar uma foto não é um ato de desapego. É uma forma de tocar em alguém – é uma carícia. Observo com olhos calorosos, não com um olhar frio.”(2) Suas fotos passam uma sensação tátil porque é possível sentir seu desejo de tocar, mas nunca de maneira agressiva ou insistente.

“A noção comum”, Goldin escreveu, “é que um fotógrafo é um voyeur por natureza, o último a ser convidado à festa. Mas não sou penetra; esta é minha festa. Esta é minha família, minha história”.(3)

Sobre a Técnica:

Para expressar seu amor pelo o que ela fotografa, Goldin escolheu o a “estética do snapshot”, que é para ela uma das formas mais elevadas de fotografia. Em seu trabalho, o foco é frequentemente errático, a câmera balança e as exposições estão erradas. O resultado é que as fotos parecem espontâneas, mas os retratos não são simplesmente cândidos, eles também revelam uma elevada cumplicidade.

“Meu trabalho vem do snapshot. É a forma de fotografia mais definida pelo amor. As pessoas fotografam por amor, e o fazem para lembrar – pessoas, lugares e momentos. Elas criam uma história registrando uma história. E é exatamente esse o meu trabalho. A razão de eu manter a “estética do snapshot” é porque considero o snapshot o tipo mais elevado de fotografia. Para mim, fotografia é como desenho. O traço revela a pessoa... É algo muito íntimo. Algo ligado à assinatura de uma pessoa… o olhar de uma pessoa – e a forma como ela vê a vida, algo impossível de colocar em palavras”.(4)

Suas fotografias não parecem compostas de uma forma clássica, apesar de algumas o serem, e mantêm uma impressão de informalidade e intimidade que ela utiliza desde suas fotos em preto-e-branco tiradas no final dos anos 60. Tendo um instinto especial em relação às pessoas para chegar ao cerne das coisas profunda e rapidamente, durante toda sua carreira Goldin procurou manter esse difícil equilíbrio entre ingenuidade e reconhecimento. Seu jeito próprio de equilibrar composição, cor e luz artificial ou natural dá às suas fotografias um brilho mágico.

Assim, a beleza de suas imagens vem da combinação de um formalismo e da “estética do snapshot”, de um jeito inato e perspicaz de lidar com a luz, e da apreciação pelas cores ricas, sensuais e supersaturadas perceptíveis em lugares incomuns. O poder de suas imagens é aprimorado pela intensidade de sua relação com seus temas. Goldin é uma fotógrafa de retratos, e nesse ato obsessivo de retratar para ela mesma, reúne retratos de pessoas cuja realidade emocional instável ela respeita. Ela não reduziria suas imagens a caricaturas. Nem suas imagens seriam veladas pelo eufemismo ou por um classicismo de bom gosto.

A partir de 1986, com fotografias de sua amante, Siobhan Liddel, Goldin encontra uma poderosa sobriedade no seu trabalho. A cor está enfraquecida e a habitual teatralidade luminosa da fotografia que carrega a assinatura de Goldin está ausente. Conquistando uma nova simplicidade pela eliminação da abundância de detalhes conflitantes, as fotografias de Goldin dessa série, no entanto, exalam sensualidade através da amplitude de cores e de luz, que são reguladas para transmitir as escalas variadas da paixão, do amor, do êxtase e do desespero nesse relacionamento.

O erotismo contido, a redução de detalhe e a dependência na luz natural são características dos trabalhos posteriores de Goldin. Ela ampliou sua amplitude expressiva por meio de cores e luz. Se no passado Goldin haiva sido um mestre da nebulosidade noturna e encontrava glamour em objetos kitsch capturados sob a iluminação de estúdio, ela agora, assim como nos seus retratos de meados dos anos 90, mostra uma apreciação por tons mais tradicionais, graduações típicas da pintura e por jogos sutis com a luz natural. O ponto de vista mudou de alguém que se considerava essencialmente americana para uma suavidade que parece ter surgido da sua experiência na Europa daqueles anos quando Goldin vivia entre Nova York e Berlim.

Sobre Slide shows:

A medida em que as imagens se acumulavam, Goldin começou a pensar mais como uma cineasta do que como uma fotógrafa; editando e seqüenciando os fragmentos capturados de luz e os aspectos do dia a dia ainda pouco explorados pela fotografia. O significado das imagens de Goldin, vistas repetidamente ao longo do tempo, em diferentes combinações, é fluido e nunca exatamente o mesmo. Ao final, o trabalho pode ser compreendido não como single frames, mas como cambiantes constelações de imagens.

“Quando eu era uma adolescente, sempre achava que eu estava dentro de um filme – não acho que isso é algo tão incomum”. Como ela explica, ela não é a estrela ou o diretor, mas o narrador. “Nunca liguei muito para a fotografia, então não havia tanta pressão para ser perfeita, por isso conseguia fotografar – enquanto o cinema sempre foi meu medium número um”. (5)

No final dos anos 70, tendo desenvolvido intuitivamente seu ponto de vista fotografando amigos, Goldin encontrou no também amador passatempo do slide show a resposta para o sequenciamento e edição de imagens. Ela descobre que seu interesse pela fotografia estava ligado à criação de narrativas com imagens. Então optou por um forte fluir narrativo que impulsionava um grupo de imagens para um todo com teor afetivo.

Em 1981, Goldin mostrou alguns slides com som e letras de uma banda ao vivo. Ela intitulou esse trabalho em homenagem a uma canção de Kurt Weil na “The Threepenny Opera”: The Ballad of Sexual Dependency (A Balada da Dependência Sexual). Essa performance efêmera se tornou um trabalho distinto. Contudo, apesar de ter mantido uma essência narrativa consistente, o trabalho também se transformou ao longo do tempo. Até hoje, assim como na maioria dos slide shows que ela produz, as imagens continuam a mudar a cada apresentação.

Mais tarde Goldin adicionou uma trilha-sonora gravada com outras canções e letras com o objetivo de tornar o significado das imagens mais claro. As trilhas de blues, reggae, rock e ópera estruturam e alinham a sucessão de imagens, enquanto as letras pulsam de desejo erótico. Como cineasta, ela frequentemente sente o desejo de ilustrar alguma canção, de trazer uma analogia visual ou de fazer algo acontecer a uma determinada parte de uma canção. Às vezes as imagens estão literalmente relacionadas com as letras das músicas. Às vezes estão ironicamente desligadas das letras. Às vezes as letras não têm sentido, mas falam sobre as expectativas românticas que caracterizam esses tipos de relacionamentos.

Sobre Montagens em Grid:

Foi durante o desenvolvimento de slide shows que Goldin realmente realizou as primeiras edições de todas as imagens que ela vinha acumulando. Nesse momento ela estabeleceu a estrutura para seus futuros trabalhos. A partir daí, ela passaria a editar imagens individuais, ordenando e reordenando todas dentro do seu tipo de narrativa. Nesse novo processo de edição que organiza a estrutura narrativa do seu trabalho, que ela tem usado desde então, Goldin captura imagens uma por uma, sem predeterminar seus significados, mas depois as reúne no que ela chama de retrato estendido. Continuamente atualizadas e assim nunca finalizadas, elas mais precisamente se aproximam da forma como a memória funciona. Ela rejeita a compressão da experiência a uma única imagem.

Nas fotos de dois amigos, Alf Bold e Gilles Dussein, que morreram de AIDS, Goldin os fotografa nos espaços íntimos de sofrimento aos quais apenas amigos e familiares tinham acesso. Quando ela decidiu mostrar esses retratos, ela os agrupou em sequência, como tinham sido tirados ao longo do tempo, formando montagens que mostram a passagem da saúde para a morte e mantendo o espírito íntimo e suave que marcou seu relacionamento com os dois homens.

A apresentação em montagens subestima a força de qualquer imagem isolada e força o observador a realizar conexões formais e emocionais encima, embaixo e sob a superfície, e a experimentar o todo como um tipo de caleidoscópio. Nos últimos anos, Goldin tem usado esse tipo de formato de montagem em grid como uma forma de configurar o espaço como uma densidade de pessoas, de corpos, de retratos – o grid, um eco do slide show, resume sua visão de que a história e o tempo existem como um agregado de vidas individuais.

Sobre Espaços vazios:

Intensamente sintonizada à relação entre pessoa e lugar durante toda sua carreira – as pessoas eram frequentemente fotografadas nos recintos e espaços que lhes pertenciam – Goldin no entanto também fotografou lugares vazios de pessoas: a paisagem e o cenário urbano e interiores. Seguindo uma tradição fotográfica que permite que o espaço físico funcione como uma metáfora para o estado de espírito, Goldin criou como parte de suas próprias experiências de vida um caminho alternativo. De várias maneiras, ela usa o vazio desses lugares como uma metáfora para a perda. Esses espaços são característicos de Goldin, pois eles funcionam ao mesmo tempo como registros de espaços físicos e analogias para a atividade humana.

O sentido de vivência que reside num espaço físico não-povoado é impressionante. Essas fotografias parecem paradoxais dentro da obra de Goldin, que está normalmente focada em pessoas, nos espaços de interação social e em momentos de auto-preservação. Mas os espaços vazios e as paisagens são espaços de retiro, memória e contemplação. Formam um contraponto às outras imagens e testemunham sua imaginativa captura da presença da ausência.

Sobre Metamorfose:

No início de sua fase escolar, por volta de 1964, o mundo de Goldin girava em torno da auto-definição num espaço construído e criado por ela mesma, registrado pelo ato constante de fotografar. Sem carregar o fardo dos estereótipos tradicionais, Goldin e seus amigos se reinventaram, inspirados pelos filmes e revistas de moda com os quais eles aprenderam sobre a manifestação visível do sexo e do desejo. A câmera revelaria uma nova identidade, independente da sociedade convencional e relacionada ao mundo construído de cada um e à simbiose fantástica com o glamour. As fotografias feitas nesse período se juntam às feitas posteriormente, no início dos anos 90, de drag queens exibindo um prazer irrestrito por belos corpos, pela maquiagem e pela vestimenta. A beleza, a transcendência à classificação macho-fêmea, o humor, e a coragem que Goldin aprecia estão investidas em suas fotografias, tirando pessoas da vida real e as colocando em situações de arte.


Fim:

As fotografias de Nan Goldin, como todos os casos de amor, são histórias de desejo. O ponto de vista que ela estabelece com seus sujeitos mistura revelação de identidade com projeção. Sua abordagem fotográfica nesses relacionamentos tem o sentido de manter viva a energia que conecta as pessoas ao invés de mumificá-las ou embalsamá-las. Ela não pede nada menos do medium da fotografia do que o uso do poder e da beleza da luz para revelar a verdade, amenizar a dor, fortalecer o caráter e iluminar o caminho para a paz.

Todo o trabalho de Goldin é sobre como restaurar uma narrativa de uma vida pela história. Sua intenção é realizar um trabalho que conecta com a vida das pessoas, para repor a abstração e a distância do documento com um confronto empático e sincero de experiências e emoções. Assim, a tradição do documento – carregado desde sua origem de intenção moral, mas também de distanciamento – é diferente quando a fotógrafa está envolvida com seu assunto.

Ao narrar histórias de uma subcultura e construir um banco de imagens de uma Era, Goldin provoca. A fotografia lhe dá uma voz que não pode ser censurada, silenciada ou perdida, que não pode desaparecer. Suas imagens validaam seus pensamentos, refletem sua identidade mutante, suas experiências, e seus sentimentos, simplesmente mantendo um registro fotográfico que ninguém pode controlar ou reescrever.


Nota:

Certa vez alguém me contou que Walter Benjamim sonhou escrever um livro só com citações. Um grande conhecedor de livros, como poderíamos esperar, ele achava que algumas coisas já estavam tão bem expressas que não valia a pena reescrevê-las. Elas perderiam sua autenticidade devido a um compromisso com a originalidade. E eu realmente concordo com isso. Enquanto fazia minhas pesquisas para escrever este texto, eu me deparei com o livro I’ll Be Your Mirror (Serei Seu Espelho), um catálogo publicado na época da primeira grande exposição de Goldin ocorrida no Whitney Museum of American Art em Nova York em outubro de 1996. Devido à minha abordagem pessoal em relação ao seu trabalho e aos momentos em que passei em sua companhia no seu estúdio em Paris, achei nesse livro um espelho perfeito dela e de sua obra. Já que seu trabalho está ligado basicamente aos seus amigos e companhia, achei que seria perfeitamente apropriado dar a eles algumas de suas próprias palavras já que Goldin nos deu suas imagens. Espero que nenhum deles ache isso inconveniente...

Agradecimentos a: David Armstrong, Marvin Heiferman, J. Hoberman, Walter Keller, Elisabeth Sussman e, é claro, acima de tudo, Nan Goldin.

Adon Peres

Notas
1. Expressão usada na entrada: The Goldin Age of Movie-Going - My Number One Medium All My Life. Nan Goldin talking with J. Hoberman em I’ll Be Your Mirror, catálogo da exposição. Whitney Museum of American Art, Outubro 1996 – Janeiro 1997, Whitney Museum of American Art, Nova York, 1996, p 135.
N.T.: Goldin Age é uma referência a Golden Age, Idade do Ouro – época sempre no passado em que tudo era melhor e mais pleno.

2. Ibid. em : On Acceptance: A Conversation. Nan Goldin talking with David Armstrong and Walter Keller, p. 452.

3. Ibid., p. 135.

4. Ibid., p. 453.

5. Ibid., p. 136.

Posted by Alice Dalgalarrondo at 11:01 AM

Nan Goldin: o agora como eternidade por Ligia Canongia

Nan Goldin: o agora como eternidade

Se há uma coisa que a fotografia deve possuir, é a humanidade do instante.(1)
Robert Frank

No início dos anos 70, ainda muito jovem, Nan Goldin começou a fotografar amigos drag queens, em Boston. A fotografia já adquiria, naquele momento, o estatuto de um diário de vivências íntimas, registro emocionado das relações que travava com as minorias, os artistas e os desajustados, entes do seu entorno que a acompanhariam em todo o percurso da obra. A obsessão em fotografar as pessoas e os acontecimentos de sua vida também já indicava ali o significado extraordinário que a fotografia teria para ela: um meio desesperado de reter o tempo, vivificar a memória e vencer o desaparecimento irreversível de toda face e todo instante. Diz-se que seu desejo em manter impressa a lembrança viva das pessoas tornou-se um sintoma, a partir do grave sentimento de perda provocado pelo suicídio da irmã. Para Goldin, portanto, parecia que somente a fotografia poderia reiterar a presença dos seres no mundo, mesmo que desencarnada, sobrevivendo como imagem.

Esse diário fotográfico de Nan Goldin sempre exigiu cumplicidade absoluta entre ela e os retratados, com os quais manteve uma ligação física e afetiva por longos períodos, formando, juntos, um núcleo de contestação e repúdio às regras burguesas. As comunidades marginais, que vieram compor o centro de sua pesquisa, retratam existências guiadas pelo desregramento e pelo desprezo ao conformismo, em uma espécie de crônica visual e febril do comportamento e das relações humanas contemporâneas. Envoltos em uma atmosfera confidencial, em que os estados psíquicos são visualmente desnudados, os personagens da artista compõem não apenas um perfil poético da realidade, como também um testemunho político de nossos tempos. Esses personagens, em estado de revolta permanente contra os estatutos morais vigentes, foram considerados por muitos uma crítica intrínseca ao sistema neoliberal e ao capitalismo.

Seus temas centrais abordam a história de pessoas alienadas, jovens perdidos, gays, drag queens, cenas de violência e de drogas, o submundo underground, mas também histórias de amor e o cotidiano de amigos e familiares em situações de afeto. Em tons trágicos na maioria das vezes, Goldin, contudo, supera a realidade crua e a danação de seus retratados com um lirismo impressionante, pois que modula os sentimentos da dor e da morte com delicadeza, com introspecção e humanismo.

A série A balada da dependência sexual (The Ballad of Sexual Dependency), exibida pela primeira vez em 1979, em um club de Nova York, consagrou e projetou a artista em escala mundial e, desde então, Nan Goldin não cessou de fixar sobre a película os eventos cotidianos de sua vida, firmando-se como um dos expoentes da fotografia contemporânea.

A década de 1970, além de deflagrar o trabalho fotográfico, foi também um período de experimentações com filmes super-8, que tinham por referência a amiga film-maker Viviènne Dick. Dela, Nan Goldin apreciava a liberdade de filmar e absorver influências sem filtros ou necessidade de classificações, movida unicamente por um olhar ansioso e desejante. Obviamente, essas noções coincidiam com as próprias aspirações estéticas de Goldin, que, à época, também se deixava contaminar pelo cinema de Andy Warhol e Jack Smith. Pequenos momentos de seus filmes experimentais e iniciais foram recuperados e inseridos posteriormente na obra I’ll be your mirror, em exposição de mesmo título, realizada no Whitney Museum de Nova York, em 1996.

O fato é que, desde a juventude, Nan Goldin sempre foi fascinada pelo cinema, a ponto de declarar ser o filme o meio mais importante de sua vida (“[...] film has been my number one medium all my life”).(2) O cinema chegou a ser um hábito quase diário por certo período, mais tarde compartilhado com amigos gays que a fizeram conhecer e admirar produções e ídolos dos anos 30 e 40, como Greta Garbo, Joan Crawford e Marlene Dietrich. Numa entrevista,(3) ela afirmou que Blow up, de Antonioni, por exemplo, surtiu efeitos vibrantes e perturbadores em sua mente, e que talvez tenha sido o estopim de sua vontade de ser fotógrafa.

A influência de alguns filmes, como Chelsea girls, de Warhol, e Flaming creatures, de Jack Smith, foi marcante. Smith já havia desenvolvido, nos anos 60, experiências com projeção de slides, uma forma de quase-cinema bastante próxima aos slideshows que Nan Goldin realizaria anos mais tarde. No entanto, o que mais impressionou Goldin no trabalho de Smith foi mesmo Flaming creatures, com sua atmosfera delirante e o erotismo orgíaco de seus personagens. Os travestis que atuam no filme revelam uma dimensão performática explosiva, em cenas de êxtase extraordinário, o que levou o film-maker Jonas Mekas a classificar o filme como “um dilúvio da imaginação”.(4) E sabemos o quanto a figura emblemática do travesti foi tema recorrente no trabalho da artista, constituindo, inclusive, a motivação central de seu slideshow The other side, de 1995.

Entendido como uma alternativa transgressiva ao universo formalista e figura constante nas vanguardas desde Duchamp, o travesti retorna sempre na história da arte como metáfora de um estado fronteiriço, limítrofe entre a realidade e a representação. Philippe-Alain Michaud diz que, no travesti, “o corpo se torna uma coleção de imagens”,(5) na medida em que ele se converte em ator de múltiplas facetas, sempre a propor a reconstrução de personagens. O travestimento seria, assim, a explicitação cabal dos artifícios da representação, do agenciamento ambíguo de seus signos, verdadeira síntese do processo de construção figural. E Michaud acrescenta: “transformando a feminilidade em imagem, o travesti dá a ver o trabalho secreto da figurabilidade, um puro fenômeno de incorporação”,6 já que expõe a revirada da realidade ao âmbito teatral, pela maquiagem, pelo figurino e pelos acessórios, “que representam os preparativos da representação”.(7)

Essa situação-limite entre o real e o ficcional, que o travesti tão bem encarna e exibe, toca diretamente numa das questões centrais da obra de Nan Goldin, que realiza a passagem do cotidiano e de suas próprias experiências reais para a dimensão poética. A “passagem”, centro do interesse do trabalho e fronteira entre os fenômenos da natureza e da imaginação, domina os questionamentos da fotografia de Goldin. Por meio de operações formais que primam pela fragmentação das imagens, pela justaposição de superfícies em colagens descontínuas e uma coloração pictórica e saturada, ela transcende tanto a realidade, quanto as próprias convenções iconográficas e documentais da fotografia.

Comentários acerca do cinema, cuja projeção clássica se realiza em espaços teatrais e ilusionistas, são pertinentes ao mundo fotográfico de Nan Goldin, mas justo na contramão desses pressupostos, uma vez que os slideshows se impõem como crítica às convenções cinematográficas. O ritmo impresso às imagens dos slideshows é inteiramente dissociado da velocidade e do desdobramento dos fotogramas no cinema, o que torna seu trabalho um processo transversal aos dois gêneros: um “cinema fotográfico”. Dispositivo típico da obra de Goldin, o slideshow acontece na descontinuidade, mas, paradoxalmente, supõe uma narrativa. O estado intermediário entre fotografia e cinema, que se institui por sucessão livre de fragmentos, projeção de cenas isoladas e superposição de imagens e texturas, configura um gênero já destacado do cinema convencional e, portanto, livre de seu estatuto ilusionista e suas normas. Nan Goldin, com os slideshows, enfatiza a natureza originalmente descontínua do filme, que se assume agora em sua dimensão verdadeira, isto é, como pura extensão temporal da fotografia.

O trabalho da artista parece isolar os fotogramas de uma película imaginária, como a querer imobilizar determinadas ações e gestos em momentos de sua maior intensidade. O efeito é semelhante ao de uma parada abrupta e cortante sobre certos frames, buscando destacar aqueles que manifestam estados excepcionais de tensão e expressão dos personagens. Com o slideshow, Goldin ativa a dinâmica cinemática da visão, que a foto, isoladamente, não produziria, mas, ao mesmo tempo e inversamente, ratifica a identidade e a independência da matéria fotográfica.

Foi no final da década de 1970, já residindo em Nova York, que Nan Goldin abraçou o slideshow como expressão dessa “imobilidade vivaz”, que perseguia. Em seguida, associou às projeções a montagem de trilhas sonoras, com músicas cuidadosamente selecionadas, de maneira a fazer corresponder imagens e letras musicais em fina sintonia. O repertório dessas trilhas estendia-se desde canções admiradas pelas drag queens, como Diamonds, cantada por Marilyn Monroe, e Put the blame on Mame, por Rita Hayworth, até músicas de Lou Reed e do grupo Velvet Underground, como Walking on the wilde side, passando ainda por árias como a Casta Diva, da ópera Norma de Bellini, cantada por Maria Callas. O acréscimo do pano de fundo sonoro aos slides servia para estreitar mais ainda a relação entre a fotografia e o cinema, assim como enriquecer e endossar, pela descrição das letras, os enunciados já contidos nas imagens.

Nessa época nova-iorquina, Nan Goldin tornou-se a fotógrafa do universo underground norte-americano, da vida noturna e do comportamento gauche de seus frequentadores, seres que foram sendo incorporados pouco a pouco à sua vida pessoal. Não raras vezes, inclusive, a plateia de suas exibições era formada exatamente pelas mesmas pessoas retratadas, que se tornavam assim, e simultaneamente, suas superstars e seu público.

Como um roteiro, que conecta determinada seleção de imagens, visando à formulação de uma narrativa, as fotografias e os slideshows de Nan Goldin pareciam reconstruir sua autobiografia, sempre permeada pelo relacionamento com pessoas de seu convívio, que ali se devassavam. Sua obra atesta, portanto, o “eu” explícito do autor, numa retomada lírica de eloquência incomum na fotografia contemporânea. Como ela, apenas os artistas-fotógrafos Robert Frank e Larry Clark haviam trabalhado nessa direção, principalmente o segundo, em sua famosa série Tulsa, na qual protagoniza com amigos cenas envolvidas com sexo, drogas e violência. Não sem motivos, Goldin reconhece em Clark a precedência nas questões que abordou e uma referência importante, embora tenham trabalhado em épocas próximas uma da outra.

O viés extremamente subjetivo e autobiográfico de Goldin não se enquadrava nos modelos conceituais da fotografia dos anos 70, não se ajustava aos simulacros e às escalas espetaculares das práticas da década de 1980, e tampouco priorizava a ênfase documental que caracterizou os anos seguintes. Preservando o fio tênue e ambivalente entre o documento e a ficção, seu trabalho adquiria, cada vez mais, uma atmosfera dramática e carregada de tensões, equilibrando-se entre a formalização rigorosa e os conteúdos explosivos. Às relações de energia que governam o comportamento humano e suas tramas amorosas e sexuais, Nan Goldin fazia corresponder um cromatismo ultrassaturado, quase físico, além da sintaxe cinemática que lhes dotava de um extremado senso de ação e intensidade.

O vigor e a eloquência plástica dos corpos retratados, na fúria de sua sexualidade e de sua dor, unidos à vibração extraordinária dos jogos de luz e cor, fizeram das fotografias de Nan Goldin verdadeiros tableaux vivants, com uma dimensão pictórica e erótica comparável à Morte de Sardanapale, de Delacroix, ou ao Banho turco, de Ingres. Com a sobrecarga cromática, ela parecia lutar contra a superfície da fotografia, contra seu processo natural de desencarnação, fazendo da saturação luminosa uma aliada na busca do corpo e de sua carne. Dados os limites que o congelamento e a planificação da fotografia impõem, a saída possível, portanto, seria a dramatização extrema desse corpo, com a exposição contundente de suas feridas, seus gestos e seu sexo.

Os valores cromáticos de Nan Goldin, acesos e ardentes, pareciam estar em busca da “espessura do plano”, dessa consistência que surge de dentro da pulsação das cores, independentemente do conceito ideal do plano geométrico. Pelos jogos de luz e cor, Goldin tentava atingir a “profundidade da pele fotográfica”, um paradoxo que distorce a noção mesma de superfície, pois que sugere texturas intermediárias e diáfanas que palpitam na fotografia, desestabilizando sua planaridade. Nesse sentido, e em operação similar, Didi-Huberman identificou na pintura uma questão que ele nomeia de “trança”, por implicar camadas sutis que se entrelaçam por baixo e por cima da superfície da pintura, numa alternância intrincada que problematiza o conceito puro de plano pictórico. E ele comenta que “Diderot descobriu na pele uma tela que se agita”,(8) enunciando claramente o problema desse “debate da trança no plano [...] que compreende, nele, o movimento”.(9)

Considerada uma retratista, por excelência, Nan Goldin fotografou comunidades de pessoas marginais e vulneráveis, rechaçadas pela sociedade, como os homossexuais, drogados ou doentes de Aids, usando a fotografia como forma de testemunhar sua condição e sofrimento, mas, sobretudo, como forma de honrá-los com imagens que lhes atribuíam beleza e dignidade. No entanto, seu repertório também incluiu cenas de amor e maternidade, paisagens solitárias e interiores sombrios, compondo um mosaico de lugares, comportamentos, paixões e vícios da vida contemporânea.

Marvin Heiferman declara ser sensível, “nas fotografias cinematográficas de Goldin, o fantasma da devastação que poderia, eventualmente, destruir a felicidade de sua boemia pós-moderna”.(10) O sentido de uma morte anunciada, da perda iminente dos seres amados, ronda permanentemente o trabalho, e prenuncia o caráter mórbido que se esconde por trás dos clarões de luz e dos vermelhos incandescentes de sua obra. Nan Goldin revela uma fascinação e uma lucidez espantosa em relação à universalidade do mal, transposta em erotização da morte e da violência. Como um festim bárbaro, ao expor os demônios dos retratados, suas fotografias personificam estados de êxtase que nada indicam senão o fim trágico dos excessos e da ilusão. Campo de forças e de tensões enérgicas entre a virtude e o vício, ou entre a civilização e a barbárie, a obra de Goldin desdobra-se no limite estrito da fragilidade humana e, com ela, inscreve a fragilidade da história.

É provável que a artista, em sua busca permanente pela memória do vivido, e em níveis tão profundos de intimidade e de trocas subjetivas, não tivesse consciência de que, ao final, descrevia o retrato do tempo histórico que a cercava. Afinal, ela mesma afirmou que a fotografia era uma forma de sedução, uma maneira de tocar o outro, uma carícia, na qual expunha sua cumplicidade e seu compartilhamento com o sujeito da imagem. Porém, muitos destacaram em seu trabalho o poder de revelação do perfil social de uma época, com e apesar do foco estrito nas questões existenciais e psicológicas desse sujeito.

Elisabeth Sussman, curadora da exposição do Whitney Museum, em 1996, afirmou que as imagens de Goldin perfazem uma retratística social e que, nesse sentido, aproximam-se do trabalho de August Sander, mas destaca que ela não realiza a sociologia de tipos documentais, como Sander. A fotografia de Nan Goldin, afinal, parece bem distante do racionalismo e da rigidez que temperavam os retratos sóbrios desse autor, preocupado em compor um panorama da sociedade alemã do pré-guerra, com suas implicações socioculturais, suas classes e corporações, nos limites estritos de uma perspectiva documental. O caráter crítico e realista das fotos do alemão acabou por torná-lo alvo dos nazistas, diante da eficácia das imagens de operários, camponeses, desempregados e outros tipos sociais, que contradiziam os ideais das teses e das afirmações do Estado nazista.

No percurso histórico da fotografia moderna e contemporânea, a obra de Goldin talvez permita aproximações bem mais pertinentes com outros fotógrafos, como Robert Frank ou Diane Arbus. O primeiro, por ter rejeitado os preceitos tradicionais do bom enquadramento, da nitidez da imagem, da pose estudada e do equilíbrio dos contrastes, em prol de contornos mais fluidos e da percepção aguda das expressões emocionais, mirando sempre a transposição metafórica do real. A segunda, por ter fotografado pessoas comuns tomadas em seu cotidiano, sem artifícios ou julgamentos morais, além de desmascarar os preconceitos burgueses contra comportamentos desviantes, como o dos travestis, dos homossexuais e das prostitutas. Tais dispositivos mais livres, tanto na forma quanto no conteúdo das imagens, que caracterizaram a “estética do instantâneo” a partir do final dos anos 50, foram capitais para as gerações que se seguiram, que passaram a observar o mundo sem imposições ideológicas ou censuras preestabelecidas.

Em meados dos anos 70, em Cambridge, Nan Goldin já havia tomado conhecimento da obra de fotógrafos que se debruçaram sobre a vida cotidiana, como August Sander, Larry Clark e Diane Arbus. Mas, certamente, seu trabalho trilhou caminhos diferentes dessas referências, principalmente no que concerne à desenvoltura cromática e luminescente de suas imagens, ao dinamismo atribuído aos slideshows e à culminância afetiva que expressou.

Goldin ultrapassou os limites da fotografia como documento, foi muito além da condensação dos fatos do mundo exterior, transcendeu o anedótico, o formalismo, os códigos de linguagem e o caráter normativo das sociedades, lançando a arte no vivido em níveis de liberdade poucas vezes alcançados. Obra nômade, sem classificação precisa, circula sempre no espaço entre as coisas, como entre a fotografia, o cinema, o teatro, a música e a performance. Ao final, o que nos resta, não é a autobiografia, não é o diário e nem mesmo o retrato de pessoa alguma, mas a latência de um estado profundo de solidão e melancolia, ainda que pintado com as cores da libido e da paixão.

Ligia Canongia

Notas
1. FRANK, Robert. Apud Naomi Rosenblum. Une histoire mondiale de la photographie. Paris: Abbeville, 1992, p. 516.

2. GOLDIN, Nan. Entrevista a J. Hoberman, in I’ll be your mirror, catálogo da exposição de mesmo título. Nova York: Whitney Museum of American Art, 1996, p. 137.

3. Idem, p. 135. Declaração de Nan Goldin na íntegra: “Blow up surtiu um tremendo efeito em mim, e acho que foi, provavelmente, o começo de minha vontade de ser fotógrafa – por tudo, tanto pelo erotismo, quanto pelo glamour”.

4. MEKAS, Jonas. Apud Philippe-Alain Michaud, in Sketches: histoire de l’art, cinéma. Paris: Kargo & L’Éclat, 2006, p. 97.

5. MICHAUD, Philippe-Alain. Op. cit. p. 79.

6. Idem, p. 80.

7. Ibidem, p. 81.

8. DIDI-HUBERMAN. La peinture incarnée. Paris: Minuit, Paris, 1985, p. 42.

9. Idem, p. 42.

10. HEIFERMAN, Martin. I’ll be your mirror. Op. cit. p. 281.

Posted by Alice Dalgalarrondo at 10:52 AM