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maio 28, 2014

A beleza tóxica do minimalismo mercurial de Nazareth Pacheco por Juliana Monachesi

A beleza tóxica do minimalismo mercurial de Nazareth Pacheco

JULIANA MONACHESI

Nazareth Pacheco - Mercurial, Casa Triângulo, São Paulo, SP - 03/06/2014 a 28/06/2014

[scroll down for English version]

Observando seu trabalho recente, me pego pensando em certas máximas do minimalismo: “Uma coisa depois da outra”, que Donald Judd advogava como princípio de ordenação para evitar a composição formal; “O que você vê é o que você vê”, famosa frase de Frank Stella para despistar a complexidade minimalista, enfatizando seu aspecto literal; e o “Não há como enquadrá-la, é preciso experimentá-la”, de Tony Smith, sobre a transgressão dos limites institucionais da arte e o renascimento do espectador.

Se formos seguir Hal Foster em sua identificação de duas sucessões principais que definem a neovanguarda dos anos 1960 aos nossos dias –a genealogia minimalista e a genealogia pop –, é na primeira que a obra de Nazareth encontrará seus interlocutores. Isso porque a aparente frieza de seus trabalhos e sua ausência de narratividade estão muito distantes da paixão pelo signo e do discurso do trauma que caracterizam a genealogia pop, mas, por outro lado, em absoluta sintonia com a subversão da representação, com a aposta na presença dos objetos da arte e com o jogo fenomenológico entre o corpo e a obra que delineiam a genealogia minimal.

Senão, vejamos. O corpo das obras que integram a presente mostra e/ou, por vezes, seu invólucro, é constituído de acrílico –produzido, recortado e finalizado industrialmente. Os elementos que não são de acrílico são todos serializados: bigornas de bronze, gametas de bronze e tranças, gotas de prata, cabides de bronze, fotografias. Até mesmo o material que protagoniza a exposição, e que poderia suscitar devaneios simbólicos, o mercúrio, adquire um estatuto industrial em série na forma como é apresentado. A disposição dos trabalhos, as soluções de display e, também, a ordenação interna de cada obra silenciam, se não anulam, os deslizamentos metafóricos. São pura presença, pura perplexidade.

Acontece que são formas e materiais para vivenciar: os prístinos pesos de balança, as bigornas interconectadas, a beleza tóxica do mercúrio, o fascínio da arara de roupas imaculada com seus cabides dourados vazios. Pura presença a gerar perplexidade pela resistência ao “significado”. Outros neovanguardistas desta genealogia costumam produzir o mesmo efeito: pense em obras recentes de Carlito Carvalhosa, Jac Leirner, Iran do Espírito Santo. Subvertem a representação e enfraquecem a lógica referencial dos objetos que utilizam ao os disporem um após o outro, em série. Os quatro artistas –Nazareth, Carlito, Jac, Iran –têm também suas estratégias para “contaminar” o referencial minimalista, como bons latino-americanos.

A contaminação promovida por Nazareth Pacheco no conjunto atual de obras é, a meu ver, a serialização de formas arcaicas. A escolha de ferramentas e dispositivos de design vernacular, ou primitivo, aponta para uma conexão entre o que se repete na velocidade pós-industrial do capitalismo tardio e o que se reitera paulatinamente na ordem do primordial. Nessa ruptura com a austeridade do minimalismo, a artista dá espaço à irrupção de memórias no contato com seus trabalhos. E será nesse intervalo de suspensão que cada visitante haverá de acessar o sentido da obra.


The Toxic Beauty of Nazareth Pacheco’s Mercurial Minimalism

JULIANA MONACHESI

Nazareth Pacheco - Mercurial, Casa Triângulo, São Paulo, SP - 03/06/2014 a 28/06/2014

Observing Nazareth Pacheco’s recent work, I find myself thinking about certain maxims of minimalism: “One thing after another,” which Donald Judd espoused as a principle of ordering for avoiding formal composition; “What you see is what you see,” the famous phrase by Frank Stella to foil the minimalist complexity, emphasizing its literal aspect; and Tony Smith’s “There is no way you can frame it, you just have to experience it,” in regard to transgressing the institutional limits of art and the rebirth of the spectator.

If we were to apply Hal Foster’s notion that there have been two main lines that define the neo-avant-garde from the 1960s to our days – the minimalist genealogy and the pop genealogy – it is in the former that Nazareth’s work finds its interlocutors. This is because the apparent coldness of her works and their absence of narrativity are very distant from the passion for the sign and from the discourse of trauma that characterizes the pop genealogy, but, on the other hand, they are absolutely in sync with the subversion of representation, the emphasis on the presence of art objects and the phenomenological game between the body and the artwork that delineate the minimalist genealogy.

We will see if this is the case. The material used in the body and/or enclosure of the works featured in the present show is industrially produced, cut and finished acrylic. The elements that are not made of acrylic are all serialized: bronze anvils, bronze gametes and braids, silver drops, bronze clothes hangers, and photographs. Even the material that plays a leading role in the exhibition and which can inspire symbolic flights of whimsy – mercury – takes on a serialized industrial status in the way it is presented. The arrangement of the works, the display modes, as well as the internal ordering of each artwork all function together to silence, if not annul, the metaphoric associations. They are pure presence, pure perplexity.

It turns out that they are forms and materials to experience: the pristine scale weights, the interconnected anvils, the toxic beauty of the mercury, the fascination of the immaculate clothes rack with its empty golden clothes hangers. A pure presence to generate perplexity through resistance to the “meaning.” Other neo-avant-gardists of this genealogy often produce the same effect: consider the recent works by Carlito Carvalhosa, Jac Leirner, and Iran do Espírito Santo. They subvert the representation and weaken the referential logic of the objects they use by arranging them one after another, in a series. The four artists, Nazareth, Carlito, Jac, and Iran – also have their strategies to “contaminate” the minimalist reference, like good Latin Americans.

The contamination brought about by Nazareth Pacheco in the current set of artworks is, in my view, the serialization of archaic forms. In the choice of tools and devices of vernacular (or primitive) design, the artist points to a connection between what is repeated in the postindustrial velocity of late capitalism and what is gradually reiterated in the primordial order. In this rupture from the austerity of minimalism, the artist opens a space for the emergence of memories in the contact with her works. And it is in this interval of suspension that each visitor will gain to access the work’s meaning.

Posted by Patricia Canetti at 3:07 PM

Regina de Paula - E fiquei de pé sobre a areia por Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho

Regina de Paula - E fiquei de pé sobre a areia

LUIZ CHRYSOSTOMO DE OLIVEIRA FILHO

Regina de Paula - E fiquei de pé sobre a areia, Mercedes Viegas Arte Contemporânea, Rio de Janeiro, RJ - 05/06/2014 a 07/07/2014

"A arte não reproduz o visível, mas torna visível"
Paul Klee, in Confissão Criadora, 1920

"Não vou em busca do espaço. Trabalho o espaço que vivencio. É o espaço que me acha".

Com esse testemunho a artista plástica Regina de Paula narra sua poética a partir do relato de sua viagem a Jerusalém em janeiro de 2013. Sua imersão na cidade histórica e religiosa, a experiência no caminhar, na observação do deserto e dos monumentos, a sensação do vento, o silêncio do horizonte árido, foram singelamente captados a partir do vídeo Bandeiras, realizado próximo às ruínas arqueológicas de Advat, cidade habitada até o século VII, onde a única presença humana só pode ser identificada no som do tremular contínuo das bandeiras de Israel e da UNESCO.

Foi nesse ambiente, aparentemente distante, que Regina introduz a Bíblia aos demais elementos recorrentes e explorados em seus trabalhos anteriores, como em Cubo Paisagem em Nudez e Território de 2009, nas Cavalariças da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. As areias e a água do mar da praia de Copacabana, local onde habita, a presença dos cubos e castelos de areia, a relação com o espaço urbano. A essa temática vivenciada, a artista sobrepõe sua preocupação com o transitório, o tempo, o efêmero, o devir. Não é somente a água do mar que invade a areia, destruindo cubos perfeitos ou castelos idílicos, mas é também o vento que corrói e desfigura a construção arqueológica, cubos de pedra que retornam à matéria original.

A Bíblia não surge aqui como um elemento dissociado desse inventário de sensações. Ela não tem um caráter puramente místico, mas sim conectado a mudanças que se processam entorno de nós, hoje, a todo momento, sem perder sua dimensão histórica. São também elementos que nos fazem refletir sobre como ela se transforma de símbolo religioso, evangelizador, em matéria civilizatória, redutora e até opressora.

Em seu primeiro conjunto de fotografias da exposição, todas realizadas em parceria com Wilton Montengro, Regina “escava” bíblias, recortando o centro, construindo cubos virtuais, ou cubos negativos, como denomina. Nesse exercício, por trás dos versículos recortados e interrompidos, surge a paisagem, a visão do mar da Galiléia, desertos e montanhas de pedras.

Regina ainda intervém sobre as bíblias, onde após manipulá-las, acrescenta seus elementos recorrentes. Se na primeira ela mantém o espaço vazio, como se a paisagem estivesse lá para ser desvendada, na segunda ela preenche o cubo com a areia de Copacabana, numa alusão a tudo que pode ser recoberto pelo tempo e transformado. Nas outras duas intervenções a artista explora um novo referencial, introduzindo uma dimensão político histórica em seu trabalho, transfigurando o mesmo objeto.

Ao realizar a imersão de uma das bíblias no mar de Copacabana, em uma performance para fotografia com a jovem artista Anais, Regina resgata a imagem do batismo. Trabalha novamente com a ideia de transformação, como rito, ou de uma remissão de pecados (Marcos 1: 4-5). O banho na Bíblia, que se mistura a areia da praia, a mesma presente na paisagem do deserto, lava não só as páginas , mas os excessos da civilização. Levanta a possibilidade da regeneração ou de uma nova salvação. Água de Copacabana, água do Jordão.

Regina então opera um jogo de imagens e símbolos onde, desse batismo do objeto, verte água sobre índios Bororós , registrados em fotografia de 1894 de José Severino Soares. É a purificação do espectador, daquele que se evangeliza e aceita algo talvez superior, ordenador. Mas é também uma ordem dividida, resultado de uma sociedade partida, como ilustra a bíblia lacerada ao lado da imagem:

E vos tomarei dentre os gentios, e vos congregarei de todas as terras, e vos trarei para vossa terra. Então aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados, de todas as vossas imundícies e de todos os vossos ídolos vos purificarei. E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo, e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne. (Ezequiel 35:24-27)

Da mesma forma, em outra bíblia, a pirâmide (ou templo?) semi enterrada num dos cubos escavados reforça a deglutição de uma cultura pela outra, um senso de domínio e conquista, não pela força, mas pela palavra.

O deserto em que Regina pisou, e "ficou de pé", não estava tão longe daqui, como ela mesmo se refere, e foi de lá que ela confirmou e reinseriu suas temáticas nessa exposição.
Seu processo de investigação e sua busca lembra muito o que o artista e professor Klee, escreveu em 1924, por ocasião de sua vernissage em Weimar:

Muitas vezes imagino uma obra muito vasta, que englobe todos os domínios: o elementar, o concreto, o conteúdo e a forma. Isto certamente não passará de um sonho.....Nada deverá precipitar-se. É preciso que a obra cresça, se desenvolva e quando estiver concluída tanto melhor. Devemos continuar a procurar.(...)

Sim, Regina não se cansa, ela continua a escavar.

Posted by Patricia Canetti at 9:34 AM

maio 12, 2014

Leonardo Tepedino - Projeto desenho específico por Marisa Flórido Cesar

Leonardo Tepedino - Projeto desenho específico

MARISA FLÓRIDO CESAR

Leonardo Tepedino - Desenho Específico, Funarte - Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro, RJ - 16/04/2014 a 16/05/2014

Coerentemente com a primazia que conferiu a tecelagem, Semper sustentava que o artefato estrutural básico primitivo era o nó, que predominava nas construções nômades, principalmente nas tendas dos beduínos em seu interior. Cabe notar nesse sentido, a análise de Pierre Bourdieu da casa dos beduínos, em que o tear é identificado com o lugar de honra da mulher e o sol do interior... Na primazia dada por Semper ao nó parece confirmar-se na pesquisa de Gunther Nitschke sobre os rituais japoneses de união e separação, conforme exposto em seu ensaio original “Shi-Me”, de 1979. Na cultura xintoísta, esses rituais prototectônicos de união são ritos agrários de renovação, que indicam a um só tempo a estreita associação entre construir, habitar, cultivar e ser, tratada por Martin Heidegger em seu ensaio “Construir, habitar, pensar”, de 1954.”

Kenneth Frampton, Rappel à l´ordre: argumentos em favor da tectônica

“O homem é a medida de todas as coisas”, a sentença de Protágoras reinterpretada pelo antropocentrismo cristão, definiu por séculos o sistema de escala e representação na arte e na arquitetura, do Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci ao modulor de Le Corbusier.

“A medida é a conveniência de um ser a um outro ou a si mesmo”,(1) disse Jean-Luc Nancy. Se a Antiguidade era o mundo da medida, do horizonte, do phronésis, da mésotès e do metron – em que a hybris era a desmedida mensurável -, a medida do mundo moderno e ocidental foi, por sua vez, o modo desmedido do infinito. Um modo infinito de ser cujo fundo é também cristão. Pois ainda que a criatura conservasse uma medida pelo reflexo de Deus, guardaria também o vestígio de seu criador: o homem, medida de todas as coisas, esse filho do humanismo grego e cristão, possuiria por conveniência Sua imensidão, Sua não-medida. Ou seja, seu antropocentrismo era mediado pelo infinito. Mediação que se reverberaria na representação artística de modos diversos. A noção de medida coloca uma problematização ética do que é o homem e de como ele se relaciona com o outro e com o universo em que vive. É um instrumento simbólico, portanto, de proporção e grandeza, mas também de harmonização e normatização. A ponto de imperadores chineses, como Yu o Grande, terem sua voz como padrão para todos os sons, e seu corpo como referência para a alturas e o peso. A medida do imperador tornava-se assim a norma de todo seu reino, manifestação de suas propriedades físicas e morais.

Em seus trabalhos recentes, Leonardo Tepedino parte de uma unidade de medida singular para construir suas esculturas em madeira. A partir dessa unidade de medida, proveniente de fontes diversas, Tepedino improvisa extensões aleatórias erigidas artesanalmente. O espaço como campo neutro e homogêneo da grelha ideal vai sendo inflectido em confronto com o lugar e a ocasião que a acolhem: teias imprevistas de madeira vão se tramando, como se os rígidos moldes que constringiam homem e mundo – a grelha perceptiva, as estruturas, as coordenadas, a medida padrão – fossem sendo abandonados para restarem na obra como “ruídos de fundo dos cânones”, os rastros dos princípios da arte e da arquitetura. Teias vão sendo tecidas in locco, se desenhando frágeis e incertas, tomando rumos imprevistos, enfrentando a concretude do lugar, suas demandas singulares, a concentração de suas contingências. Das nervuras e linhas, vão se tramando outras teias, por nós e junções, como nexos de acasos cosmogônicos, como “ritos de renovação” em que se enlaçam “construir, habitar, cultivar e ser”. As relações entre projeto e acaso, idéia e manufatura, conceito e processo, construção e desvio, repetição e diferença estão ali interrogadas.

Se na exposição “Tempo-vero” (Cavalariças do Parque Lage, 2012/13), o artista tomou como unidade de medida a matemática do poema de A Máquina do Mundo Repensada de Haroldo de Campos - versos decassílabos dispostos em terça-rima-; para o Mezanino do Palácio Gustavo Capanema, ele parte do modulor Corbusiano.

Marco da arquitetura moderna brasileira, o edifício Capanema foi projetado por Niemeyer, Lúcio Costa, entre outros (1936-943) para abrigar o Ministério da Educação e Saúde. Sua arquitetura segue os preceitos de Le Corbusier. Lá estão seus célebres “cinco pontos da nova arquitetura”, que a formulavam em acordo com as novas tecnologias de construção e seus materiais (como concreto armado): a planta livre, a fachada livre, os pilotis, o terraço-jardim e a janela em fita. Se a estrutura de vigas e pilares independente de paredes proporcionava a flexibilidade dos espaços internos, o edifício suspenso sobre pilotis transcendia a superfície da terra. Liberava-se do plano que relacionava e distinguia o baixo e o alto, o interior e o exterior, a gravidade da matéria e as idealizações da razão projetiva. Se a fachada era a pele transparente e vítrea, o espaço era a dimensão idealizada, extensão fluida e ilimitada que a tudo atravessava para acolher/ construir o homem-tipo para a nova cidade humana. Ao homem tipificado, desprovido de singularidades, destinava-se o acesso e o abrigo absolutos, a reconciliação dos contrários, o domínio sobre os acasos, a exclusão do arbitrário. Como todo desejo de totalidade, como toda utopia do século que se passou, era um desígnio tão grandioso como aterrorizado, tão generoso quanto despótico, já que sem ocasião e lugar para a alteridade, os desvios e as diferenças.

O Modulor de Le Corbusier é a unidade de medida universal do homem (inicialmente com 1,75 m e mais tarde com 1,83 m de altura), em suas várias posturas e funções: um sistema de proporções e de medidas modulares a partir das quais toda arquitetura deveria ser projetada. Referência antropocêntrica que procede do homem de Vitrúvio (“De Architectura Libri Decem / Dez Livros sobre a Arquitetura, escrita no século I a.C. pelo arquiteto romano Marco Vitruvio Polião) e de seu célebre desenho encontrado nos cadernos de Leonardo da Vinci, que se tornaria um cânone das proporções perfeitas do corpo humano, segundo um determinado raciocínio matemático e baseando-se, em parte, na proporção áurea.

Medida vem do latim modus, modullum no diminutivo, do qual deriva módulo e modelo (medida que se deve seguir). Tepedino parte das alturas definidas, no modulor, a partir dos gestos humanos e universais (sentar, levantar, debruçar-se, estender o braço) para iniciar sua escultura desenho.

Estrutura e aparência, forma e função, esqueleto e pele — pares dialéticos da tradição escultórica e arquitetônica — tecem tensões como prestes a se precipitarem um sobre o outro, como prestes a descortinar e a explorar a falha de uma medida ideal, a revelá-la como impossível. Desenho e desígnio têm o mesmo étimo. No processo de sua tecedura, em seu Projeto desenho específico, as antigas coerções vão sendo afrouxadas como se, em algum momento, o tranquilo desígnio que a guiava entrasse em colapso. É o espaço da galeria que tenta contê-la, que oferece o último limite, a extrema moldura. A estrutura em teia se esparge dos níveis do modulor, debate-se com as coordenadas ortogonais do espaço expositivo, confronta a presença imponente de suas colunas com sua leveza e seu desenho aleatório, rivaliza sua regularidade e introduz uma arritmia - entre compressões e delicadezas, entre asfixias e arejamentos.

E no lugar da luz da razão que guiou os preceitos da arquitetura moderna, que constrangeu o imprevisto e a diferença, o mezanino vai acolhendo “o tear”, o delicado “lugar de honra da mulher e o sol do interior.”

Marisa Flórido Cesar
Abril de 2014


Nota
(1) NANCY, Jean-Luc. Être Singulier Pluriel. Paris: Galilée, 1996. p.205.

Posted by Patricia Canetti at 9:22 AM

maio 9, 2014

As fotos-pinturas-quadros de Marcelo Tinoco. Era uma vez... por Ricardo Resende

As fotos-pinturas-quadros de Marcelo Tinoco. Era uma vez...

RICARDO RESENDE

Marcelo Tinoco - Era Uma Vez..., Zipper Galeria, São Paulo, SP - 14/05/2014 a 07/06/2014

O artista Marcelo Tinoco tem se destacado com sua produção fotográfica que lembra a maneira refinada e colorista de pintar o imaginário e a luz das paisagens renascentistas de artistas flamengos como Hieronymus Bosch e de Pieter Bruegel, o Velho. O primeiro, do final do século XV e o outro, de meados do XVI, retrataram com magia o cotidiano do final da Idade Média.

Diferentemente dos dois pintores que faziam figurar pessoas e cenas de pecados e tentação com aparência de caricatura, e que representavam o teor religioso que marcou aquela época da civilização europeia, as fotos de Tinoco vistas nas séries Timeless e Histórias Naturais recriam a mesma atmosfera impressionante que mistura alquimia, sonhos e utopia. Elementos que formaram o complexo imaginário do homem medieval de uma era pré-fotográfica em que os artistas buscavam pintar além do mundo real. Nas obras do fotógrafo, as imagens fotográficas recebem no tratamento o mesmo refinamento colorista e detalhista, mas com uma dose de beleza e humor adicionada às cenas contemporâneas retratadas. O que lhes confere toque de irracionalidade pois mistura os tempos. Gesto de juntar histórias dentro de uma fotografia de arte. Uma forma de narrar o tempo. Era uma vez...

Na nova série 1900, Belle Époque Rural em exposição na Zipper Galeria, o artista continua trabalhando com a mesma fatura pictórica e tem a luz como elemento principal de suas imagens, como no movimento impressionista que surgiu na França em finais do século XIX.

O grupo de artistas que formou este movimento rompeu com os cânones da pintura vigente ao sair para o campo em busca de inspiração, à procura da luz natural e das vibrações da natureza iluminada pelo sol. Deixando de lado os ensinamentos acadêmicos, pintaram a natureza em suas variações cromáticas, não mais preocupados em retratar a realidade com fidelidade. Estes preceitos inspiraram Marcelo Tinoco que busca com o seu processo artesanal construir “quadro a quadro”as novas imagens. Tinoco, em busca da mesma luz que encantava os impressionistas no começo do século passado, planeja suas viagens para refaz o percurso desses artistas.

O fotógrafo vai muito além do mundo dito real. O que retrata em suas fotos é o mundo fantástico observável nas locações, personagens e pintores daqueles finais dos 1800 e princípios dos 1900, buscando reconstituir tal universo na série 1900, Belle Époque Rural.

O tipo de luz dos impressionistas, o uso de muitas plantas e flores nas bordas das fotos como se emoldurassem a cena, referem-se todos ao estilo Art Nouveau. Sua tese é que a inspiração para o estilo artístico deste movimento viria do campo, dos camponeses. Para afirmar sua teoria, busca as raízes do movimento valorizando o ambiente rural, o ambiente deste homem do campo. Marcelo Tinoco busca reconstituir o mundo visto em filmes como Fanny & Alexander e Morangos Silvestres, do cineasta sueco Ingmar Bergman, que retratam com fidelidade a sociedade daquela época.

Para conseguir a tonalidade e a vivacidade de suas fotografias na mesma luz dos impressionistas, Tinoco deixa evidente a técnica que utiliza para “pintar”minuciosamente os seus “quadros vivos”, transformando a realidade registrada por sua câmera nas elaboradas e rebuscadas imagens vistas nas suas primeiras séries. Este reconhecimento se dá justamente por assumir de forma plástica o uso exacerbado desses recursos, ao “colar” digitalmente suas imagens.

As fotografias sobrepostas resultam em imagens manipuladas na tela do computador, belas em seu poder de transportar-nos no tempo – este que nem sempre reconheceremos como passado, presente ou futuro. Para o artista, trata-se de composições fotográficas autorais, onde até o paintbrush é empregado de uma forma artística própria.

Tinoco faz uso dos softwares disponíveis de manipulação de imagens para, literalmente, pintar sem tinta suas fotografias. Resulta disso um estilo de obra de arte “pré-fotográfica”, que mimetiza as pinturas dos renascentistas. Poderia ser assim definida sua técnica; algo como uma foto-pintura-quadro. Tinoco utiliza os recursos do Photoshop de forma explícita, sem dissimulação. Não esconde a manipulação, nem nos confunde ao elaborar imagens coladas umas sobre as outras para construir a sua cena paisagística, de uma realidade que extrapola o mundo visível. Suas imagens construídas são experimentações que ampliam a noção de linguagem fotográfica.

A fotografia experimental de Marcelo Tinoco atinge a sua maioridade ao ultrapassar os limites do registro, levando a imagem para uma era da pós-produção digital: manipula a fotografia de tal modo que chega a sugerir situações atemporais e fantásticas. Que não estavam ali antes. Coloca em uma mesma foto dois ou mais quadros de tempos que remetem ao passado. O resultado são imagens surreais do tempo.

Inicialmente, para chegar a estes resultados e em busca da luz perfeita para o objeto de seu retrato, captura as imagens em certa hora do dia, como faziam os pintores impressionistas; depois as reconstrói na tela do computador, tornando a fotografia uma condição ficcional, uma espécie de realismo fantástico.

Ao sobrepô-las, recortá-las e completá-las com os recursos daqueles softwares, as fotografias produzem uma beleza descomunal que narra histórias fantásticas. Inebriantes aos nossos olhos. O real torna-se hiper-real, até mesmo surreal. Soma em uma mesma imagem as noções de pintura. Imagens cinematográficas e teatrais.

Mas o que mais chama a atenção de fato é, justamente, a beleza dessas fotografias resultantes de um pensamento fílmico na sobreposição dos quadros. À diferença do cinema que encadeia quadros para dar a noção de movimento, os de Tinoco são sobrepostos, congelando a narrativa ou a cena feita de vários movimentos ou instantes em um único quadro encorpado. Densos de informações. Criam uma condição fotográfica que mexe com nossa memória, com nosso imaginário de tempos remotos somados à situações atuais. Produzem sensações visuais pelo exagero e pela intensidade das cores de que o artista faz uso. Buscam destacar nas cenas registradas as expressões e as situações humanas, misturando o contemporâneo e o passado.

Ao analisarmos as fotos da série 1900, Belle Époque Rural, a impressão é de que não sabemos o seu exato tempo, a época em que foram realizadas as fotografias. Tampouco a que momento histórico pertencem os tipos humanos, em função dos recursos que o artista utiliza: fotografa atores figurantes de cenários temáticos em parques de diversão, por um lado, e homens, mulheres e crianças vestindo roupas tradicionais em festas e danças típicas. Para buscar estes figurantes para suas fotos da série 1900, Belle Époque Rural, Tinoco foi a parques e festas folclóricas na Escandinávia, no sul da França, frequentou zoológicos e fazendas, visitou o Chile e o Sul do Brasil em pesquisa de locações rurais. Com este método, recriou o cotidiano e os costumes de épocas passadas.

Não é só o abrir e fechar do obturador da máquina fotográfica que mais lhe atrai. Seu interesse característico por imagens do tipo diorama cenográfico surgiu depois de uma visita ao Museu de História Natural de Nova York, em 2005. No ano seguinte, bastante influenciado por esta experiência museológica, inicia suas experiências na fotografia.

O gosto por este tipo de fotografia começa ao pesquisar locações na internet para traçar e planejar suas viagens, como um “caçador de imagens” em busca de paisagens ideais que servirão de pano de fundo para suas ideias fotográficas pré-formuladas. Na sequência da captação autoral das imagens vem o trabalho de laboratório na tela do computador em que vai editar, colar, manipular e imprimir suas imagens inventadas. Em muitas ocasiões, os próprios locais de trabalho dessas pessoas retratadas mimetizavam construções dos períodos a que se refere a recriação da época. São o próprio suporte de suas “fotografias cenográficas.”

Diante dessas imagens, cabe-nos perguntar se de fato se trata de fotografia ou pintura. Questão inevitável em um primeiro olhar quando nos deparamos com estas imagens criadas por Tinoco. Ou será que se trata apenas de um fotógrafo profissional que se aventura pela fotografia artística em tempos em que os tradicionais pincéis foram substituídos pelas câmeras fotográficas digitais, com as telas substituídas pelos monitores de computador e todos os seus recursos de manipulação de imagem?

Mas nada mais são do que novos recursos que fornecem ao artista as mesmas possibilidades pictóricas de uma paleta de tintas, de cores vibrantes que seriam espalhadas sobre uma tela de algodão a ser pintada por pincéis. E na maneira impressionista, o fotógrafo sai em busca de suas paisagens para retratá-las em suas cores mais vibrantes. Nas próprias palavras do artista, sua busca é consciente dos precedentes dos pintores impressionistas nesta série 1900, Belle Époque Rural.

Marcelo Tinoco é também um artesão. As suas fotografias são o resultado de um trabalho manual meticuloso mas que se utiliza da “Pen Tablet” de seu computador para a construção de novas formas e cores. Trabalho que pode levá-lo à exaustão, depois de dias intensos que podem consumir semanas dedicadas a uma mesma imagem. Uma construção em seus menores detalhes.

Suas fotografias, como já disse, são também cinematográficas. Lembram muito as grandes telas dos cineramas. Um cinema estático feito de várias cenas registradas e sobrepostas, como uma colagem de longa “duração” que une dois ou mais tempos sobrepostos para criar uma nova imagem imóvel, mas que ainda guarda a noção de movimento, que se desloca temporalmente.

As imagens também trazem o nome das localidades onde as fotos foram feitas como Shakespeare em Bento – Bento Gonçalves, de 2013, da série: Hiper! O artista sai em busca de locações em cidades turísticas, como esta localizada na serra gaúcha. São imagens feitas para o contemplar.

Vivemos hoje o reflexo de um fenômeno que se iniciou nos anos 1990, quando a linguagem fotográfica foi totalmente assimilada pela arte e que permitiu a fotógrafos, muitos anos depois, assimilar a fotografia como linguagem artística e extrapolar a noção de registro para captar mais do que a realidade vista. Como na série Hiper!, que tem um apelo mais gráfico. Nestas imagens há tudo o que é hiper. Hiper movimentado, hiper rebuscado, hiper bonito, hiper absurdo. Vai além do que se registra. Passa a ser também interpretação do mundo físico, registrando também suas transformações e a condição humana.

A fotografia tornou-se antes de tudo um relato lírico que dá conta do mundo feito através do olho de uma câmera: ora é um olho vagante, ora não. Olhos que estão sempre construindo um diário visual como forma de uma crônica, conforme o fotógrafo vai acumulando suas imagens no tempo.

Esta é uma maneira de ver e não exatamente a maneira real de vermos o mundo, com os próprios olhos. Trata-se de um novo prisma para uma realidade ampliada através da fotografia contemporânea livre de normas. A fotografia era entendida como documento fiel a uma realidade.

Ricardo Resende, 2014
Mestre em História da Arte pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), tem carreira centrada na área museológica. Trabalhou de 1988 a 2002, entre o MAC-USP e o MAM-SP, quando desempenhou as funções de arte-educador, produtor de exposições, museógrafo, curador assistente e curador de exposições. Desde 1996, é consultor do Projeto Leonilson. De março de 2005 a março de 2007, foi diretor do Museu de Arte Contemporânea do Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza, no Ceará. Em 2007 participou de residência artística, como crítico convidado do Lugar a Dudas, em Cali, Colômbia. De janeiro de 2009 a junho de 2010, foi diretor do Centro de Artes Visuais da Fundação Nacional das Artes, do Ministério da Cultura. Atualmente é o diretor geral do Centro Cultural São Paulo. Em 2011 foi curador das mostras retrospectivas Sob o Peso dos Meus Amores, do artista Leonilson, no Itaú Cultural, e Sérvulo Esmerado, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em São Paulo.

Posted by Patricia Canetti at 5:15 PM