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outubro 21, 2019

Narrativas em Processo: Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural no Mamam, Recife

A mostra apresenta no Recife um conjunto de 46 obras, que abarcam mais de 80 anos da história da confecção deste tipo de livro por artistas brasileiros, na transição entre moderno e o contemporâneo, e revelam como a participação e a invenção artística traçam fronteiras com a literatura e o design. Além da exposição, o museu exibe livros de seu acervo e de artistas locais convidados

De 17 de outubro a 19 de janeiro, fica em cartaz no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM) a exposição Narrativas em Processo: Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural. Com curadoria de Felipe Scovino e projeto expográfico de Marcus Vinícius Santos, apresenta 46 das 125 obras deste acervo, em um percurso de 84 anos de história da confecção de livros de artista, em diversos formatos.

A mostra já foi apresentada em São Paulo, na sede do Itaú Cultural, em Ribeirão Preto, no Instituto Figueiredo Ferraz, em Curitiba, no Museu Oscar Niemeyer (MON), e em Belo Horizonte, na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard do Palácio das Artes, da Fundação Clóvis Salgado. Assim como nas cidades anteriores, a escolha e recorte das obras e seções sofreu mudanças em Recife. Na capital pernambucana, com exceção da obra do argentino Jorge Macchi, a exposição se concentra nos artistas brasileiros da coleção de livros de artista do Itaú Cultural e na transição entre o moderno e o contemporâneo, especialmente o momento em que o formato do livro cria novas fronteiras no seu formato conceitual, expandindo o lugar da palavra para além da página.

“Acompanhando a criação de novos procedimentos para a concepção de livros de artista, a exposição constitui diversas relações para o leitor”, avalia Scovino. Uma delas, de acordo com o curador, é a da pluralidade de ações não só com a literatura e as artes visuais, como também com o design, a política e, em alguns momentos, com a música. “Também se verifica uma leitura que não se esgota, que se desdobra, redefinindo o papel do livro, do leitor e o do artista”, observa.

Outro acervo que será exibido em diálogo à mostra é o de coleção livros de artistas do MAMAM e de artistas pernambucanos convidados. Esse espaço se faz importante para o fortalecimento do Recife como um polo de referência dentro do contexto nacional das artes.

A MOSTRA

Para Felipe Scovino, Narrativas em Processo: Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural “não é uma exposição apenas sobre livros-objetos, como se poderia imaginar quando veem à mente a expressão ‘livro de artista’”. O curador destaca que a mostra amplia essa percepção ao envolver os atributos que cercam este tipo de obra de arte: reflete a produção de uma revista pelo próprio artista, concebendo seu conteúdo e design gráfico; a manufatura de um livro ou a intervenção propondo uma ação conceitual ou física nesse suporte, ambos em caráter de tiragem limitada; a ilustração de uma publicação ou a produção de uma obra especialmente concebida para a sua capa; e a execução de um álbum de gravura.

Em Recife, a mostra se desdobra em cinco núcleos: Rasuras, Paisagens, Álbuns de Gravura, Uma escrita em Branco e Livros-objetos. Rasuras apresenta livros que, ao receber intervenção plástica, têm a sua função semântica ampliada. As obras não respeitam o jogo de uma narrativa linear, a escrita não precisa ser compreendida e o que importa é a mensagem final, que tem até um certo grau de violência e gestualidade. Em Balada (1995), de Nuno Ramos, o livro espesso e de capa dura não contém palavras, mas sim uma perfuração profunda à bala, transpassando-o brutalmente do começo ao fim, servindo como o único signo de leitura.

Mais uma obra representativa neste núcleo é As potências do orgânico (1994/1995), de Fernanda Gomes, Artur Barrio e Adriana Varejão. Nesta mostra, estão apenas as obras de Fernanda Gomes e Adriana Varejão. O surgimento da escrita visceral é o que marca este núcleo, testificado, ainda, por meio de três obras de Artur Barrio – Uma Extensão do Tempo (1996), Caderno Livro (1997) e O Sonho do Arqueólogo.

O núcleo seguinte, Paisagens, exibe trabalhos que transportam o leitor a uma experiência sensorial por meio de efeitos de impressão. Os livros têm uma aspiração ao tátil e à textura na superfície ou nas imagens, dada a fusão de cores e formas utilizadas. Dão um panorama, nesse sentido, obras como Paisagismo, de Roberto Bethônico, que acumula camadas, e sobreposições sobre o estado transitivo da natureza. Cria, assim, uma relação fecunda entre objeto e imagem.

Situação semelhante acontece em Memória Fotográfica, de Lucia Mindlin Loeb, onde o vazio –que também ocorre em Bethônico – incide na construção metafórica da imagem de uma câmara escura, já que o livro é atravessado em seu miolo por um “furo”. Entre outras obras exibidas neste núcleo, também são emblemáticas Páreo (2006), de Tatiana Blass, Partitura, de Sandra Cinto, e Buenos Aires Tour (2003), de Jorge Macchi.

Em Álbum de gravuras encontram-se obras de artistas plásticos que tiveram atuação determinante na passagem do moderno ao contemporâneo no Brasil. Entre elas, Gravuras Gaúchas (1952), em que o icônico Grupo de Bagé, composto por artistas como Carlos Scliar, Glauco Rodrigues e Glênio Bianchetti, defendia a popularização da arte.

Há obras emblemáticas desse período também de Arthur Luiz Piza e Sérvulo Esmeraldo, sendo este último importante artista cearense e um dos pioneiros da arte cinética no Brasil. Em uma de suas obras paradigmáticas, Variations sur une courbe, Esmeraldo apresenta uma poética incomum em seu trabalho. O mesmo acontece em Bernard Palissy, de Piza, cujas sete gravuras originais também estão em exposição.

Sandra Cinto está presente com o livro objeto Partitura, inspirado em antigos cadernos de estudos musicais e reinventados com a técnica da litografia. De Antonio Dias, há um livro com imagens ampliadas de pele humana, Flesh Room with Anima.

Antonio Henrique Amaral e João Câmara, também presentes neste núcleo, exploraram, nos anos 1960, cada um a seu modo, percepções sobre o tema da identidade e, em especial, de uma linguagem popular extremamente vigorosa e crítica. Já a tônica na pesquisa de Regina Silveira é duvidar dos códigos de representação. Em Anamorfas (1980), presente na mostra, nota-se um registro significativo desse estudo que subverte os sistemas de perspectiva.

Uma escrita em branco é um núcleo contemporâneo e apresenta obras que quebram as expectativas de um conceito fechado de livro ou leitura. Eles são oferecidos ao público como matéria, densa, compacta e sensorial. Entre eles, Devaneios – Utopias, livros em pó de tijolo e resina produzidos por Brigida Baltar em 2005, e Blocado: a arte de projetar, obra de Debora Bolsoni, de 2016, composta de ferro, papel e cola.

Desde meados dos anos 1950, no Brasil, os poetas concretos vinham problematizando as noções de livro, palavra e leitor e este é o teor do núcleo Livros-objetos. Nele estão obras como Muda Luz (1970), projeto de Plaza e Augusto de Campos, e Notassons – Notações Musicais e Visuais Aleatórias (1970-1992), de Montez Magno, que demonstram a ideia de escrita expandida e desdobrada em novas poéticas e (des)continuidades.

SALA DE DIÁLOGOS

Os dois acervos, Coleção Itaú e MAMAM, ocuparão o espaço juntos, fomentando a discussão entre artista, público e instituições culturais sobre as relações e alcances geográficos dos artistas contemporâneos das mais diversas poéticas, localidades e gerações. Ana Lira, Bruna Rafaela, Beth da Mata, Fernando Perez, Juliana Notari, Laura Melo, Márcio Almeida, Maurício Souza, Milena Travassos, Oriana Duarte e Paulo Bruscky são os autores locais selecionados pela curadoria do museu.

COLEÇÃO ITAÚ

As peças desta exposição pertencem ao acervo do Banco Itaú, mantido e gerido pelo Itaú Cultural. Formado por recortes artísticos e culturais que abrangem da era pré-colombina à arte contemporânea, cobre a história da arte brasileira e importantes períodos da história de arte mundial. A coleção começou a ser criada na década de 1960, quando Olavo Egydio Setubal adquiriu a obra Povoado numa Planície Arborizada, do pintor holandês Frans Post – agora exposta no Espaço Olavo Setubal, que ocupa o 4º e 5º andares do Itaú Cultural, em São Paulo, na exposição permanente dos recortes Brasiliana e Numismática também pertencentes a este acervo.

Atualmente formada por mais de 13 mil itens, a coleção reúne pinturas, gravuras, esculturas, fotografias, filmes, vídeos, instalações, edições raras de obras literárias, moedas, medalhas e outras peças. Trata-se da oitava maior coleção corporativa do mundo e a primeira da América do Sul, segundo levantamento realizado pela instituição inglesa Wapping Arts Trust, em parceria com a organização Humanities Exchange e participação da International Association of Corporate Collections of Contemporary Art (IACCCA).

As obras ficam instaladas nos prédios administrativos e nas agências no Brasil e em escritórios no exterior. Recortes curatoriais são organizados pelo Itaú Cultural em exposições no instituto e exibidas em itinerâncias com instituições parcerias pelo Brasil e no exterior, de modo a que todo o público tenha acesso a elas.

NÚCLEOS DA EXPOSIÇÃO

RASURAS

Aqui estão obras que se colocam à margem de uma narrativa obediente ao pragmatismo. É o lugar de uma escrita que nasce para não ser compreendida, que é oferecida ao mundo com certo grau de violência e gestualidade. Em Balada (1995), de Nuno Ramos, o rastro da bala que atravessa o volume do livro se transforma em signo de leitura. Em Flesh Room with Anima (1978/96), de Antonio Dias, assistimos a imagens ampliadas de pele: a página do livro se torna um padrão biológico. Nas obras de Artur Barrio, os conceitos de diário, registro, projeto, esquema, sonho e devaneio transportam o leitor para um espaço-tempo que foge a qualquer regra conclusiva sobre a concepção de livro como organizador pleno de ideias. Os livros de Adriana Varejão, Artur Barrio e Fernanda Gomes, que compõem parcialmente a série As Potências do Orgânico (1994/95), são índices de corpos transmutados em livros – estão lá vísceras, sangramentos, machucados. É o surgimento de uma escrita em que os fluidos transparecem, vêm à tona. A palavra transborda para uma relação profana entre imagem, narrativa e sexualidade. Nesse momento, podemos falar em livros-carne, pois neles estão contidos índices do que é visceral.

Em Dossiê Cruzeiro do Sul (2017), Lais Myrrha, ao fazer uso de saberes geopolíticos, astronômicos e históricos, revela que a constelação do Cruzeiro do Sul está invertida na bandeira brasileira. É o estopim para que, historicamente, seja construído um relato contundente sobre as disputas de poder no plano político e a falta de orientação do país expressa em suas disputas ideológicas, assim como, acima de tudo, para que seja registrada a situação de exclusão em vários níveis pela qual passa o Brasil. Em Escravos de Jó (2016), Aline Motta, por sua vez, parte da desconstrução da narrativa da cantiga infantil que dá título à obra para expor criticamente a história do Brasil em conjunto com a constituição de um estado necropolítico. O livro escancara como a cultura e a história oficial do país naturalizaram a violência e, especialmente, como a crueldade com o corpo negro se tornou prática comum e institucionalizada. Rasuras que revelam rasgos na carne.

E, finalmente, rasuras que não apagam as marcas indeléveis do roubo, memórias que retornam como apagamentos na obra de Rosângela Rennó. A pesquisa de 2005-510117385-5 foi criada com reproduções de fotos furtadas e, posteriormente, encontradas e devolvidas à Biblioteca Nacional (RJ), seu lugar de origem. As imagens, que retornaram em péssimo estado de conservação e sem o número de identificação, levaram a artista a outra criação poética, que ressalta a destruição ao reproduzir o verso das fotos, com suas margens rasgadas e outros estragos provocados no furto, realizados de modo “a apagar as marcas de registro de patrimônio da biblioteca”, segundo afirma a artista. A01 [cod.19.1.1.43] — A27 [s|cod.23] é resultado de pesquisa realizada no acervo do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro em 2012 e trata do furto, detectado em junho de 2006, de mais da metade da coleção de álbuns de fotografias realizadas por Augusto Malta e seus dois filhos ao longo de mais de 40 anos. “O livro contém as reproduções do interior e do conteúdo de cada caixa, tal como foram encontrados após a constatação do furto.” E o que não pôde ser reproduzido convida o leitor a construir a sua própria história.

PAISAGENS

Livros que podem guardar não só uma relação explícita com esse tema, mas que o apresentam, sobretudo, em sua superfície ou nas imagens que revelam uma aspiração ao tátil. Transmitem a ideia de uma textura que equivaleria, guardadas as diferenças, à pesquisa pictórica, pois está ali uma superfície vibrátil criada numa fusão entre cores, formas e imagens. É como se, simbolicamente, a paisagem impressa nesses livros pudesse ser experienciada de forma sensível e direta pelo leitor.

Não temos, portanto, apenas uma reprodução visual da paisagem, mas artifícios ou dispositivos criados pelos artistas que manifestam uma capacidade de tornar visíveis o espaço e a atmosfera dessa imagem, em suas mais distintas referências e aparições. Uma paisagem em constante mudança, nunca estabilizada, mas permeada com inflexões do artista e suscetível à imaginação criadora do espectador. Ao serem viradas as folhas em Paisagismo (2005), de Roberto Bethônico, acumulam-se camadas, sobreposições e novas visadas sobre o estado transitivo da natureza. Cria-se, portanto, uma relação fecunda entre objeto e imagem. Situação semelhante acontece em Memória Fotográfica (2013), de Lucia Mindlin Loeb, em que o vazio – experimento/forma que também ocorre em Bethônico – incide na construção metafórica da imagem de uma câmara escura, já que o livro é atravessado em seu miolo por um “furo”. Essa forma é perspicaz, porque o livro é efetivamente a publicação de imagens capturadas de maneira aleatória pela artista do entorno em que ela se encontrava naquele instante. Forma e conteúdo se entrelaçam. Por sua vez, Edith Derdyk desloca a perspectiva do olhar para o alto em Fiação (2004). Seu objeto de pesquisa, nesse caso, é a fiação dos postes da cidade. A paisagem urbana é exibida de um modo pouco usual, ressaltando-se o céu, mas sobretudo as marcas da modernidade (a iluminação elétrica) e os desenhos criados pelos fios.

Em Notassons – Notações Musicais e Visuais Aleatórias (1970/92), de Montez Magno, há um diálogo interdisciplinar e de vanguarda entre literatura, música e artes visuais. A partitura é o espaço não só da música incidental, mas do gesto – palavra e som constituindo o mesmo espaço e gerando ritmo e expressividade. Afirmo isso pois há formas, desenhos e virtualizações: o que está diante de nós são paisagens imaginárias dotadas, sem dúvida, de um espectro sonoro.

Em outra perspectiva sobre paisagem, temos Buenos Aires Tour (2003). Nessa obra, Jorge Macchi constitui oito itinerários que derivam de uma trama de linhas criada a partir da quebra de uma estrutura de vidro que, por sua vez, foi colocada sobre o mapa da cidade argentina. Nesses itinerários foram eleitos 46 pontos de interesse, sobre os quais o guia proporciona informações escritas, fotográficas e sonoras. A paisagem não somente é exibida, mas vivenciada de múltiplas maneiras pelo leitor. Por conta de uma tática movida pelo aleatório, com inspirações situacionistas, a rotina diária pela cidade se transforma em uma cacofonia de cheiros, sons e formas provavelmente nunca antes percebidos.

ÁLBUNS DE GRAVURA

Este núcleo apresenta álbuns, em tiragem limitada, contendo obras de artistas plásticos que tiveram atuação determinante na passagem do moderno ao contemporâneo no Brasil. Gravuras Gaúchas (1952) apresenta pranchas com gravuras dos artistas que fundaram o icônico Grupo de Bagé, tais como Carlos Scliar, Glauco Rodrigues e Glênio Bianchetti. Defendiam a popularização da arte, daí a sua impressionante produção de gravuras, com traços realistas e expressionistas, tecendo uma crítica social e ao mesmo tempo documentando a cena regional do Rio Grande do Sul.

Os álbuns de gravura constituem outra instância de narrativa, assim como os livros. Nas obras de Arthur Luiz Piza, Edith Behring e Sérvulo Esmeraldo aqui expostas, percebemos como a linguagem abstrata é múltipla no país, por suas contribuições e visões mais distintas do que próximas dos concretos e neoconcretos. Há um lirismo singelo e potente, assim como um domínio seguro da linguagem construtiva. Em especial, destaco o modo delicado e autônomo com que Piza se aproxima do informalismo; a contribuição especial de Esmeraldo ao campo da arte concreta no Brasil, com formas que ampliaram o sentido de comunicação entre obra e público; e a iniciativa de Behring, que começa a retirar da linha, do plano, da cor e das características dos materiais trabalhados elementos que vão do mais extremo rigor das formas a uma poesia envolvente.

Já Antonio Henrique Amaral, João Câmara e Gastão de Holanda exploraram, nos anos 1960, cada um a seu modo, percepções sobre o tema da identidade e, particularmente, de uma linguagem popular bastante vigorosa e crítica. Conectados ao tema social, criaram imagens significativas sobre as mais distintas reproduções do espaço social e político brasileiro, esperançosos de um desenvolvimento que desse conta de diminuir as diferenças que habitavam o país. É importante salientar que ambos exploram a ideia de corpo em meio a um panorama em que esse se mantinha em estado de alerta. Violência, sexo e política são temas recorrentes e podemos percebê-los na aparição de bocas, seios e armas, no caso de Amaral, e de um nu tendendo ao expressionismo, no álbum de Câmara e Holanda. Em especial no caso de Antonio Henrique, percebemos um traço que começa a incorporar elementos da gravura popular e a figuração extraída da cultura de massa, com destaque para a proximidade com a publicidade e o grafite.

Duvidar dos códigos de representação é uma tônica na pesquisa de Regina Silveira e, em Anamorfas (1980), temos um registro significativo desse estudo. A artista se interessa pela subversão dos sistemas de perspectiva. Os trabalhos partem de fotografias de objetos cotidianos – tomadas de certa altura e de determinados ângulos –, que são redesenhados com o intuito de obter compressões, dilatações e dobras.

As xilogravuras também ganham espaço na mostra, contidas nas obras em formato de álbum. São os casos de Pequena Bíblia de Raimundo de Oliveira (1966), com texto de Jorge Amado, e Das Baleias (1973), de Calasans Neto, acompanhado de um poema de Vinicius de Moraes. Sendo a literatura de cordel o referencial para essas obras, aponto que ela não se apresenta puramente como expressão da cultura brasileira, mas evidencia a constituição de um livro e de uma narrativa produzidos manualmente pelo próprio artista. São exemplos, portanto, do processo de expansão sobre a ideia de livro de artista.

Assim, este núcleo concentra distintas análises que exploram como podemos refletir sobre o diálogo entre a produção artística e os meios de experimentação tendo o livro como forma e a serialidade como meio.

UMA ESCRITA EM BRANCO

Existem duas situações para o uso dessa expressão. A primeira faz referência a livros em que a palavra está em suspenso e o que se destaca é a materialidade do suporte. Nela, estão em evidência a forma, o peso e a estrutura da obra, sendo a escrita negada ou não concluída. Nada aparece como um dado pronto: é preciso se aventurar entre essas camadas, das quais as incertezas são o motor. É o caso dos livros de Brígida Baltar e Débora Bolsoni, que nos são oferecidos enquanto matéria densa e compacta, sendo justamente por isso caros ao tato. Quebram expectativas sobre um conceito fechado de livro ou leitura, pois se lançam ao sensório. Assemelham-se a blocos e, enquanto o de Baltar é impossível abri-lo, pois seu propósito é o contato com a cerâmica, o de Bolsoni é um livro sem palavras, um campo aberto, um estado permanente do devir-livro.

Ainda acerca da suspensão da palavra, em Momento de Fronteira (1999), de Waltercio Caldas, o vazio ou a falta, metaforizada nos buracos contidos no livro, opera como demarcações sobre um mapa. O que se observa sobre o território é a indefinição em se concluir sobre limites. O que nos interessa nessa situação é a investigação ou aparição do livro enquanto objeto e o alargamento que essa experiência produz no entendimento a respeito do que o livro passa a ser. Em Estudos sobre a Vontade (2000), Caldas veicula efeitos concretos de vazios ao propor sólidos geométricos usando as mãos em uma imagem com apelo cênico. Especula-se sobre a existência do vazio na mesma medida em que se lançam operações de irrealização sobre ele. Como acentuou Ronaldo Brito, “[Waltercio Caldas] introduziu uma dúvida inquietante na segurança da trama”.

A segunda situação é a construção de uma narrativa na qual o leitor é deixado em um estado de perda de referências, pois a linguagem impressa no livro é turva, não se exibe com exatidão. O Livro Velázquez (1996), também de Caldas, torna imprecisa a percepção sobre texto e imagens. Eles nunca se colocam como prontos aos olhos. O livro é atacado como um todo: texto e imagens estão fora de foco. A imagem se coloca como frustração. É preciso furar camadas de inconclusão e deduzir sobre aquilo que nunca se coloca de modo inteiriço. É também esse laço que nos conduz a Caixa de Retratos (2010), de Marcelo Silveira, em que imagens em pedaços criam novos sentidos discursivos para a fotografia. A ideia de retrato como memória e recordação sentimental é descontruída, ao mesmo tempo que outro sentido é criado. Rasgar é modificar, criar novas dobras e outra relação com nosso passado e com o que somos.

Pode-se também investir sobre a palavra uma sucessão de efeitos ópticos, luzes e sombras que criam outra camada de leitura e transformam quem lê em um náufrago ou em um sujeito ao qual são oferecidas diversas bifurcações ou oportunidades de entendimento daquele objeto. Em Como Imprimir Sombras (2013), temos um livro aberto, sem páginas. Impresso sobre o acrílico – que estrutura e dá forma ao livro –, o título que nomeia a obra. Num jogo de luz e como exercício de linguagem, assistimos a sombra do enunciado ser projetada contra o fundo do livro. As palavras se apresentam e se ressignificam no espaço do livro sob as mais distintas vertentes, mesmo sob o signo da ausência. O débito ou a falta se coloca nesse núcleo como afirmação e potência de espaço e como leitura crítica sobre o real.

LIVROS-OBJETOS

Desde meados dos anos 1950 no Brasil, os poetas concretos vinham problematizando as noções de livro, palavra e leitor. Passando pelos poemas espaciais de Ferreira Gullar, que solicitavam a participação do espectador, e pelas obras pioneiras de Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Julio Plaza, que experimentavam a ação, a sonoridade e a espacialidade da palavra para além da página, a relação entre a poesia concreta e as artes visuais fundou um novo jeito de aparição do livro – ele toma uma forma escultórica na qual a palavra alcança a tridimensionalidade e passa a ter volume e densidade. A ideia de escrita expandida contida na pesquisa desses poetas ganha uma nova etapa: desdobra-se em novas poéticas e (des)continuidades. O livro faz aparecer sua própria fatalidade, pois interrompe toda linha contínua dos sentidos e torna-se risco. Este núcleo reúne e homenageia os pioneiros dos chamados livros-objetos no Brasil e sua intersecção direta com a poesia concreta. Era o momento em que a palavra saltava da página em direção ao espaço, assim como, guardadas as suas especificidades, simultaneamente as experiências concretas, neoconcretas e cinéticas exploravam um campo ampliado para a pintura e a escultura nas artes visuais. Percebam que a inclusão da obra de Waltercio Caldas neste núcleo cria uma comparação factível entre estas duas gerações de artistas: os da poesia concreta e aqueles com uma aderência ao campo conceitual. Parafraseando Paulo Sérgio Duarte, é a obra de arte na época de suas técnicas de reprodução que esses artistas tomam como terreno de operações.

Passamos então a analisar palavra/poema/livro/escultura como algo indissociável. Em Muda Luz (1970), projeto de Plaza e Augusto de Campos, por exemplo, o livro se abre feito o plano da cidade, trazendo densidade e volumetria para a palavra. Cor, escala e tridimensionalidade são aspectos correlatos da escultura que também passam a fazer parte da poética do livro ou da palavra. Outra parceria dos dois poetas é Objetos (1969). Nesse livro, composto de cinco grandes cadernos, os objetos são as próprias páginas, que, ao serem desdobradas, revelam formas geométricas geridas mediante um jogo estudado de cortes. Livro e escultura, verbal e não verbal, espaço e plano, eis algumas das possibilidades intersemióticas, espaciais e conceituais desse projeto de vanguarda. Interessante pensar que o artista passa a ser um criador ou propositor mais de situações do que de objetos acabados. E o livro foi e continua sendo um meio especialmente importante para pensar essa condição.

Em A Simétrica (1995), também de Caldas, o título da obra indica a ambiguidade própria do objeto: deriva do olhar cartesiano sobre o mundo, pois nele está aparente uma adequação geométrica, mas se equilibra, mesmo, é pelo seu humor, visível nas duas representações do vanitas. Estão lá, em oposição e em diálogo, a concretude das linhas definidoras do espaço e o símbolo da finitude. É esse distanciamento irônico que obriga ao sorriso.

O núcleo apresenta um microcosmo da produção do livro-objeto no Brasil. Seu início, como vértice do plano piloto da poesia concreta, e a sua dobra, em Waltercio Caldas e a sua forma silenciosa e alegórica de enxergar o mundo.

Posted by Patricia Canetti at 11:57 AM