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julho 3, 2006

Governo atende "donos da mídia" e adota padrão japonês, por Jonas Valente

Governo atende "donos da mídia" e adota padrão japonês

Matéria de Jonas Valente, originalmente publicada na Agência Carta Maior, no dia 30 de junho de 2006

Decreto sacramenta acordo defendido pelas empresas que dominam o setor. Segundo o presidente Lula, acesso será ampliado. Momento histórico em prol da democratização foi perdido, lamentam entidades.

BRASÍLIA - Ao assumir o Ministério das Comunicações, o ex-repórter e então senador Hélio Costa chegou com uma missão clara: acelerar a implantação da TV Digital dentro do governo. As relações com os radiodifusores, já evidenciadas na defesa radical da frustrada ajuda do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao saneamento das dívidas das emissoras de TV feita por Costa na época em que era parlamentar, ficaram mais explícitas no cumprimento de sua missão. Mais do que viabilizar o início das transmissões o mais rápido possível, a missão de Costa era garantir a adoção da tecnologia japonesa. Na iminência do primeiro prazo estipulado para a decisão do governo sobre o tema, 10 de fevereiro, o ministro apareceu no Jornal Nacional, principal telejornal do País, veiculado pela Rede Globo, pressionando o presidente em cadeia nacional afirmando que já havia "botado a bola na marca do pênalti" para Lula "marcar".

Na cerimônia desta quinta-feira (29), o ministro das Comunicações retomou a metáfora futebolística e parabenizou o presidente pelo "gol de placa", em referência ao Decreto lançado ontem que estabelece o Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD-T) com base na tecnologia japonesa. O anúncio atendeu ao pleito histórico dos donos de emissoras de TV. Ao governo restou a justificativa das alegadas vantagens técnicas deste padrão, uma vez que houve pouco avanço no terreno da política industrial. "Escolhemos o padrão japonês na medida em que ele é o mais robusto, pois no Brasil há predominância da TV aberta com muita ocorrência de antenas internas, o que demanda um sinal mais forte", disse a ministra Dilma Roussef (Casa Civil). Outro argumento utilizado foi que somente o padrão japonês permitiria a transmissão para receptores portáteis, como celular, e móveis, como em veículos.

"O diferencial para não desenvolvermos nossa tecnologia em favor dos japoneses é o fato de podermos ver televisão em ônibus? De uma suposta modulação robusta sendo que as desenvolvidas aqui são melhores? Esta justificativa é pífia", argumenta Diogo Moyses, do coletivo Intervozes. Para ele, a decisão de forma apressada, sem qualquer justificativa plausível ou contrapartida por parte dos japoneses evidencia o fato do governo Lula ter sucumbido aos interesses dos radiodifusores. "O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou com um privilégio injustificável à Rede Globo de Televisão: sua entrevista exclusiva ao Jornal Nacional, logo após anunciado o resultado da eleição. E termina do mesmo modo, com a injustificável e injustificada decisão de iniciar a transição das transmissões analógicas para as digitais, na televisão terrestre, do único jeito que as Organizações Globo aceitavam: com a opção pelo padrão ISDB-T, originário do Japão, e só adotado naquele país", critica o professor da Faculdade de Coomunicação (Facom) da Universidade de Brasília (UnB), Murilo César Ramos.

A principal justificativa para a escolha do padrão japonês - a construção de uma fábrica de sem-condutores (chips) no País - foi esquecida e relativizada. "A decisão de implantar indústria de semi-condutores não é do governo japonês, mas da empresas de lá que já estão em diálogo com grupos brasileiros", tentou argumentar o ministro Hélio Costa. Das tão propagandeadas vantagens industriais, sobrou o intercâmbio de tecnologia e a formação de mão-de-obra, ainda explicitado no acordo de forma genérica com termos como "estudo das possibilidades" "valorização". A incorporação das soluções brasileiras, um dos impasses das negociações das últimas semanas, passou a ser mencionada sem definições, cabendo agora ao grupo que será criado com integrantes dos governos e pesquisadores brasileiros e japoneses a discussão sobre a especificação dos componentes do padrão tecnológico do SBTVD-T. As inovações nacionais com mais chances de aplicação são o middleware (programa que faz o diálogo entre os aplicativos e a estrutura física das máquinas) Ginga e o padrão de compressão de vídeo H264, chamado de Mpeg 4.

A transição será feita em 10 anos, período em que os canais hoje com concessões para transmissão analógica ganharão mais um canal para transmissão em sinal digital. As emissoras terão até dois anos para o início das transmissões. Segundo o ministro Hélio Costa, já haverá transmissão na cidade de São Paulo em seis a oito meses.

CEREJA DO BOLO
Mas somente no discurso do presidente Lula, após falas de representantes das indústrias, da Academia e do ministro Hélio Costa, é que apareceram as referências a supostos benefícios culturais, educativos e sociais da escolha do governo. "Transformamos a TV Digital em prioridade porque ela está plenamente afinada com a meta do nosso governo, de conciliar avanço social com avanço tecnológico". Lula destacou a importância do SBTVD para o desenvolvimento da indústria de micro-eletrônica e da ciência brasileiras, mas diferente dos que lhe antecederam, foi o único que tocou no tema do conteúdo. "A TV Digital vai moldar em boa medida o futuro das comunicações, da produção, difusão e absorção de cultura em nosso país. Vai permitir um amplo acesso a serviços e bens culturais, especialmente para a população mais pobre, que muitas vezes tem na televisão seu único meio de informação e diversão gratuita", disse.

A fala contrastou com a ausência de representantes do Ministério da Cultura (MinC) na cerimônia. Para Paulo Miranda, da Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM), o fato é reflexo do isolamento a que esse órgão foi submetido no processo. Mais do que uma disputa interna, o enfraquecimento do MinC evidenciou o descaso pelo debate sobre o conteúdo da TV Digital. "Como vai discutir a digitalização e deixa de fora a cultura, o principal braço, setor que é um dos destaques da economia contemporânea?", questiona. A crítica não é nova e vem sendo feita tanto por integrantes da sociedade civil quanto por integrantes da própria pasta de Gil. Já prevendo respostas e questionamentos como estes, o governo incluiu no Decreto quatro canais da União para transmissão das TVs estatais, de conteúdo educativo, regional e local.

Para o professor Murilo Ramos, a medida é 'patética' e na verdade se configura como a 'cereja do bolo' do documento. "É uma medida inócua porque sequer responde de longe à real necessidade que a sociedade tem nessa área - a criação de um verdadeiro sistema público-estatal de rádio e televisão, nos moldes dos que encontramos nos países desenvolvidos, dotados de gestão democrática e financiamento". Segundo o professor, este sistema teria papel fundamental para fazer contraponto à hegemonia dos canais comerciais.

Na avaliação de Celso Schroder, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a criação destes canais dentro do contexto do decreto revela uma esquizofrenia, pois estabelece com os canais governamentais um viés 'estatizante' retomando proposta antiga de retransmissoras institucionais (RTVIs) mas mantendo um corte "totalmente patrimonialista em que a radiodifusão é tratada como negócio".

"Não só perdemos o momento histórico de desverticalizar a comunicação como reafirmamos isso na medida em que o statuso quo e o monopólio da mídia ficou intacto. Impedimos a convergência tecnológica e suas vantagens, como inclusão social, interatividade e aumento do número dos canais, o que o que permitiria a entrada do país no século XXI", completa Schroder. Ele também critica a unilateralidade da decisão, afirmando que o governo sabotou os próprios avanços que construiu, como o Decreto 4901, que instituiu o SBTVD e nele um Comitê Consultivo com representação da sociedade civil, esvaziado após a chegada de Hélio Costa.

ILEGALIDADE
Descontentes, diversas entidades relegadas durante o processo (leia: Organizações protestam contra iminente escolha de padrão) estudam entrar na justiça com base nas ilegalidades do Decreto. Para Moyses, do Intervozes, além de genérico com várias inseguranças jurídicas, o documento do governo é ilegal. Ele exemplifica citando o exemplo da contradição na permissão da multiprogramação (um canal de uma concessionária poderá abrigar diferentes programações) sem mudar as outorgas. "Cada nova programação é um novo serviço, e portanto não pode ser operado sem uma nova outorga", argumenta. Na sua opinião, esta lógica é caracterizada pela concepção do direito adquirido sobre a faixa do espectro, equívoco sério uma vez que o espectro é bem finito e deve ser administrado pelo Estado de forma nacional, não podendo ser privatizado.

Outro problema é a interatividade, prevista no decreto como uma das funções da programação do SBTVD-T. Na lógica atual da radiodifusão, o sinal é enviado de um ponto para vários receptores. Com as possibilidades da interatividade, ele poderia ser enviado ponto a ponto, o que configuraria um outro serviço, o que obrigaria regulamentação. Segundo Diogo Moysés, as diversas 'gambiarras jurídicas' são recurso para evitar que as definições sobre as outorgas e a transição passem pelo Congresso, o que colocaria o tema no debate público e evitaria o início imediato das transmissões. Mas para a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), o governo cometeu ilegalidade ainda mais séria ao, para além dos erros políticos de falta de diálogo com os parlamentares, ter celebrado acordo internacional sem passar pelo Congresso, como manda o Artigo 49 da Constituição.

Posted by João Domingues at 10:51 AM | Comentários(1)
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Posted by: AECATHERIN at fevereiro 9, 2010 7:50 AM
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