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junho 19, 2004

Tentativa de crítica de interface

op_era_129.jpg

OP_ERA, de Daniela Kutschat e Rejane Cantoni -
trabalho premiado no 4º Prêmio Cultural Sérgio Motta

JULIANA MONACHESI

Isso não tem nada a ver com um diário de bordo, mas como anunciamos que haveria aqui uma cobertura dinâmica da exposição hiPer e até agora fizemos míseros três posts, dá uma vontade de dar uma satisfação aos leitores do Quebra de Padrão, que talvez estejam aguardando este algo novo no ar e, ao longo de duas semanas, leram apenas uns poucos relatos sobre o que está acontecendo aqui em Porto Alegre.

Sim, estamos de volta à cidade (calma, isso não é MESMO um diário de bordo, daqui a três parágrafos prometo não recair mais na primeira pessoa, é só que o motivo pelo qual o Quebra de Padrão esteve um pouco parado tem relação direta com a possibilidade de vivenciar de fato a mostra), e voltamos para ver integralmente a exposição pela primeira vez. Na semana em que estivemos aqui acompanhando a montagem, atrasos de produção resultaram no óbvio: os trabalhos todos ficaram prontos e devidamente instalados apenas na hora em que o vernissage começou.

Desta vez, vimos uma exposição em que um conjunto de obras estabelece diversas relações e sentidos e pode ser percorrido sem interrupções e sem vazios (a não ser aqueles criados intencionalmente e que, portanto, fazem parte das leituras que se pode fazer da mostra). Foi como ver uma exposição completamente diferente daquela que deixamos duas semanas atrás ainda sob o efeito da tensão que todos os envolvidos no projeto sofreram em alguma medida. Trabalho coletivo é assim mesmo.

Passei o dia inteiro hoje imersa no Santander Cultural. Esqueci que estava em outra cidade e em muitos momentos esqueci também que estava trabalhando. Existe, me corrija se soar romântico demais, uma dimensão de experiência com a arte (e com a literatura ou o cinema ou o ecstudo de um tema apaixonante...) que faz a gente sublimar. Assim mesmo, intransitivo. Sublimei. O tratamento plástico que Chris Cunningham dá ao corpo humano, a viagem mental a que leva a instalação de André Parente, a possibilidade de simbiose com a máquina que o projeto da cave de Daniela Kutschat e Rejane Cantoni propicia.

Na verdade eu não entendi direito o trabalho da dupla. Voltaremos ao tema no Quebra de Padrão. O fato é que vislumbrar o que a interface que hoje define nossas vidas realmente é, adentrá-la, vê-la -como definiu a Patrícia Canetti em uma conversa- decupada, percorrer cada camada de informação, enfim, essa perspectiva é instigante. Porque o trabalho do Canal Contemporâneo na hiPer é também, de outra maneira, uma decupagem dessa interface e uma investigação do que é possível fazer com ela. A serviço de que podemos colocar a Internet?

Se você assistir televisão durante uma hora e meia, passeando algo aleatoriamente pelos canais, vai perceber que todo mundo está tentando responder essa pergunta. No final de vários comerciais aparece um endereço eletrônico, para quem quiser mais detalhes sobre aquele produto. No meio dos programas de entretenimento e/ou de jornalismo, o apresentador anuncia o link da emissora para as pessoas interagirem em tempo real com o programa ou para obterem detalhes sobre os temas abordados.

A propaganda da IBM é assim: um cara entra em um café e pensa alto "de uns tempos pra cá está todo mundo com seu notebook neste lugar". Alguém diz assim: "Aqui é um hotspot, a somatória dos negócios que estão sendo feitos a partir daqui pode chegar a milhões". "Milhões?", o desplugado pergunta. "Milhões, fica esperto". Aí mostra-se o nome do café, que é wi-fi qualquer coisa. E segue-se o slogan, que já está famosinho: IBM, a solução para a era on demand, ou alguma variação disso. Esqueci, deveria ter anotado.

Mas eis algumas notas que tomei na sequência: o canal GNT tem um programa às sextas-feiras, 21h, chamado e-love, sobre o amor na era digital, mostrando casais que começaram o romance pela Internet e que decidem se encontrar pessoalmente. O programa acompanha passo a passo os preparativos, a ansiedade, o encontro (ou desencontro -no episódio de hoje o cara ficou frustrado porque a garota não se parecia com a das fotos que ela tinha enviado) etc., uma variação de reality show.

Agora tem também essa modalidade de reality show em que alguém passa por um processo de transformação total, já viu algum? Tem o divertidinho Queer Eye for the Straight Guy, em que um grupo de gays dá um banho de loja, cultura, etiqueta em um hetero típico (a caricatura é que o macho que é macho não sabe se vestir, nunca vai ao cabeleireiro, não sabe cozinhar, tem péssimo gosto para decoração etc.). Tem o Esquadrão da Moda, com duas sargentonas jogando fora metade do guarda-roupa de alguma mulher e ensinando-a a encontrar seu próprio estilo reconhecendo o tamanho e a forma de seu corpo.

Outro dia descobri um que é bem mais punk: Extreme Makeover, cruel pra caramba, mas estranhamente emocionante no final. Pegam umas pessoas "bem feias" e levam aos melhores cirurgiões plásticos de Hollywood, dão banho de loja também, overdose de academia e depois devolvem pra família que as espera ansiosa. O patinho feito e a bruxa retornam lindos, reformados, com os dentes morbidamente brancos e roupas que ninguém nunca os viu vestir. Tem os depoimentos do alvo da transformação, "agora posso ser feliz, sou outra pessoa, tenho tudo com que sempre sonhei etc.", e dos familiares, constrangidos antes -"gosto dela de qualquer jeito"- e comovidos depois. Uma loucura.

Em Mundos Separados, famílias inteiras trocam de país e a gente vê o choque de realidade que advém da mudança radical. Faking It (traduzido como "Tudo É Possível") mostra uma equipe pegando um cara qualquer e o transformando em um falsário. No teste final, ele é avaliado junto de verdadeiros profissionais daquela determinada atividade que ele "aprendeu" em duas semanas e ganha se o júri não conseguir identificar quem ali está fingindo. Bem, mas tudo isso para dizer: o que são os reality shows senão uma tentativa (ou várias e as mais desesperadas) da TV de não ficar para trás, de se equiparar à Internet?

Talvez esses programas se enquadrem na definição de Steven Johson de "metaformas", formatos intermediários entre uma mídia e outra que surgem em momentos de transformação extrema provocada pelo advento de uma nova tecnologia. Na Bandeirantes tem um programa diário para falar de interface, ao menos foi o que consegui depreender vendo um pedaço hoje, em que mostravam o game de Star Wars. Chama-se G4 Brasil Drops, para mim um nome totalmente enigmático. Enfim: é um programa de TV ou um metaprograma em busca de um espaço onde possa funcionar integralmente?

Estamos todos nos perguntando o que a Internet nos torna capazes de fazer. Lá se vai minha promessa de não usar a primeira pessoa, mas fazer o quê? Estou aqui tentando descobrir novas formas de usar um novo canal de comunicação. Um canal que, para a minha área de trabalho, o jornalismo cultural, é absolutamente fascinante. Acho que o Quebra de Padrão é uma iniciativa de reflexão sobre as possibilidades que a Internet traz como veículo de comunicação e também uma ação propositiva de lançar alguns alicerces para que essa prática de jornalismo cultural de interface se desenvolva e se diferencie do jornalismo praticado convencionalmente. É ativismo, segundo me disse a curadora da hiPer em entrevista hoje lá na exposição.

Posted by Juliana Monachesi at 11:26 AM | Comentários(5)
Comments

Oscar Wilde já dizia: "Jamais escrevas 'eu'. Em arte não há primeira pessoa."

Posted by: Rogerio Gonçalves at junho 29, 2004 1:17 AM

Uma das principais conquistas da arte contemporânea foi justamente o direito de uma obra se constituir como discurso em primeira pessoa, por vezes redundando até em trabalhos completamente "umbiguistas" (o pequeno preço a pagar pela liberdade de expressão). No caso da crítica de arte e do jornalismo cultural, a história é outra. Faz pouco tempo que começaram a surgir textos mais pessoais, como o da Lisette Lagnado a respeito do Marepe no catálogo da Bienal, e alguns deles são bastante interessantes. Os formatos e as regras estão aí para serem quebrados mesmo, não?

Posted by: Julia Leme at junho 29, 2004 5:25 PM

Ao ler este texto pensei na possibilidade do Michael Jackson trocar seus braços e pernas humanos por braços e pernas de titânio, com o objetivo de não ter problemas de locomoção na terceira idade.

Posted by: Gustavo Wiering at julho 1, 2004 7:40 PM

Demais! Espero reler-te em breve.
Muitas palavras juntas me agradam mais...

Posted by: erika at julho 22, 2004 3:51 PM

Demais! Espero reler-te em breve.
Muitas palavras juntas me agradam mais...

Posted by: erika at julho 22, 2004 3:52 PM
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