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julho 14, 2004

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Betty Leirner comenta seu filme Political Mistakes

Canal Contemporâneo - Por que você escolheu trabalhar com os idiomas inglês, hebraico, iídiche, árabe e japonês na obra Political Mistakes?

Betty Leirner - Em se tratando de um filme que tem por cenário de fundo o conflito no Oriente Médio, a escolha do árabe e do hebraico aparece por serem estas as principais línguas através das quais o conflito se processa; o iídiche entra enquanto língua híbrida e nômade, e o japonês enquanto a língua incógnita, a língua que representa o estrangeiro, o desconhecido; o inglês aparece enquanto denominador comum. Para quem entende japonês, quem sabe seja o iídiche a língua incógnita? Para quem não entende nenhuma destas línguas, a música aparece enquanto a língua de Babel.

As cenas principais do filme, nas tomadas no Muro das Lamentações, nas tomadas dos aparatos de segurança e da cúpula sagrada do outro lado do muro, se iniciam ao som de um sensível e importante intérprete do mundo sufi ao cantar em árabe um poema que fala da impossibilidade do amor e de separação, e passam à grandiosa e rara interpretação da reza judaica dos mortos, o kadish, cantada a partir da música de Ravel. Quem não conhece estas duas línguas, talvez não perceba e não imagine que sejam diversas.

Canal - De que tipo de produção você precisou para realizar as locações? Era permitido filmar em todos aqueles lugares?

Betty - Geralmente, com algumas exceções, filmo a realidade e os locais por onde vou para depois passar ao processo de montagem a partir do material escolhido. No caso de Political Mistakes, alguns "milagres" aconteceram. Por exemplo, é proibido filmar no Muro das Lamentações. Eu realmente não tinha a intenção de filmar, estava apenas visitando, mas parece que fiquei invisível e tudo se passou como se fosse um sonho. As cenas intimistas foram filmadas a poucos centímetros de distância, subi numa cadeira e, simplesmente, filmei. Foram momentos de transgressão, suspensão e profunda introspecção.

Canal - Algumas pessoas são retratadas bem de perto, principalmente aquelas rezando junto ao Muro das Lamentações, e também os turistas japoneses. Houve algum tipo de "encenação" ou as pessoas realmente se deixaram filmar no local?

Betty - No caso dos turistas japoneses, podemos sentir no filme o desconforto que provoquei ao filma-los. Eles se escondiam, e eu parava de filmar. Não trocamos palavras. Na hora de montar o filme, utilizei as seqüências inteiras e misturei o som direto das cenas com passagens sonoras escolhidas para modificar o sentido das imagens.

Em Petra, na Jordânia, pedi aos beduínos montados a cavalo que passassem algumas vezes pela câmera para que eu pudesse filmá-los. No caso do Muro das Lamentações, creio ter havido uma espécie de "intervenção divina" que possibilitou a filmagem. Esta foi, porém, até agora, a primeira e a única vez que filmei a dor alheia.

Canal - Os travellings por montanhas e paisagens desertas contrastam com a câmera quase estática quando da presença humana; as diferenças religiosas são o elemento mais paralisante na questão israelo-palestina, na sua opinião? As disputas por território seriam a mera simbolização deste conflito mais profundo? A câmera "cala" para evidenciar uma divergência irredutível?

Betty - Quando filmo pessoas, busco deixar passar as expressões e os sentimentos sem palavras através das imagens fixas para depois encaixá-las enquanto seqüências do filme, utilizando o pensamento silencioso e aberto dos atores, que no caso são todos incidentais, para criar um trabalho subjetivo. A câmera não cala, a câmera observa e capta de maneira quase neutra, para deixar que o sujeito, no caso o protagonista, desenvolva seu pensamento sem desvios provocados pela distração que os movimentos de câmera poderiam produzir.

Não creio serem as diferenças religiosas o elemento mais paralisante das questões israelo-palestinas, mas sim as semelhanças percebidas enquanto diferenças e principalmente a instrumentalização do conflito pelos atuais dirigentes dos dois povos irmãos.

Canal - Qual a função das palavras na obra Political Mistakes?

Betty - As palavras aparecem em meus filmes primeiramente enquanto elemento da paisagem, filhas da imagem e do som. Por vezes, as palavras propõem as imagens e traduzem ou modificam os sons. Em Political Mistakes, uma função adicional das palavras é a de configurar um esqueleto poético que sustenta e conduz a relação entre as diversas linguagens (musical, imagética e de sentido), propondo desta maneira uma colocação sugestiva a respeito do conflito, através do fato de contrastar palavras diversas que querem dizer a mesma coisa.

Canal - Qual o papel semântico dos animais no filme? As pombas e os tubarões dizem algo que as palavras não podem dizer?

Betty - Bem, sempre me perguntei se os animais também falam línguas diferentes, quando nascidos em países diferentes. Ao avistar o casal de pombas, uma branca e outra cinza, no mais profundo pedaço de terra do planeta, muito abaixo do nível do mar, no meio do deserto do Neguev, dei risada ao pensar no sentido simbólico que estes animais possuem, ao vê-los quase imóveis no espaço quase infinito. Quanto aos tubarões, estes não precisam dizer nada: são comuns a todas as nacionalidades e a (quase) todos os mares.

Canal - Você poderia comentar o encontro das imagens com a música em seu filme?

Betty - Eu poderia destacar o momento em que os peixes dançam exatamente aos sons do sax egípcio, o ponto em que a paisagem e as diferentes texturas e cores de terra do deserto aparecem fragmentadas e corridas ao som do bíblico texto Children go where i send thee ("Crianças, ide aonde vos envio"), e a passagem em que o Mar Vermelho (de um profundo azul) é agitado ritmicamente pelo vento, fazendo pensar que as imagens tenham sido manipuladas. Em todos os meus filmes (de 1994 a 2000) nunca modifiquei o tempo de filmagem, acelerando ou diminuindo o ritmo das imagens. Tenho um profundo respeito à realidade, que passa a se tornar ficção a partir do momento em que começo a modificá-la. Isto não se dá a partir de processos mecânicos, mas através das relações entre as linguagens.

Posted by Juliana Monachesi at 12:40 AM | Comentários (2)

julho 11, 2004

Você viu o que eu vi?

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Obra de Chris Cunningham na hiPer possibilita infindáveis leituras

JULIANA MONACHESI

Ao longo dos 12 minutos de duração do vídeo flex, de Chris Cunningham, acompanhados de uma composição eletrônica de Richard James (do Aphex Twin), acontecem algumas coisas perturbadoras. Uma mulher nua se arrasta, ensangüentada, olhando com pavor para trás. Para nós, espectadores. Da escuridão surge uma superfície corpórea difícil de identificar. É pele, tem veias, não se move. Então surge uma mão que lhe imprime movimento, como uma ameaça.

Não vou generalizar e dizer que neste momento "nós, espectadores" tememos estar prestes a presenciar um estupro. Afinal, cada um entra na sala onde está sendo projetado o filme de Chris Cunningham na hora que quer, podendo vê-lo desde o começo, o meio ou o fim, podendo também assistir apenas a um destes pedaços e nem chegar a ver a cena em que parece que aquele homem violento vai estuprar aquela mulher fragilizada. Alguém deve ter tido a experiência oposta: tendo visto a história a partir do ponto em que a mulher massacra o cara, pode ter dado um sentido completamente diverso à cena da masturbação.

O fato é que o acaso me fez ver flex pela primeira vez a partir de um ponto determinado que levou à interpretação que eu comecei a esboçar no primeiro parágrafo deste texto. Como boa espectadora de exposições de arte contemporânea, entretanto, não permiti que o acaso interferisse mais do que o aceitável. Vi e revi e revi e revi flex. Estou convencida de que não se trata de um estupro. Estou convencida de que o tema desta obra de Chris Cunningham é a Criação, uma fábula cósmica para os tempos contemporâneos.

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Entretanto, não consegui começar este texto para o "Quebra de Padrão" de outra forma. Precisei mencionar a primeira impressão que eu tive da obra pelo simples acaso de ter entrado na sala no momento em que aquele pequeno trecho de filme sugeria (ao menos para mim) que pudesse se tratar de uma ameaça de estupro. Isso me leva a duas únicas conclusões possíveis: 1. o mito da Criação nada mais é do que a história de um estupro; 2. em uma exposição com videoinstalações, o momento em que se entra na sala é determinante na fruição da obra.

Deixo essa questão maior e alarmante (1) para os especialistas e me detenho na questão de não menor envergadura (2). Levaria o exemplo da minha irrelevante experiência assistindo ao magnífico (e muito mais complexo do que fiz parecer, com inúmeras camadas de significados: da questão da releitura de pinturas clássicas ao interesse pela anatomia, passando pela suposição de ser ele "metáfora do amor e do ódio entre homem e mulher", como o define a curadora de hiPer) filme flex a concluir que as repisadas noções de obra aberta e anticinema (instalações de arte com hora marcada?, nem pensar) ainda dão pano para a manga?

Aproveitando-me descaradamente do veículo de comunicação em que esta "reportagem" será publicada, vou quebrar mais um padrãozinho e parar o texto na metade. Mais que isso, só posso dizer que Chris Cunningham voltará à baila. (Aceitam-se comentários e sugestões!!!!!!)

Posted by Juliana Monachesi at 2:34 AM | Comentários (4)