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julho 19, 2005
Proposta de espaço aberto, mas controlado, por Maria Hirszman, Estadão
Proposta de espaço aberto, mas controlado
Matéria de Maria Hirszman, originalmente publicada no Estado de São Paulo no dia 15 de Julho de 2005
Caráter contraditório do evento Ocupação, realizado pelo Paço das Artes, suscitou debates
O projeto Ocupação, que ocorreu ao longo dos meses de junho e julho no Paço das Artes, constitui uma interessante maneira de tentar escapar aos limites cada vez mais estreitos impostos à produção visual brasileira. De maneira um tanto reducionista, podemos dividir as ações neste campo em dois grandes blocos.
De um lado estão as poderosas e midiáticas iniciativas que concentram as verbas e, conseqüentemente, o público. E de outro grupos e instituições que buscam estabelecer ações com vínculos sociais mais concretos, capazes de criar alternativas à institucionalização museológica gerando espaços de criação alternativa. Mesmo que essas fronteiras sejam um tanto permeáveis, podemos classificar o Paço das Artes (instituição que comemora este ano 35 anos de existência) no segundo grupo, sobrevivendo a duras penas mesmo que pertencendo ao governo do Estado de São Paulo.
E para reafirmar seu papel de espaço privilegiado para a arte contemporânea e a situação de exceção permanente, nada melhor do que um projeto como este.
Ao convidar mais de 70 artistas e performers a literalmente ocupar o espaço da instituição, construindo aos poucos e in loco seus projetos (o grupo foi dividido em três blocos, cada um deles expondo ao longo de 15 dias), a instituição tenta sair de maneira produtiva e criativa da enrascada em que estão as organizações culturais de menor status deste País. Ao longo do período abrangido pela Ocupação foram gerados trabalhos de grande interesse, quer tenhamos como parâmetro a evolução pessoal da poética de cada um dos artistas participantes, quer pensemos na oportunidade dada ao público de arte contemporânea de conhecer os intestinos da produção, em contato direto com o artista.
O diálogo entre as várias obras propostas também estimula leituras interessantes, como demonstra o site criado pelo grupo de curadores que se dispôs a acompanhar passo a passo a evolução do evento e que gerou uma série de interpretações um tanto limitadas ao caráter "estético-conceitual" dos trabalhos.
Mas parece que o verdadeiro motor do evento, aquele que suscitou mais debate e interesse não são seus méritos, mas seu caráter contraditório. A ambigüidade entre a provocação e a ação institucional. Trata-se, realmente, de uma ocupação, ou este é um termo instigante para uma ação de caráter até que bastante democrático mas que conta com o apadrinhamento de uma instituição? Quem ocupa não o faz com data marcada, num espaço rigorosamente dividido - e de maneira até um tanto criticável, pelo excesso de painéis e "cotovelos" criados no espaço para segmentar de forma individualizada cada uma das intervenções. Também não depende de um convite, mas de um anseio de transformação. Como resume com precisão Mariana Cavalcante no blog criado pelo site Canal Contemporâneo, é "legítima a realização de uma ocupação de artistas em um espaço cultural público condenado pela negligência do Estado, como oportunidade de denúncia dessa situação insustentável e vergonhosa por que passa o Paço das Artes (...). Questionável pra mim é a forma como este processo se deu. No momento me parece que a a iniciativa da 'ocupação' perdeu o sentido quando abriu suas portas apenas para alguns artistas pertencentes a um círculo restrito criado pelos interesses de alguns, não sendo de forma alguma uma iniciativa de abertura e democratização do espaço em questão."
Acrescente-se aí o fato de que a Ocupação nem ao menos se dá de forma total.
Ela é limitada geograficamente, ocupando apenas o espaço não usado pelos artistas participantes da Temporada de Projetos (programa de mostras que há anos vem exibindo o trabalho para artistas jovens e convidados). E também não ocorre no momento nobre da programação do Paço. Em agosto a instituição realiza importante simpósio sobre a produção contemporânea, com a presença dos principais críticos e teóricos do País, demonstrando que reflexão e prática devem andar juntos. Mas simultaneamente o Paço abrigará então não uma experiência ousada como a de agora, mas os trabalhos agraciados pelo Prêmio Sergio Motta, uma parceria público-privada, com orçamento garantido.
julho 17, 2005
Sobre a última reunião da Ocupação
Ontem, durante a discussão sobre o terceiro turno da Ocupação, onde se tentou fazer um balanço geral do que foi essa iniciativa, o clima foi tenso. Apesar de ter sido considerada uma intervenção estapafúrdia, os comentários de Zorro no QUEBRA, sobre a matéria na Ilustrada mereceram resposta, o que tomou grande parte do tempo disponível para a reunião.
A maioria dos artistas não se colocou contra, mas ficou em silêncio ou então manifestadamente alinhados, de modo que a temida acusação de "manipulação" não encontrou respaldo. Mesmo assim alguns artistas manifestaram vivamente, durante a reunião, insatisfação com o fato de que a repercussão que a Ocupação teve só alcançou essa extensão, por que foi tratada, na mídia, como sendo algo que só mereceu atenção, em virtude de seu caráter político. Nas palavras de Daniela Bousso, em sua carta: "A proposta de "Ocupação" do Paço das Artes deve-se à necessidade que a equipe do Paço e eu sentimos em nos posicionar frente a penúria que as instituições culturais estão vivendo em nosso país."
Bem, é claro que com a participação dos artistas, esse posicionamento deixou de ser exclusividade de Daniela Bousso e da equipe do Paço.
No entanto, para alguns artistas menos visíveis, a questão política era outra, conforme foi mencionado por vezes durante os três debates da Ocupação, pois estavam interessados no significado intrínseco da Ocupação, o que ela representa conceitualmente no âmbito da arte, ou seja, da relação entre artista e curador.
Algumas pessoas foram pegas de surpresa com o rumo que a exposição pareceu tomar e Daniela Bousso comentou ontem: "...os artistas vinham trabalhar no primeiro turno achando que tudo era "cor-de-rosa" e de repente levaram um chacoalhão(com a matéria na Folha)...a partir de então as coisas começaram a ficar boas..."
Sentiu-se falta de que a exposição tivesse, além da polêmica, a cobertura crítica que normalmente é dispensada na imprensa às exposições do circuito, e era quase frustrante que esta estivesse tendo tanta visibilidade e que isso não revertesse na divulgação dos trabalhos, que estavam sendo desenvolvidos pelos ocupantes.
Era quase como se os artistas não importassem, nesse jogo político, e portanto foi inadvertidamente ignorado o fato de que os trabalhos também são políticos.
Em qualquer trabalho de arte, que seja contemporâneo, existe a questão da relação do artista com um mundo onde ele é sempre colocado para escanteio, como parece ter sido o caso, principalmente por parte da imprensa.
Embora os artistas se posicionem politicamente, com seus trabalhos, esse posicionamento parece não ter sido levado em conta nessa polêmica, já que o que se falou foi mais da "penúria" das condições, sem exibir o que os artistas são capazes de fazer, nessa penúria. Artista nunca teve grana, de qualquer modo.
