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Relato Rumos 7 - Diário de bordo: Macapá

 
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Guy A



Registrado em: Terça-Feira, 15 de Fevereiro de 2005
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MensagemEnviada: Sáb Abr 12, 2008 11:00 pm    Assunto: Relato Rumos 7 - Diário de bordo: Macapá Responder com Citação

Dia 7 – Macapá [01/04]

Voltamos algo avulsamente ao Norte: dessa vez para Macapá, última capital ainda não-visitada pela "caravana Rumos" nessa região – com a exceção ainda de Porto Velho [RO], não incluída em nosso roteiro. "A cidade por onde passa a linha do Equador" é a principal [única?] referência que me ocorre.
O vôo tem escalas em Brasília e Belém, sempre com chuva; no último trecho, já de madrugada e prestes a pousar, em meio a uma tempestade, enfrentamos uma turbulência especialmente violenta. Recorro ao MP3 para, digamos, relaxar, e os primeiros versos que escuto, do Love & Rockets, não são os mais estimulantes naquele contexto: "...you are desintegrating / into everything around"... Desligo na mesma hora, tentando me convencer que não há nada de premonitório naquilo e tento focar no que Macapá nos reserva, após aquela chegada intensa.
O pior não ocorre e, após uma rápida disputa por táxis em que me vi forçado a abandonar qualquer civilidade – 2 da manhã, chovendo e sem ninguém respeitar a fila no aeroporto - chego ao hotel, de instalações bastante modestas para nossos parâmetros até então. Não que faça diferença no meu caso: é chegar e dormir profundamente. Desperto ao som das cabras no quintal vizinho, e a tempo de pegar as sobras do café da manhã.
Mais tarde, já na companhia de duas colegas de viagem, fazemos um reconhecimento de terreno até o ponto que parece se consistir na principal atração turística local: o forte, ou fortaleza de São José e seu entorno. Trata-se de uma imponente construção do século 18, bem à margem do Amazonas, sendo uma das "sete maravilhas brasileiras" [!]. Sim, Macapá situa-se num trecho da orla deste mar de água doce que é o estuário dos rios que vêm da Amazônia; uma visão que de fato impressiona. Almoçamos por ali mesmo - uma peixada típica - e terminamos o giro num shopping center, lamentavelmente o único local onde nos garantem poder tomar um café expresso. Algumas ruas, mesmo não tão periféricas, como a do hotel, apresentam vários trechos com asfalto rompido e condições precárias de trânsito, com terra batida. Assim como Boa Vista, a cidade aparenta ser muito plana, com prédios de não mais de 4 ou 5 andares, ainda assim esparsos. Cogitamos esticar até o famoso "marco zero", supostamente o ponto exato por onde passa a linha do Equador, mas somos informados que este situa-se em uma região não tão próxima e absolutamente desinteressante. Preferimos então descansar um pouco e chegar mais cedo ao local do evento.

Do evento

Uma vez mais é o SESC local a sediar nossas atividades, agora uma unidade que toma todo um quarteirão e que chama atenção por suas magníficas instalações com ênfase em práticas esportivas, muito bem mantidas. As palestras ocorrem num espaço coberto mas sem paredes, tornando a atmosfera do evento mais informal. Comigo, à mesa, estarão Marilia Panitz, Alexandre Sequeira e Yara Richter, coordenadora de artes visuais do Itaú Cultural.
A afluência de público termina sendo surpreendente, se considerarmos a expectativa que tínhamos em relação à cidade: cerca de 90 pessoas comparecem, uma boa maioria permanecendo até o fim. Convém ressaltar, contudo, que Macapá – ao contrário, por exemplo, de Boa Vista - possui um curso de graduação universitária em artes visuais, o que pode fazer muita diferença neste aspecto.

Marilia Panitz, crítica, curadora e professora do departamento de artes visuais da UnB, dá início às palestras, em sua primeira participação até o momento. Sua apresentação leva o título "Aproximações: arte e crítica", já de saída indicando que sua fala passará pela análise do estatuto algo difuso da crítica de arte na atualidade, quais suas perspectivas e seu possível lugar de atuação. Abre citando G.C. Argan e sua posição em relação à atividade da crítica, sublinhando os diferentes registros que a escrita de arte pode assumir –ensaística, historiográfica, jornalística... Pontua sua fala com imagens, usando obras de arte para apontar aproximações entre artistas e críticos/teóricos ao longo da história da arte recente, comentando em que medida o elemento passional entre estes pode ou não determinar ou influir em juízos e leituras acerca de trabalhos. Assim, emergem telas de Pollock onde se evoca o olho e a atuação de Greenberg; de Delacroix e Manet, em que se evidencia a relação de ambos com Baudelaire [em Música nas Tulherias, deste último, o pintor surge discretamente auto-retratado junto ao poeta], onde a proximidade afetiva seria um impeditivo, para o escritor, da emissão de juízo; de Anita Malfatti, para trazer à tona Monteiro Lobato [seu detrator] e Mário de Andrade [seu "protetor"]; e por aí vai, com mais alguns exemplos. A seguir, Marília se detém sobre a noção de "imagem como texto" aplicada a práticas artísticas, subentendendo na mesma "uma certa resistência da imagem ao discurso", ou ao menos à sua lógica. A esta noção ela acresce ainda a de uma "pedagogia da imagem", ao falar da obra de Kosuth, Oiticica e alguns nomes do Fluxus, artistas que estariam "escrevendo a própria obra". Detém-se ainda sobre algumas obras de Cildo Meireles [como Introdução a uma nova crítica, 1970-200] e sua interpretação por Paulo Herkenhoff - à qual, por sua vez, Marilia sobrepõe uma re-interpretação pessoal, no que sugere que poderia ser um modelo de para a crítica de arte. Cita ainda uma passagem de Ricardo Basbaum onde se aventa um "lugar-entre" como possível para a crítica, com ênfase no diálogo.
Mais slides, agora de publicações especializadas em arte no Brasil, algumas já extintas, como a "Malasartes" e "A parte do fogo", e "Numero", que se destacam como iniciativas envolvendo artistas e teóricos, com graus diversos de "cumplicidade" em seus projetos. Fala ainda de sua experiência com o grupo-projeto Gentil Reversão, que integra com mais cinco artistas em Brasília, e que tem seu corpo de ações ditado pela valorização desse diálogo artista-crítico, com linhas de trabalho pautadas em "investigações sobre as possibilidades de diálogo" e sustentando "o lugar do texto como dentro do tecido da mostra". Apresenta imagens de algumas mostras realizadas pelo grupo e encerra defendendo o papel da crítica, hoje, como "propositor de versões e provocações".

Alexandre Sequeira então realiza sua fala, já amplamente comentada aqui anteriormente, com a proverbial ênfase em identidade cultural, regionalismos, e os perigos de "estereótipos homogeneizantes". Termina sua apresentação sustentando que "ser contemporâneo não é necessariamente negar o dado local/regional".

Debate - Participação do público

A platéia demora um pouco a se pronunciar. Após uma ou duas colocações genericamente elogiosas, um senhor indaga a Marilia "o que seria arte contemporânea", pergunta tão pertinente quanto inadequada, dada a dificuldade em respondê-la em termos objetivos. Ela se desvencilha afirmando que arte contemporânea "é uma arte que lança questões sobre seu tempo, ou [sobre] o tempo em que se vive", afirmando que nem toda arte produzida em determinada época possui essa característica. Tomo a liberdade de complementar citando as 'categorias' de Anne Cauquelin [arte contemporânea" e "arte atual"], distinções tão singelas quanto razoavelmente eficazes, acredito, para efeito deste tipo de questão. A seguir vem uma questão, inevitável, dirigida a Alexandre: algo como "o que ele conheceria da arte do Amapá". Sequeira assume uma lacuna pessoal nesse quesito e diz só conhecer a produção do grupo-coletivo local Urucum – como de resto os demais integrantes da mesa. O argüinte se mostra compreensivo com nossa lacuna mas não oferece exemplos de artistas que escapem a uma produção de matizes estereotipicamente regionais/artesanais.
É então que uma jovem artista faz uma breve explanação acerca da cena local; ela integra um grupo de estudos e práticas artísticas ligado à universidade cujo foco é a pesquisa no corpo, mote que seria "um grande tabu" frente à fragilidade de mentalidade reinante no contexto institucional macapaense. Descreve algumas ações/intervenções protagonizadas por seu grupo, por vezes de caráter contestatório, e sua receptividade problemática, etc. A mesa comenta genericamente o teor das ações, ressaltando a importância do grupo não esmorecer frente a manifestações negativas.
A seguir, a coordenadora do departamento de artes visuais da universidade faz um aparte semelhante, afirmando ter gostado sobretudo da exposição de Alexandre [sobre a cena de Belém] e relatando também algumas propostas e ações de que ela própria participou ou realizou. Segue-se mais um ou outro aparte elogioso, de modo geral agradecendo a [rara] oportunidade de interlocução com personagens atuantes no meio de arte brasileiro. Surge ainda uma sugestão de se pensar mais um evento em Macapá, ainda durante essa edição do Rumos. Nada pode ser prometido no momento, embora a idéia agrade a todos. Encerramos o evento. O saldo geral é bastante positivo, a julgar pelos comentários dos colegas; é também minha opinião, ainda impressionado pela quantidade de pessoas que compareceram ao evento naquela noite quente.
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