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Relatos Rumos 15 – Diário de bordo: Vitória/Vila Velha

 
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Guy A



Registrado em: Terça-Feira, 15 de Fevereiro de 2005
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MensagemEnviada: Qui Jun 12, 2008 2:13 am    Assunto: Relatos Rumos 15 – Diário de bordo: Vitória/Vila Velha Responder com Citação

Dia 15 - Vitória/Vila Velha [05/05]

Na aproximação ao aeroporto de Vitória, o avião arremete não uma, mas duas vezes. Contrariando o sentimento geral de inquietação contida ou disfarçada [ou nem tanto, como percebi atônito no sujeito a meu lado, que se postou numa clássica posição de pânico, com a cabeça entre os joelhos], achei ótimo: aproveito os sobrevôos imprevistos para fazer fotografias de trechos da orla próximos à capital, especialmente de uma praia que julgo ser aquela na qual morei por mais de década, até meados dos anos 80, no que considero um período inesquecível em minha vida. Já em solo, constato com certa frustração que a cidade ainda guarda algumas das características que nos faziam pensar nela como uma capital provinciana [no mau sentido], mais de vinte anos atrás, a começar pelo próprio aeroporto, ainda precário e de péssima estrutura. Essa impressão seria alternadamente reafirmada e desmontada por exemplos e situações diversos; os aspectos positivos mais evidentes ficam por conta do aparente investimento e melhorias no urbanismo da ilha que dá nome à capital capixaba.

De resto, o capixaba não muda: segue sendo um povo cordial, receptivo e absolutamente desprovido de traços culturais marcantes [exceção feita à afamada e deliciosa torta capixaba] – nem sotaque eles têm! E ainda mais estranho, comemoram o título de campeão do futebol carioca [conquistado pelo Flamengo no domingo em que chego] como se fosse "deles", com carreatas e buzinaço pelas ruas... Curiosíssimo, embora deva-se lembrar que se trata de um estado encravado entre três potências no quesito "identidade cultural": Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia.

De qualquer forma, o evento se dará em Vila Velha, cidade vizinha e tecnicamente integrando a Grande Vitória, e onde agora se chega em menos de 15 minutos, graças à famigerada Terceira Ponte, empreitada de que ouvia falar ainda na minha infância em Vitória – sem exagero. Uma ponte que custou três vezes seu valor [dizem] e quase duas décadas para se concretizar; mal contenho minha emoção ao cruzá-la, contaminado que estou por essas lembranças. Antes disso, a experiência de deslocamento entre as cidades era algo assim como tentar acessar Niterói, vindo do Rio de Janeiro, sem a ponte que todos conhecemos. E agora, vupt!, antes que me dê conta já estou em plena Praia da Costa, espécie de versão modesta de uma Ipanema de Vila Velha.

Do evento

A mesa será realizada nas dependências do Museu da Vale do Rio Doce, instituição que afinal pôs Vitória/Vila Velha no mapa das artes brasileiro. Apesar do acesso algo inóspito [pouquíssimo convidativo para quem não estiver motorizado], na região do porto, e de se tratar de uma segunda-feira à noite, o público comparece em excelente número, o que nos surpreende da melhor maneira.
À mesa comigo, Christine Mello, Paulo Sergio Duarte e Valéria Toloi, esta última do Itaú Cultural. Por conta de Paulo Sergio literalmente estar chegando do exterior naquele momento, optamos por dar-lhe mais tempo para se recompor e é então Christine a abrir as palestras, apresentando sua fala “Arte nas extremidades”. Já comentada anteriormente, trata das condições híbridas em que se dá hoje a arte contemporânea, chamando a atenção para “processos descentralizados de ação artística” e suas novas formas de organização, com redes comunicacionais, etc. Sobretudo estes últimos aspectos são articulados a partir da tríade de conceitos desconstrução, contaminação e compartilhamento, que ela lê em chave ampliada e ilustra com exemplos visuais [vídeos de artistas e projetos na internet]. Termina defendendo a atividade artística como um “procedimento de ação inter-sígnica”, um “fluir de ações” cientes de sua incompletude, apontando para os processos limítrofes de sua existência – as extremidades do título da fala.

Talvez aproveitando o mote que surge ao final da exposição de Christine, Paulo Sergio retoma a idéia de incompletude para se referir à arte, agora num registro mais eminentemente filosófico; da arte como a “parte de nós mesmos” que nos falta, o “ser” e o “não poder ser por inteiro”, e da impossibilidade dessa “inteireza” como o que impulsiona a produzir arte. Cita também uma imagem recorrente em sua fala, a da “arte em camadas”, como um processo que se dá por sedimentação, quase oposto à noção de “progresso”, que vê como problemática quando aplicada à arte. A seguir demora-se comentando elogiosamente a exposição de Hilal Samir Hilal - mais notório artista capixaba e por muito tempo o único nome do estado a ter visibilidade nacional – que esteve em cartaz ali mesmo, no Museu da Vale; afirma que a mesma era emblemática de dois vetores que considera importantes [e que sabemos serem objeto de interesse especial por parte de Paulo Sergio], o do espetáculo e da delicadeza.

Estende-se numa maior conceituação do que entende por essa delicadeza, sobretudo em tempos em que impera o “olhar leigo embrutecido” [a essa altura de nossa caravana já praticamente um saboroso bordão em sua fala]; esta se apresentaria como um contraponto, uma poética que “nada contra a corrente”. O que o leva a dizer que se ressente da perda ou falta da capacidade de atrito em boa parte da produção dos dias atuais, usando a expressão “trabalhos que já vêm com texto” para tentar ilustrar este estado de coisas, citando ainda Cildo como exemplo de artista que buscava aquela pulsão de atrito; e encerra retomando o tópico “lacunas na institucionalização da arte” no Brasil e a debilidade de mercado como fatores que paradoxalmente impulsionam a produção artística no país [também já comentado em relatos anteriores].

Debate / participação do público

É feita uma colocação, a partir do que se falou "da arte e da vida contemporânea" como possível determinante de um tempo de produção também mais acelerado por parte do artista. Christine responde recorrendo à noção de “vazio” e afirmando não ser um problema da arte ter que responder às demandas desse “novo”; comenta os novos mídias e tecnologias – sua área de especialidade – ressaltando não ver como premissa se recorrer a estes procedimentos neste processo; PSD observa que “o olho e o pensamento podem ser pré-modernos”, independentemente dos equipamentos ou meios que se utilize; discorre sobre a TV “da época em que não havia videoteipe”, e “de formas antigas e pré-modernas de se filmar futebol”; termina lembrando que mesmo quem faz pintura se vale de recursos ou procedimentos eminentemente ancestrais e nem por isso etc. O que o leva à questão das muitas “mortes da pintura”, o que de modo geral considera uma tolice; cita Harold Rosenberg e seu A tradição do novo como emblemático da falência ou no mínimo relativismo em torno desse tipo de argumentação, e isso já há 50 anos.

A seguir, é instado a comentar “qual seria o pólo da delicadeza”, ou “qual seria o vetor que move esse pólo”; diz então que seriam os vetores que se manifestam ou evidenciam como opostos ao da brutalidade, ressaltando que os modos variam muito; elenca trabalhos de Fernanda Gomes e Brigida Baltar como exemplares desta sua possível plataforma estética; “a delicadeza se faz presente e contraria a brutalidade do mundo”, resume. Seguem-se comentários gerais, de todos na mesa, acerca das polaridades “espetacular” e “delicadeza”; potencialmente opostas mas não necessariamente incompatíveis ou antitéticas, arrisco, ao que PSD aquiesce.

Uma última colocação da platéia, também endereçada a Paulo – o que compreensivelmente se mostrou uma tônica em todas as mesas – o inquire sobre “o impacto da mercantilização na produção contemporânea”. PSD responde falando do rebaixamento do estatuto da arte” e da mercantilização que se dá também no campo simbólico, citando as “mostras de encomenda” do [museu] Guggenheim e “o museu que fica parecido com o shopping” [e nunca o contrário], etc.

E ficamos assim. Agora é aproveitar algumas horas de descanso antes de seguir para Belo Horizonte, pela manhã.
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