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Relatos Rumos 1 – Diário de bordo: Belém

 
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Guy A



Registrado em: Terça-Feira, 15 de Fevereiro de 2005
Mensagens: 22

MensagemEnviada: Sex Mar 14, 2008 7:14 pm    Assunto: Relatos Rumos 1 – Diário de bordo: Belém Responder com Citação

Relatos Rumos 1 – Diário de bordo: Norte

[Belém, Manaus, Rio Branco e Boa Vista]


Dia 1 – Belém


Belém, 10 de março.
Início do périplo Rumos Artes Visuais 2008-09. Primeira de dezenove cidades a serem visitadas nessa etapa de difusão do programa país afora, até maio [e eu estarei em todas elas, exercendo nessa etapa duas das três funções que me cabem neste Rumos: coordenação das mesas e confecção destes relatos]. Integram a comitiva no Pará Christine Mello e Paulo Reis [curadores], Yara Kerstin Richter, gerente do núcleo de artes visuais do Itaú Cultural e, numa feliz confirmação de última hora - graças a uma súbita disponibilidade de agenda -, Paulo Sérgio Duarte, coordenador-geral desta edição do programa. A rotina de eventos será um tanto desgastante: 4 cidades em 5 dias, neste primeiro módulo de viagens. Após Belém, seguimos para Manaus, Rio Branco e Boa Vista, respectivamente.

O calor não é tão intenso quanto imaginava em Belém, mas combinado à alta umidade do ar pode mexer bem com o organismo, antes da aclimatação. Em compensação, o calor humano é impressionante: poucas vezes me senti tão rapidamente à vontade em um terreno até então para mim desconhecido. Desde já deixo um abraço especial pela acolhida calorosa a Alexandre Sequeira [outro dos curadores desse Rumos], bem como a Armando Queiroz [um dos assistentes curatoriais], Val Sampaio, Armando Sobral e Orlando Maneschy – todos também artistas, professores e profissionais atuantes na cena paraense, seja na universidade, seja em equipamentos culturais locais.

E que, diga-se de passagem, há em boa quantidade: em nossa breve estada pudemos constatar a existência de inúmeras instituições desse perfil, dentre museus e espaços culturais. Só no centro da cidade há coisa de meia dúzia em uma área de poucas quadras, como a magnífica Casa das Onze Janelas, o Museu do Forte, o Museu do Estado do Pará, o Museu de Arte Sacra, o Museu de Arte de Belém, mais adiante o Museu Goeldi, e inúmeros outros prédios históricos. Isso para não mencionar igrejas e catedrais [e não incluindo aqui, obviamente, o inevitável Mercado do Ver-o-peso, com sua conformação "escarrapachante" e imersiva].

Chama a atenção a quantidade de prédios – notadamente museus e igrejas - em processo de restauro ou recuperação arquitetônica parcial, iniciativas que parecem estar associadas a um conjunto de ações públicas de revitalização do centro histórico de Belém iniciadas em final dos anos 1990.

Por mais que me esforçe para refutar "leituras turísticas-chavão", estereotipadas, é difícil abstrair a profusão de cores, cheiros e sabores típicos oferecidos pela simples experiência de percorrer as ruas e mercados. Arroz-de-pato, tapioca, jambu, pupunha, tucupi, cupuaçu, guaraná, o onipresente açaí, taperebá, as essências de fragrâncias encontradas nos mercados que fazem a alegria das moças [e supostamente também dos moços], o rio Pará, seus "pôpôpôs" e os peixes - tambaqui, tucunaré, filhote, pirarucu... E ainda estamos apenas na primeira - embora certamente a mais cosmopolita - das capitais do Norte.

Do evento

Casa cheia no IAP [Instituto de Artes do Pará]; o confortável auditório de porte médio abriga um bom público. Após as apresentações de praxe, Paulo Sergio Duarte abre a mesa falando da relação da produção contemporânea brasileira com seu passado moderno – que vê como “não-edipiana”, no sentido de não se buscar um “confronto” ou ruptura com essa tradição [se é que chegou a se conformar como tradição, no nosso caso; mas esta é outra discussão. Em todo caso, trata-se de mote recorrentemente debatido no meio da historiografia da arte no Brasil], mas que “a incorporam e a transformam em novas linguagens”. PSD identifica nessa dinâmica uma tensão positiva, revitalizadora e demarcadora da força e da singularidade de nossa produção, convergindo para o que chama poética da reflexão: um corpo de obras que, “sem fugirem das exigências conceituais de sua construção se manifestam, simultaneamente, com vigor plástico”.

Em seguida, Paulo Reis [crítico de arte e professor da Universidade Federal do Paraná] discerra sobre a constituição dos espaços expositivos como arenas de discussão crítica e pública da visualidade. Analisa a construção histórica deste espaço, desde a introdução do modelo de salões no séc. 18 até suas diferentes configurações na contemporaneidade, apontando as mudanças de estatuto percebidas não apenas em um certo conceito de espaço expositivo como “modelo clássico” como na relação do público e dos artistas com os mesmos. A fala é fartamente acompanhada de imagens que ajudam a contextualizar os exemplos que apresenta, dos salons da Academia Real Francesa a obras de artistas contemporâneos que trabalham aspectos arquitetônicos e/ou institucionais em sua produção, como Daniel Buren e Hans Haacke.

Christine Mello [pesquisadora de vídeo e mídias digitais e professora da Faculdade Santa Marcelina] encerra apresentando uma leitura da produção contemporânea a partir de um viés a que chama “Arte nas extremidades”, no que seria uma “tentativa de crítica sobre o estado da arte contemporânea do ponto de vista da cultura digital”. Para tal, baseia sua fala em três noções-chave: contaminação, desconstrução e compartilhamento, conceitos que irá desdobrar no decorrer de sua exposição.

Debate e perguntas

É perguntado a Paulo Sérgio sobre a possibilidade de haver, nos dias atuais, “uma arte que não levasse à reflexão”; PSD responde dizendo que sim, sem dúvida “há muita arte de elevada qualidade estética que não propõe qualquer reflexão”, no que não haveria necessariamente nenhum demérito, citando indiretamente uma aclamada pintora brasileira como exemplo. Discorre mais um pouco sobre como entende a noção de poética da reflexão – introduzida em sua fala -, como sendo “uma arte que, num mundo de certezas, devolve ao corpo a dúvida, instaura o vazio”.

Christine Mello responde a uma questão envolvendo mecanismos de percepção do mundo, reforçando o papel da “máquina como transformadora do estatuto dessa mediação”; fala também sobre imagens estáticas e um novo estatuto de temporalidade na existência atual.

Surgem algumas indagações e dúvidas de cunho mais institucional, referentes ao programa Rumos, rapidamente esclarecidas por Yara Kerstin e integrantes da mesa.

A última pergunta é talvez a mais instigante: é levantada questão sobre como a arte contemporânea dialoga - ou se relaciona - com a chamada cultura popular “sem que essa relação seja folclorizada”, ou contaminada por juízos e noções estereotipantes. Trata-se de um aspecto absolutamente relevante, a meu ver, num evento protagonizado por um programa como o Rumos, que implicita em seu bojo - mesmo que involuntariamente - a problematização dessa questão.

Todos na mesa nos pronunciamos a respeito: PSD cita Oiticica e Marepe como exemplos de artistas que operam nessa vertente “sem folclorizar”, ressaltando as diferenças entre cultura popular e arte popular. Eu faço um aparte ressaltando o que vejo como potencialmente delicado nessa aproximação, frisando que a arte contemporânea é um sistema que [se] permite a criação de mecanismos de apropriação e legitimação de produções em princípio alheias a este circuito, lançando para discussão exemplos de artistas – com graus diversos de problematização em sua obra - como Samico, Brennand, Mestre Didi e mais recentemente, Bosco Lisboa [artista cearense que trabalha com cerâmica presente na última edição do Rumos]; Christine fala da extensão do conceito de arte popular a partir do anos 1960, com o advento da pop, a intensificação da televisão, etc., sugerindo que o debate passa por uma discussão sobre “alta” e “baixa” cultura. Só lamentamos não haver tempo suficiente para o desenvolvimento apropriado da questão.

Encerramos a estadia em Belém num ótimo restaurante...japonês [não sem antes termos provado, em um procedimento metódico, metade do estoque de sabores locais da famigerada sorveteria Cairu, um clássico da cidade].

Editado pela última vez por Guy A em Dom Abr 06, 2008 10:58 pm, num total de 4 vezes
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Patricia Canetti



Registrado em: Terça-Feira, 9 de Novembro de 2004
Mensagens: 29

MensagemEnviada: Seg Mar 17, 2008 12:33 pm    Assunto: Reflexão ou não, eis a questão Responder com Citação

Adoro estas discussões sobre arte... E achei que esta primeira pergunta da caravana Rumos Artes Visuais 2008 puxa um fio longo e muito interessante para iniciarmos o nosso debate online.

É perguntado a Paulo Sergio sobre a possibilidade de haver, nos dias atuais, “uma arte que não levasse à reflexão”, diz o relato de Guy Amado. Ao pensar na resposta de Paulo Sergio, “há muita arte de elevada qualidade estética que não propõe qualquer reflexão”, e em qual seria a minha resposta para este questionamento, me dei conta de que pode haver tantas respostas quanto forem os interlocutores da arte indagados sobre o assunto. Mais do que isso, acho que eu mesma, dependendo do momento, seria capaz de dar respostas diferentes: sim, não, talvez...

Creio que esta singela pergunta leva ao cerne da arte contemporânea cujas proposições se conectam ao interlocutor e ao momento do encontro deste com a obra. Afinal, é possível ter certeza de que uma obra não levar a reflexão se relacione única e exclusivamente a própria obra ou às suas próprias características? Ou estaria aí também em jogo a bagagem do interlocutor no momento do encontro com a obra?

A princípio, tendo a crer que toda obra de arte é propositora de reflexão. Seja ela sobre a própria arte ou sobre a vida. E você o que acha? (Adoraria conhecer várias opiniões a este respeito, principalmente de artistas...)
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Lilia Tandaya



Registrado em: Quarta-Feira, 31 de Dezembro de 1969
Mensagens: 1

MensagemEnviada: Sex Mar 28, 2008 5:10 pm    Assunto: Contemplação sim, Reflexão talvez Responder com Citação

Gostei dessa possibilidade de debate online... e de acompanhar o “Rumos”...
Achei super pertinente a colocação da Patricia “Reflexão ou não, eis a questão”, me estimulou a escrever...

Então, quando li a resposta do Paulo Sergio sobre “uma arte que não levasse à reflexão” discordei porque não acho que seja a arte, obra do artista, que propõe a reflexão, ela pode ter ou não essa intenção, mas o que leva a reflexão é a cultura do espectador... O artista ao se expressar, possibilita uma reação, que implica numa sensibilização, que pode ou não gerar uma reflexão... acredito todo artista fique satisfeito em saber que sua obra sensibilizou alguém, que ele possibilitou uma experiência perceptiva no espectador que parou diante da obra e apenas contemplou, sem necessariamente refletir sobre nada, apenas apreciando a qualidade estética citada por PSD, mas a mesma obra pode ir além da apreciação e provocar reflexões... na minha compreensão esse limite não esta na arte, do artista, mas na cultura, do espectador...

E ainda a seguir onde ele fala sobre a poética da reflexão, “uma arte que, num mundo de certezas, devolve ao corpo a dúvida, instaura o vazio”, isso é alguma poesia no estilo realismo fantástico? Que mundo é esse de certezas? Eu não vivo nele, no meu mundo é tudo muito relativo... alias achava que estávamos num pós-relativismo... E “instaura o vazio”?! Ele deve estar se referindo a esse que querem colocar na Bienal de São Paulo, mostrando o quanto os curadores/críticos estão incapazes de mostrar um panorama coerente da produção artística... bom, esse é outro tópico... mas exemplifica bem a visão limitada e limitante que alguns tem sobre as possibilidades contemplativas e reflexivas da arte, esse espaço vazio só propõe a reflexão, impossibilita a contemplação já que não apresenta nenhuma obra com característica estética. Será essa a arte dos curadores/críticos, “impor” a reflexão anulando uma possível experiência contemplativa?
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