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Como atiçar a brasa

 


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outubro 12, 2016

O Brasil no globo da morte por João Paulo Cuenca, The Intercept_Brasil

O Brasil no globo da morte

Artigo de João Paulo Cuenca originalmente publicado no The Intercept_Brasil em 6 de outubro de 2016.

NO GALPÃO DE UMA FÁBRICA desativada, encontramos um ambiente monumental formado por quatro estantes de metal com dez prateleiras, com altura equivalente a de uma casa de dois andares. À moda dos gabinetes de curiosidades dos séculos XVI e XVII, protomuseus que traziam à Europa objetos encontrados pelo mundo, aqui a coleção é fruto de uma viagem ao Brasil.

Cada lado do quadrado tem uma cor preponderante: cerveja (vida cotidiana, eletrodomésticos, jogos, atabaques, globos de espelhos, cadeiras de praia), nanquim (objetos associados à noite, à morte e ao luto: troféus, relógios, uma toga – com uma placa em LED indicando em letras vermelhas: “ADVOGADO”– e a Constituição de 1988 ao lado de dois livros queimados com as cinzas depositadas em vasilhas: “Édipo Rei” e “Prometeu Acorrentado”), cerâmica (objetos do mundo agrário, ligados à culinária e às coisas simples, como filtros de água, chapéus de couro, enxadas, vasos sanitários e fardos de palha) e porcelana (luxo e kitsch representados por itens como um iphone, uma garrafa de Château Pavie Saint Emillion 1964 (de R$ 2 mil), um vibrador peniano, aparelhos de chá e um MacBook).

Não fosse aquilo “O globo da morte de tudo”, instalação dos artistas Nuno Ramos e Eduardo Climachauska no SESC Pompéia, em São Paulo, os mil e quinhentos objetos poderiam fazer parte de um museu de etnologia ou de história natural — ou até mesmo de um brechó. Se a coleção fosse qualquer uma dessas coisas, bem provável que estivéssemos todos mortos. O que já estamos, a longo prazo — e, como espécie, quase lá.

A obra não tardará a nos oferecer algum assombro mórbido, pois no centro do cubo imperfeito há dois globos da morte com quatro metros de diâmetro, daqueles onde motociclistas desafiam a gravidade em picadeiros circenses. Eles estão apoiados um no outro, formando uma espécie de oito deitado, e conectados às frágeis prateleiras por uma série de varas de metal.

Na noite do primeiro mês de aniversário da exposição, uma multidão reúne-se para acompanhar o clímax prometido: logo uma dupla de motoqueiros paramentados começará a acelerar dentro dos globos, rompendo o delicado equilíbrio do que está nas estantes. A estrutura será como um monstro sacudindo os ombros e os braços, livrando-se do que tem sobre si. Em breve, veremos o Brasil desequilibrar e se espatifar no chão — esperamos pela catarse de ver materializado diante de nós o terremoto que intuímos diariamente.

Mas antes disso, me atenho à estante “nanquim”, onde o líquido escuro está em vasos, garrafas, bolsas plásticas para transfusão de sangue. Só consigo ver tudo como petróleo.

No canto de uma de suas prateleiras há um exemplar da revista Exame: “Como ganhar dinheiro se o Brasil der certo – três motivos para acreditar nisso” – manchete recente, de 31/08/2016, cujo otimismo deveria ser surpreendente, mas não é. Ao lado dela, um VHS do filme Metropolis, de Fritz Lang, um cantil metálico e uma reprodução em cera de um pedaço de carne vermelha.

O petróleo, a carne, os viadutos de Metropolis e o Brasil “dando certo” — isso tudo me faz pensar na frase de Lula, tantas vezes repetida, sobre seu orgulho ao saber “que todo brasileiro pode ter um carro na garagem e comer carne todo dia”. Apesar de simbolizar um ciclo de progressos inegáveis e históricos, essa simples sentença resume um modelo de desenvolvimento que ainda nos trará graves consequências climáticas e sociais. E não que o governo golpista preocupe-se neste sentido. Muito pelo contrário.


Eduardo OrtegaPouco acima, num canto da mesma coluna, há uma réplica do capacete verde e amarelo de Ayrton Senna. Se há algo que une as administrações federais do PT, quando o governo foi o maior financiador das montadoras no país via BNDES e isenção fiscal, e o prefeito recém-eleito de São Paulo, João Doria Jr., é o amor ao automóvel.
A principal bandeira da campanha de Doria, cujo slogan foi “Acelera”, foi o aumento da velocidade máxima nas marginais, revogando uma política de controle de velocidade que diminuiu em 37,5% o número de acidentes, salvando 257 vidas em um ano, segundo dados da CET-SP. Ao encerrar seu discurso de vitória, o novo prefeito pediu para que as “pessoas de bem” dessem as mãos, como num culto religioso, e disse “acelera São Paulo!”, ao som do Tema da Vitória de Senna.

O motivo para o capacete do piloto estar na sessão nanquim (“objetos associados com à noite, à morte e ao luto”) da instalação de Nuno Ramos e Eduardo Climachauska é conhecido de todos: Senna morreu num acidente automobilístico em 1994.

Numa altura dessas, eu já era mais um entre as centenas de brasileiros torcendo para que tudo fosse abaixo de uma vez. Esperávamos uma catarse explosiva, do tipo Zabrinskie Point. Para, das cinzas, detritos e cacos de vidro, talvez poder esculpir algo novo — e sem tanto petróleo. Os motociclistas entram sob aplausos, representando a classe que perde mais de um dos seus a cada dia no trânsito de São Paulo. Eles acenam, colocam seus capacetes coloridos e rapidamente desaparecem nos globos da morte.

As motos aceleram, começam a orbitar ruidosamente contra a superfície de metal, a estrutura estremece. Sentimos cheiro de gasolina queimada. Nas prateleiras, vemos líquidos balançarem dentro de vasos, garrafas, taças – e pirâmides de taças. Mas o tempo tarda a passar até que o primeiro objeto, uma humilde chaleira, caia no chão. Da expectativa ao anticlímax, descobrimos que uma das motos quebrou. O outro motoqueiro ainda tentará outras vezes, mas é pouco o que termina derrubado: um forninho, um violoncelo, uma panela, um vaso. Desta vez, não chegaremos ao anunciado e esperado horizonte de destruição.

O inesperado glitch na performance, que já tinha sido feita com sucesso em 2012, na Galeria Anita Schwartz, no Rio, talvez confira a ela um novo sentido. Em 2012, antes do terremoto político que nos trouxe aqui, quando aos distraídos tudo tomava o rumo certo, podia parecer lúdico emular a destruição dos meios de produção e consumo que nos fazem ser quem somos. Em outubro de 2016, o resultado frustrado pode servir para nos lembrar que certas estruturas arcaicas não são tão fáceis assim de derrubar. Que o diga a auto reflexão necessária à esquerda brasileira hoje em dia.

(“O globo da morte de tudo” fica exposto no Sesc Pompeia até o dia 6/11. Ao final, o Nuno Ramos me disse que talvez as motos participem do encerramento. A ver se conseguem derrubar o que precisamos.)

Posted by Patricia Canetti at 3:01 PM