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maio 25, 2004

Conversa com Juca Ferreira

Conheça a discussão e propostas do MinC para a mudança da Lei Rouanet

O Ministério da Cultura está em fase de finalização do texto para a modificação e aperfeiçoamento da Lei de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313). No segundo semestre, as mudanças serão anunciadas pelo ministro Gilberto Gil e implementadas pelo governo.

A Assessoria de Comunicação Social do MinC conversou com o secretário-executivo Juca Ferreira, que adiantou algumas das propostas do pacote de mudanças proposto pelo MinC.


Como está a Lei Rouanet hoje?

A Lei Rouanet continua a ser operada como encontramos quando chegamos no governo, sob a mesma metodologia, mas está prestes a ser modificada. O projeto de mudança já está praticamente pronto, faltam as últimas conversas com os segmentos e outras áreas de governo - Casa Civil, Receita Federal e Ministério da Fazenda - e a rediscussão do texto final.

Por que a mudança?

Tanto a Lei Sarney quanto a Lei Rouanet cumpriram papel importante ao garantir recursos e estimular a participação de setores privados no financiamento da cultura brasileira, mas nesses anos foram se acumulando muitas distorções, que fazem com que a aplicação desse dinheiro muitas vezes não cumpra o objetivo desejado.

Quais seriam essas distorções?

Primeiro, a Lei Rouanet não conseguiu descentralizar: quando chegamos no governo, mais de 80% dos recursos estavam concentrados na região Sudeste. Mesmo sem mudar a Lei, conseguimos melhorar essa realidade. Em 2003, apresentamos a maior captação e a melhor distribuição de recursos de toda a história da Lei Rouanet. Em seu primeiro ano de gestão, o ministro Gilberto Gil já conseguiu apresentar recordes históricos de captação, que beneficiaram regiões menos favorecidas. Somente a Região Norte aumentou sua captação em 636% e, a região Nordeste, em 69%. Mas apesar desses ganhos, o Sudeste continuou respondendo pela maior fatia do bolo, 67% do total de recursos, e as fundações e institutos continuaram como um dos principais beneficiários dos incentivos de isenção fiscal.

Outro problema é que, hoje, a Lei Rouanet não é acessível para todas as áreas da cultura brasileira, assim como para a produção independente. Além disso, os produtos, serviços e bens gerados pelo dinheiro da legislação são voltados principalmente para as classes de maior poder aquisitivo. Ora, não podemos financiar atividades que sejam de uso restrito e fechado para pequenos públicos, mas o governo vem financiando isso: peças e eventos para convidados da empresa patrocinadora pagos com dinheiro público. Isso não pode, não é legítimo. A gente precisa mesmo democratizar para que todos tenham possibilidade de acesso a esses recursos e para que os beneficiados sejam cada vez mais um número maior de brasileiros.

O senhor poderia apontar outros problemas e dificuldades encontrados pelo MinC no funcionamento da Lei?

Além da falta de acesso aos benefícios e da forte concentração de recursos, há muitos outros problemas de funcionamento e burocratização, hoje os beneficiários da Lei e os cidadãos que procuram o Ministério enfrentam dificuldades com os instrumentos de gestão, principalmente na obtenção de informações e no acompanhamento de projetos. Outra distorção está no processo de fiscalização: não há mecanismos de controle por parte do Ministério para acompanhamento da execução operacional e orçamentária dos projetos. Também não há avaliação criteriosa dos projetos. A realidade da atual metodologia de seleção da Lei Rouanet é que o Estado só faz analisar a adequação jurídica dos projetos e joga no mercado para que as pessoas procurem as empresas para ter acesso ao financiamento. Ou seja, quem julga o mérito dos projetos hoje são os departamentos de marketing. Obviamente, se esse é o único critério, a valoração dos projetos culturais acaba se aproximando dos interesses de retorno de imagem dessas empresas.

Qual a responsabilidade do Estado diante dessas distorções?

É total. Esses problemas foram produzidos principalmente pela ausência do Poder Público, é importante que isso fique claro. Partiu-se de um princípio equivocado de que a gestão cultural deveria ser repassada para o mercado. Os recursos gerados pela Lei Rouanet são, em última instância, impostos devidos que o governo disponibiliza sobre a forma de renúncia para o financiamento da Cultura. Portanto, é dinheiro público e precisa ser aplicado sob critérios de interesse público. É isso que queremos. Estamos fazendo uma mudança de comportamento no próprio Governo, que procurará assumir maior responsabilidade na aplicação e no manejo desses recursos para atingir plenamente a missão da Lei Rouanet.

E qual a responsabilidade das empresas?

Nós não estamos questionando isso, são legítimos os interesses das empresas. A ausência foi do papel do Estado. Quando uma empresa financia pela Lei Rouanet, ela cumpre sua responsabilidade social através da cultura. Portanto, é natural e legítimo que elas queiram um retorno de imagem. O que estamos questionando aqui é a falta de critérios do governo e propondo uma mudança radical. O Ministério da Cultura está trabalhando no sentido de representar a dimensão pública e melhorar essa parceria com as empresas privadas para o financiamento da Cultura.

Como melhorar essa parceria?

Nós achamos que o poder público tem obrigação de disponibilizar recursos, mas também queremos que a empresa privada agregue dinheiro. Aí entramos na discussão proposta pelo MinC de que devemos agregar dinheiro na área privada. Dar renúncia fiscal de 100% significa fazer com que só o governo pague a conta dos projetos. Se for para usar dinheiro público, então, é melhor que o MinC maneje isso diretamente, sem passar pelos departamentos de marketing das empresas.

Queremos manejar melhor os índices de renúncia fiscal para que as empresas sejam estimuladas a investir recursos próprios em cultura e também para que projetos de regiões carentes e áreas culturais menos beneficiadas tenham maiores indicadores de renúncia - tornando-se, assim, mais atraentes para os investimentos das empresas. Dessa forma, poderemos estimular o financiamento de ações culturais importantes até hoje excluídas (ou desfavorecidas) no processo de captação. As propostas de mudança da Lei Rouanet, assim como o conjunto de políticas do Ministério, estão fortemente ligadas ao princípio da inclusão.

Quais outras vantagens dessa medida?

Nessa discussão, surgiram algumas posições, ao meu ver precipitadas, que associaram mecanicamente índices de renúncia à facilidade de acesso a recursos. Por exemplo, a única área da música que hoje tem acesso aos 100% de renúncia - a música erudita -, é justamente a que não tem tido atendimento por parte da Lei Rouanet. Já a música popular, que tem um índice menor de renúncia, é a que tem recebido mais benefícios. Se a dedução integral fosse o único critério considerado no processo de captação, esses dados não seriam possíveis.

O Ministério quer ter uma escala de dedução para poder estimular as áreas da cultura menos atendidas.

Então o que o Ministério propõe?

Queremos estabelecer uma escala gradativa de índices de renúncia. E esse mecanismo não é uma invenção nossa, já existe na atual Lei. Só que atualmente há apenas dois critérios fixos: o de 30% e o de 100%, propomos reduções gradativas entre essas duas porcentagens que vão variar conforme os critérios públicos voltados para a democratização e para o acesso dos recursos e produtos da Lei Rouanet para o maior número de brasileiros. É nesse sentido que vamos procurar estimular e atrair o setor privado nessa parceria com o Poder Público.

A dedução integral não é uma prática presente em toda a história da Lei Rouanet. Desde que foi implementada, houve um aumento de investimento por parte das empresas?

Não, é exatamente esse mito que estou tentando trabalhar. Primeiro, as estatísticas da Lei Rouanet não anunciam que a disponibilização de 100% de renúncia seja a melhor medida, pois ela só conta com a parte pública, não agrega a contribuição da empresa privada. Segundo, dados do governo mostram que a isenção integral não ocasionou nenhum salto nos investimentos. Sob o ponto de vista das empresas, não é somente a renúncia fiscal que conta nas análises de custo e benefício. Elas também têm seu conjunto de critérios onde, em geral, acaba predominando a relação entre o dinheiro investido e o retorno de imagem daquele investimento. Bom, o problema é que, se esse for o único critério, obviamente já se cria um funil onde quem é conhecido pelo público e, portanto, capaz de dar retorno de público e imagem, acaba com prevalência sobre quem não é conhecido. O Ministério quer, então, fazer valer outros critérios.

Nesse sentido, como fica a situação dos artistas conhecidos?

A reforma que propomos tem como ponto de partida a população brasileira. Os artistas e a produção cultural do país estão financiados dentro de uma lógica de benefício da população. O MinC não tem nada contra os artistas conhecidos, apenas reconhece que eles têm mais facilidades de captação. O Ministério hoje apresenta mudanças que também possam trazer facilidades, ou seja, facilidades para quem historicamente não tem acesso a esses recursos.

Assim também pensamos quando o assunto é a concentração geográfica dos recursos. Não queremos prejudicar o eixo Rio-São Paulo, a quantidade e a qualidade da produção cultural dessa região são fatos legítimos. O Sudeste não está num mar de rosas em termos de financiamento. Há a concentração da concentração e muitos produtores, artistas (conhecidos ou não) e manifestações culturais ficam de fora. Mas, se há essa dificuldade na região Sudeste imaginem as outras regiões... O estado do Acre, por exemplo, não conseguiu captar nada nos dois últimos anos. Então também queremos que regiões, artistas, manifestações e produtores historicamente prejudicados sejam igualmente beneficiados nesse processo.

Então São Paulo e Rio de Janeiro não serão prejudicados?

Não. O governo pretende incluir o que vem sendo excluído, mas para isso não vai prejudicar a região Sudeste ou acabar com o apoio aos artistas conhecidos e às áreas culturais mais beneficiadas. Para garantir a execução dessas duas metas, aparentemente contraditórias, o MinC tem aumentado e continuará firmemente na luta para aumentar ainda mais o dinheiro disponível para a cultura no Brasil. Já tivemos um crescimento orçamentário de 70%, passamos de 0,2% para quase 0,5% do total de recursos do governo. Estamos criando a Loteria da Cultura, estamos conseguindo que o Ministério da Cultura tenha acesso ao percentual da loteria da estação lotérica comum. Em toda a história do MinC nunca houve esse acesso. O ministro está numa luta enorme de sensibilização do governo e do Congresso para que a Cultura tenha pelo menos 1% dos recursos orçamentários.

Então, o que o Ministério e as demais áreas do governo defendem é o equilíbrio da distribuição de recursos. Esta não é uma política de inversão, que transfere o eixo dominante, mas uma política de congregação, que agrega e democratiza a produção cultural. Prova disso são os resultados do primeiro ano de gestão do ministro Gil que mostra como a captação cresceu em todo o Brasil no ano passado. Em 2003, R$124,8 milhões ficaram só em São Paulo e Rio de Janeiro.

Outra coisa que precisa ficar clara é que o critério da distribuição geográfica considerará, entre os vários critérios de seleção, a região onde será feito o projeto (público atingido) e não a localidade do proponente.

E quanto aos institutos e fundações?

Vale a mesma regra. Os institutos e fundações desempenham importante papel social, mas a nossa política é pela democratização do acesso a recursos. Alguém já viu os reisados, algum ritual indígena, baile funk da periferia ou manifestações culturais de Cosme e Damião, por exemplo, patrocinados pela Lei Rouanet? É o que queremos fazer.

Como o Ministério vai promover essa mudança?

Nós vamos usar vários mecanismos, além dos já citados. Propomos mudanças para democratizar o acesso a recursos e resultados da Lei Rouanet, como já disse, qualificando o processo de seleção de projetos, criando tetos por regiões e estimulando o financiamento através de editais, entre outras medidas. Propomos também uma novidade que é o financiamento de bilheteria pela Lei de Incentivo à Cultura. Queremos que a bilheteria de uma peça ou filme, por exemplo, possa ser financiada para que os ingressos fiquem mais baratos ou até mesmo gratuitos para a população.

Também propomos medidas para elevar o volume de recursos, ampliando o percentual de desconto no Imposto de Renda para pequenas e médias empresas e para pessoas físicas. Queremos criar uma situação onde o contribuinte possa também estimular as atividades culturais que ele têm apreço e considera meritórias para o país. A idéia é que a pessoa física possa contribuir via internet e ter acesso a informações sobre os projetos culturais.

Outras novidades devem fortificar os mecanismos de atratividade para investimentos. Estão em pauta a criação de uma escala gradativa de percentuais de desconto no IR e o lançamento de prêmios regionais/estaduais, assim como selo de reconhecimento para empresas com responsabilidade cultural.

Também propomos medidas para desburocratizar os instrumentos de gestão, pois não estamos atendendo com prontidão, rapidez e profundidade as demandas na área. O MinC quer criar um cadastro geral de proponentes e um sistema de inscrição de projetos via internet, assim como uma central de atendimento online e via telefone (0800), entre outras medidas. Queremos ampliar a rede de atendimento, orientação e capacitação. Enfim, o Ministério preparou um pacote com cerca de trinta mudanças, que serão anunciadas pelo ministro no segundo semestre.

Quais serão os instrumentos utilizados para a implementação dessa mudança?

Serão três: decreto, projeto de lei e instruções normativas e portarias. Como 90% das distorções detectadas podem ser resolvidas por decreto, o grosso das modificações será feito por esse instrumento. Os problemas mais graves que encontramos eram de manejo e operação, e não no corpo da Lei.

Mas vamos fazer também mudanças na lei, por exemplo, a criação da escala de índices de renúncia fiscal para estimular o crescimento do investimento e a inclusão de áreas e ações culturais até então menos beneficiadas.

Mas há quem diga que o decreto não é a forma mais democrática...

Nós começamos o governo fazendo uma grande mobilização da área cultura - reunindo artistas, produtores de todas as categorias, intelectuais, especialistas, empresários que costumam financiar a cultura e meios de comunicação para discutis as mudanças da Lei Rouanet. Promovemos debates em mais de 20 capitais - e também algumas cidades de interior - através dos Seminários Cultura para Todos. Somente as cidades de Rio de Janeiro e São Paulo reuniram cada qual mais de mil pessoas. Nessas discussões, recolhemos cerca de seis mil propostas e, depois que nós tabulamos, percebemos que todas convergiam para as distorções já apontadas em estudos internos realizados por consultorias no final do governo passado.

Também promovemos conversas com empresas, institutos e fundações, representantes da classe artística e parlamentares para a discussão das modificações da Lei.

Essas ações serviram de base para as diretrizes do MinC...

Exatamente. O processo adotado pelo governo foi absolutamente democrático, só não participou quem não quis. Os seminários foram divulgados e abertos ao público. A assinatura do decreto só está atrasada porque esse é um processo democrático. Hoje o MinC está discutindo não somente com os que já participaram das etapas de construção desse processo, mas também com os que ainda não participaram e agora querem participar.

Nunca houve um processo tão democrático de decisão na área da Cultura. Mas o que não podemos é abrir mão do direito de acertar. Nós temos esse direito e vamos exercê-lo da forma mais tranqüila e sob a noção de que a política pública não pode ser construída dentro dos gabinetes do Ministério, mas à luz do dia. Eu particularmente sou verde e acredito na fotossíntese política, quanto mais a gente faz política à luz do dia mais verde a gente fica. O Ministério da Cultura está exercitando de maneira plena o conceito de participação de toda a área cultural na construção dessa política de financiamento. As divergências são naturais, inclusive porque, algumas delas, representam interesses.

Alguns temem que a qualificação dos critérios de avaliação proposta pelo MinC vá ferir a liberdade de expressão. Há esse risco?

Não, em hipótese alguma. A liberdade de expressão é ferida se deixarmos essa avaliação nas mãos do mercado apenas. Porque se você usa o dinheiro público com critério de mercado, já fica praticamente predefinido quem vai ter ou deixar de ter acesso. Nós vivemos numa República, e qual é o princípio republicano? Todos sãos iguais e têm direitos a ter direitos e oportunidades iguais. Então é nesse princípio que nós iremos qualificar os critérios de avaliação de projetos. Nós temos neste um ano e cinco meses de intervenção um claro compromisso com a liberdade de expressão.

Evidentemente que não é papel do Poder Público saber se tal cantor canta bem ou mal, mas sim agregar critérios públicos na avaliação dos projetos para que esse dinheiro seja bem utilizado de fato e possa contribuir para a qualificação e ampliação do acesso aos recursos e resultados da Lei Rouanet.

Então não há risco de censura?

De jeito nenhum. Nós não vamos avaliar conteúdo, o que vamos avaliar é se o financiamento está contribuindo para que aquela intervenção cultural específica esteja dentro de padrões de interesse público.

Por exemplo, uma distorção que nós percebemos foi o aumento do custo de produção em todas as áreas a partir do surgimento desse financiamento através da renúncia. Ou seja, se você injeta dinheiro no mercado sem critérios e sem capacidade de avaliação o primeiro efeito é negativo - que é o aumento do custo de produção e do custo da bilheteria. Estudos estão revelando que o uso dos recursos públicos da Lei Rouanet sem critérios têm levado o aumento do custo de produção e de bilheteria.

Como o Ministério está se estruturando administrativamente para essa mudança?

No ano passado, nós fizemos uma reforma administrativa, que não foi a reforma dos nossos sonhos, mas trouxe vários ganhos como a criação de um setor de planejamento, além do fortalecimento das instituições vinculadas ao Ministério da Cultura. Já tivemos um crescimento orçamentário da ordem de 70% e hoje estamos com uma gestão colegiada, todos os dirigentes do MinC compõem um núcleo de gestão estratégica do Ministério, isso está dando uma capacidade de integração muito grande. O Ministério era um arquipélago e agora todas políticas setoriais têm interface com a política global do MinC.

Mas estamos enfrentando sérias dificuldades, houve um aumento enorme de demandas e ainda passamos por outros obstáculos no ano passado como, por exemplo, a proibição pelo TCU de contratação de pareceristas, que são fundamentais no processo de avaliação dos projetos.

Temos problema de pessoal não só nesse setor, mas em outras áreas do Ministério - o Iphan, por exemplo, há 27 anos não faz concurso. Hoje nós temos no MinC a metade do quadro que tínhamos nos anos 80. O Ministério precisa ser renovado, principalmente nesse momento que ele está ampliando as suas funções. Era um Ministério em vias de desaparecer, mas que agora tem um papel central porque, na nossa compreensão, não basta recuperar nossa capacidade de crescimento econômico e distribuir a renda produzida, é necessário ter um projeto de nação.

E qual seria esse projeto de nação?

Um projeto com um padrão educacional cada vez maior e um desenvolvimento cultural cada vez mais sólido para que possamos de fato ser uma nação bem sucedida no mundo globalizado. A plena realização da condição humana do brasileiro precisa dessa dimensão.

Para nós, o social não se reduz ao estômago, as necessidades humanas são mais complexas e profundas e a dimensão cultural é fundamental nesse processo.

Outro aspecto importante, não só relativo a Lei Rouanet, é que o MinC na gestão do ministro Gil está fazendo um esforço enorme no sentido de trabalhar a partir de um critério de política pública. Em última instância, nossa clientela é a população brasileira, nós temos que garantir serviços e bens culturais para um número cada vez maior de pessoas.

Nós encontramos uma situação onde a clientela eram os produtores culturais. Isso é um erro, é como se o Ministério da Saúde tivesse como clientela médicos e o Ministério da Educação tivesse como clientela os professores. Esses são elementos importantes das políticas públicas, são os que fazem e prestam serviços de educação e saúde, são parceiros do governo. ós encontramos uma situação onde a clientela eram os produtores culturais. Isso é um erro, é como se o Ministério da Saúde tivesse como clientela médicos e o Ministério da Educação tivesse como clientela os professores. Esses são elementos importantes das políticas públicas, são os que fazem e prestam serviços de educação e saúde, são parceiros do governo.

Nesse sentido, os artistas são os principais protagonistas da produção cultural brasileira, mas o objetivo da intervenção do Estado é de garantir a acessibilidade dos bens, produtos e serviços culturais para o maior número de pessoas. O desenvolvimento cultural brasileiro passa pelos artistas mas, sob o ponto de vista de política pública, é a população brasileira a grande clientela do Ministério da Cultura.

Para finalizar, quais os principais desafios que o Ministério enfrenta para realizar essa mudança?

O primeiro desafio é político e estamos indo bem nessa área. Estamos dialogando e ninguém pode nos acusar de autoritarismo porque estamos conversando com todos. O segundo desafio é sensibilizar o governo de que a área cultural precisa de uma presença orçamentária maior. E, o terceiro, obter mais agilidade dentro do governo em responder as nossas demandas. O MinC precisa de um atendimento que corresponda à velocidade da demanda da área, deve haver um aprimoramento das relações internas do governo.

Posted by Patricia Canetti at 11:44 AM

maio 23, 2004

Quase Sólidos

PAULO VENANCIO FILHO

Texto originalmente publicado no livro Morte das Casas sobre a obra do artista Nuno Ramos.

Sobre o tempo, sobre a taipa,/a chuva escorre. As paredes/que viram morrer os homens,/que viram fugir o ouro,/que viram finar-se o reino,/que viram, reviram, viram,/já não vêem. Também morrem. Quando as casas morrem, espantosa é a chuva que escorre, forte, pesada, constante. É quando ela invade, matéria quase sólida, som quase sólido, líquido quase sólido. Este quase que deixou de ser e ainda não é. O potencial estado das coisas que interessa aqui é este onde ocorrem transformações substanciais, do líquido ao sólido, do seco para o molhado, do transparente para o opaco, do som ao silêncio, da vida para a morte.

A chuva intensa, sem cessar, no espaço da galeria é exemplo da extraordinária ousadia e mobilidade de formalização, sem qualquer inibição de ordem formal, que é o trabalho de Nuno Ramos. A forma não sendo mais um ideal, nem algo a ser negado, é mobilidade plástica elevada a sua potência máxima; um evento transitório entre outros, mas distinto ao exercer a sua absoluta presença - a prova de que o impraticável é realizável -, e que pode atingir o transtorno, o incomodo, o estorvo, como aqui. Uma tal força imaginativa arranca as coisas da inércia e se expressa veemente numa condição plástica quase sólida. Mostra a queda que Nuno tem por elementos de pouca utilidade e valia, materiais que parecem completamente superados no atual estágio pós-industrial. Quem quer saber hoje da parafina, do breu, da areia, disso que tem uma cara de industria velha, caduca, suja. Dessas coisas que tem pouca estabilidade e se transformam de modo tão lento e imprevisto; o que era líquido, endureceu, secou, estabilizou, assim ficou, nem vivo nem morto - coisas e também gente. E mesmo o uso atual que Nuno faz da imagem parece agir no sentido de prolongar um tumulto em andamento, uma insatisfação, até uma angústia em fixar a forma definitivamente. Tudo busca se prolongar sem um fim claro à vista, pois o desejo de não parar é grande - parar significa recomeçar, o que é mais cansativo. Continuar é menos doloroso. Sobre os trabalho paira uma modorra e uma ânsia obscura. Aqui não há como escapar: é som, é imagem, é água, é areia, o breu. Decidicamente o trabalho de Nuno sempre busca diminuir os intervalos seja lá quais forem, espaciais, sensoriais, psicológicos. Ele quer avançar, impedir a passagem, grudar. E, ainda assim, tudo está meio parado e abundantemente invadindo tudo; não se sabe se é uma lentidão violenta, ou uma violência lenta. Ao lado do barco em areia o barco em imagem, a deriva no vai e vem que é o movimento do trabalho, que dissolve e reúne, agrega e desagrega, desmancha e organiza. Toda forma fixa é um transtorno interminável, incessante, que precisa ser ultrapassado. É preciso fluir, tentar navegar, a qualquer custo.

Casco fala de um mar bem brasileiro e da vida arcaica que o ilimitado do mar limita. Três homens e uma labuta insana - serrar barcos com tal exímia, só louco. Encaixar um barco no outro e atirar tudo no mar, não é lá coisa muito sã. Tudo se passa entre o heróico e o insensato, glorioso porém modesto, eloqüente e tímido, determinado desde que confuso. Epopéia destrambelhada, o dia-a-dia de indivíduos comuns que saiu dos trilhos - um Camões bem praieiro. Tanto esforço para morrer na praia, não no alto mar como suporia um destino mais venturoso. Este o clima de desengano que ronda todos os trabalhos.

O modo como um labor árduo é aplicado tem sugestões históricas. O trabalho é tal que o suor se faz parafina, quase impede o falar dos homens explorados. Desse trabalho que não se sabe se é sobre humano ou se a exploração dele que é. Ou ambos. Então colocar essas tarefas insensatas, irrealizáveis, sugere uma alegoria à resistência do homem se fazendo igual as coisas duras e opacas da natureza, pesado, lento, cansado, quase sólido. Então temos adensamentos indolentes, dissoluções. E também dissolvências, buscando tensão distensões.

Barcos sobre a areia. Praia grande, brasileira. Miúdo mundo pictórico gênero marinha, também bem brasileiro. E a imagem a engolir tudo isto. Gestos dos homens são quase inertes, sem finalidade, bloqueados por uma lassidão - esforços absurdos. Um tempo brasileiro; vago e vagas. Inverso da Taprobana, restos de caravelas, frota desconjuntada, absurda e inglória, de três indivíduos a destruir ou construir? Fazendo de vários barcos um, destinado ao encalhe. É preciso notar as cores tão brasileiras dos barcos - barquinhos, na verdade - esquartejados à serra elétrica; mais um descompasso entre o moderno e o arcaico - labuta ociosa do fazer que a câmera num vai e vêm um tanto à deriva,desorientada, atraída mais pelas falo som que pelas imagens, registra. É a imagem que vai atrás do som, engole o som.

É uma areia dura, pesada, boa para fazer castelos. Porque não barco? Barco de areia; encalhado já nele mesmo. Enterrado nele mesmo. Barco túmulo do barco na areia frágil e dura, escura. Areia socada na mão, pois tudo é na base da mão, do corpo que sua parafina.

São ações truncadas, quixotescas, arremetidas insensatas e delirantes, banhadas por uma melancólica moleza. Os gestos abruptos e dolentes, para travar e acomodar coisas desmesuradas como barcos desconjuntados, formas ininteligíveis, obscuras. As coisa se unem por conexões as mais implausíveis, improvisos arcaizantes; derretimentos, aglomeração, encaixes precários. Os derrelitos trabalhosamente avivados novamente ao mar se lançam, incansavelmente. Suas corzinhas verde, amarelo, azul, vermelho pintam destroços familiares na praia, não em alto mar, onde nem sequer chegam. Morrem na praia, bem antes da arrebentação. É isto; morrer na praia, sem sequer chegar a navegar; ao glorioso "navegar é preciso". Será isso uma desconjuntada alegoria aos Descobrimentos, a venturosa ida ao desconhecido longínquo. A água que nos une e começa no Tejo, a longa história de barcos afundados na areia, mais atolados que submersos. Dos que morreram na praia. Som que silencia, soçobrado. Desalento, esmorecer. Palco desarrumado. Contração saturação. Tudo que é viscoso, pegajoso, grudento. Fluído. É a energia. Refluxos, marés, forças estúpidas da natureza. Mar barrento, "Gosto de poças e pantanais, animais apodrecendo, sólidos que afundam, tudo o que logo desabamos, estranhamente, queria "fixar" isto" escreve Nuno em Minuano. Neste amor pelo desbarrancar, deslizar, desmoronar, desabar está a ameaça que o quase sólido revela, dessa violência física sinistra presente na matéria que Nuno luta para fixar. A morte já está inscrita no barranco, vala, aterro, murada, matacão, nesses futuros túmulos. Na instabilidade do arranjo que é afinal o resultado, está presente o desastre em suspensão, uma violência iminente que é a contenção até na morte de Alvorada. Diante dos trabalhos de Nuno, é não só destes de agora, ficamos um tanto tensos, intrigados ao que aconteceu, atentos ao que pode acontecer e não acontece. Em suspense com o possível desencadear do que foi alterado, a procura de uma resposta à provocação, que é a mesma desde sempre.

Quando a casas morrem as vozes respondem à chuva. O volume é alto, operístico; a falas cadenciadas, altissonantes, intensificando veementes o íntimo sussurro drummondiano. Com vigor retomam o triste destino que o poema enuncia com agressiva revolta ; a entonação das vozes indica isso. Enche o peito com força eloqüente, berra na chuva e até debaixo d'água se for preciso. Essas vozes querem inundar o espaço junto com a chuva. Transbordar no espaço como cantoria de igreja e o som espacializando um grande volume, envolver e unir a todos no mesmo destino.

Kiefer fala do enorme volume vazio da História. Aqui existe um fascínio ao invadir a grandiosidade vazia da Natureza, se afastar do cotidiano, da "vidinha". Tornar um lugar monumental, qualquer lugar. Como o samba que canta a grandeza, só ela. Daí e sempre a grandeza de escala, do que se engrandece, do que no transitório está acima do corriqueiro. Enfrentar o descomunal, à deriva, é dar vazão à grandeza, sem método. Grandioso, mas indolente e lasso.

A chuva escorre, pinga muito, ruidosamente, a chuva é mais som, som que cai, sólido e barulhento; coágulos visguentos "Onde vivemos é água."(256)"É tempo de fatigar-se a matéria por muito servir ao homem." A matéria cansada da água que chove em derramamento incessante. Por que nós somos água. O som do líquido é pesado, não precisa amplificação. A voz sim, precisa. Tal um ruir, dissolvente, que cai sobre nós. E também arrasta muitas vozes que ainda querem dizer algo sufocado. Cai sobre nós na hora de nossa morte e das casas e desmorona a terra. E vai entranhando uma sensação de choque e espanto. Como aquele cemitério derreado, de lápides caídas e lama, de ervas pelas brechas, poderosas e invasoras, do abandono geral, do silêncio azedo, do hálito dos corpos subterrâneos.

A lenta violência pode se tornar rápida, sem deixar de ser absurda e ininteligível. O som pesado é curto e seco. Tão rápido que interronpe aquilo entre uma palavra e outra. Sentar a mesa como se para tomar um copo d'àgua. Para pedir um emprego. Para preencher um formulário. Para fazer um exame. Como se estivesse numa fila e chegasse a sua vez. Um a um vão sentar-se numa cadeira e cumprir o desígnio que os espera. A alvorada, cercada pela barreira, pelo muro, pelo barranco de areia socada, circunvalada, assim é Alvorada. Alvorada escrita no morro, na terra, no arrimo. Alvorada enterrada. Alvorada subterrânea. Alvorada que jaz no subsolo. Alvorada abortada. Tal alvorada faz do alvor, alvo. Do alvorecer, breu. Do início, fim. Da vida, morte. Morro por que grita ou grita porque morre. Alvorada é tiro na cabeça, execução sem pena.

A "beleza" e todo o resto - "é tão lindo, é tão lindo" - foi suprimido pelo tiro. A alvorada que podia ser bela, linda e não foi, apenas grito antes do breu derradeiro. O berro - será possível que ninguém escuta? Será possível que tenha que se usar um megafone e ainda assim ninguém parece escutar e ainda até nele dar um tiro para que se ouça.

O breu escorrendo sobre o mármore é tal um crepúsculo, tal alvorada ao contrário, lento anoitecer que vai engolindo, pouco a pouco, a alvura do mármore. Breu que engole mármore, água que engole barcos, breu que engole alvorada é Choro Negro.

Navegar então não é preciso, é preciso fazer chover. Dilúvio sem vazão e sem razão. Chuva dentro e não lá fora. Então, se dentro chove, lá fora faz sol?

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maio 18, 2004

Arte no Café da Manhã

Texto originalmente publicado na Revista Número Três.

CRISTIANA TEJO

Matérias publicadas recentemente em veículos de comunicação no Brasil e no Exterior apontam a desconexão entre artes plásticas e sociedade. A revista Bravo de outubro de 2003 trouxe um artigo sobre a Bienal do Mercosul que questionava a falta de público para a arte contemporânea, como se o distanciamento da audiência fosse um sintoma apenas do "hermetismo" detonado pelas vanguardas do início do século XX. Esse texto, por sua vez, apoiava-se numa pesquisa da revista Veja sobre os 40 artistas mais influentes do Brasil. Não surpreendentemente, num país que mal presa por sua herança literária e praticamente desconhece as artes plásticas de qualquer período ou procedência que seja, nenhum artista plástico constava na lista. Os sinais do desprestígio não param por aí. Um estudo promovido pela Interscience, publicado na revista Carta Capital em agosto deste ano, divulgou que das 100 empresas de vários setores que foram ouvidas, apenas 23% investiam em Cultura. Desta porcentagem, 74% investiam em Teatro, 61% em Livros, 48% em Música e 9% em Artes Plásticas e em Educação Ambiental.

Trazendo para o âmbito internacional, podemos lembrar de outra estatística desastrosa para a área. Um artigo publicado no jornal The Daily Telegraph, da Inglaterra, apresentava o resultado de uma outra pesquisa que diagnosticava a ignorância dos britânicos (logo eles, reconhecidos por sua dedicação à manutenção de sua malha diversificada de museus...) em relação à História da Arte. De acordo com o estudo, organizado pela Enciclopédia Britannica, aproximadamente 49% dos entrevistados não conseguiram identificar o pintor da Mona Lisa, sendo que uma resposta em dez atribuía a Vincent Van Gogh e não a Leonardo Da Vinci a autoria de um dos quadros mais reproduzidos em todo o mundo. Só para tentar ajudar no esclarecimento de que esta não é uma crise somente da Arte Contemporânea, em seu primeiro ano de funcionamento a Tate Modern atraiu o equivalente ao total de visitantes de todos os museus londrinos (incluindo a National Gallery, a Tate Britain e o Museu Britânico).

Esta crise de legitimidade generalizada em torno das artes plásticas pode talvez ser entendida, entre outros motivos, por sua inadequação às indústrias culturais e à sensibilidade massificada. A arte não faz parte da vida das pessoas. A música e o cinema, de uma forma ou de outra, sim. Por não se transformar facilmente num "produto" a ser vendido e de ser massificado (se bem que projetos de megaexposições e de mostras dos grandes mestres da pintura são uma forma de implementar a lógica do consumo), seu papel nos mass media resume-se a ilustrar matérias ou entrar na pauta quando um factual assim o permite, já que o jornalismo cultural praticado no Brasil desde a década de 80 vem se norteando pela "desova" das mercadorias culturais. O espaço destinado à reflexão e ao aprofundamento das questões referentes ao sistema e à produção artística,é cada vez menor em vários jornais brasileiros, ou pode-se dizer inexistente, como é o caso de boa parte das regiões Nordeste e Norte.

A falta de uma formação em Artes Plásticas mais sistemática de toda a sociedade coloca nas mãos do jornalista cultural a responsabilidade de formar a visualidade do leitor/futuro consumidor de arte, atualizando-o com as discussões que são travadas no meio artístico, familiarizando-o com as idéias e os trabalhos de artistas de todos os tempos. A mediação feita para o público amplo na grande imprensa incorre em vários aspectos delicados. Em primeira instância, há que se pensar no entrelugar do jornalista cultural hoje e a dificuldade de se circunscrever o campo do jornalismo cultural, tendo em vista a crescente participação dos jornalistas que atuam em curadorias de arte, em júris de salões, em revistas críticas. Especializado, pois o texto de cunho opinativo exige conhecimento do que se está falando, mas muitas vezes não considerado um crítico, talvez pela ligeireza do texto (o que pode resvalar para a superficialidade), o profissional de jornalismo que atua nos cadernos culturais vive sempre em demandas de posturas por vezes antagônicas: a busca pela objetividade e a imparcialidade dos códigos do jornalismo moderno e a realidade subjetiva e opinativa que a escrita sobre cultura pede. Além disso, exige-se a química mágica de traduzir para seu José da esquina, sem banalizar ou esvaziar, trabalhos artísticos sofisticados, que requerem repertório amplo. Claro que também sem menosprezar a capacidade das pessoas. Se os textos críticos dos catálogos e paredes dos museus também mediam o discurso artístico e os jornalistas estão exercendo várias ocupações, afinal o que diferencia os espaços da crítica e do jornalismo cultural? Quando um jornalista deixa de ser jornalista e é chamado de crítico?

Num momento anterior à profissionalização do jornalismo brasileiro, dado por volta da década de 60, o espaço dos jornais e revistas era ocupado pelos produtores, pelos literatos, pelos acadêmicos e pelos intelectuais que refletiam sobre os diversos campos artísticos. A emergência da profissão em si corresponde também à valorização dos bens culturais gerados pela indústria cultural e a necessidade de subtrair os jargões e o palavreado específico dos artigos, "simplificando" a linguagem para atingir o leitor, esse alvo sem rosto e sem forma, na maioria dos casos. Com o passar dos anos, chegar ao caderno cultural passou da coroação do estágio de amadurecimento intelectual para o início da trajetória do profissional recém-saído da faculdade. A densidade analítica, a bagagem intelectual vai sendo formada no decorrer da feitura das resenhas e das reportagens, situação que exige do jornalista fôlego e perfil para pesquisar e se aperfeiçoar solidamente, acelerando o processo de maturação. Ganha-se com a base empírica, que gera ferramentas de reflexão que são potencializadas pelas leituras e embates teóricos.

Infelizmente, o que fica em nossa memória são os exemplos jornalísticos em que a leviandade e a busca pela polêmica fácil imperam, o que acaba reafirmando a ojeriza generalizada dos artistas e intelectuais pelos jornalistas e ofuscando o trabalho importante que profissionais do jornalismo cultural fazem pela legitimação e a ampliação da visibilidade das Artes Plásticas na sociedade brasileira. Revistas especializadas, sites e jornais alternativos são imprescindíveis para viabilizar a crítica, fazer circular discursos, pluralizar as vozes, mas sua efetivação também depende da inserção das discussões da área na agenda do país, na grande imprensa, na vida das pessoas. A população precisa ser engajada nos assuntos que também lhe dizem respeito, como a manutenção de acervos públicos que contam a memória plástica do país, por exemplo. Segmentar é uma tendência sadia, mas não se exclui a importância da representação do setor na leitura que acompanha diariamente o café da manhã do brasileiro.

Cristiana Tejo é Coordenadora de Artes Plásticas da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, e mestranda em comunicação pela UFPE.

Posted by Patricia Canetti at 10:47 PM

Informe de Artes Visuais / Funarte – Maio/2004

Informe de Artes Visuais/Funarte - Maio/2004
Ano 1 - n. 1

ARTES VISUAIS 2003

O ano de 2003 foi fundamental para as Artes Visuais de uma nova Funarte. Começou com a reabertura das galerias de arte no Rio de Janeiro, com "Projéteis de Arte Contemporânea" e um ciclo de debates sobre Arte/Estado que reuniu artistas, críticos, professores, curadores e produtores, representando todo o país.

Nosso primeiro objetivo foi retomar o diálogo com a classe artística e iniciar um projeto para uma política de abrangência nacional para as Artes Visuais. O ciclo de debates foi gravado e está sendo transcrito para publicação este ano. Com a abordagem de questões básicas e estratégicas para uma ação inter-regional, o ciclo será uma referência para futuros programas do setor.

"Projéteis de Arte Contemporânea" reuniu em uma exposição especial artistas convidados e quatro coletivas com artistas selecionados por edital (que foi veiculado para divulgação na época), com 32 propostas de variadas tendências e linguagens. Obtivemos, assim, um panorama abrangente da produção brasileira atual das artes visuais.

NOVA ESTRUTURA

Em outubro de 2003, o MinC (Ministério da Cultura) oficializou sua mudança de estrutura e a Funarte voltou a ter autonomia, sem o sombreamento das antigas Secretarias Especiais. Foram criados os Centros de Artes Cênicas, Música, Programas Integrados e Artes Visuais, com direções voltadas para uma ação a nível nacional.

Na nova estrutura da Funarte, o Centro de Artes Visuais é formado por uma Coordenação de Artes Visuais, CAV, que é responsável pelas exposições e execução dos projetos específicos da área e pela Coordenação e Preservação Fotográfica - CCPF. Este setor (CCPF) vem atendendo a projetos de alto nível em sua área técnica no Brasil e no exterior. Seu prédio, em Santa Teresa, está sendo totalmente restaurado e atualizado com tecnologia de ponta, para ser entregue à Funarte ainda em junho deste ano.

Já no final de 2003, visando reformulações, foram realizados diagnósticos dos programas de Artes Visuais nas representações da Funarte em Brasília e São Paulo. Em Brasília foi reformulado o projeto "Prima Obra", com novo edital, sob o título de Atos de Artes Visuais, para ser lançado em maio de 2004, prevendo novos espaços expositivos, como a marquise de 280m, criada por Oscar Niemeyer, para interligar os espaços culturais da Funarte no Distrito Federal. Este novo espaço, a céu aberto, foi integrado aos programas de exposições e disponibilizado para mostras contemporâneas de foto-linguagem, intervenção, performance, instalação e multimídia.

GALPÃO

Ainda em Brasília, o presidente da Funarte, Antonio Grassi, autorizou os Centros de Artes Visuais, Artes Cênicas, Música e Programas Integrados a implantarem um Galpão de linguagens integradas. O espaço, que faz parte do conjunto de prédios da Coordenação da Funarte em Brasília, já está sendo preparado e será lançado este ano através de Edital para sua ocupação. Pretende-se, com este galpão, abrir uma área de experimentação de linguagem dando início a projetos de grupos, artistas e diretores que não dispõem de espaços específicos para o desenvolvimento de novas propostas. Funcionará como laboratório e oficina de expressão artística.

Em São Paulo, três galpões da Representação da Funarte, destinados a Artes Visuais, estão sendo preparados para abrigar projetos de exposições. Será lançado, no mês de maio, o edital "Espaços Funarte de Artes Visuais", com previsão de programação para 30 exposições individuais ou de grupos.

PROJETOS 2004

O Centro de Artes Visuais e a Presidência da Funarte, encaminharam em 2003, treze projetos para avaliação e aprovação junto ao MinC a serem implementados em 2004. Destas propostas foram priorizados, com dotação orçamentária, os seguintes programas:

PROJÉTEIS DE ARTE CONTEMPORÂNEA - RIO DE JANEIRO

A Ampliação do "Projéteis de Artes Contemporânea" a ser realizado no Rio, atendendo a todo o território nacional, selecionando 60 artistas para apresentação de trabalhos nas galerias do Palácio Gustavo Capanema com pagamento de pró-labore para cada artista selecionado e infra-estrutura de apoio técnico para as montagens, instalações e publicações de catálogos.

EspAÇOS DE ARTES VISUAIS - SÃO PAULO

A Implantação, em São Paulo, do Espaço Funarte de Artes Visuais para 30 projetos de artistas, pró-labore e apoio técnico para a montagem e adequação de espaços e publicação de catálogos.

ATOS VISUAIS - FUNARTE /BRASÍLIA

Implantação em Brasília do projeto "Atos Visuais/ Funarte", para expor 16 artistas e projetos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste com pró-labore, apoio técnico de montagem, publicação de catálogo. Pela primeira vez será disponibilizada a marquise de 300 metros, projetada por Oscar Niemeyer e os jardins circundantes à sede da Funarte como espaços expositivos.

EDIÇÕES

"Para reiniciar um projeto editorial de artes visuais que estava desativado desde 1989, o CEAV elaborou um programa inicial para o ano de 2004, com vistas a publicação da coleção "Pensamento Crítico", "Fala do Artista", reedição da publicação do "Abstracionismo Geométrico e Informal" de Annabella Geiger e Fernando Cochiaralle e do ciclo de palestras "Arte/Estado", realizada em 2003.

OFICINAS

Será realizada uma oficina de capacitação técnica, para organização e montagem de exposições, extensiva a técnicos de diversos locais do país Estas oficinas serão ministradas nas galerias da Funarte no Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro.

POESIA VISUAL (OBRA NOME)

Em Setembro deste ano, em parceria com a Caixa Econômica Federal e a Embaixada da Espanha, será realizada a exposição itinerante "Obra Nome", uma síntese retrospectiva da poesia visual. Com a maior parte formada por obras de artistas brasileiros, a inauguração acontecerá nas Galerias Funarte, Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro.

APOIOS

O CEAV/Funarte já está apoiando algumas solicitações urgentes e prioritárias, tais como o Salão de Arte Jovem do Mato Grosso e Planalto Central, credenciados através de recomendação oficial para mostras coletivas diversas e intermediação institucional para artistas e eventos de artes visuais.

BIENAL DE ARTES VISUAIS

O Centro de Artes Visuais elaborou e encaminhou ao MinC em 2003 o anteprojeto de criação de uma Bienal de Artes Visuais, dando ênfase à intervenção urbana complementada com acervos pertencentes a museus, galerias e espaços diversos.

A idéia foi transformada em emenda constitucional e aprovada pelo Congresso Nacional este ano. Foram destinados recursos para elaboração do projeto definitivo. Aguarda-se a liberação destes recursos para que seja constituída a comissão e grupo de trabalho responsável pela implantação do projeto.

OUTROS PROJETOS

O Centro de Artes Visuais encaminhou, para avaliação e aprovação pelo Fundo Nacional de Cultura (FNC), os seguintes projetos:

· Circuito Integrado de Artes Visuais (Rede Nacional) prevendo oficinas de capacitação técnica e experimentação de linguagem em todas as regiões brasileiras.
· Contemporâneo/Popular - Exposição Intinerante
· Moderno/Contemporâneo - Exposição Intinerante
· Complementação técnica e programa editorial do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica (CCPF)
· Programa de bolsa de apoio a pesquisa - 40 bolsas para atender as diversas áreas de Artes Visuais
· Raio X - Contrastes visuais - Projetos de fotografia para atender solicitações do programa Governamental para a infância e juventude

ATIVIDADES PERMANENTES

Com o quadro mínimo ideal de funcionários e uma nova estrutura interna, o Centro de Artes Visuais vem atuando em diversas frentes no sentido de procurar novos modelos de atuação. Participou do projeto de planejamento do MinC, está organizando, junto a Funarte, a Criação de uma Conselho Nacional de Artes Visuais, encontros de artistas visuais em diversas regiões do país, cadastramento de instituições, artistas e críticos em todo o país para a disponibilização, em seu site, e contatos com instituições, para captar apoios para projetos futuros.

Centro de Artes Visuais (CEAV) / Funarte/ Minc
Diretor: Francisco de Assis Bastos Chaves (Xico Chaves)
Coordenação de Artes Visuais: Ivan Pascarelli
Coordenação do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica (CCPF): Sandra Baruk
Coordenação de Produção: Eliane Longo
Coordenação Administrativa: Osvaldo Alves Silva Jr.
Assessoria Especial: Nelson Ricardo Martins
Secretária: Tereza Mendonça
Assistentes Técnicos: Ângela Francisco e Rui Pitombo

CENTRO DE ARTES VISUAIS CEAV/Funarte
Tel.: 22798080/22798090 - Tel. (fax) 22798089
Rua da Imprensa 16 - 1304, Centro, Rio de Janeiro, Brasil - CEP. 20031-120
cav@funarte.gov.br

Posted by Patricia Canetti at 10:36 PM | Comentários (2)

maio 11, 2004

Dia do Nada



No vídeo, UNIFAP - Universidade Federal do Amapá.

conjunto.jpg

Nas fotos, artistas reunidos na praça Rocha Pombo em Londrina, Paraná.


Comemoração - Nada a fazer

Matéria de Jackeline Seglin da reportagem local, originalmente publicada n Folha de Londrina em 4 de maio de 2004.

Depois do Dia do Trabalho, artistas voltam a comemorar em Londrina o Dia do Nada que já virou evento internacional

Para o cientista social italiano Domenico De Masi, o tempo livre e o ócio são condições urgentes de serem vividas como forma de tornar mais humanas as relações. Compactuando dessa idéia, um grupo de artistas e pessoas da comunidade celebraram ontem, em Londrina, o Dia do Nada, uma comemoração instituída há dois anos na cidade, sempre na primeira segunda-feira do mês de maio.

Pessoas dormindo em redes, sentadas à sombra para descansar, ler ou conversar, escrever e cantar sobre o nada, estourar bolinhas de plástico ou até cortar o cabelo para ficar com ''nada'' na cabeça. Esse era o cenário de ontem à tarde, na Praça Rocha Pombo, região central da cidade.

Os cidadãos que passavam pelo local paravam, observavam a cena na maior curiosidade, queriam saber do que se tratava. ''Fazer nada é muito difícil. Eu não consigo ficar sem fazer nada, mesmo que seja qualquer coisa'', diz o comerciante Manoel Fernandes, de 56 anos. ''A manifestação é legal. Mesmo porque, não fazendo nada eles já estão fazendo alguma coisa'', observa.

A zeladora Áurea Lobo da Silva, 50, não simpatiza muito com a idéia de não se fazer alguma coisa. ''Todo dia tem serviço, é só procurar. Mente desocupada significa o quê? Mas o que eles estão fazendo não é nada. Eles não são artistas? Então, estão fazendo coisas sobre o nada''.

A iniciativa do Dia do Nada é do artista plástico Rubens Pileggi Sá, colaborador da Folha. Em 2002, ele lançou a idéia como forma de reflexão sobre a importância do ócio e do lazer. Elaborou um evento artístico de caráter multidisciplinar e extensivo, cujo eixo é a relação da arte com a vida e sua possibilidade de realização no cotidiano, em espaços públicos.

Desde que foi lançada, a data foi encampada por movimentos em Macapá (AP), Pernambuco (RE), Rio de Janeiro (RJ), além das cidades paranaenses de Foz do Iguaçu, Bela Vista do Paraíso e Curitiba.

Este ano, a manifestação passa a ser chamar ''El Dia Del Nada Del Mercosud, rumo ao Nothing Day''. ''Embaixadores'' do Dia do Nada em Bela Vista do Paraíso estariam hoje em manifestação na capital argentina, Buenos Aires. ''Eles estarão de camisas da seleção Argentina com velas azuis e brancas, respirando artificialmente, para velar por Diego Maradona'', ironiza Pileggi, fazendo referência ao jogador argentino que acaba de deixar o hospital.

Outra manifestação, conta o artista, estará acontecendo na Filadélfia (EUA) até o mês de agosto. É o ''Big Nothing'', no qual várias instituições e galerias vão abrigar obras sobre o tema ''nada''. ''Essa é a parte concreta de se levar a idéia para a arte. São artistas que trabalham com isso desde os anos 60, como Robert Barry, Michael Weizer, Joseph Kosuth'', detalha Pileggi.

Segundo o artista, esses nomes tentaram pensar a arte ligada à vida, para que ela estivesse mais próxima do cotidiano das pessoas. ''É esse processo de arte que a gente reivindica no Dia do Nada'', enfatiza.

Rubens Pileggi explica que a manifestação está saindo da idéia pura de ócio para usar o ''nada'' como tema de criação. ''Os trabalhos estão menos jocosos e de referência direta ao ócio, para se concentrar mais em questões poéticas sobre o nada, o vazio, o lazer'', diz. Segundo o artista, o movimento está tentando fazer com que as pessoas, em seu cotidiano, elaborem situações criativas para fazer as coisas com prazer, com lazer, e não simplesmente por fazer. ''No trabalho do dia-a-dia, na rotina, as pessoas passam a criar um movimento de ruptura com o cotidiano robotizado, sem reflexão, simplesmente cumprindo seu dever dentro da sua atividade''.

Posted by Patricia Canetti at 4:03 PM | Comentários (1)

maio 9, 2004

Incentivos ao vento

Matéria de Arnaldo Bloch e Roberta Oliveira originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo em 9 de maio de 2004, no Rio de Janeiro.

Mais uma marola de diz-que-disse agita a classe artística. E, pelo jeito que anda o tempo, vem aí mais uma tempestade patrocinada pelas boas (e em geral atabalhoadas) intenções do Ministério da Cultura.

No olho do furacão, o esboço das mudanças na Lei Rouanet, publicado no GLOBO semana passada. Principalmente a proposta do fim dos 100% de renúncia fiscal para os investimentos de empresas em cultura, substituídos por um percentual variando de 30% a 90%.

— Acho pura idiotice — ataca o ator Juca de Oliveira. — Os 100% são um estímulo para a iniciativa privada investir em setores relevantes como o teatro. Sem teatro, a cidade se apaga como uma vela. É triste.

Mais diplomática, a atriz Marieta Severo exalta a lei e alerta para os riscos de mudar antes do tempo:

— Se no Brasil a elite financeira e empresarial tivesse consciência do que é a nossa cultura e jorrasse dinheiro bom, sem renúncia, seria diferente. Com a lei, as empresas começaram a compreender os ganhos de ter sua imagem associada à arte. Essa consciência ainda está se formando. Se muda de repente o teto de renúncia, fatalmente vai haver uma retração.

Todos temem fim dos 100%

Antes mesmo de um anúncio oficial das mudanças, há empresas ameaçando abandonar o barco.

— Tive um telefonema de uma empresa dizendo que, com a redução da renúncia, não poderia mais investir no meu projeto — lamenta a produtora cultural Andréa Alves.

Até quem costuma defender o fim das leis de incentivo e sua substituição por uma política de financiamento público direto — como o consultor de patrocínio de empresas Yacoff Sarkovas — aconselha prudência:

— Hoje o pessoal acha que patrocínio, financiamento público e renúncia fiscal são sinônimos. O ideal é se chegar, um dia, a zero por cento de renúncia. O MinC estava estudando uma mudança estrutural nesta direção. Até que o lobby do audiovisual, através da mídia, interrompeu o processo. Agora, não adianta reduzir o percentual da Rouanet e manter o da Lei do Audiovisual em 125% — diz ele, referindo-se ao fato de que quem investe no cinema tem desconto integral e ainda passa a ser sócio do filme. — Desse jeito, o teatro, a literatura, a dança e a música vão ser tragados pelo cinema.

O autor e diretor de teatro Flávio Marinho reforça a tese de Sarkovas:

— Qualquer baixa de percentual unilateral seria concorrência desleal. O teatro foi coberto por um manto de silêncio neste governo. A palavra teatro nunca foi pronunciada em Brasília. A Petrobras e a BR cortaram o teatro. Todos parecem querer agradar a Brasília. E Brasília só pensa em cinema. Estou torcendo para o Lula assistir a uma peça em Brasília e não sair no meio, como fez com "Aída" em Manaus (no Festival Amazonas de Ópera, em abril) .

No meio do vendaval de telefonemas e e-mails, o secretário de Fomento do MinC, Sérgio Xavier, aparenta tranqüilidade monástica.

— Este não é um governo impositivo, há muito o que discutir e ajustar. Estamos até pensando em manter os 100% para as empresas menores. Mas as grandes terão que entrar com uma parte de dinheiro bom (não-proveniente de renúncia fiscal) . Em todo caso, este é um aspecto que não pode ser resolvido só no âmbito do ministério, terá que passar pelo Congresso. De forma que a mudança não ocorrerá antes de 2005.

Mas, na origem da preocupação dos artistas, está um esboço do projeto de decreto que foi entregue à classe duas semanas antes da divulgação dos principais tópicos, terça-feira passada. O documento assegurava que não haveria alterações no percentual.

— Ligamos preocupados para o Sérgio Xavier, e ele disse que o que foi divulgado pela imprensa é apenas o esboço de uma idéia.

No entanto, quando divulgou o esboço, Xavier fez questão de dizer ao GLOBO que já na segunda-feira (amanhã) Gil anunciaria oficialmente as mudanças. Na quinta-feira, contudo, ficou decidido que o ministro viria ao Rio apenas para se encontrar com jornalistas e com a classe. Haja confusão!

— Não acho que o governo faça isso por mal. Mas é desinformado. Faltam comunicação e mapeamento. Se der certo desse jeito, vai ser a primeira vez na História — opina o produtor de teatro e de cinema Paulo Pelico.

Vice-presidente do Itaú Cultural e superintendente do MAM de São Paulo, Ronaldo Bianchi reverencia o criador da lei e ironiza a atuação do MinC.

— O Rouanet é um gênio, só um filósofo para fazer uma lei tão boa. Temos o maior carinho pelo ministério, e torcemos para acertar. Agora, essas mudanças loucas, por melhor que seja a intenção, acabam gerando uma insegurança nos investidores que só pode ser maléfica para a cultura.

Bianchi faz também críticas ao item do projeto que cria contrapartida de 25% para empresas que investem a renúncia nas suas próprias fundações.

— Há dois equívocos nesta proposta. O primeiro, econômico: as entidades sem fim lucrativo, em 2002, por exemplo, participaram com R$ 56 milhões num total de R$ 2 bilhões de investimento em cultura, incluindo o cinema. E, do ponto de vista jurídico, querer mudar uma lei via regulamento é ilegal. Não passa na Casa Civil de jeito nenhum.

O ator e diretor Antônio Pedro é menos indulgente:

— É muito voluntarismo pequeno-burguês se apossando de quem está no poder. É gente achando que sabe tudo quando não sabe nada.

O produtor Eduardo Barata, por sua vez, acha que falta lógica ao MinC.

— Se o teto da renúncia fiscal em 2003 foi de R$ 160 milhões e as empresas ainda entraram com mais R$ 240 milhões, por que o ministério precisa mexer no percentual que funciona?

Sobrou crítica também aos outros pontos da proposta, como o que cria editais para que artistas menos conhecidos ou até inexperientes tenham mais acesso ao dinheiro. Ou a divisão dos investimentos por regiões, para democratizar o acesso aos recursos:

— O ministério inventou um Fla x Flu: consagrados versus desconhecidos, Sul/Sudeste versus Norte/Nordeste. O que eles não dizem é que, mesmo nestas regiões que captam mais, não é o produtor independente quem está captando, e sim as instituições e o próprio governo, que usa a Lei Rouanet para reformar o Cristo Redentor — sustenta Paulo Pelico.

— O grande temor é o de uma política de vulgarização da cultura. Fala-se em bloquear subsídios aos artistas considerados notáveis em benefício de uma política de popularização de eventos artísticos subsidiados. Sempre que ouço falar nisso, lembro-me de Goebbels berrando que, quando ouvia falar em cultura, tinha gana de sacar a pistola. Esse é o horror que devemos exorcizar. Vulgarização é a morte da cultura — dispara, literalmente, Juca de Oliveira.

Hoje e amanhã, bateria de reuniões

Na tempestade, há espaço também para pequenas ilhas de bonança. A atriz Maria Padilha ameniza:

— É importante democratizar o uso da lei no Brasil através de maior comunicação e divulgação, como se propõe. A possibilidade de aumentar para as pequenas e médias empresas o teto de captação de 4% para 10% é uma feliz idéia. Mas o golpe na renúncia vai ser duro... se já está difícil captar com 100%, imagina com menos... vamos entrar num período de seca cultural. Acho que não estamos sabendo enxergar o país de Terceiro Mundo em que vivemos, que não trata a cultura como artigo de primeira necessidade.

Para tentar resolver as pendengas, uma bateria de reuniões arrisca aumentar mais ainda a confusão. A primeira está marcada para hoje à noite, no Teatro do Leblon. Outras duas, amanhã, no Palácio Capanema, com a presença, entre outros, de Juca Ferreira — o homem-forte do MinC — do secretário Sérgio Xavier e da classe artística. Fora o almoço de Gil com os jornalistas. Vai bater um sudoeste...

Posted by Patricia Canetti at 7:20 PM | Comentários (1)

Lei Rouanet muda para redistribuir recursos

Matéria de Arnaldo Bloch e Roberta Oliveira originalmente publicada no Primeiro Caderno - O País, do Jornal O Globo em 4 de maio de 2004, no Rio de Janeiro.

Minc cria tetos regionais, acaba com renúncia de 100% e taxa fundações; Gil vai anunciar pacote no Rio

Às vésperas de completar dez anos, a Lei Rouanet, de incentivo à cultura (voltada para artes cênicas, artes plásticas, música e literatura), ganha um pacote de mudanças. A reforma, que será feita através de decreto regulamentando a Lei, já está alinhavada e aguarda apenas ajustes técnicos antes de seguir para o ministro da Cultura, Gilberto Gil, e para a Casa Civil. Segundo assessores, Gil já marcou para segunda-feira a divulgação das medidas num almoço no Rio.

Região Sudeste tem 77,3% do dinheiro

O objetivo principal, segundo o secretário de Fomento do Minc, Sérgio Xavier, é descentralizar os recursos. Dos R$ 411 milhões captados no ano passado (um volume recorde, do qual mais da metade foi de investimentos acima do teto), R$ 318 milhões destinaram-se à região Sudeste, sendo que o eixo Rio-São Paulo ficou com R$ 284 milhões. Os recursos do Nordeste não chegaram a R$ 30 milhões.

Queremos dar maiores oportunidades a quem nunca obteve um tostão, muitas vezes montando espetáculos com recursos do próprio bolso. Mas os artistas conhecidos e experientes continuam recebendo a sua fatia - diz.

A partir de agora, as regiões contarão com tetos mínimos de investimento, ajustáveis de acordo com a procura e a oferta dos proponentes e dos investidores. A mudança já inquieta uma parte da classe artística de Rio e São Paulo, que, numa visão antagônica à do Minc, vem reclamando da ausência de recursos e temendo que, com uma redistribuição, o dinheiro diminua ainda mais. Xavier põe panos quentes:

- O Sudeste não vai ser prejudicado pela simples razão de que os recursos foram crescendo historicamente. O que não se pode aceitar é que estados como o Amazonas, nos últimos dois anos, tenham captado zero real. O aumento do teto da renúncia fiscal de R$ 160 milhões para R$ 320 milhões, a partir de 2004, possibilitará a distribuição de recursos sem reduzir os níveis de captação desses estados.

O ajuste mais drástico, que dependerá de mudança na Lei, altera o teto de renúncia fiscal. Hoje, as empresas descontam do IR 100% do valor investido. Com a mudança, passam a ter os tetos estabelecidos de acordo com o tipo de projeto e a partir de critérios socioeconômicos e geográficos. A empresa que quiser, por exemplo, investir em regiões menos favorecidas, terá direito a uma renúncia maior.

O Minc também vai criar uma compensação obrigatória para empresas que, em vez de financiar projetos, preferirem criar (ou manter) fundações próprias. Agora elas terão que escolher opções de contrapartida, ficando impedidas de investir 100% da renúncia em favor próprio, prática que vinha sendo acusada de provocar fuga de recursos.

Os critérios para seleção, segundo Xavier, vão se tornar mais rigorosos. Os requisitos, que ainda estão sendo discutidos, podem incluir aspectos como direitos autorais, cachês, qualidade do gestor e do elenco, padrão de custos e política de preços.

- Até ano passado cada secretaria dentro do ministério tinha um procedimento, não havia uma unidade. Agora esses procedimentos poderão ser otimizados. É uma transição de quatro a cinco sistemas para um só. E não se deve esquecer que esta avaliação será feita por comitês que representam cada setor de atividades.

Em 2003, apenas 15 projetos, em 4 mil, foram rejeitados

Ano passado, segundo dados da secretaria, apenas 15 projetos foram indeferidos, sendo que mais de quatro mil foram aprovados ou prorrogados. Num exame preliminar, verifica-se que a maior parte dos projetos rejeitados não atende a qualquer preceito da Lei na forma atual. Por exemplo, um livro contendo planos de reestruturação urbana na área de transporte, ou projetos que pareceram às comissões ter caráter eminentemente comercial e não primar por uma política de preços atrativa.

Posted by Patricia Canetti at 6:55 PM | Comentários (3)

maio 6, 2004

Hora de crescer - como atiçar a brasa?

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Posted by Patricia Canetti at 12:35 PM | Comentários (4)