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novembro 28, 2015

Jaqueline Vojta Coming Home por Jorge Sayão

Jaqueline Vojta Coming Home

JORGE SAYÃO

Jaqueline Vojta apresenta, em sua exposição na Galeria Mercedes Viegas, suas fotografias de paisagens realizadas na Inglaterra e no Rio de Janeiro, cidade em que mora. Sua formação como pintora está presente na escolha temática, ao fotografar o campo, no vale de Dedham, em Essex, onde o artista inglês do século XIX, John Constable, viveu e pintou a maioria de suas paisagens.

Antes de entrarmos propriamente na obra de Jaqueline, há um aspecto evolutivo importante que deve ser considerado nessa retomada da pintura de Constable. O processo de desenvolvimento e concepção da fotografia tem na sua formação e constituição, na pintura de Constable, um importante e insubstituível estágio. A fixação da imagem fotográfica ocorre pela incidência dos raios luminosos e suas variações de sombras e luzes, formando manchas de cor sobre uma película de filme sensível. Constable tornou-se notório por ser um dos primeiros pintores a compor suas telas através de uma organização por manchas de cor e não, como prescrevia a tradição, por sua estrutura linear. Portanto, sua pintura é uma etapa fundamental na concepção e criação dos dispositivos fotográficos. Podemos dizer que sem Constable não haveria fotografia.

O que significa este movimento de Jaqueline do campo da pintura para uma técnica imagética, como a fotografia? O que caracteriza sua fotografia?

A pintura, juntamente com o desenho, é a mais antiga e estabelecida forma de expressão artística visual. Em sua trajetória, desenvolveu temas que lhe são próprios, consolidando uma linguagem específica. No Ocidente, até o surgimento da fotografia, a pintura foi a forma preponderante de representação, subdividindo-se em uma infinidade de gêneros. Paisagens foi o gênero escolhido por Constable e retomado por Jaqueline.

Sendo a fotografia uma técnica relativamente nova, com pouco mais de um século de existência, em seus primórdios, teve sua visualidade herdada dos pintores. Neste curto intervalo de tempo, paulatinamente, desenvolveu a especificidade de sua linguagem e pouco a pouco foi se emancipando da pintura, construindo sua própria história.

Meios e linguagens e, por conseguinte, as questões referentes às duas visualidades, da pintura e da fotografia, se tangenciam mas não coincidem necessariamente. É neste intervalo, entre pintura e fotografia, que se inserem as fotos de Jaqueline. Não são fotos de uma fotógrafa stritu sensu, não tratam das questões clássicas da linguagem da fotografia. Jaqueline não faz uma fotografia documental, recuperando o ponto exato da visada do pintor, até porque, o próprio Constable, como pode ser verificado no sítio de suas pinturas, alterava a perspectiva, deslocava edificações, rearranjava a paisagem em função da composição da tela.

Jaqueline, ao retornar ao Constable Country, busca capturar a atmosfera do lugar, tanto no aspecto luminoso e cromático, quanto na sua carga e impressão afetiva. Atualiza questões clássicas da pintura em um novo suporte, a fotografia. Retorna à temática do pitoresco do século XIX: o homem junto à natureza, agora, sob o prisma dos dilemas e das dificuldades do homem contemporâneo, que já não consegue mais interagir com a natureza e sofre as consequências desta privação. As figuras humanas surgem nas fotos esporadicamente, quase perdidas em meio à grandiosidade da paisagem, sem nela encontrar guarida, apenas vagando a esmo. A relação de flaneur mostra a dimensão do deslocamento do homem urbano contemporâneo em relação ao mundo natural. Busca acolhimento sem, no entanto, nele encontrar seu lugar e sua plenitude. A divergência de atitudes entre as personagens das telas de Constable, que desenvolvem sua vida produtiva no seio da natureza, e as figuras nas fotos de Jaqueline, deslocadas de seu meio existencial, explicita a defasagem, a transformação sofrida, ao longo dos séculos, na interação homem-natureza.

Seguindo o motto de Constable, ao se referir à sua terra natal, I should paint my own places best, Jaqueline fotografa o lugar em que vive, as praias de Ipanema e Leblon, locais onde a natureza se faz presente, resistindo em meio à selva urbana. Fotografa a resiliência da natureza que viceja, apesar da destruição praticada por nossa sociedade, que já não se apercebe da sua importância para o bem-estar e a sobrevivência do homem.

Jorge Sayão
Rio de Janeiro, novembro de 2015

Posted by Patricia Canetti at 1:55 PM